PENHORA DE SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E NATAL
INADMISSIBILIDADE DA PENHORA
Sumário

I - O pedido de apreciação da inadmissibilidade da penhora dos subsídios de férias e de Natal pode ser formulado pelo executado a todo o tempo.
II - Trata-se de matéria de salvaguarda do direito à subsistência de que o juiz pode conhecer oficiosamente.
III - A pensão auferida pelo executado acrescida de subsídio de férias e de Natal é penhorável na proporção de um terço, ou até esse limite, apenas se estiver garantida a perceção da quantia mensal correspondente ao salário mínimo nacional se dividido o valor anual da pensão (pensão acrescida de subsídios) por doze meses.

Texto Integral

Proc. 10987/06.4YYPRT-C.P1

Sumário
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Relatora: Teresa Maria Fonseca
1.ª adjunta: Carla Fraga Torres
2.º adjunto: Miguel Baldaia de Morais

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
Na execução movida por “A... DAC” contra AA o executado requereu que fosse oficiosamente determinado o cancelamento da penhora dos subsídios de férias e de Natal, bem como a restituição de eventuais valores que lhe tivessem sido penhorados.
Alegou que aufere pensão de reforma no valor de € 687,59, pelo que, considerando o montante global anual dos seus rendimentos (€ 9.626,26, correspondentes a 14 x € 687,59), dividindo por doze, o montante médio mensal apurado é de € 802,18, inferior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo para o ano de 2024. Os subsídios seriam, assim, também eles impenhoráveis.
A exequente opôs-se, propugnando pelo indeferimento do requerido por extemporaneidade e ainda por falta de fundamentação e ausência de pagamento da taxa de justiça.
Foi proferido despacho que determinou o levantamento da penhora e a devolução dos valores apreendidos ao executado na parte que não excede o salário mínimo previsto para 2023.
Inconformada, a exequente interpôs o presente recurso, que rematou com as conclusões que em seguida se transcrevem.
I) A Recorrente dispôs dos meios legais existentes para cobrança coerciva de dívida a fim de se ver ressarcida:
II) Pelo que requereu ao Senhor Agente de Execução a penhora da pensão do Executado AA, aquando do pagamento do respetivo subsídio de férias e de Natal;
III) Isto porque no mês de pagamento destes subsídios o montante a ser transferido ao Executado excederia o salário mínimo nacional, sendo assim possível realizar a penhora;
IV) Tendo a penhora requerida resultado positiva, tendo sido elaborado o devido auto de penhora;
V) O Recorrido auferia (para o ano de 2023) uma pensão mensal no valor de € 687,59 (seiscentos e oitenta e sete euros e cinquenta e nove cêntimos), valor esse impenhorável tendo em conta o valor definido como sendo o Salário Mínimo Nacional;
VI) Nos meses de subsídio de férias e de Natal, em que o Executado recebe em dobro, o vencimento torna-se penhorável por ser superior ao SMN;
VII) Tendo em conta a penhorabilidade, procedeu-se à penhora do subsídio de férias e de Natal auferido pelo Executado em 2023;
VIII) Devidamente notificado do auto de penhora, o Executado não se opôs atempadamente, tendo agora apresentado um requerimento no intuito de ver se resulta, não tendo sido cumprido qualquer formalismo, nomeadamente, o pagamento da taxa de justiça, nem prazo legalmente previsto pelo que o mesmo deveria no imediato ser desentranhado por inadmissível perante a intempestividade;
IX) Ainda assim, o Tribunal a quo decidiu, com todo o respeito, mal, admitir o requerimento sem sequer se pronunciar pela extemporaneidade do mesmo, decidindo tomar a decisão oficiosamente;
X) O que nos leva a pensar que os prazos apenas existem para os Exequentes cumprirem, quando na realidade, apesar de incumprir com as suas obrigações, as mesmas regras não foram tidas em conta relativamente à atuação do Executado;
XI) Com a penhora em curso sobre os subsídios, importante reiterar que essa penhora é totalmente legal, o dano provocado ao Exequente seria menor, mas o Tribunal a quo decidiu, simplesmente, atender às condições do Executado que beneficiou do valor mutuado, não o tendo devolvido e, ainda assim, vê-se “perdoado” da dívida, isto porque, sem a penhora de pensão nos meses de subsídios, que é o único bem penhorável do Executado, o ora Recorrente não tem conhecimento de outros bens passíveis de penhora;
XII) Atento o artigo 738º que em toda a sua envolvente se refere à apreensão/penhora como aferição mensal dos rendimentos e não anual, “(…) são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.”;
XIII) A aferição tem obrigatoriamente que ser mensal, uma vez que as circunstâncias profissionais dos Executados podem mudar de um mês para o outro, no sentido mais ou menos favorável;
XIV) No entanto, neste caso, o Tribunal a quo decidiu fazer o cálculo anual, posição essa com a qual não se pode de todo concordar!
