Numa demanda conjunta de uma sociedade devedora (ainda que sujeita a um plano especial de revitalização no âmbito dos artigos 17.º a 17.º J do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, C.I.R.E.) com outra sociedade gestora de participações sociais que detém a totalidade do capital daquela, a responsabilidade desta, enquanto sociedade dominante, é objetiva e solidária, nos termos do disposto, entre outros, nos artigos 482.º, al. c), 486.º, n.º 1 e n.º 2, al. a), 491.º e 501.º do Código das Sociedades Comerciais, C.S.C., e dos artigos 512.º e 513.º do Código Civil, C.C., com a sociedade dependente.
SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, C.P.C.):
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Relator: Jorge Martins Ribeiro;
1.ª Adjunta: Eugénia Cunha e
2.ª Adjunta: Teresa Sena Fonseca.
I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de ação de condenação com processo comum, é autora (A.) “A..., S.A.” (...), titular do N.I.F. ......, com morada na Rua ..., ..., ... ..., e e são rés (RR.) “B..., S.A.”, titular do N.I.F. ......, com sede na Rua ..., ..., ... Vila do Conde, “C..., Sgps, S.A.”, titular do N.I.F. ......, com sede na Rua ..., ..., ... Vila do Conde.
A) No dia 08/02/2023 foi realizada a audiência prévia, tendo sido ordenada a conclusão dos autos para prolação de sentença.
B.1) Do relatório da mesma consta:
“A Autora intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum pedindo a condenação da segunda Ré no pagamento da quantia global de € 132.393,92, acrescida de juros moratórios, às taxas legais comerciais sucessivamente em vigor, vencidos e vincendos.
Alegou, em síntese, que desde 2016 a primeira Ré tem vindo a adjudicar-lhe obras em subempreitada, identificando três, ficando previsto nos contratos a retenção de 5%, sendo que, em consequência da receção definitiva, o valor em dívida ascende a € 132.393,92; a primeira Ré apresentou um PER identificando o seu crédito, que é também devido pela segunda por deter 100% do capital daquela, possuindo as mesmas pessoas como legais representantes e estar numa relação de domínio.
- fazer o enquadramento jurídico da relação estabelecida entre as Rés;
- no confronto com as cláusulas dos contratos celebrados entre a Autora e a primeira Ré, aferir se a demandante pode exigir a restituição integral do valor retido para garantia dos trabalhos que realizou nas obras”.
B.2) Do dispositivo da mesma consta o seguinte:
“Em face do exposto, o Tribunal:
A) julgando a ação parcialmente provada e procedente condena a Ré C... - SGPS, S.A a pagar à Autora A..., S.A.:
a) a quantia de € 45.088,26 relativamente à retenção identificada nos pontos 25) e 50% das retenções identificadas nos pontos 21) e 23), todos da fundamentação de facto;
b) a quantia de € 12.206,51 de juros vencidos à data da propositura da ação, sobre o montante referido em a), por referência às datas identificadas nos pontos 22), 24) e 26) da fundamentação de facto;
c) juros às taxas que resultarem da aplicação do artigo 2º nº 2 da Portaria nº 277/2013 de 26 de Agosto, sobre a quantia identificada em a) desde 23 de Novembro de 2021 até integral e efetivo cumprimento.
Custas a cargo da Autora e da segunda Ré na proporção de 6/10 e 4/10, respetivamente.
Registe e notifique”.
Formularam as seguintes conclusões([2]):
“1. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre um dos pedidos efetuados pelas Rés aqui Recorrentes, o que sempre implicará a nulidade da sentença; por outro lado, esteve mal na aplicação do Direito quanto aos pontos relativos à mora da 1.ª Ré o que
2. Em sede de «Fundamentação de Direito» da sentença ora recorrida, o Tribunal a quo não se pronunciou acerca da invocada violação do princípio da igualdade entre credores, consagrado no artigo 194.º do CIRE, por parte da Autora, aqui Recorrida, e, como consequência do pedido de absolvição total da 2.ª Ré.
3. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre um dos pedidos que lhe haviam sido direta e separadamente formulados, pelo que, nos termos do vertido no artigo 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, incorreu em omissão de pronúncia, motivo pelo qual deve ser a sentença declarada nula e, em consequência, ser prosseguido o processamento subsequente previsto no artigo 617.º do Código de Processo Civil.
4. O Tribunal a quo andou mal na aplicação do direito quando não considerou que o efeito standstill do processo especial de revitalização da 1.ª Ré tem como consequência a inexistência de mora por parte desta, uma vez que se encontra a cumprir o plano de revitalização, e, portanto, não se pode considerar que decorreram 30 dias sobre a constituição em mora da mesma, critério fundamental do artigo 501.º do CSC.
5. O Tribunal a quo não poderia condenar a 2.ª Ré a antecipar um pagamento à Autora que a sociedade garantida ainda não devia, por não estar vencido, uma vez que a 1.ª Ré vem de um Plano de Revitalização aprovado, pois a garantia em causa não tem uma natureza paralela, nem está dotada de autonomia própria, mas sim uma «garantia» decorrente da relação de grupo entre empresas e, evidentemente, a Autora não poderia ignorar que a sociedade-mãe, não se demitindo da sua responsabilidade de garante (que se mantém), responde na mesma linha que a sociedade-filha, mas não antes desta.
6. Deve a decisão sub judice ser revogada e, em consequência, devem os autos baixar à primeira instância para prosseguimento dos ulteriores trâmites legais, designadamente, a realização de julgamento para produção de prova nos termos legais.
Termos em que,
1. Deve ser julgada procedente a nulidade da sentença em crise por omissão de pronúncia e, em consequência, serem prosseguidos os trâmites previstos no artigo 617.º do Código de Processo Civil.
Caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se concebe, mas não se concede,
2. Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em conformidade, ser proferido acórdão que, alterando a sentença, absolva a Recorrida do pedido, como é de JUSTIÇA!”.
Concluiu pelo seguinte:
“Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o recurso interposto ser julgado improcedente e ser mantida, na íntegra, a sentença proferida pelo Tribunal a quo,
Assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!”.
Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos a considerar:
Tendo em conta o disposto no art.º 663.º, n.º 6, do C.P.C., os factos a considerar para a decisão do recurso são os constantes da sinopse processual – que, nesta vertente adjetiva, têm força probatória plena –, bem como os fixados na sentença recorrida, com o teor que a seguir transcrevemos.
“1. A Autora dedica-se à atividade de Instalação, manutenção e reparação de equipamentos técnicos para obras de construção, climatização e ventilação, antenas, instalações elétricas, alarmes, cablagem para telecomunicações, computadores e televisão por cabo, equipamentos de energia solar, e outras atividades especializadas de construção civil.
2. A primeira Ré dedica-se à atividade de construção e engenharia civil, instalação de sistemas de aquecimento, climatização, rede de gás, compra e venda de bens imobiliários, prédios - revenda dos adquiridos para esse fim e arrendamento de bens imobiliários.
3. Por seu turno, a segunda Ré dedica-se à atividade de gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas e as atividades acessórias e complementares desse objeto que sejam permitidas pela legislação aplicável.
4. O capital da primeira Ré é detido a 100% pelos acionistas da segunda.
5. O Conselho de Administração da primeira Ré é composto por AA, Presidente, BB e CC, ambos Vogais.
6. O Fiscal único da primeira Ré é D... - SROC, Ld.ª, SROC nº ..., representada por DD, ROC nº ..., sendo suplente EE, ROC nº ....
7. O Conselho de Administração da segunda Ré é composto por AA, Presidente, BB e CC, ambos Vogais.
8. O Fiscal único da segunda Ré é D... - SROC, Ld.ª, SROC nº ..., representada por DD, ROC nº ..., sendo suplente EE, ROC nº ....
