I - O Regime Geral do Processo Tutelar Cível consagra a possibilidade de o juiz, no âmbito de um processo tutelar cível pendente, decidir, fundamentadamente, a título provisório, questões, a demandar uma regulação urgente, que devam ser apreciadas a final (bem como ordenar diligências essenciais para assegurar a execução efetiva da decisão), viabilizando, com estas providências cautelares em matéria tutelar cível, a proteção e defesa do superior interesse da criança. No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a falta de acordo dos progenitores, na conferência, demanda decisão provisória, obrigatória.
II - O critério orientador na decisão do tribunal é o interesse superior da criança (e não o interesse de qualquer dos pais, que apenas deve ser considerado na justa medida em que se mostre conforme àquele), sendo o superior interesse do menor um conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, com a primazia da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor.
III - É de primordial interesse para a criança poder crescer na convivência, igualitária, com a mãe e com o pai, sempre que tal não ponha em causa preponderantes interesses, como a vida, a saúde (física e psíquica) e a segurança do menor, sendo que, também, na determinação do regime de visitas da criança o princípio basilar a observar é o do seu superior interesse, tendo-se de, nas circunstâncias do caso, ir determinando o que o mesmo justifica e o que se revela adequado.
IV - É do superior interesse da criança seja incrementada e aprofundada, para o que todos têm de cooperar, primordialmente a progenitora com quem a criança vem a residir, uma forte relação afetiva com o pai, por forma a minimizar a separação até à regulação definitiva (com a situação e os seus contornos fácticos já definidos), na observância de um regime de visitas o mais abrangente e regular possível. E se uma pernoita de 4 em 4 semanas com o pai se não vem revelando de afastar, o direito da criança a um pai tão presente na sua vida como a mãe impõe participação ativa e decisão no sentido de serem criadas as condições para um maior e mais próximo convívio e de qualidade.
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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Recorrente: AA
Recorrido: BB
Nos autos de Regulação das Responsabilidades Parentais do menor CC, nascido em ../../2017, que o progenitor, BB, propôs contra a progenitora, AA, veio esta apresentar recurso de apelação da decisão que determinou, a título provisório, alteração ao regime de convívios com o progenitor, pugnando por que seja “revogada a decisão provisória e despacho recorridos e substituídos por outra, em que seja mantido o regime provisório fixado em 14.11.2022, atenta a manifesta recusa/resistência do CC em pernoitar na casa paterna, e os sentimentos de incompreensão, receio, insegurança e afastamento provocados no menor perante a pressão exercida pelo progenitor, de forma a que a vontade daquele não seja violentada, assim se assegurando o seu bem-estar emocional e psicológico, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
1. A factualidade constante dos autos, com relevo para abalar a decisão provisória e despacho em crise, é a supra vertida em A) OS FACTOS, para onde se remete por economia processual, e cujo teor se reproduz[1].
2. Tal factualidade impõe decisão diversa da determinada pelo Tribunal a quo em 27.06.2024 e 28.06.2024, e ora em crise, pois a alteração do regime provisório fixado em 14.11.2022, para um regime com a fixação de pernoitas quinzenais com o progenitor e duas semanas de férias interpoladas, mas com o fim-de-semana de permeio a caber ao pai (três fins-de-semana seguidos) -, quando o CC recusa as pernoitas, como refere a psicóloga Drª DD no seu relatório datado de 26.06.2024 -, constitui uma grande violência e causa enorme sofrimento a este, sendo que o alargamento do regime convivial entre pai e filho deve ser progressivo e natural, respeitando-se o tempo, a particular personalidade do menor, e o temperamento sensível do mesmo.
3. Pese embora na decisão provisória de 27.06.2024 seja feita referência ao relatório psicológico datado de 26.06.2024, a verdade é que a mesma foi tomada completamente ao arrepio do seu teor e conclusões, e indo em contradição ao nele vertido.
4. Não se olvidando o princípio da livre apreciação da prova, e os critérios de conveniência e oportunidade que pautam os processos de jurisdição voluntária, a verdade é que o Tribunal a quo deveria ter valorado devidamente o relatório de psicologia clínica de 26.06.2024, como parecer técnico que é, porque proferido por profissional qualificado e que tem vindo a acompanhar o CC desde 2021, mantendo o regime provisório fixado em 14.11.2022, já de disse difícil de aceitar pelo CC. E aguardar pela perícia médico-legal sugerida pela Pedopsiquiatra EE, pela Técnica da ATE e pela Psicóloga.
5. O “interesse do menor” é um conceito jurídico indeterminado cuja integração, in concreto, envolve uma multiplicidade de fatores. Tal como assinala Maria Clara Sottomayor, in “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio”, Almedina, 1997, pág. 38, citando os autores americanos, “cada caso deve ser decidido com base nos próprios factos, pois os casos de guarda são como impressões digitais, não há dois exatamente iguais”.
6. Mas tendo sempre por referência os princípios constitucionais, como o direito da criança à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral - cfr. artigo 69º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa – e procedendo-se a uma análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência.
7. O chamado direito de visita consiste, nas palavras de Maria Clara Sottomayor, na obra citada, pag, 47, “no direito de pessoas unidas por laços familiares ou afetivos estabelecerem relações pessoais. No contexto do divórcio..., o direito de visitas significa o direito de o progenitor sem a guarda dos filhos se relacionar e conviver com eles, uma vez que tais relações não podem desenvolver-se de forma normal em virtude da falta de coabitação dos pais”. Gozando tal direito de proteção constitucional face a terceiros e ao Estado, cfr. artigo 36°, nº 6 da Constituição da República Portuguesa.
8. Contudo, o direito de visitas ao progenitor não guardião, não pode estar dissociado do superior interesse do filho e do seu bem-estar psíquico e emocional. O mesmo é dizer que, quando o direito de visitas entra em conflito com o interesse da criança, é o interesse da criança que deve prevalecer.
9. Com efeito, ao priorizar o superior interesse do menor, torna-se evidente que o direito de visita do progenitor não residente não deve ser imposto se a criança não o desejar, ou se regressar das visitas psicologicamente abalada.