XV) Fazer a análise anualmente prejudica em muito o Exequente e, em contrapartida, beneficia o Executado!
XVI) A interpretação que se faz no seguimento do despacho recorrido é de aplicar o que menos pode lesar o Executado que, como se sabe, é realmente quem incumpriu com o contratualmente previsto junto da Recorrente;
XVII) Assim, entendemos que - e citamos Marco Carvalho Gonçalves - “os subsídios de férias e de Natal constituem prestações penhoráveis, razão pela qual a remuneração auferida pelo executado, acrescida de subsídio de férias ou de Natal, será penhorável na proporção de um terço”, sem embargo de se garantir “a perceção, por parte do executado, do montante correspondente ao salário mínimo nacional”, como resulta do disposto no n.º 3 do citado artigo 738 do CPC;
XVIII) Os subsídios devem ser considerados acréscimos e não parte da pensão mensal auferida pelo Executado;
XIX) Assim como, o cálculo deverá ser feito mensalmente, e não anual como fez o Tribunal a quo;
XX) Se o Executado consegue sobreviver durante 10 meses do ano com a quantia de 687,59€, não será certamente o acréscimo do montante recebido a título de subsídio de férias e Natal que fará diferença relevante na economia deste;
XXI) Mais importa referir que o Executado não fez qualquer prova nos autos das suas despesas mensais que pudesse levar a tal decisão;
XXII) Há ainda que atender à posição do Recorrente e o seu direito de ser ressarcido, existindo o instituto da penhora ao seu dispor para ver ressarcido o valor que lhe é devido, através dos bens do Executado;
XXIII) Com a decisão do Tribunal a quo, esse Direito foi-lhe vedado por decisão tomada oficiosamente já que, no despacho recorrido que certamente contém um lapso na parte que determina o levantamento da penhora sem mais, pelo que deverá o mesmo ser retificado também nessa parte;
XXIV) Entende aqui o Recorrente que o Tribunal a quo, e com o devido respeito, não acolheu a posição justa relativamente à questão suscitada pelo Executado;
XXV) Isto porque entende-se que a penhora dos subsídios que excede o valor do salário mínimo nacional é legal, sendo que o cálculo deve ser feito mensalmente;
XXVI) Devem os subsídios serem considerados penhoráveis e assim o Recorrente poder, mesmo que num período de tempo bastante alargado, face à periodicidade dos mesmos, ver o seu crédito ressarcido, atendendo à escassez de bens suscetíveis de penhora;
XXVII) A tudo quanto vem exposto acresce uma parte final decisória no aresto recorrido confusa e até oposta, quando é dito “não poderia ter sido penhorado o montante de € 432,44, mas apenas aquela parte que excede o SMN previsto para 2023 (€ 760)”
XXVIII) Daqui retira-se que o Juiz a quo permite, claramente, que se penhore o que excede o SMN para 2023. Mas aquela decisão termina “determino o levantamento da penhora e a consequente devolução dos valores apreendidos ao Executado na parte em que não excede o SMN previsto para 2023.”
XXIX) Em termos práticos, o que o a decisão permite é que a aferição sobre os valores que ultrapassam o SMN para 2023 ou para 2024 (ou para os anos futuros) seja feita anualmente, multiplicando 12 x o SMN, assegurando ao Executado o recebimento anual de 9120€.