9. Desde o ano de 2016 a primeira Ré, no exercício da sua atividade, tem vindo a adjudicar à Autora a execução de trabalhos de AVAC([4]) nas seguintes obras, sendo os preços acrescidos de IVA à taxa legal em vigor:
a) nº ... - Escola .../..., pelo preço de € 574.359,75;
b) nº ... – Edifício ...;
c) nº ... - Hotel .../..., pelo preço de € 290.000.
10. Ficou previsto no acordo referente à obra referida em 9) a) que, para garantia das obrigações da Autora, a primeira Ré retinha 10% dos pagamentos que efetuasse, libertando 5% na receção provisória e os outros 5% na receção definitiva (5 anos).
11. Ficou previsto no acordo referente à obra referida em 9) b) que, para garantia das obrigações da Autora, a primeira Ré retinha 10% dos pagamentos que efetuasse, libertando 5% na receção provisória e os outros 5% na receção definitiva (5 anos).
13. Ficou previsto no acordo referente à obra referida em 9) c) a retenção de 5% a libertar dois anos após a receção provisória.
12. Nas condições gerais dos acordos referidos em 9) ficou previsto “a restituição das quantias ou a libertação da garantia bancária será efetuada mediante requerimento escrito da segunda contraente [a Autora], após a receção definitiva da empreitada geral, realizada entre o dono da obra e a primeira contraente [a primeira Ré].
13. A Autora emitiu em nome da primeira Ré as seguintes faturas:
a) quanto à obra identificada em 9) a):
- nº 1933 de 31 de Dezembro de 2016, referente ao auto nº 3, no montante de € 27.328,44, com vencimento a 1 de Março de 2017;
- nº 8 de 31 de Janeiro de 2017, referente ao auto nº 4, no montante de € 24.249,83, com vencimento a 1 de Abril de 2017;
- nº 53 de 28 de Fevereiro de 2017, referente ao auto nº 5, no montante de € 62.821,38, com vencimento a 29 de Abril de 2017;
- nº 120 de 31 de Março de 2017, referente ao auto nº 6, no montante de € 28.134,82, com vencimento a 30 de Maio de 2017;
- nº 122 de 30 de Abril de 2017, referente ao auto nº 7, no montante de € 28.374,43, com vencimento a 29 de Junho de 2017;
- nº 142 de 31 de Maio de 2017, referente ao auto nº 8, no montante de € 29.968,54, com vencimento a 30 de Julho de 2017;
- nº 162 de 30 de Junho de 2017, referente ao auto nº 9, no montante de € 34.308,47, com vencimento em 29 de Agosto de 2017;
- nº 182 de 31 de Julho de 2017, referente ao auto nº 10, no montante de € 9.313,12, com vencimento a 29 de Setembro de 2017;
- nº 216 de 31 de Agosto de 2017, referente ao ano nº 11, no montante de € 30.034,47, com vencimento a 30 de Outubro de 2017;
- nº 239 de 30 de Setembro de 2017, referente ao auto nº 12, no montante de € 55.796,48, com vencimento a 29 de Novembro de 2017;
b) quanto à obra identificada em 9) b):
- nº 185 de 31 de Julho de 2017, referente ao auto nº 1, no montante de € 12.266,86, com vencimento a 28 de Novembro de 2017;
- nº 244 de 30 de Setembro de 2017, referente ao auto nº 2, no montante de € 43.097,31, com vencimento a 28 de Janeiro de 2018;
- nº 293 de 31 de Outubro de 2017, referente ao auto nº 3, no montante de € 12.801,56, com vencimento a 28 de Fevereiro de 2018;
- nº 296 de 28 de Novembro de 2017, referente ao auto nº 4, no montante de € 37.257,07, com vencimento a 28 de Março de 2018;
- nº 17 de 31 de Janeiro de 2018, referente ao auto nº 6, no montante de € 26.815,35, com vencimento a 31 de Maio de 2018;
