COMPENSAÇÃO
ADMISSÃO A TÍTULO SUBSIDIÁRIO
Sumário

I - É admissível a compensação deduzida a título subsidiário, isto é, para operar apenas no caso de o crédito acionado vir a ser reconhecido.
II - Toda e qualquer defesa por exceção perentória que convoque factos modificativos ou extintivos do direito acionado, tal como sucede na compensação, pressupõe, necessariamente, o prévio reconhecimento do direito alegadamente modificado ou extinto, já que apenas pode ser modificado ou extinto o que existe.

Texto Integral

Processo nº 1209/22.1T8PVZ-B.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 1209/22.1T8PVZ-B.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório

Em 14 de setembro de 2022, com referência ao Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim, Comarca do Porto, AA instaurou ação declarativa sob forma comum contra BB pedindo a condenação deste ao pagamento da “quantia total de Eur. 29.152,23 (vinte e nove mil, cento e cinquenta e dois euros e vinte e três cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% (quatro por cento), desde a data de vencimento de cada obrigação, que se liquidam em Eur. 6.509,40 (seis mil, quinhentos e nove euros e quarenta cêntimos), o que corresponde à quantia global de Eur.35.661,63 (trinta e cinco mil, seiscentos e sessenta e um euros e sessenta e três cêntimos), acrescidos dos juros vincendos contabilizados à taxa legal aplicável até efetivo e integral pagamento.”

Para substanciar as suas pretensões a autora alegou que viveu em comunhão de mesa, habitação e leito com o réu desde setembro de 1994 até março de 2014, data em que passaram a viver em quartos separados; em janeiro de 2018 a autora exigiu a definitiva separação dos bens e divisão do património de que autora e réu eram donos, o que não foi possível até à instauração da ação; desde 2009 o réu não aufere quaisquer rendimentos que lhe permitam pagar as dívidas que contraiu junto de entidades bancárias e que mensalmente são debitadas em contas da autora e do réu, sendo pagas por valores e rendimentos exclusivos da autora; não obstante o réu tenha sido interpelado para pagar aquando do vencimento das prestações, nunca pagou, tendo a autora pagado um total de €29.152,23 que competia ao autor pagar.

Citado, o réu contestou impugnando a generalidade da factualidade alegada pela autora na petição inicial, excecionou a prescrição do direito de regresso alegadamente exercido pela autora, concluindo pela total improcedência da ação e deduziu reconvenção pedindo a condenação da autora ao pagamento da quantia de € 57.582,15, valor que deverá ser objeto de compensação em caso de procedência da ação, fundando esta pretensão reconvencional em despesas comuns exclusivamente suportadas por si e nas quais afirma que a autora não participou, no preço de metade do valor de um cavalo que era propriedade exclusiva do réu de que a autora se apoderou e em resgates de PPRs constituídos com dinheiro de autora e réu.

A autora replicou alegando que o réu ao invocar a compensação está a admitir expressamente o crédito acionado pela autora, pugnou pela inadmissibilidade da reconvenção e suscitou a litigância de má-fé do réu, impugnando à cautela a generalidade da factualidade e da prova documental oferecida pelo réu com a sua contestação-reconvenção, arguindo a ilegibilidade de alguma da prova documental oferecida pelo réu e afirmou não se verificar a prescrição invocada pelo réu que, no caso, no entender da autora, é de vinte anos por estar em causa responsabilidade contratual do réu e invocou a prescrição dos créditos reclamados em compensação pelo réu anteriores a 07 de março de 2003 e a prescrição dos créditos anteriores a 07 de março de 2020 atenta o prazo trienal para o exercício da obrigação de restituição fundada em enriquecimento sem causa.

Após audição das partes sobre a fixação do valor da causa, que se considerou ser de €113.021,96, em 06 de julho de 2023 excecionou-se a competência do Juízo Local Cível em função do valor e determinou-se a remessa dos autos ao Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim.