XXX) Porém, o que sucede é que o Executado auferiu 687,59 x 14 meses, i.e., 9.626,26€.
XXXI) Pelo que, de acordo com o despacho proferido, na parte em que diz “consequente devolução dos valores apreendidos ao Executado na parte em que não excede o SMN previsto para 2023.” está a permitir que o Exequente possa penhorar 506,26€, e só tenha que devolver 358,62 € (432,44*2=864,88 – 506,26 = 358,62).
XXXII) Ora, se para o ano de 2023 é permitido penhorar 506,26€ nenhum sentido faz que para o ano de 2024 determine o levantamento da penhora, quando o mesmo raciocínio pode ser aplicado.
XXXIII) Por tudo, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue o requerimento do Executado inadmissível por extemporâneo e por não pagamento de taxa de justiça, não se conhecendo do pedido.
XXXIV) E, se assim não se entender, o que apenas por cautela de patrocínio se admite, ser aquele aresto substituído por outro que permita a penhora dos subsídios de férias e de Natal na parte em que excedam o SMN, considerando a globalidade do rendimento aferido nesses concretos meses;
XXXV) Ou, no limite, caso assim não se entenda, alternativamente ser revogado por despacho que permita a penhora do rendimento auferido que ultrapasse o limite do valor global anual de 12 x o SMN.
Nestes termos e nos demais em direito permitidos deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo a decisão que decretou o levantamento da penhora e a devolução de valores apreendidos ao Executado na parte em que não excede o Salário Mínimo Nacional previsto para 2023 ser revogada, com o que se fará assim a devida JUSTIÇA!

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II - Questões a dirimir:
a - da extemporaneidade do requerimento do executado para levantamento da penhora, da respetiva falta de fundamentação e da ausência de pagamento da taxa de justiça;
b - da inadmissibilidade da penhora dos subsídios de férias e de Natal auferidos pelo executado.
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III - Fundamentação de facto
A matéria de facto a atender é a constante do relatório, avultando o seguinte:
1 - No decurso do ano de 2023, o executado percebeu pensão de reforma mensal no valor de € 687,59, a que acresceram subsídio de férias e subsídio de Natal de igual montante.
2 - O auto de penhora é de 6-12-2023, tendo o Centro Nacional de Pensões sido notificado para proceder à penhora da pensão a que o executado tem direito junto de tal entidade, com descontos no início de Dezembro de 2023.
3 - Notificado nessa data do auto de penhora, o executado nada opôs.
4 - O executado formulou pedido para que o tribunal conhecesse oficiosamente da redução de penhora em 2-4-2024.
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IV - Fundamentação jurídica
a - Se o requerimento do executado para levantamento da penhora sobre os subsídios de férias e de Natal é extemporâneo, se é infundamentado e se não deve haver lugar ao conhecimento do mesmo por ausência de pagamento da taxa de justiça.
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 784.º/1 do C.P.C., sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com fundamento na inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada.
A oposição à penhora é apresentada no prazo de 10 dias a contar da notificação do ato de penhora (art.º 785.º/1 do C.P.C.).
O incidente de oposição à penhora constitui um meio de oposição à penhora privativo do executado que, no essencial, consiste numa forma de reação deste a casos de impenhorabilidade objetiva (cf. José Lebre de Freitas, in A Ação Executiva, 1997, p. 225)
Iniciando-se o prazo para deduzir incidente de oposição à penhora com a notificação ao executado do ato de penhora realizado, se deduzido forma de prazo, deve ser liminarmente indeferido.
Constata-se que à data da apresentação da oposição à penhora havia já decorrido o prazo da oposição à penhora.
Entende-se, porém, que a questão da (in)admissibilidade da penhora é de conhecimento oficioso, como se passará a expor.
É consabido que cabe ao agente de execução dirigir o processo, sem prejuízo do poder geral de controlo do juiz de execução. O art.º 723.º do C.P.C. prevê explicitamente, sem prejuízo de outras intervenções (n.º 1), quais são as incumbências do juiz, entre as quais se inclui julgar a oposição à penhora (al. b) do n.º 1), bem como decidir outras questões suscitadas, assinaladamente pelas partes (al. d) do n.º 1), conforme é o caso.
