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MEDIDA DE ACOMPANHAMENTO DE MAIOR
REVISÃO DA MEDIDA
AUDIÇÃO DO BENEFICIÁRIO
PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO
Sumário
Em sede de revisão da medida de acompanhamento de maior, a audição do beneficiário é obrigatória para o juiz do processo, entendida tal diligência como o contacto pessoal e direto com o acompanhado, porventura expoente máximo do princípio da imediação, independentemente da conclusão que depois se venha a retirar, nomeadamente da impossibilidade real de diálogo com o beneficiário.
Texto Integral
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório:
Em 21 de maio de 2024 foi prolatada decisão com o seguinte teor: Refª ...31: Atento o teor dos meios de prova documentais/periciais, decide-se, em sede de revisão do regime de acompanhamento de AA, o seguinte: - Manter a medida de representação geral (artigos 145º, nº 2, al. b), in principio, e 258º ambos do Código Civil); - Manter a concessão de administração total de bens ao Acompanhante; - Manter o atual acompanhante, Dr. BB, Diretor da Casa de Saúde ..., sita na Avenida ..., ... ... (artigos 143º, nº 2, al. g), do Código Civil, e 900º, nº 1, do Código de Processo Civil); - Ordenar a Notificação do Acompanhante para cumprir o disposto no artigo 902º, nº 1, do Código de Processo Civil, i.e., para indicar outros Bens de que o beneficiário seja titular, para além dos bens relacionados pelo Ministério Público no requerimento inicial; - Fixar, em virtude das características do caso concreto, a data da revisão da medida em 5 (cinco) anos após a presente data (artigo 155º do Código Civil). Refª ...31: Pague-se os Honorários devidos à Sra. Perita. D.n.. Sem custas (artigo 4º/1,a) e l), do Regulamento das Custas Processuais). Notifique e Registe (artigo 153º/4 do Código de Processo Civil). ..., d.s.
Inconformado com a decisão, o Ministério Público apelou, formulando as seguintes conclusões:
i) O presente recurso versa sobre a sentença datada de 21/05/2024, proferida nestes autos de revisão de medida de acompanhamento, sem que tivesse sido realizada a audição, pessoal e direta, do beneficiário AA;
ii) A omissão desta diligência obrigatória, sendo imperiosa para a decisão a proferir, é geradora de nulidade processual (195.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.C) e, concomitantemente, de anulação da decisão por violação expressa das normas legais constantes dos arts. 897.º, n.º 2, 898.º ex vi 904.º, n.º 3 do C.P.C. e 139.º do C.C.
iii) O novo paradigma criado pelo regime do maior acompanhado – que se aplica ex vi art. 904.º, n.º 3 do C.P.C ao regime da revisão - é absolutamente claro e inequívoco no que ao carácter imperativo da audição do beneficiário tange, pois só assim se permite ao julgador aferir acerca do seu estado, em sentido lato (que comporta várias dimensões, pessoais, físicas, anímicas, psicológicas);
iv) Não esqueçamos que os presentes autos de revisão de medida de acompanhamento visam a restrição e/ou manutenção da restrição de capacidades/direitos do visado, razão pela qual se entende crucial a audição pessoal do beneficiário com vista a avaliar a sua condição – que jamais ficará cabalmente esclarecida somente através de documentos clínicos/periciais.
v) Ademais, dentro das limitações impostas pela patologia do beneficiário, pretendeu o legislador satisfazer, sempre que possível, aquela que é a sua vontade, no que concerne, designadamente, à escolha/alteração do acompanhante, o que só é possível através do contacto presencial com o visado.
vi) Reiteramos que a obrigatoriedade da audição do beneficiário abrange os processos de revisão de medida - onde poderá estar em causa a extensão por mais 5 anos da restrição da capacidade do visado;
vii) Entendimento diverso colocaria em causa a coesão e coerência sistémica do regime do maior acompanhado e coartaria injustificadamente os direitos do beneficiário;
viii) Por outro lado, invocamos ainda a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d) do C.P.C. já que a diligência de prova requerida pelo Ministério Público na promoção de 23/0/2024 (audição do beneficiário através de videoconferência) não chegou a ser indeferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal de ..., pelo que, a nosso ver, careceria de pronúncia por parte do Mmo. Juiz a Quo, que aceitando o processo sem suscitar qualquer conflito de competência, assume o dever vertido no disposto no n.º 2 do art. 608.º do C.P.C.
ix) Finalmente, pese embora estejamos em sede de revisão, o que poderá admitir um decisão mais sumária, somos de parecer que a douta sentença sob escrutínio padece, com todo o respeito, da nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, já que não especifica em concreto os fundamentos de facto e de direito que estiveram na base da manutenção da medida de representação geral, sendo que a mera remissão para o relatório pericial não permite alcançar com clareza o que justificou a opção do julgador;
x) Em suma, em consonância com as asserções tecidas supra, a douta sentença prolatada nestes autos enferma dos vícios citados e violou as normas constantes dos artigos 195.º, n.ºs 1 e 2, 897.º, n.º 2, 898.º aplicáveis ex vi art. 904, n.º 3 do C.P.C. e, bem assim, do art. 139.º do C.C. e arts 615.º, n.ºs 1, als. b) e d) e 608.º, n.º 2 do C.P.C. Nestes termos e nos demais de direito que os Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães se dignarão suprir, revogando-se a douta sentença recorrida e determinando-se a correção dos vícios a que se fez menção, farão V.Ex.ªs, ora como sempre, Justiça.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Os autos foram aos vistos dos excelentíssimos adjuntos.