Recebidos e distribuídos os autos no Juízo Central da Póvoa de Varzim, em 02 de outubro de 2023 foi dispensada a realização de audiência prévia, considerou-se fixado o valor da causa no despacho proferido em 06 de julho de 2023, proferiu-se despacho saneador tabelar[1], não se admitindo a reconvenção nos seguintes termos:

Na contestação, o Réu deduziu reconvenção, pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de €57.582,15 correspondentes a créditos que detém sobre a Autora.


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A apresentou resposta à reconvenção concluindo pela improcedência da mesma.

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Questão essencial a decidir é, antes de mais, a de saber se a reconvenção é ou não processualmente admissível.

Como é sabido, a reconvenção deve ser configurada como um cruzamento de acções, como uma espécie de contra-acção, com ela modifica-se o objecto da acção.

Para evitar o retardamento da concessão da tutela judiciária invocada pelo Autor, o legislador impede que o Réu formule incondicionadamente pedidos contra o autor.

Assim, a lei sujeita a reconvenção a requisitos ou pressupostos, apenas importando para o caso, os denominados substanciais.

O n.º 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil estabelece os factores de conexão entre o objecto da acção e da reconvenção que tornam esta admissível.

A citada disposição estipula que “A reconvenção é admissível, nos seguintes casos:

a) Quando, o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;

b) Quando o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;

c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;

d) Quando o pedido do réu tende a conseguir em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.”

Face ao supra exposto, a questão da admissibilidade do mesmo reside em saber se reconvenção emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa, integrando assim a hipótese da al. a) do art. 266º do CPC, ou se é susceptível de integrar o fundamento previsto na citada al. c), ou seja, o reconhecimento de um crédito sobre a Autora através do qual o Réu pretende operar a compensação, posto que as demais hipóteses da referida norma nos parecem definitivamente arredadas.

A letra da alínea a) do nº 2 do art. 266 do Cód. do Proc. Civil é muito clara quanto ao nexo - jurídico (e não outro) - que tem de existir entre acção e reconvenção, donde os apertados requisitos substantivos da sua admissibilidade.

Como se diz no Ac. do TR de Lisboa, de 22.11.2007, consultável em www.dgsi.pt, "Não basta a existência de uma forte conexão entre as causas de pedir da acção e da reconvenção para que possa entender-se que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa".

O requisito substantivo da admissibilidade da reconvenção, da alínea a) do nº 2 do artigo 274º do CPC implica que o pedido formulado em reconvenção resulte naturalmente da causa de pedir do autor (ou, até, se contenha nela) ou seja normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa, que tem o propósito-regra de obter uma modificação benigna ou uma extinção do pedido do autor".

No caso, a Autora assenta a sua causa de pedir numa série pagamentos referentes a empréstimos que contraiu conjuntamente com o Réu, a despesas que oneravam contas solidárias de ambos, bem como o pagamento de despesas da exclusiva responsabilidade do Réu.

Já o Réu, para fundamentar a sua reconvenção, reclama o pagamento, com dinheiro seu, de um conjunto de outras despesas comuns, alegando ainda que a Autora se apropriou de dinheiros provenientes de resgates de PPR, de que ambos eram titulares, com os quais procedeu, além do mais, ao pagamento das supostas despesas que aqui reclama, retendendo ser ressarcido dos valores, correspondentes á sua quota-parte, de que a Autora indevidamente se locupletou.

Face ao exposto, não se vê como os pedidos reconvencionais supra transcritos possam ser considerado normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa da Ré.

Portanto, não está verificada no caso a previsão normativa da alínea a) do nº2 do art. 266º do CPC.

Por outro lado, como é sabido, quem pretende liberar-se de uma obrigação com recurso à compensação tem necessariamente de admitir a preexistência de um crédito por parte daquele a quem se acha juridicamente vinculado e que o demanda para tornar efectivo esse crédito, devendo o devedor, para tanto, efectuar declaração no sentido de que pretende operar a compensação com o crédito que também tem sobre aquele.