10. Assim, o direito de visita deve ser entendido como um direito-dever, e não como um direito absoluto, fundado no interesse do menor. Dessa forma, pode ser limitado ou ajustado quando a saúde mental do menor o justifique ou quando este, tendo já alcançado uma idade que lhe permita ter uma certa maturidade, se obstar às visitas. O cerne do direito de visita deve ser a ligação afetiva entre o progenitor e o filho, e não apenas relação biológica e jurídica da filiação.
11. Existem situações em que o direito de visita não é cumprido por recusa da criança em estar com o progenitor não residente, sendo que, uma execução coerciva deste direito poderá ser prejudicial para o bom desenvolvimento da criança. Segundo Maria Clara Sottomayor, tais situações devem ser tratadas como um processo de promoção e de proteção de criança em perigo, conforme a Lei nº 147/99, de 1 de setembro, ou então como um processo de alteração do regime de visitas, de acordo com o art. 42º do RGPTC. O objetivo central é entender as motivações da recusa e encontrar soluções para que tais obstáculos sejam ultrapassados. Embora muitas vezes se entenda que o direito de visita deve ser religiosamente cumprido, impor tal direito coercivamente pode ser prejudicial.
12. O exercício coercivo do direito de visita pode comprometer ainda mais a relação filho/progenitor não residente, sendo, por isso, recomendado que se desenvolvam ações no sentido de conquista da confiança e afetividade do menor, para que, futuramente, seja possível um exercício pacífico e desejado do direito de visita.
13. Resultando do prescrito no nº 7 do artigo 1906º do CC, que se sobrevaloriza o interesse da criança em detrimento do interesse do próprio progenitor visitante em se realizar na sua parentalidade. Pelo que, em certas circunstâncias, considera Maria Clara Sottomayor, na obra citada, pag.62, que “No caso de o menor se recusar a relacionar-se com o progenitor sem a guarda, o direito de visita não pode ser-lhe imposto, pois a relação de visita não é concebível sem o desejo de viver essa relação”.
14. O fenómeno da recusa das crianças à relação com um dos pais é sempre multifactorial, não resultando de uma só causa, como pretende a tese da síndrome de alienação parental (SAP), que faz a rejeição da criança derivar necessariamente de uma campanha difamatória levada a cabo por um dos pais contra o outro.
15. Não se colocando como opção, perante a rejeição do CC às pernoitas no domicilio paterno, a imposição do alargamento de tais pernoitas e do período de férias, naturalmente propiciadora de forte perturbação emocional do menor, suscetível de graves consequências, para além de inevitavelmente desencadeadora de reatividade contrária ao objetivo prosseguido com as visitas ao progenitor, como, aliás, decorre do relatório da psicóloga de 26.06.2024.
16. E, muito menos, antes da realização da avaliação médico-forense, sugerida pela Pedopsiquiatra, pela Técnica da ATE e pela Psicóloga que acompanha o menor há três anos!
17. Como anotam Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição da República Portuguesa, Anotada”, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pág. 415 “A Constituição não exclui, naturalmente, que possa haver situações em que, no interesse dos filhos, seja restringido o direito dos pais à educação e à manutenção dos filhos”, também tal não ocorre, quanto a filho de pais divorciados, relativamente a esse direito à manutenção de relação de proximidade.
18. Dir-se-á mesmo que, quando fosse de conceder a verificação de colisão entre o direito dos pais à proximidade dos filhos e o interesse destes, sempre caberia dar prevalência ao último, em atuação do princípio geral da superioridade daquele, e como se contempla no artigo 335º do Código Civil. Veja-se, nesse sentido, o Ac. TRC de 22.10.2019, relatado pelo Desembargador Vítor Amaral, o Ac. TRP de 27.09.2017, relatado pelo Desembargador Rodrigues Pires, e o Ac. TRP de 13.06.2019, relatado pelo Desembargador Filipe Caroço, todos acessíveis in www.dgsi.pt, cujos sumários foram supra transcritos.
19. Como defende Helena Bolieiro e Paulo Guerra, in A Criança e a Família - uma questão de direito(s), 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 213, “sendo três os elementos que podem influenciar o julgador na determinação do conteúdo do direito de visita (as prerrogativas do guardião, o interesse do titular do direito da visita e o interesse da criança na manutenção daquela relação), entendemos que se devem, na prática, conciliar estes três polos, dando primazia ao terceiro, em caso de grave incompatibilidade entre estes interesses”.
20. É bem-sabido, que as separações ou divórcios dos progenitores deixam muitas vezes marcas psicológicas/afetivas/emocionais profundas nos filhos, mormente, se acompanhados de situações de violência conjugal/familiar, como as presenciadas pelo CC (Proc. nº ...5/21.2T9VFR, a correr termos no DIAP de ... - 2ª Secção, e cuja informação consta dos presentes autos).
21. O CC vem manifestando expressa recusa às pernoitas em casa do pai e ao aumento dos convívios com este, e a pressão exercida pelo recorrido nesse sentido, provocam incompreensão, receio, insegurança e afastamento do menor perante o progenitor, pelo que não é saudável e benéfico, mesmo para a aproximação entre pai e filho, obrigar o menor à força, impondo-lhe pernoitas em casa do progenitor.
22. Ademais, o CC é uma criança introvertida, sensível, com dificuldade de interação social e baixa autoestima.
23. Note-se que, o apoio especializado (psicológico) ao longo de vários anos (cerca de três anos), ajudou o CC e ganhar confiança, a controlar as suas emoções e a expressar as suas vontades, mas não conseguiu obter a adesão do menor à aceitação das pernoitas na casa paterna ou ao alargamento do regime convivial.
24. O aumento de pernoitas e alargamento de visitas, implica uma confiança, que o CC ainda não conseguiu formar no que concerne à figura paterna!
25. Incumbindo ao progenitor, o trabalho específico e paciente de conquistar a confiança do filho, saber cativar-lhe a afeição e o interesse, e saber respeitar as suas vontades e características pessoais específicas, que, desde logo, o limitam na interação com a figura adulta.