- nº 27 de 28 de Fevereiro de 2018, referente ao auto nº 7, no montante de € 12.668,04, com vencimento a 28 de Junho de 2018;
- nº 51 de 31 de Março de 2018, referente ao auto nº 8, no montante de € 7.410,57, com vencimento a 29 de Julho de 2018;
- nº 69 de 27 de Abril de 2018, referente ao auto nº 9, no montante de € 10.113,28, com vencimento a 25 de Agosto de 2018;
- nº 123 de 30 de Junho de 2018, referente ao auto nº 1 (aditamento de 21 de Maio de 2018), no montante de € 11.095,87, com vencimento a 28 de Outubro de 2018;
- nº 152 de 28 de Agosto de 2018, referente ao auto nº 10, no montante de € 3.899,37, com vencimento a 31 de Dezembro de 2018;
- nº 170 de 27 de Setembro de 2018, referente ao auto nº 1 (aditamento de 20 de Agosto de 2018), no montante de € 5.300,72, com vencimento a 25 de Janeiro de 2019;
- nº 184 de 31 de Outubro de 2018, referente ao auto nº 1, no montante de € 479,23 (aditamento de 29 de Junho de 2018), com vencimento a 28 de Fevereiro de 2019;
- nº 58 de 24 de Abril de 2019, referente ao auto nº 11, no montante de € 2.817,52, com vencimento a 22 de Agosto de 2019;
c) quanto à obra identificada em 9) c):
- nº 1687 de 30 de Setembro de 2016, referente ao auto nº 1, no montante de € 79.606,63, com vencimento a 29 de Novembro de 2016;
- nº 1834 de 30 de Novembro de 2016, referente ao auto nº 3, no montante de € 79.912,27, com vencimento a 29 de Janeiro de 2017.
14. Em 21 de Setembro de 2021 a primeira Ré apresentou processo de revitalização que correu termos sob o nº 2471/21.2T8STS [certidão judicial junta em 3 de Novembro de 2022].
15. No processo identificado em 14) a primeira Ré relacionou o crédito da Autora em € 126.734,48 com natureza comum.
16. No âmbito do processo identificado em 14)([5]) a Autora apresentou reclamação de créditos no valor global de € 62.186,01 (€ 45.920,19 de capital e € 16.265,82 de juros), sendo € 27.439,26, € 11.343,79 e € 7.137,15 de retenções das obras identificadas em 9) a), b) e c), respetivamente.
17. O crédito identificado em 16) foi reconhecido na relação provisória de credores apresentada em 29 de Outubro de 2021 no processo identificado em 14) [documento 3 junto com a contestação].
18. A Autora apresentou impugnação à relação provisória referida em 17) para reconhecimento do crédito de € 132.393,92 [documento 4 junto com a contestação].
19. O Administrador Provisório declarou não se opor ao reconhecimento do crédito identificado em 18) [documento 5 junto com a contestação].
20. Por sentença proferida em 8 de Agosto de 2022 no processo identificado em 14), transitada em julgado a 5 de Setembro de 2022, foi homologado o plano de revitalização aprovado pelos credores, que no que toca aos credores fornecedores e prestadores de serviços, ficou a consistir no pagamento de 100% dos créditos reconhecidos à data da sentença de homologação do plano, em 40 prestações trimestrais, crescentes, vencendo-se a primeira decorridos 24 meses após o trânsito em julgado da sentença da homologação do plano, sendo no primeiro e segundo ano amortizado 2,5% do valor da dívida, no terceiro e quarto 5%, no quinto e sexto 7,5%, oitavo e nono 10% e no décimo ano 40%, perdão de 100% dos juros vencidos e vincendos, isenção de custas e outras quantias desta natureza (indemnizações, comissões, despesas, custas, imposto de selo, etc.) relacionadas com créditos, constituídas ou vencidas até à data do depósito do acordo de reestruturação.