Não é admissível reconvenção condicional ou subsidiária, para a hipótese de procedência da acção, libertando-se o réu, por meio de compensação, da obrigação que o vinculava ao autor, tendo ele negado a existência do crédito que este tinha sobre si.(cf. enr outros, o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 18.06.2020, processo n.º 586/19.6T8VNG-A.P1, in www.dgsi.pt)

Ora, no caso, o Réu nega peremptoriamente o crédito que sobre ele invoca a aqui Autora, o que tanto basta, face ao supra exposto, para se entender que não pode invocar a excepção de compensação.

Assim, sendo, o pedido reconvencional também não poderá ter por fundamento a al. c) da citada norma legal.

Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, decide-se não admitir os pedidos reconvencionais formulados pela Ré.

Em 19 de outubro de 2023, inconformado com a decisão que precede na parte em que não admitiu a reconvenção, BB interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. Por não concordar com o Despacho Saneador proferido a 02-10-2023, que decidiu pela inadmissibilidade da Reconvenção apresentada pelo Réu/ora Recorrente, com fundamento nos pedidos do Réu não se enquadrarem nos requisitos exigidos nos termos do art. 266º nº 2 do CPC, o R. dele recorre com os fundamentos que se expenderão.

II. Como questão prévia, desde logo, o Recurso deverá ter efeito suspensivo, porquanto o Apelante; 1) assim o requer; 2) invoca que a não suspensão dos autos causará o irreversível prejuízo de se ver inaproveitável a prova testemunhal a produzir, afetando seriamente a boa condução e celeridade processual, sendo que a procedência deste Recurso implicará uma reconversão dos termos da ação, uma vez que ambos alegam pagamentos pecuniários em excesso como causa de pedir do seu direito de regresso; 3) apesar de entender não fazer sentido prestar caução, se tal for necessário à obtenção do efeito suspensivo, desde já o requer também.

III. Passando ao MÉRITO DO RECURSO, veio o Tribunal a quo julgar inadmissível a reconvenção deduzida, entendendo, por um lado, que o pedido do Réu não emerge do facto jurídico que serve fundamento à ação e, por outro lado, que não estão reunidos os requisitos legais de que depende a compensação nos termos do artigo 847º do CC, por entender que o Réu não confessou, em sede de contestação-reconvenção, o crédito de que a Autora se arroga credora, antes se lhe opondo, entendimento com o qual não se pode concordar porquanto, atendendo ao exposto no art. 266º nº 2 do CPC, in casu, a Reconvenção deduzida pelo Réu é triplamente admissível à luz das alíneas a), c) e d).

IV. Começando pela análise DA ADMISSIBILIDADE DA RECONVENÇÃO NOS TERMOS DAS ALÍNEAS A) E D) DO Nº 2 DO ART. 266º CC, o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação – facto jurídico que consiste no direito de regresso no âmbito das obrigações solidárias – art. 524º do CC.

V. O direito de regresso no âmbito das obrigações solidárias (solidariedade entre devedores), tem por conteúdo ou substrato, em relação a cada um dos condevedores, a respectiva parte na responsabilidade da obrigação, sendo normalmente iguais as suas quotas, e só excecionalmente diferenciadas, pelo que, caso se conclua ter sido um dos devedores a satisfazer o crédito perante a entidade credora, para além da parte que lhe competia, terá direito de regresso perante o condevedor, na parte concernente à responsabilidade deste, nos quadros do artº. 524º, do Cód. Civil, ou seja, na decorrência do enunciado vínculo legal de reembolso, este, enquanto devedor solidário, estará obrigado a custear a parte que lhe competir na dívida.

VI. É este facto jurídico que vem alegar a Autora e é esse mesmo facto jurídico que invoca o Réu-Reconvinte na sua Reconvenção, o que preenche a fattispecie quer, portanto, da referida alínea a) do art. 266º do CPC, quer também da alínea d), porquanto o pedido do réu pretende conseguir em seu benefício o mesmo efeito jurídico que a autora se propõe obter, ie, o direito de regresso sobre a Autora.