26. Não é ralhando constantemente e utilizando alto tom de voz com o menor, ou impondo visitas forçadas, que o apelado irá granjear o carinho e afeição do CC!
27. Neste contexto, não é exigível, nem proporcional, nem sequer adequado para o desenvolvimento do CC, obrigá-lo a pernoitas quinzenais e a duas semanas de férias praticamente seguidas com o apelado (três fins-de-semana seguidos) - pois o fim-de-semana de 27/28 de Julho de 2024 coube ao pai, mantendo o Tribunal a quo tal decisão após requerimento da progenitora, e apesar da promoção do Ministério Público -, que este perentoriamente recusa, ficando nervoso e ansioso, perante tal ideia, com choro, agitação, insónias e crises intestinais associadas, dores de cabeça e barriga, e para as quais não está preparado.
28. Pernoitas quinzenais essas e duas semanas de férias, que, porque forçadas, não concorrem para o bem-estar emocional e psicológico do CC, o qual deve ser salvaguardado.
29. A intervenção judicial deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.
30. Para o efeito, deve levar-se em conta que a criança tem necessidade de vária ordem, a cuja satisfação tem direito. Desde logo, necessidades físicas (designadamente, abrigo, os cuidados de saúde, a alimentação e vestuários adequados; a proteção da violência, da exploração e abusos, as oportunidades para o desenvolvimento das capacidades motoras), necessidades sociais, económicas e culturais (como a aquisição de conhecimento e respeito pela língua, religião e culturas próprias, o acesso a orientação e apoio adequados, o acesso a uma educação, ao recreio e à amizade de qualidade), necessidades psicológicas (incluindo intelectuais e emocionais e a necessidade de poder exercer o direito de escolha, como a existência de um ambiente familiar estável, o sentimento de identidade e de pertença, a informação e estimulação adequadas à idade, oportunidades para ser ouvida e a sua opinião ser tida em consideração, estimulação para a resolução de problemas e desenvolvimento do pensamento crítico, o sentimento de autoestima, a valorização por parte de outrem, a capacidade de contribuir e influenciar a sua vida de forma positiva, a existência de oportunidades para fazer escolhas e desenvolver o talento cognitivo e o potencial criativo), e as necessidades espirituais (como a exploração, reconhecimento e apreciação da natureza da vida, da humanidade e do universo - do que está para além do tempo e do mundo material, e a possibilidade de conexão com o infinito e o derradeiro).
31. Estas necessidades estão interrelacionadas e são de igual importância, e como tal devem ser encaradas pelos adultos e pela sociedade uma vez que elas são essenciais para a saúde e o desenvolvimento ideais das crianças. Se elas não forem concretizadas, a criança não será capaz de usufruir da sua infância, ou de adquirir o nível de desenvolvimento ideal ao longo da sua vida.
32. O ponto nevrálgico de toda a intervenção judicial é a figura da criança, entendida como sujeito pleno de direitos, designadamente, o direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando-os a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor.
33. Muito embora todas as crianças tenham as mesmas necessidades, a sua concretização pode ser e é diferente, consoante as circunstâncias do meio envolvente em que se inserem e a fase de desenvolvimento em que se encontram.
34. O regime provisório fixado em14.11.2022 já alargou o regime convivial ao pai, determinando uma pernoita de quatro em quatro semanas e duas visitas semanais, o que foi o aconselhável pela Psicóloga, Drª DD, e ainda assim, com reservas, e vem assegurando o convívio do menor com o recorrido, inexistindo razões para alterar o mesmo.
35. Afigurando-se à recorrente que o critério do superior interesse do CC, milita no sentido de o não expor a uma situação em que a sua vontade seja violentada.
36. O Julgador da decisão recorrida não procedeu a uma correta apreciação da matéria de facto e interpretação e aplicação do direito.
37. Na verdade, o Tribunal a quo fez uma análise redutora e ligeira, quer dos factos, quer do direito aplicável, tendo sido violados na decisão recorrida, entre outros, os seguintes normativos legais: artigos 335º e 1906º do CC e artigo 3º, n º 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança e 69º da CRP”.
CONCLUSÔES
“1- Não se adere incondicionalmente à pretensão da recorrente.
2.A principal questão controvertida neste momento no processo continua a ser a do alargamento do período de tempo de convívio atribuído ao progenitor não residente.
3.O processo de Regulação das responsabilidades parentais já foi instaurado em 11/1/2021 estando os progenitores separados desde 12/12/2020 e o acompanhamento psicológico da criança CC, nascido em ../../2017 começou em Março 2021 quando CC tinha 4 (quatro) anos, sendo que atualmente já perfez 7 e seis meses.
4. Já foram fixados pelo tribunal quatro regimes de regulação de responsabilidades parentais quanto a questões dos convívios com progenitor, incluindo o ora impugnado: em 4/3/2021, 26/9/2022, 14/11/2022 e 27/6/2024 e existiu fixação de regime de festividade 2023724 em 23/11/2023.
5. O processo de regulação de responsabilidades parentais esteve suspenso desde 18/3/2021 a 26/9/2022.
6- Foi fixado um regime inicial com data de 4/3/2021, com carácter muito restritivo quanto a questão dos convívios com progenitor não residente, o que era adequado e compatível com contexto de violência doméstica vivenciado entre os progenitores, compatibilizando com a disponibilidade e vontade do progenitor em conviver e manter relação com o filho, o qual foi suspenso por via de instauração de processo de promoção e proteção judicial.
7. Estava pendente o inquérito ...1/21.2T9VFR no qual veio a ser aplicada suspensão provisória do processo com indiciação da prática de crime de violência doméstica com duração de 18 meses e que veio a ser arquivado em 13/1/2023.
8. Sucessivamente mas de forma faseada, paulatina e temporalmente distendida foram sendo fixados pelo tribunal regimes provisório cujo escopo sempre foi o de se conseguir construir relação da criança com tão tenra idade com o progenitor, designadamente através do aumento do período de convívios com o progenitor que nisso sempre revelou interesse disponibilidade.