Afigura-se-nos inegável que impende sobre o juiz de execução, caso surpreenda penhora que entenda inadmissível, na sua totalidade ou em parte, não só o poder como o dever de repor a legalidade (veja-se em sentido idêntico, ainda que ao abrigo do Código de Processo Civil revogado e a propósito da isenção ou redução da penhora, o ac. da Relação de Lisboa de 16-2-2012, proc. 941/05.9TBALQ-B.L1-8, Isoleta Costa e já na vigência do atual C.P.C. o ac. da Relação de Lisboa de 30-5-2023, proc. 22256/09.3T2SNT-B.L1-7, Ana Rodrigues da Silva e o ac. da Relação de Lisboa de 21-3-2024, 25397/09.3YYLSB-A.L1-, José Manuel Monteiro Correia).
No que se refere à penhora, ademais de pensão de velhice de valor inferior ao salário mínimo nacional, não se poderá deixar de considerar estarem em apreço princípios fundamentais do ordenamento jurídico. Uma interpretação segundo a qual a questão da inadmissibilidade objetiva ou da impenhorabilidade só pudesse ser objeto de decisão do tribunal a requerimento dos executados, pelo que, decorrido o prazo de oposição à penhora a situação, ainda que porventura ilegal, se tornaria irreversível, espartilharia intoleravelmente o direito daqueles. Ficaram sujeitos a verem penhorada quantia recebida mensalmente que não exceda a remuneração mínima garantida.
No caso concreto, está em jogo que o executado, que, pelo menos sem subsídios, recebe quantia inferior àquela que o legislador teve como mínima para a sobrevivência dos trabalhadores, veja coartada a possibilidade de ver esse valor acrescido por via dos subsídios de férias e de Natal em função de ter deixado decorrer o prazo legal de oposição à penhora.
Acresce que, vencendo-se anualmente o direito ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal, alterando-se os respetivos valores, em princípio, todos os anos, crê-se que sempre assistiria ao executado o direito a suscitar novamente a questão em 2024, precisamente por os respetivos termos, ao menos em tese, se verem periodicamente alterados.
Relativamente ao não pagamento de taxa de justiça pelo incidente, outro dos fundamentos com base nos quais a exequente sustenta que não se poderia ter conhecido da inadmissibilidade da penhora, não oferece dúvidas que a dedução do incidente de oposição à penhora implica, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 530.º/1 do C.P.C. e 6.º/1 e 7.º/4 do Regulamento das Custas Processuais, o pagamento de taxa de justiça de acordo com a tabela II que integra o Regulamento.
Todavia, a resposta dada à questão da extemporaneidade do requerimento para que o juiz de execução se pronunciasse acerca da inadmissibilidade da penhora deita a perder a relevância da omissão do pagamento da taxa de justiça, bem como, diga-se, da aventada falta de fundamentação do requerido - sendo certo, contudo, que as razões da pretensão do executado foram amplamente explanadas.
Não é de incidente com a natureza de oposição à penhora que se trata, tanto mais que é iniludível que no que concerne aos subsídios já penhorados o prazo se havia esgotado, mas de reposição da legalidade. E partir do momento em que o juiz entende conhecer da matéria da impenhorabilidade, o que, como vimos, é um poder-dever que lhe assiste, sendo com base nesse pressuposto que toma a sua decisão, cai por terra o fundamento para o pagamento de taxa de justiça pelo incidente de oposição à penhora.
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b - Da inadmissibilidade da penhora dos subsídios de férias e de Natal auferidos pelo executado.
Nos termos do disposto no art.º 738.º/1 do C.P.C., são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.
Segundo o n.º 3 do mesmo art.º 738.º, a impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.
A impenhorabilidade de 2/3 do vencimento/pensão mensal percebidos pelos executados, com o limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, do montante equivalente a um salário mínimo nacional, destina-se a assegurar um montante mínimo necessário à sua subsistência condigna.