VII. Só admitindo a Reconvenção do Réu será possível aquilatar se a Autora tem ou não direito de regresso sobre o Réu no que concerne ao excesso que alega ter pago, e só admitindo a Reconvenção será possível haver compensação de créditos entre eles que, num juízo de liquidação, permita perceber se algum deles tem sobre o outro direito de regresso, atendendo a que, ambos os casos, A. e R. alegam pagamentos pecuniários em excesso como causa de pedir do seu direito de regresso, desiderato, esse, da compensação, que é justamente uma das previsões do art. 266º do CPC, e mesmo ainda de poder cobrar o excesso entre o crédito que vier a ser reconhecido à Autora face àquela que vier a ser reconhecido ao Réu para este poder obter o pagamento do valor em que o crédito invocado na Reconvenção exceda o da Autora.

VIII. Por sua vez, no que respeita à ADMISSIBILIDADE DA RECONVENÇÃO NOS TERMOS DA ALÍNEA A) DO Nº 2 DO ART. 266º CC, parece-nos de afastar o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo segundo o qual, não havendo confissão do Réu da quantia peticionada pela Autora, fica ele impossibilitado de requerer a compensação de créditos de que entende ser credor e a Autora devedora.

IX. Como assinala o insigne Prof. Miguel Teixeira de Sousa (in Blog do IPPC, entradas de 9.7.2020 e de 18.1.2022), criticando alguma jurisprudência restritiva, “a compensação que o réu pretende provocar pressupõe o reconhecimento do crédito do autor (e a improcedência de qualquer defesa do réu), o que origina duas situações possíveis: (i) o réu pode reconhecer o crédito do autor e invocar, a título principal, o contracrédito, de molde a provocar a extinção daquele crédito; (ii) o réu pode contestar o crédito do autor e alegar, a título subsidiário, o contracrédito, para o caso de o tribunal vir a reconhecer o crédito do autor.

X. Na fundamentação do Despacho Saneador recorrido resulta que “Não é admissível reconvenção condicional ou subsidiária”, parecendo alicerçar-se no disposto no art. 842º nº 2 do CC, que determina que a declaração de compensação é ineficaz, se for feita sob condição ou a termo, todavia, convocando novamente os ensinamentos do prof. Miguel Teixeira de Sousa, “Salvo o devido respeito, há aqui uma confusão. Uma coisa é não ser possível fazer uma declaração de compensação sujeita a uma condição, outra coisa completamente diferente é deduzir em juízo a compensação para o caso de o crédito do autor vir a ser reconhecido. No primeiro caso, a compensação só operaria se se verificasse a condição aposta pelo declarante, no segundo a compensação opera, sem qualquer condição aposta pelo réu reconvinte, logo que esteja verificada a existência do crédito do autor. Acresce que a existência do crédito do autor não é uma condição da compensação, mas antes um requisito da compensação. Portanto, a dedução subsidiária da compensação em juízo nada tem a ver com a inadmissibilidade da sujeição da declaração de compensação a uma condição.” (sublinhado e negrito nosso).

XI. “Ainda que se entenda que a compensação subsidiária ou eventual é deduzida sob a condição da existência ou do reconhecimento do crédito do autor, importa referir que esta condição nada tem a ver com aquela a que se refere o art. 848.º, n.º 2, CC. Um pedido subsidiário é -- pode dizer-se -- um pedido condicional. É claro, no entanto, que esta condição nada tem em comum com a condição a que se referem os art. 270.º ss. CC. O acórdão da RG padece desta confusão entre a condição "processual" e a condição "material".

XII. Assim, perante o normativo em causa, na defesa da economia processual (evitar a duplicação de processos) e da compensação de créditos (imediata liquidação da dívida), o facto de o Réu contestar o crédito da Autora não impede o conhecimento do contracrédito, avaliado no caso do reconhecimento (judicial) do crédito da Autora – neste sentido Ac. do TRC, datado de 15-02-2022, Proc. 1058/21.1T8ACB-A.C1 (sumário transcrito no artigo 43 das Alegações).