9. Perante o elevado nível de conflituosidade, falta de comunicação e consenso, imagens negativas transmitidas do progenitor e dificuldades de CC (então com 4 anos) correu termos processo judicial de promoção e proteção tendo sido aplicada medida a favor dos pais, na figura materna.
10. O regime provisório de 27/6/2024 recorrido aumentou o número de pernoitas mensais de uma para duas pernoitas por mês e procedeu ao alargamento de convívios em dois domingos por mês.
11. Esta nova decisão provisória relativa ao regime de visitas com progenitor insere-se na orientação já veiculada e propugnada pelas anteriores decisões (sendo a de 4/3/2021 mantida pelo Tribunal da Relação do Porto e de 26/9/2022 não conhecida pelo mesmo tribunal nos recursos apresentados pela progenitora) no sentido de implementar um regime que assegure uma constante reaproximação do menor ao progenitor; isto, com transmissão de segurança de que pode estar com o pai, desconstruindo a ideia do pai como mau e com combate à dualidade de sentimentos interiores e sentimento de culpa no tempo que permanece com o progenitor assinalados pela Sra Psicóloga que o acompanha.
12. O tribunal pretende com regime evolutivo de 26/9/2022, 14/11/2022 e 27/6/2024 criar condições reais para a construção da relação e assegurar a regime convivencial com pai em que CC compreenda que pode manter relações afetivas com ambos os progenitores, sem excluir nem trair nenhum deles, com o que o Ministério Publico concorda.
13. A salvaguarda do supremo interesse das crianças é o princípio que baliza a intervenção do tribunal, constituindo o verdadeiro cerne de todo o direito dos menores, cfr, também art 4º do RGPT e 4º al a) da LPCJP e art. 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança
14. As decisões sobre questões de regulação das responsabilidades parentais como residência e convívios devem ser moldadas pelas necessidades das crianças e pelo seu supremo interesse, que é um conceito jurídico indeterminado e que exige uma apreciação individual e concreta em cada situação, a fim de acautelar devidamente as especificidades do caso em apreço.
15. O tribunal deve proceder a “uma análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência”, o que fez.
16. O “direito de visitas” goza de proteção constitucional face a terceiros e ao Estado- cfr. artigo 36°, nº 6 da Constituição da República Portuguesa.: “Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial”.
17. Deve atender-se ao criério do artº 1906º nº 7 do CC, o que o tribunal seguiu.
18. O tribunal, na falta de consenso entendeu legitimo, face à tenra idade e capacidade de (re)estruturação relacional e de construção de valores e figuras de referência, evolução e decurso do tempo com anteriores decisões e com manutenção de apoio psicológico, manter o caminho que vem propugnando, o que parece merecer censura.
19. Importa considerar vários aspetos que se avaliam do processo e que contribuem para que o tribunal tenha mantido a linha de intervenção acima indicada e plasmada na decisão recorrida, pese embora o alegado receio, incompreensão e insegurança no alargamento do tempo partilhado com progenitor referido pela Srª Psicóloga que acompanha o menor há longo tempo.
20. A falta de comunicação sobre as questões de vida do filho e de partilha de projeto e orientações educativas de CC mantêm-se, embora com comunicação mínima sobre questões de saúde como decorre do relatório de ATE referido e citado pela recorrente e melhoria na capacidade de implementar o regime provisório vigente.
21-Não é despiciendo que a sua animosidade pessoal e emocional relativamente ao progenitor adveniente da vitimização sofrida, não propicia a abertura e empenho na evolução e implementação de regime de alargamento dos convívios de CC com o progenitor e de adesão de CC a tal regime evolutivo.
22. A proximidade /dependência com a mãe e fator ambiental influencia a formação da personalidade de CC e as suas referência internas atenta a sua idade e tempo já decorrido.
23. CC vem vivendo sujeito quase exclusivamente ao modelo educativo da progenitora identificado pela mesma no presente recurso e torna-o pouco preparado para contatar e ser sujeito a outros modelos, mesmo com característica menos afetuosas.
24. Houve evolução positiva de CC referido pela Sra Psicóloga.
25. No momento atual e desde a data do arquivamento do inquérito em 13/1/2023, não existe qualquer limitação legal para contatos entre progenitores, nem existem relatos de condutas ilegítimas da parte do progenitor relativamente a progenitora e a CC que ditem uma orientação do tribunal distinta da revelada no despacho recorrido.
26. A decisão recorrida salienta que importa ponderar outros aspectos, para alem do referido por CC, como se vem referindo e destacou a necessidade de assegurar direito do menor conviver com progenitor.
27. É essencial para a criança que esta continue a ter contactos com o progenitor não residente de modo a assegurar-se o máximo contacto possível entre eles, a preservação dos seus laços afetivos e construção e aprofundamento de uma relação de confiança e partilha que se pretende de referência para a vida da criança pelo que o regime tem de ser conforme ao alcance de tais desideratos.
28. No caso concreto, tratando-se de quarto regime provisório, considera-se também e para além da idade da criança, as suas atividades escolares e extracurriculares, à disponibilidade do progenitor não residente, às condições da sua habitação e ao seu horário de trabalho e à proximidade de domicílios dos progenitores, o que o tribunal recorrido fez, o relacionamento dos progenitores e características psicológicas da progenitora e a segurança do acompanhamento psicológico prolongado que securiza e prioriza o bem estar emocional durante a implementação de regime mais alargado de convívios e com um pernoita com periodicidade quinzenal.
29. Atentos não só os critérios adotados da concreta decisão recorrida mas também os princípios orientadores da jurisdição voluntária, não se afigura ter sido excessiva e indevidamente desvalorizado o relatório psicológico de 26/6/2024 e relatório de ATE, cujo teor tornava – segundo a recorrente- imperativa outra valoração como meio de prova e sentido da decisão do tribunal.
30. O relatório de acompanhamento psicológico invocado de 26 Junho de 2024 não sinaliza os comportamento do progenitor referidos pela recorrente durante os convívios com o filho e as reações adversas do CC e antes se reporta ao seu receio e desconfiança perante o alargamento dos períodos de convívio e com mais uma pernoita por mês.