Não oferece dúvidas que os subsídios de férias e de Natal são prestações que acrescem à retribuição mensal. Com a devida vénia, reproduzimos aqui, pela respetiva acuidade para o caso concreto, o seguinte trecho do ac. desta Relação do Porto desta mesma secção de 26-10-2020 (proc. 2165/10.4TBGDM-B.P1, José Eusébio Almeida): os subsídios de Natal e de férias são direitos do trabalhador/pensionista nos termos gerais (e não complementos facultativos), também estão garantidos pela legislação que garante o salário mínimo. Também eles se incluem na garantia de uma subsistência tida por minimamente condigna. Ou seja, essa garantia de um salário mínimo e de uma existência minimamente condigna não diz respeito apenas a doze prestações mensais por ano, mas a catorze. Assim, os subsídios de Natal e de férias (de trabalhadores no ativo ou de pensionistas) que sejam inferiores ao montante legalmente fixado para o salário mínimo nacional serão, em qualquer caso, impenhoráveis, nos termos do artigo 738, n.ºs. 1 e 3, do Código de Processo Civil. Como se entendeu no Ac. da Relação do Porto de 28.06.2017, “mesmo que assim não se entenda, ou seja, se se entender que o montante garantido pela legislação do salário mínimo (com a consequente impenhorabilidade) corresponde apenas a doze prestações mensais, há que considerar o seguinte: se o montante das pensões auferidas for inferior ao salário mínimo nacional e a essas pensões acrescem subsídios de Natal e de férias, há que considerar o montante global desses rendimentos e dividi-lo por doze; e se o montante apurado com tal divisão for inferior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo, os referidos subsídios também serão impenhoráveis. É o que, claramente, impõe a ratio da norma que, em nome da salvaguarda da dignidade humana, impõe a impenhorabilidade de pensões inferiores ao salário mínimo nacional. À luz dessa ratio, não teria sentido admitir a penhora de um subsídio pago num só mês (altura em que, ocasionalmente, a soma da pensão e do subsídio poderá ser superior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo), quando tal não seria admissível se esse subsídio fosse pago em duodécimos (pois, neste caso, já a soma da pensão e de cada um desses duodécimos será inferior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo). Há que considerar a situação global do executado, não uma prestação isolada. Segue este entendimento o acórdão (…) desta Relação de 8 de março de 2016, proc. n.º 4462/09.2T2OVR-A.P1, relatado por Maria de Jesus Pereira, acessível em dgsi (e também o acórdão da Relação de Guimarães, de 18 de abril de 2013, proc. n.º 537-A/2002.G1, relatado por Isabel Rocha, também acessível em dgsi).
Na situação sobre a qual nos debruçamos, o valor do subsídio de Natal e do subsídio de férias do executado (€ 687,59) é inferior ao salário mínimo nacional fixado para o ano em que houve lugar à penhora (o decreto-lei 85-A/2022 de 22 de dezembro atualizou o valor da retribuição mínima mensal garantida - RMMG - para € 760,00).
Considerando o montante global anual dos rendimentos conhecidos do executado (€ 9.626,26, correspondentes a 14 x € 687,59), dividindo por doze, o montante médio mensal apurado é de € 802,18.
Para o ano de 2024, o salário mínimo foi fixado pelo decreto-lei 107/2023, de 17 de novembro em € 820,00.
O despacho recorrido foi no sentido de determinar o levantamento da penhora e a devolução dos valores apreendidos ao executado na parte que não excede o salário mínimo previsto para 2023, o que corresponde rigorosamente à letra e ao espírito da lei. Esta determinação mantem-se para o futuro, com as adaptações devidas, por correlação entre o valor da pensão do executado e o montante da remuneração mínima mensal garantida.
Em face do exposto, nada havendo a apontar ao despacho sob apreciação, o presente recurso está votado ao insucesso.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se, com fundamentos que dela nada dissentem, a decisão recorrida.
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Custas pela apelante, por ter decaído totalmente na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 21-10-2024
Teresa Fonseca
Carla Fraga Torres
Miguel Baldaia de Morais