XIII. Acresce que este entendimento sufragado pelo Tribunal a quo colide desde logo e manifestamente com o direito de defesa do Réu, conforme artigos 3º, nº 1, 2ª parte e 266º do CPC e ainda no artigo 20º da CRP, direito este aliás irrenunciável (cfr. Lebre de Freitas in Introdução ao Processo Civil – Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3ª edição, 2013, Coimbra Editora, p. 101) e ainda com os princípios do contraditório e da igualdade das partes, arts. 3º, nº 1, 2ª parte e nº 3 e 4º do CPC.

XIV. Destarte, entendemos que a intransigente posição sufragada pelo Tribunal a quo na decisão ora recorrida é ilegal, por violar o disposto nos artigos 266º, nº 2, al. c), 530º, nº 3, 2ª parte, 3º, nºs 1 e 3, e 4º do CPC e no artigo 847º do CC, sendo também inconstitucional por violar o artigo 20º da CRP no que respeita ao direito de defesa da Ré.

XV. Pelo exposto, mal o Tribunal a quo ao julgar inadmissível a reconvenção deduzida pela Ré, devendo esta decisão ser revogada e substituída por uma outra que, em cumprimento do disposto nas citadas disposições legais, admita a reconvenção deduzida pelo Réu.

Não foram oferecidas contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e no efeito meramente devolutivo, indeferindo-se a atribuição de efeito suspensivo requerida pelo recorrente.

Atenta a natureza estritamente jurídica do objeto do recurso e a sua relativa simplicidade, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

Da admissibilidade da reconvenção à luz das alíneas a), c) e d) do nº 1 do artigo 266º do Código de Processo Civil.

3. Fundamentos de facto

Os factos necessários e suficientes para dilucidação das questões suscitadas no recurso constam do relatório deste acórdão, resultam do teor dos próprios autos de que foram extraídos e que nesta vertente estritamente adjetiva têm força probatória plena.

4. Fundamentos de direito

Da admissibilidade da reconvenção à luz das alíneas a), c) e d) do nº 1 do artigo 266º do Código de Processo Civil

O recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida alegando, em síntese, que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação, facto jurídico que consiste no direito de regresso no âmbito das obrigações solidárias, o pedido do réu pretende conseguir em seu benefício o mesmo efeito jurídico que a autora se propõe obter, isto é, o direito de regresso sobre a autora e, além disso, abonando-se com os ensinamentos do Professor Teixeira de Sousa, refere que “a existência do crédito do autor não é uma condição da compensação, mas antes um requisito da compensação. Portanto, a dedução subsidiária da compensação em juízo nada tem a ver com a inadmissibilidade da sujeição da declaração de compensação a uma condição.”

Cumpre apreciar e decidir.

A pretensão do recorrente de revogação da decisão recorrida à luz do disposto nas alíneas a) e d) do nº 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil afigura-se-nos de todo infundada.

Na verdade, na ação não está em causa o direito de regresso no quadro das obrigações solidárias, mas sim o cumprimento pela autora de obrigações que afirma serem da responsabilidade do réu.

Por outro lado, são factos jurídicos de todo distintos aqueles em que a autora assenta a sua pretensão formulada na petição inicial e aqueles em que o réu alicerça a sua reconvenção e bem assim os efeitos jurídicos que de tais factos promanam e que de comum apenas têm consistirem, caso procedam, na condenação do respetivo demandado ao pagamento de importâncias pecuniárias com fontes distintas e em montantes diversos.

Por isso, a pretensão do recorrente não reúne as condições para ser acolhida à luz das alíneas a) e d) do nº 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil.

Vejamos agora se a pretensão recursória é passível de ser atendida ao abrigo do previsto na alínea c) do nº 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil.

Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 848º do Código Civil, a declaração de compensação é ineficaz se for feita sob condição ou a termo.

No caso dos autos, o recorrente impugna o crédito da autora, excecionando também a sua prescrição e na eventualidade desse crédito proceder pretende que seja objeto de compensação com o seu crédito.

Esta posição processual do recorrente significa que apenas na eventualidade do crédito da recorrida se revelar total ou parcialmente fundado operará a compensação.