31 Não se torna, pois, evidente que a decisão impugnada não seja coincidente com o interesse do menor, cujo substrato e hermenêutica está sobejamente plasmada na motivação e conclusões do recurso e sobre o qual já versou a presente resposta.
32. Afigura-se que a questão das férias se encontra ultrapassada, nada havendo a referir.
33. O Ministério Publico não vislumbra vantagem para o menor na atribuição de efeito suspensivo ao recurso.
34.. Não se concorda com a verificação de violação das normas penais”.
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
- Saber qual o melhor regime das responsabilidades parentais (a decretar provisoriamente) para o menor, CC, de sete anos e meio de idade, quanto a visitas, mais concretamente, se o regime, provisório, de exercício de responsabilidades parentais fixado deve ser restringido, por forma a ser mantido o regime de convívios e visitas anteriormente fixado (com uma pernoita com o progenitor de quatro em quatro semanas, em vez de de duas em duas semanas).
1. FACTOS PROVADOS
Os factos considerados provados com relevância para a decisão constam do relatório supra, sendo de considerar os seguintes, vicissitudes processuais, com relevância para a decisão:
1. No dia 26/9/2022 foi proferida a seguinte decisão:
“Atenta a proximidade da data da cessação da medida de promoção e proteção e, sendo necessário manter o trabalho que vem sendo desenvolvido com vista à aproximação do CC ao progenitor, trabalho que deve
continuar no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais no que diz respeito aos convívios, e depois de indagados os progenitores, entende o Tribunal, pelos fundamentos já expostos na anterior diligência, que se mantém a necessidade de continuar o regime de convívios do progenitor com o CC, sendo de fixar no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais, a título provisório, novo regime de convívios com vista à aproximação do CC ao progenitor.
Por outro lado, do que decorreu da inquirição das senhoras psicólogas resultou que o convívio à sexta-feira poderá ser prejudicial ao desenvolvimento do CC em face da sua integração no contexto escolar.
Assim, no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais entende o Tribunal que deve ser fixado, a título provisório, o seguinte o regime de convívios do menor com o progenitor:
- O progenitor estará com o menor nos próximos 5 fins-de-semana aos sábados desde as 10:00 até às 21:00 horas, recolhendo-o e entregando-o em casa da progenitora, a qual recorrerá à ajuda de terceira pessoa para as respetivas entregas e recolhas; no fim-de-semana seguinte (6.º-fim-de-semana), que corresponde ao fim-de-semana de 5 e 6 de novembro, o menor estará com o progenitor ao sábado a partir das 10:00 horas podendo pernoitar em casa do progenitor, devendo este entregá-lo pelas 10:00 horas de domingo na casa da progenitora, com recurso a terceira pessoa. Se por alguma circunstância devidamente justificada a pernoita do menor em casa do progenitor não possa ocorrer no fim-de-semana de 5 e 6 de novembro fica já determinado que a mesma ocorrerá no fim-de-semana seguinte.
- O progenitor estará ainda com o menor às quartas-feiras desde o final das atividades letivas ou desde as 16:00 horas, caso estas não existam e até às 21:00 horas, competindo recolhê-lo na creche/infantário ou em casa da progenitora, caso não existam aquelas atividades e entregá-lo em casa desta.
Tal regime provisório tem duração até ao próximo dia 14 de novembro de 2022, data para a qual se designa, desde já, conferência de progenitores a realizar no processo de Regulação das Responsabilidades Parentais”.
2. No dia 14/11/2022 foi proferida a seguinte decisão:
“Impõe-se avaliar o regime provisório da regulação do exercício das responsabilidades parentais fixado em 26.09.2022, finalidade para a qual se destinou a presente conferência.
Das declarações agora prestadas pelos progenitores resultou a manutenção da divergência de posições já conhecidas nos autos, a da mãe de instabilidade emocional e recusa do menor nos convívios com o progenitor, mormente no que diz respeito a pernoitas, e a do pai que, apesar da recusa inicial, especialmente quando na presença da mãe ou da educadora, o CC acaba por ficar bem e tem estado feliz, sendo que a pernoita em sua casa correu bem.
Ora, na sequência do já referido na anterior conferência, entende-se que o trabalho que vem sendo desenvolvido com vista à aproximação do CC ao progenitor tem que continuar não sendo momento para recuar, tanto mais que apesar da instabilidade emocional do menor aludida pela Dra. DD, psicóloga que acompanha o menor, o Tribunal retirou da globalidade das declarações prestadas pela sra. Psicóloga que o menor até sente algum prazer, ainda que reprimido, nos convívios com o progenitor.
Nesta conformidade, e concordando-se com a posição do Ministério Público, decide-se fixar regime provisório quanto aos convívios nos seguintes termos:
- O progenitor estará com o menor aos sábados desde as 10:30 até às 21:30 horas, recolhendo-o e entregando-o em casa da progenitora, a qual recorrerá à ajuda de terceira pessoa para as respetivas entregas e recolhas;
O progenitor estará ainda com o menor de 4 em 4 semanas ao sábado, a partir das 10:30 horas e pernoitando o mesmo em casa do progenitor, devendo este entregá-lo pelas 10:30 horas de domingo na casa da progenitora, com recurso a terceira pessoa, iniciando no fim-de-semana de 3/4 de dezembro, sucedendo-se os fins-de-semana de 24/25 de dezembro, 21/22 de janeiro de 2023 e assim sucessivamente.
- O progenitor estará ainda com o menor às quartas-feiras desde o final das atividades letivas ou desde as 16:00 horas, caso estas não existam, e até às 21:00 horas, competindo recolhê-lo na creche/infantário ou em casa da progenitora, caso não existam aquelas atividades, e entregá-lo em casa desta.
No dia de aniversário dos progenitores, dia do pai e dia da mãe o menor passará o dia com o progenitor respetivo desde o final das atividades letivas ou desde as 16:00 horas, caso estas não existam, e até às 21:00 horas, competindo-lhe recolhê-lo na creche/infantário ou em casa da progenitora, caso não existam aquelas atividades, e entregá-lo em casa desta.