21. No âmbito da obra identificada em 9) a) a primeira Ré reteve o montante global de € 45.223,44.
22. A receção provisória da obra identificada em 9) a) ocorreu a 26 de Outubro de 2017.
23. No âmbito da obra identificada em 9) b) a primeira Ré reteve o montante global de € 22.687,59.
24. A receção provisória da obra identificada em 9) b) ocorreu a 27 de Julho de 2018.
25. No âmbito da obra identificada em 9) c) a primeira Ré reteve o montante global de € 11.132,75.
26. A receção provisória da obra identificada em 9) c) ocorreu a 2 de Dezembro de 2016.
27. Por email de 23 de Julho de 2021 endereçado à segunda Ré pela Mandatária da Autora instando-a ao pagamento da quantia de € 45.920,19, que se encontrava vencida”([6]).
Nos termos do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do C.P.C., “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Ainda que a questão não tenha sido levantada, há um patente lapso de escrita no facto n.º 20, pois que o plano de amortização aí descrito implicaria apenas o pagamento de 90% dos créditos e não 100%; o lapso deve-se ao facto de terem sido omitidos 10% relativos ao “sétimo” ano.
Assim, a redação do facto passa a ser a seguinte (alteração a negrito):
“20. Por sentença proferida em 8 de Agosto de 2022 no processo identificado em 14), transitada em julgado a 5 de Setembro de 2022, foi homologado o plano de revitalização aprovado pelos credores, que no que toca aos credores fornecedores e prestadores de serviços, ficou a consistir no pagamento de 100% dos créditos reconhecidos à data da sentença de homologação do plano, em 40 prestações trimestrais, crescentes, vencendo-se a primeira decorridos 24 meses após o trânsito em julgado da sentença da homologação do plano, sendo no primeiro e segundo ano amortizado 2,5% do valor da dívida, no terceiro e quarto 5%, no quinto e sexto 7,5%, sétimo, oitavo e nono 10% e no décimo ano 40%, perdão de 100% dos juros vencidos e vincendos, isenção de custas e outras quantias desta natureza (indemnizações, comissões, despesas, custas, imposto de selo, etc.) relacionadas com créditos, constituídas ou vencidas até à data do depósito do acordo de reestruturação”.
A motivação desta alteração consta de p. 20 da sentença proferida no processo n.º 2471/21.2T8STS do Juízo de Comércio de Santo Tirso, J 7, junta aos autos no dia 09/12/2022 e não (como, certamente por lapso, foi referido na sentença recorrida) aos 03/12/2022.
O Direito aplicável aos factos:
Damos por reproduzida a fundamentação de Direito constante da sentença recorrida.
No entanto, desde já destacamos (e corrigimos) dois lapsos de escrita de somenos importância – pois que não influem, de todo, na decisão da causa.
Assim: no fim do primeiro parágrafo de p. 12, onde se lê “11.343,78” deverá ser lido “11.343,79”; na terceira linha do terceiro parágrafo da mesma página, onde se lê “ 2 de Dezembro de 2023” deverá ser lido “27/07/2023” – pois que tal data corresponde a 5 anos após a receção provisória ocorrida aos 27/07/2018 (como consta provado no facto n.º 24).
Posto isto, e começando pelo fim, a sentença não merece qualquer reparo, bem pelo contrário([7]).
Alega a recorrente que “[o] Tribunal a quo não se pronunciou acerca da invocada violação do princípio da igualdade entre credores, consagrado no artigo 194.º do CIRE, por parte da Autora, aqui Recorrida, e, como consequência do pedido de absolvição total da 2.ª Ré. 3. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre um dos pedidos que lhe haviam sido direta e separadamente formulados, pelo que, nos termos do vertido no artigo 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, incorreu em omissão de pronúncia”.
A nulidade de omissão de pronúncia está prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. d), do C.P.C., como referido.