Contudo, em bom rigor, toda e qualquer defesa por exceção perentória que convoque factos modificativos ou extintivos do direito acionado pressupõe, necessariamente, o prévio reconhecimento do direito alegadamente modificado ou extinto, já que apenas pode ser modificado ou extinto o que existe...

E não se vê como possa operar a compensação sem que ocorra o prévio reconhecimento do crédito compensado.

Mas significa isto que a dedução da compensação feita pelo recorrente nestes autos deve considerar-se feita sob condição?

Recorde-se que a condição enquanto cláusula acessória do negócio jurídico é um acontecimento futuro e incerto a que as partes subordinam a produção dos efeitos de um negócio jurídico (artigo 270º do Código Civil).

No caso em apreço, a declaração de compensação não é subordinada a um acontecimento futuro e incerto, antes a própria declaração é condicional, já que apenas é declarada para o caso de a ação se vir a revelar fundada.

A nosso ver, seguindo o entendimento do Professor Vaz Serra[2], na senda da doutrina alemã à época, a compensação eventual “não é feita sob uma autêntica condição, mas apenas sob reserva de uma circunstância (a existência do crédito contra o qual se compensa) que é pressuposto essencial da compensação.”

Nos tempos mais recentes, vários doutrinadores se têm pronunciado no mesmo sentido[3] e especialmente, o Professor Teixeira de Sousa tem-se vindo a pronunciar reiteradamente no sentido da admissibilidade da compensação subsidiária[4].

Pela nossa parte, afigura-se-nos que esta leitura doutrinal é a única que não belisca as garantias de defesa dos demandados em qualquer processo e que se conforma com as exigências constitucionais de um processo equitativo, já que não constrange o demandado que deduz a compensação a reconhecer o contracrédito da parte contrária (artigo 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa) e que trata de forma igualitária as partes pois que tal como o demandante não tem que admitir o crédito do compensante, também este não está sujeito a tal admissão para que a compensação opere.

Deste modo, não colhem as razões aduzidas pelo tribunal recorrido para não admitir a reconvenção deduzida pelo réu com fundamento no disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogado o despacho recorrido e admitida a reconvenção deduzida pelo recorrente.

O recorrente responde pelas custas do recurso pois não houve resposta ao recurso e é o recorrente que tira proveito dele (artigo 527º, nº 1, do Código de Processo Civil).

5. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar procedente o recurso de apelação interposto por BB e, em consequência, em revogar a decisão recorrida proferida em 02 de outubro de 2023.

Custas a cargo do recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.


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O presente acórdão compõe-se de nove páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.


Porto, 21 de outubro de 2024

Carlos Gil

Eusébio Almeida

Teresa Fonseca


_________________________
[1] Notificado às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 02 de outubro de 2023.
[2] Veja-se Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 104º, nº 3465, páginas 373 e 374, nº 7.
[3] Sobre esta problemática vejam-se: Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em geral, Universidade Católica Portuguesa 2018, página 1272, último parágrafo do ponto V da anotação ao artigo 848º do Código Civil; Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, coordenação de António Menezes Cordeiro, Almedina 2021, página 1163, dois últimos períodos da anotação 5 ao artigo 848º do Código Civil.
[4] Veja-se o estudo publicado no blogue do IPPC em 08 de julho de 2020 em comentário ao acórdão deste Tribunal da Relação de 18 de junho de 2020, proferido no processo nº 586/19.6T8VNG-A.P1, precisamente a decisão que o tribunal recorrido invoca para fundamentar a sua decisão. Ainda no mesmo blogue, no dia 06 de setembro de 2021, veja-se o comentário desfavorável ao acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18 de fevereiro de 2021, proferido no processo nº 3569/20.0T8GMR-A.G1, o estudo publicado no mesmo blogue no dia 09 de janeiro de 2022 e o “post” no mesmo blogue no dia 05 de julho de 2022, com um comentário crítico desfavorável do Professor Teixeira de Sousa ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15 de dezembro de 2021, proferido no processo nº 440/19.1T8SCD-A.P1.