No próximo aniversário do menor, este passará o dia com o progenitor desde o final das atividades letivas ou desde as 16:00 horas, caso estas não existam, e até às 21:00 horas, competindo-lhe recolhê-lo na creche/infantário ou em casa da progenitora, caso não existam aquelas atividades, e entregá-lo em casa desta.
Nas festividades do Natal o menor estará com o progenitor das 12:00 horas do dia 24 de dezembro até às 11:00 horas do dia 25 de dezembro;
Nas festividades do Ano Novo o menor estará com o progenitor no dia 01 de janeiro, entre as 12:00 e as 21:30 horas”.
3. Tem a decisão recorrida, proferida no dia 27/6/2024, o seguinte teor:
“Tendo presente o trabalho/intervenção que vem sendo feita com vista à aproximação do CC ao progenitor e o tempo, entretanto decorrido desde o último regime com introdução de uma única pernoita junto do progenitor, entende este Tribunal que é de aumentar o número de pernoitas da criança com o progenitor, sem desvalorizar, como é óbvio, o teor do relatório de acompanhamento psicológico junto aos autos. Porém, importa ter presente que a idade do CC determina que se avaliem e considerem outros fatores, designadamente o direito do mesmo de conviver com o progenitor.
Há muito que se tem graduado a aproximação do CC ao progenitor pelo que não há razões, tendo presente as eventuais delongas na tramitação dos presentes autos, para que não se fixe um regime com maior número de pernoitas com o progenitor.
Nesta conformidade, e acompanhando na integra a douta posição do Ministério Público e a especificidade dos presentes autos, o que resulta evidente da análise dos mesmos, decide-se, a título provisório, alterar o regime de convívios com o progenitor nos seguintes termos:
Mantém-se o regime de convívios às quartas-feiras nos exatos termos já definidos;
O CC passará a conviver com o progenitor aos fins-de-semana de quinze em quinze dias, com início ao sábado pelas 10:00 horas e final do domingo pelas 21:00 horas, com início no próximo sábado 29 de julho de 2024;
O CC passará com o progenitor o período de férias de verão de 2024 nos seguintes termos:
1. O CC estará com o progenitor de 15 a 21 de julho de 2024, com recolha no dia 15 de julho pelas 09:00 horas e entrega no dia 21 de julho pelas 22:00 horas;
2. O CC estará, ainda, com o progenitor de 29 de julho a 02 de agosto de 2024, com recolha no dia 29 de julho pelas 09:00 horas e entrega no dia 02 de agosto pelas 22:00 horas”.
4. No dia 28/6/2024, foi proferido o seguinte despacho:
“Referência 16353530:
A data do próximo fim-de-semana para convívios do CC com o progenitor (29/6 e 30/6) foi debatida na conferência realizada no dia de ontem com a presença de ambos os progenitores e por conveniência de ambos, nomeadamente da progenitora que invocou compromisso no fim-de-semana seguinte pretendendo a presença do CC, pelo que não há fundamento para alteração de tal data por parte do Tribunal, mantendo-se o decidido na diligência realizada no dia de ontem, iniciando-se os convívios com do CC com o progenitor no dia de amanhã 29 de junho de 2024.
Verifica-se, agora, que a ata padece de lapso de escrita revelado no contexto da declaração e confirmado na gravação da diligência, lapso que importa retificar, sendo que onde se lê 29 de julho deve passar a ler-se 29 de junho de 2024 (artigo 249.º do Código Civil).
No que concerne à consignação em ata de que no fim de semana de 27 e 28 de julho o CC passará com a mãe, indefere-se o requerido, porquanto não estamos perante omissão da ata, que importe retificar (artigo 155.º do Código de Processo Civil), sendo que a menção na ata do fim-de-semana de 24 e 25 de agosto de 2024 com o progenitor ficou a dever-se ao longo período de férias da criança com a progenitora (16 dias consecutivos sem o convívio paterno)”.
5. No dia 18/9/2024 foi proferido o seguinte despacho:
“Referência 16428270:
Por via do requerimento em apreço veio a progenitora interpor recurso da decisão proferida em 27 de junho de 2024 e despacho de 28 de junho de 2024 e requereu, além do mais, a atribuição de carácter urgente ao presente processo, nos termos do artigo 13.º do RGPTC.
Fundamentou tal pedido, alegando, além do mais, que “o CC se encontra violentado na sua personalidade, temperamento e sensibilidade, bem como triste e revoltado, com o regime provisório vigente, que não satisfaz as suas necessidades, além de comprometer o seu salutar crescimento físico e emocional. Considerando que as partes não alcançaram solução de consenso na conferência de progenitores realizada em 27.06.2024, o decidido nesta data e em 28.06.2024, e que se aproximam as férias judiciais, por forma a acautelar em tempo útil o recurso de tais decisões pela progenitora, requer-se que seja atribuído ao presente processo carácter urgente, ao abrigo do disposto no artigo 13º do RGPTC.
Os autos foram com vista ao Ministério Público que não deduziu oposição à atribuição de carácter urgente ao presente processo.
Preceitua o artigo 13.º do RGPTC que: «Correm durante as férias judiciais os processos tutelares cíveis cuja demora possa causar prejuízo aos interesses da criança».
Por vicissitudes alheias à progenitora o processo não correu termos nas férias judiciais de verão que terminaram recentemente, sendo que o argumento apresentado pela progenitora acabou por perder a atualidade. Porém, tendo presente a antiguidade dos presentes autos, a necessidade premente, que, por diversas vezes, já foi mencionada por este Tribunal em regular definitivamente as responsabilidades parentais da criança CC, entende-se que é do superior interesse do CC atribuir carácter urgente ao presente processo; tanto mais que dentro de meses entraremos em novo período de férias judiciais.
Nesta conformidade, atribui-se carácter urgente aos presentes autos, ao abrigo do disposto no artigo 13.º do RGPTC.
Sinalize eletronicamente o carácter urgente do presente processo”.
Do adequado regime provisório de visitas.