Tal nulidade está diretamente relacionada com o art.º 608.º, n.º 2, do mesmo Código, segundo o qual “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
É crucial a distinção entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Como explica Alberto dos Reis([8]), “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões ou pretensões formuladas que o tribunal tenha de conhecer. Por todos, citamos o acórdão deste Tribunal da Relação (no qual são citados dois arestos do Supremo Tribunal de Justiça, devidamente referidos), proferido no processo n.º 588/14.9TVPRT.P1, datado de 23/05/2022 e relatado por Pedro Damião e Cunha: “[c]omo se conclui – mais uma vez – no recente ac. do STJ de 10.3.2022 [(relator: Catarina Serra)] «[a] omissão de pronúncia respeita exclusivamente a questões, sendo que esta noção abrange as pretensões que as partes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia». No mesmo sentido se refere no ac. do STJ de 9.3.2022 (relator: Pedro de Lima Gonçalves), «[a] nulidade da decisão por omissão de pronúncia apenas se verificará nos casos em que ocorra omissão absoluta de conhecimentos relativamente a cada questão e já não quando seja meramente deficiente ou quando se tenham descurado as razões e argumentos invocados pelas partes». Assim, a não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte é certo que pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas. Porém, daí apenas pode decorrer um, eventual, erro de julgamento (error in iudicando), mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia. Ou seja, este tipo de omissão pode, eventualmente, conduzir a um erro de julgamento quanto à matéria de facto e/ou quanto às questões de direito esgrimidas nos autos e, portanto, logicamente, nessa medida, só em sede de impugnação da decisão de facto ou de dissídio jurídico perante a decisão, se pode/deve colocar a questão. [A] não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença”([9]).
De todo o modo, dizemos o seguinte. A recorrente concretiza o seu argumento nos seguintes termos: “As Recorrentes, na contestação apresentada nos presentes autos, referiram, em 31.º da mesma que «Verifica-se, portanto, a violação do princípio da igualdade de credores, por configurar um tratamento mais desfavorável e discriminatório, quando, num plano de revitalização tendo em vista a reestruturação do passivo da devedora, determinados credores, recebem, sem que estejam concluídas as negociações no plano de recuperação, os seus créditos e os demais credores comuns têm que aguardar pelo desfecho de tais negociações para que possam ser pagos»”([10]) .
A contestação foi apresentada aos 20/01/2022, mas a sentença no processo especial de revitalização da primeira R., referido no facto provado n.º 20, foi proferida aos 08/08/2022, tendo transitado em julgado no dia 05/09/2022([11]), sentença pela qual foi homologado o plano de revitalização aprovado pelos credores – sendo que, como resulta da certidão junta, “[c]oncluídas as negociações, houve lugar à votação do plano apresentado pela devedora, cuja versão final foi junta em [21-02-2022]. Em 18-07-2022 foi apresentado o documento informativo do resultado da [votação], do qual decorre que votaram favoravelmente o plano de recuperação credores representando o total de 74,26% dos créditos relacionados com direito de voto, tendo votado contra credores representando, em conjunto, 25,74% dos créditos com direito de voto, num universo de 79,22% dos credores, dos quais 0,01% correspondem a credores titulares de créditos subordinados. Notificados do resultado da votação, apenas os credores E..., Ld.ª e F..., S.A. apresentaram objeções, decididas conforme antecede”([12]).
A 1.ª R. recorreu ao processo especial de revitalização, previsto nos artigos 17.º a 17.º J do C.I.R.E., tendo o plano sido aprovado. O princípio da igualdade referido no art.º 194.º do C.I.R.E., tanto é convocável num processo de insolvência – em que sistematicamente se insere([13]) – como num processo especial de revitalização.
Em qualquer caso, a ser invocada a tutela da igualdade de credores (por referência ao art.º 194.º do C.I.R.E.) referida pela R. recorrente, não seria por si (devedora obrigada solidária), mas por aquele credor que se sentisse prejudicado…, pois segundo o disposto no referido artigo, n.º 1 e n.º 2, “1 - O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas. 2 - O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afetado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável”.