O Regime Geral do Processo Tutelar Cível, abreviadamente RGPTC, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, consagra, no nº1, do art. 28º, a possibilidade de o juiz, no âmbito de um processo tutelar cível pendente, oficiosamente ou a requerimento, decidir, fundamentadamente, a título provisório, caso o entenda conveniente, questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar diligências essenciais para assegurar a execução efetiva da decisão, viabilizando a proteção e defesa do superior interesse da criança, de modo a adequar a decisão à sua situação atual.
No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais é obrigatória a decisão provisória, não havendo acordo entre os progenitores na conferência a que alude o art.º 35º, nos termos do art. 38º, decisão essa que é tomada sobre o pedido em função dos elementos já obtidos. Impõe o referido preceito que o juiz decida provisoriamente sobre o pedido, em função dos elementos já processualmente adquiridos, não tendo que aguardar por outras diligências de prova, nem pela audição de técnicos especializados, sem prejuízo de, posteriormente, ainda antes da decisão final, logo que ouvidos esses técnicos ou produzida mais prova, poder ser alterado o inicialmente decidido, como previsto no art.º 28º nº 2, a fortiori. Tratando-se de uma decisão provisória, fundada nos poucos elementos até essa data recolhidos, normalmente apenas nas declarações dos progenitores, o julgador deve nortear-se por princípios de razoabilidade, atuando com bom senso, prudência e moderação, protegendo os interesses dos menores e só depois os dos progenitores, evitando que a decisão agudize o conflito e assim impeça um acordo, que ainda poderá vir a ser obtido na segunda fase da conferência (Cfr. art.º 39º nº 1 do RGPTC)[2].
No âmbito do processo de regulação do exercício do poder paternal a lei faculta ao tribunal a tomada de medidas provisórias que constituem autênticas providências cautelares específicas dos processos tutelares cíveis. Tem, pois, a decisão natureza provisória e caduca quando for revogada, alterada ou quando for proferida a decisão final[3].
Embora se trate de um regime provisório e sejam escassos os elementos constantes do processo, em função dos já existentes e dada a urgência de acautelar a situação deve, em função deles, tomar-se a decisão (provisória) mais conforme aos interesses do menor, que sempre estão subjacentes a estas decisões, sendo que nos processos de jurisdição voluntária relativos à regulação das responsabilidades parentais o interesse do menor, a regular, aparece no topo, acima do interesse de qualquer dos pais, sendo, aliás, até, aquele o único interesse a regular em tal processo de jurisdição voluntária.
Cumpre analisar e decidir qual o melhor regime (provisório) das responsabilidades parentais para a criança, CC, de sete anos e meio de idade.
Como tivemos já oportunidade de referir noutros processos, decorre de imposição constitucional, enunciada em vários preceitos, entre eles o art. 69º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que consagra que “as crianças têm direito a proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”, o critério norteador que deve presidir a toda e qualquer decisão do tribunal em matéria de regulação de responsabilidades parentais é o interesse superior da criança, critério este que deve estar acima dos direitos e interesses dos pais quando estes sejam conflituantes com os daquela.
Também a lei ordinária, no seguimento do constitucionalmente consagrado - v. art. 1878º, n.º 1, do Código Civil, abreviadamente CC -, estabelece que o poder paternal é um poder-dever dos pais funcionalizado pelo interesse dos seus filhos, competindo aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens, tendo de o exercer, altruisticamente, no interesse da criança.
Nos diversos casos de rutura da relação entre os progenitores, a lei estabelece - cfr. art. 1906º, do CC - a regra do exercício conjunto das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância.
Somente em casos excecionais, e mediante decisão fundamentada, poderá esta regra ser afastada pelo tribunal, face à conclusão, não meramente de que a mesma não é adequada, mas que se revela contrária aos interesses do menor (juízo conclusivo que pode advir de fatores de diversa etiologia)[4] (negrito e sublinhado nosso).
O nº7, do artigo 1906º, determina que, no exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, o tribunal decidirá sempre de harmonia com os interesses do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam, amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
Este tipo de processo é de jurisdição voluntária, pelo que nele o julgador não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo, antes, adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, no exercício do poder-dever a que se encontra adstrito, (art. 12º, do RGPTC e 987º, do CPC) efetuando as diligências de averiguação e de instrução necessárias à prolação da decisão mais adequada ao caso concreto.
Dúvidas não existem de que o critério orientador e que terá necessariamente de presidir à decisão do tribunal é o interesse superior da criança e não os dos progenitores, os quais, apenas, terão de ser considerados, até por imposição constitucional (arts. 36º, n.ºs 3 a 6, 67º, 68º e 69º da CRP), na medida em que se mostrem conformes ao interesse superior da criança, não colocando em crise esse interesse[5].
A Jurisprudência dos Tribunais, designadamente a do STJ, vai no sentido de, “por mais que aceitemos a existência de um “direito subjetivo” dos pais a terem os filhos consigo, é, no entanto, o denominado “interesse superior da criança” - conceito abstrato a preencher face a cada caso concreto - que deve estar acima de tudo. Se esse “interesse subjetivo” dos pais não coincide com o “interesse superior do menor” não há outro remédio senão seguir este último interesse”[6].
A lei não define o que deve entender-se por “interesse superior da criança”, estando-se na presença de um conceito aberto, a concretizar atentando nas necessidades físicas, intelectuais, religiosas e materiais da criança, na sua idade, sexo, grau de desenvolvimento físico e psíquico, na continuidade das relações daquela, a sua adaptação ao ambiente escolar e familiar, bem como as relações que vai estabelecendo com a comunidade em que se integra.
Assente que está qual o superior interesse que deve presidir à decisão do tribunal e que, em caso de incompatibilidade entre os direitos e os interesses dos progenitores e os da criança, é o interesse desta última que há-de impreterivelmente prevalecer, cumpre apreciar qual o melhor regime para a criança, de sete anos e meio de idade, que satisfaça, de modo mais eficaz, esse seu interesse.
Analisemos.
Como bem vinca o Tribunal a quo e bem conclui o MP é necessário criar e preservar a relação afetiva e a ligação do menor ao pai, por forma a minimizar a separação até à regulação definitiva, no interesse do menor, pela escrupulosa observância do regime de visitas, no sentido de permitir que o menor tenha um mais regular convívio, e de proximidade, com o pai (o que permitirá, também, a ulterior análise dos contornos do caso, inclusive à atuação da progenitora na salvaguarda do superior interesse da criança).
Refira-se, mesmo, que até para a fixação da residência do menor o único, relevante e decisivo critério com consagração legal (cfr. a parte final do n.º 5 do art.º 1906.º do Código Civil) é o da proximidade, ou seja, deverá ser escolhido o progenitor que fornece indícios de mais facilmente permitir à criança ter contactos com o outro progenitor, por isso se revelar do interesse da criança[7].
Assim, é de manter o decidido (e que o foi provisoriamente, apenas) relativamente a visitas, equilibrado sendo face à idade da criança e às demais circunstâncias do caso.
Sendo a questão a decidir no âmbito deste recurso a da manutenção do anterior regime, restritivo, mas já com pernoitas, ou se o superior interesse da criança, de sete anos e meio de idade, impõe o, mais alargado, mais abrangente, fixado provisoriamente na decisão recorrida, que favoreça os laços entre a criança e o progenitor não pode deixar de se considerar que o direito da criança a um pai tão presente como a mãe impõe que seja continuado o caminho iniciado pelo Tribunal a quo.
Com efeito, considerando, além do mais, “apesar da instabilidade emocional do menor aludida pela Dra. DD, psicóloga que acompanha o menor, o Tribunal retirou da globalidade das declarações prestadas pela sra. Psicóloga que o menor até sente algum prazer, ainda que reprimido, nos convívios com o progenitor” já em 14/11/2022 foi decidido nos autos “… O progenitor estará ainda com o menor de 4 em 4 semanas ao sábado, a partir das 10:30 horas e pernoitando o mesmo em casa do progenitor, devendo este entregá-lo pelas 10:30 horas de domingo na casa da progenitora, …, iniciando no fim-de-semana de 3/4 de dezembro, sucedendo-se os fins-de-semana de 24/25 de dezembro, 21/22 de janeiro de 2023 e assim sucessivamente”.
Ora, a verificarem-se razões a desaconselhar pernoitas com o progenitor, o momento de reagir contra a decisão que as fixou (ainda que a título provisório) seria esse. E uma vez fixadas, não se justificando o seu afastamento (sequer sendo colocada essa questão ao tribunal a quo, nunca sendo, por isso, de apreciar no âmbito do presente recurso), bem entendeu o Tribunal a quo, dado, desde logo, o crescimento da criança, agora com sete anos e meio de idade, e a, natural, maior maturidade da mesma, já com um ano de ensino básico e a poder compreender outras realidades diversas da que lhe foi sendo ensinada pela progenitora com quem vem residindo, que as pernoitas e convívios mais alargados se mantenham, como pacífico é nos autos e, até, se intensifiquem (mais uma pernoita por mês).
Pretende a recorrente que a aproximação do CC ao pai seja efetuada de forma progressiva e natural, respeitando o tempo, a particular personalidade e o temperamento sensível do mesmo, e não com introdução de mais pernoitas e convívios para além dos já determinados no regime provisório fixado, de uma pernoita de 4 em 4 semanas e convívios às quartas feiras.
Ora, com relação a visitas, é essa progressiva e natural aproximação que se encontra a ser realizada, em conformidade com o interesse do CC que tem direito a ter um pai presente na sua vida e não só numa noite por mês. Estando criadas as condições para pernoitar com o filho de 4 em 4 semanas, tudo permite concluir que elas estejam presentes se em vez de de 4 em 4 semanas passar a ser de 2 em 2 semanas, regime, ainda assim, restritivo. Nada justifica que se não aumentem as pernoitas e convívios, como bem foi determinado no superior interesse da criança a um pai presente na sua vida, em condições de igualdade com a mãe.
Analisado o quadro fáctico da causa e visto tudo o que acabamos de referir, não pode deixar de se entender que, se razões que se prendem com a integridade física e psíquica da criança, de 7 anos e meio de idade, levam a que o tribunal não possa permitir que o progenitor prive com o filho, de um momento para o outro, de modo abrangente, o que tem de ser efetuado progressivamente e do modo mais espontâneo possível (deixando-se claro que atitudes que desestabilizem a criança, poderão, mesmo, vir a ser motivo de revisão do regime provisório de contactos e visitas e a justificar restrições ao regime estabelecido), nada justifica que se não vá um pouco mais além e se caminhe no sentido de um regime mais alargado, do interesse do menor, de quase oito anos de idade.
Assim, sendo direito da criança manter os contactos e o relacionamento com o progenitor com quem não mora e não convive quotidianamente, de modo a evitar uma rutura relacional e a assegurar a maior proximidade possível, mostrando a criança, mesmo, algum agrado no convívio com ele, deve o mesmo ser incrementado para que, assim, se consigam resultados mais favoráveis, de interesse do menor que tem direito a um pai presente na sua vida.
Em suma: É de primordial interesse para a criança poder crescer na convivência, igualitária, com a mãe e com o pai, sempre que tal não ponha em causa preponderantes interesses, como a vida, a saúde (física e psíquica) e a segurança do menor, sendo que, também, na determinação do regime de visitas da criança o princípio basilar a observar é o do seu superior interesse, tendo-se, nas circunstâncias do caso, em particular a idade da criança - de sete anos e meio de idade - e a verificação, já, de pernoitas (mas, somente, mensais), de ir determinando o que o referido interesse justifica e se revela adequado.
É do superior interesse da criança seja incrementada e aprofundada, para o que todos têm de cooperar, primordialmente a progenitora com quem a criança vem a residir, uma forte relação afetiva com o pai, por forma a minimizar a separação até à regulação definitiva (com a situação e os seus contornos fácticos já definidos), na observância de um regime de visitas o mais abrangente e regular possível. E se uma pernoita de 4 em 4 semanas com o pai se não vem revelando de afastar, o direito da criança a um pai tão presente na sua vida como a mãe impõe participação ativa e decisão no sentido de serem criadas as condições para um maior e mais próximo convívio e de qualidade.
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Ana Olívia Loureiro
Fátima Andrade