Contudo, pertinentemente, da sentença recorrida consta a seguinte observação: “[n]o caso dos autos, a Autora pretende a responsabilização da segunda Ré no pagamento das quantias em dívida pela primeira fazendo-o, afigura-se, porque esta apresentou um processo especial de revitalização do qual decorre, nos termos do artigo 17º-F nº 11 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, que a decisão de homologação do plano de reestruturação aprovado vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no nº 5 do artigo 17º-C”.
Sem nos querermos contradizer, quanto a não termos de rebater todos os argumentos ou razões apresentadas, não colhe a invocação do disposto no art.º 17.E, n.º 1, do C.I.R.E., “[a] decisão a que se refere o n.º 5 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade” pois que, logicamente, a 1.ª e a 2.ª R. são pessoas coletivas distintas… – o que vale inteiramente para a segunda questão, no atinente à fixação dos juros de mora.
Em suma, não merece qualquer reparo a decisão, na medida em que a 1.ª R. e a 2.ª R (detendo esta na totalidade o capital daquela) são sociedades coligadas por existir uma relação de domínio, como disposto no art.º 482.º, al. c) do C.S.C., “[p]ara os efeitos desta lei, consideram-se sociedades coligadas: [c)] As sociedades em relação de domínio”([14]), esclarecendo o art.º 486.º, n.º 1 e n.º 2, al. a), do C.S.C. que “[c]onsidera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, diretamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.º, n.º 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante. 2 - Presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, direta ou indiretamente: a) Detém uma participação maioritária no capital”([15]) – no caso, a dominante (2.ª R.) detém a totalidade do capital da dependente (1.ª R.).
Por força do disposto no art.º 491.º do C.S.C., “[a]os grupos constituídos por domínio total aplicam-se as disposições dos artigos 501.º a 504.º e as que por força destes forem aplicáveis”, dispondo o art.º 501.º, n.º 1, que “[a]sociedade diretora é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada, constituídas antes ou depois da celebração do contrato de subordinação, até ao termo deste”.
Como observam Duarte Garin e Francisco da Cunha Ferreira, “[o] regime de responsabilidade previsto no artigo 501.º do CSC configura uma derrogação ao princípio geral de que cada sociedade responde única e exclusivamente pelas suas próprias dívidas (cfr. artigos 397.º e 601.º do Código Civ.). perante o incumprimento de uma obrigação que tenha sido contraída antes ou na vigência da relação de grupo entre uma sociedade-mãe e a sociedade-filha, os credores da sociedade-filha poderão recorrer quer ao património da sociedade-filha (regra geral) e ao património da sociedade-mãe. De acordo com a jurisprudência e a doutrina, o regime do artigo 501.º do CSC prevê uma responsabilidade ipso jure, automática, objetiva, direta, ilimitada e [solidária]”([16]).
Na parte que mais diretamente para aqui releva, e continuando com os mesmos autores, é uma “[responsabilidade] direta e ilimitada: o credor pode exigir o cumprimento da obrigação à sociedade-mãe (desde que verificada a condição referida no artigo 501.º, número 2 do CSC) sem ter de recorrer previamente ao património da sociedade-filha (i.e. não se prevê o regime do benefício da excussão prévia). A sociedade-mãe responderá com todo o seu [património]; Responsabilidade solidária: pela dívida contraída pela sociedade-filha responde não apenas esta mas também, solidariamente, a sociedade-mãe (cfr. artigo 512.º do CC) podendo o credor da sociedade-filha interpelar diretamente qualquer uma das entidades (não obstante a interpelação à sociedade-mãe estar condicionada ao cumprimento dos requisitos estabelecidos no artigo 501.º, número 2 do CSC)”([17]).
Por tudo quanto ficou exposto, o presente recurso será julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
III – DECISÃO
Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela recorrente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas da apelação pela recorrente, nos termos do art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C.
Porto, 21/10/2024.