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II – Questões a decidir:
Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são, assim, apurar se a sentença padece de nulidade, quer por força da não audição do beneficiário, por força da omissão de pronúncia sobre a diligência probatória requerida pelo MP, bem como pela falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão.
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III – Fundamentação:
A. Fundamentos de facto:
A factualidade relevante para a decisão da causa é a constante do relatório antecedente, que aqui se dá por reproduzido.
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B. Fundamentos de direito.
O recorrente Ministério Público imputa diversas nulidades à sentença. E, sobre esta, não podemos deixar de tecer algumas considerações prévias.
De acordo com o artº 607º, nº 2, do CPC, a sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando de seguida as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida in Direito Processual Civil, volume II, 2015, páginas 343-344, refere o seguinte, a propósito das sentenças: “Em sentido material, e em correspondência com a tipologia das ações declarativas (espécies de ações consoante o fim), as sentenças podem ser de mera declaração (simples apreciação), de condenação e constitutivas (artº 10º). Podem, ainda, ser de fundo (ou de substância) se tiverem apreciado o mérito da causa ou de forma (processuais) se, por motivos meramente processuais/formais, se limitarem a absolver (o réu ou o autor-reconvindo) da instância. De distinguir ainda entre sentenças finais (plenas ou parciais) e interlocutórias (ou incidentais); - finais plenas, as que dirimem toda a controvérsia litigiosa (ou todo o recurso, assumindo, por norma, a designação de acórdão); - finais parciais, as que circunscrevem a pronúncia a um segmento individualizado do pedido (por exemplo, no caso de pretensão divisível em diversas partes ou parcelas equivalentes ou a uma só parcela de uma obrigação divisível) ou quando decidem apenas uma das várias pretensões ou em relação a um só dos litisconsortes ou partes coligadas ou somente o pedido principal ou o pedido reconvencional. Sentenças interlocutórias ou incidentais são as que decidem apenas questões ou pontos controvertidos secundários ou surgidos de forma avulsa no decurso da lide, mas que não versam diretamente sobre questões concretas da querela litigiosa (material), ainda que prodrómicos ou preparatórias da decisão a adotar relativamente a esta. É, por exemplo, o caso da resolução de questões incidentais ou incidentes (típicos ou anómalos)suscitados entre as próprias partes ou que contendam com interesses de terceiros direta ou indiretamente interessados.”
Nos termos do artº 608º, nº 1, do CPC, a sentença final deve começar por conhecer das questões processuais suscetíveis de determinar a absolvição (do réu ou do autor-reconvindo) da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
No proémio da sentença não se mostram identificadas as partes, mostrando-se inobservado o disposto no artº 607º, nº 2, do CPC.
Paulo Pimenta in Processo Civil Declarativo, 2015, página 311, refere que “O relatório é a parte destinada à identificação das partes e do objeto do litígio, sendo ainda destinada à enunciação das questões que ao tribunal cumpre solucionar (artº 607º, nº 2). A identificação das partes não carece de particular desenvolvimento, visto que os seus elementos constam já dos autos.”
Dispõe o artº 614º do CPC: 1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz. 2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação. 3 - Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo.
O tribunal recorrido não retificou tal omissão, nem sequer no seu despacho prolatado após remessa dos autos à 1ª instância, na sequência de despacho prolatado nesta relação pela senhora desembargadora de turno.
Não obstante, tais omissões, a despeito de injustificadas, não configuram nulidade da sentença, ao contrário de outras, infra especificadas.
O recorrente começa por se insurgir contra a falta de audição, pessoal e direta, do beneficiário.
Dispõe o artº 905º, nº2, e 3, do CPC: 2 - As medidas de acompanhamento podem, a todo o tempo, ser revistas ou levantadas pelo tribunal, quando a evolução do beneficiário o justifique. 3 - Ao termo e à modificação das medidas de acompanhamento aplicam-se, com as necessárias adaptações e na medida do necessário, o disposto nos artigos 892.º e seguintes, correndo os incidentes respetivos por apenso ao processo principal.
Por seu turno, de acordo com o artº 897º do mesmo diploma:
Poderes instrutórios 1 - Findos os articulados, o juiz analisa os elementos juntos pelas partes, pronuncia-se sobre a prova por elas requerida e ordena as diligências que considere convenientes, podendo, designadamente, nomear um ou vários peritos. 2 - Em qualquer caso, o juiz deve proceder, sempre, à audição pessoal e direta do beneficiário, deslocando-se, se necessário, ao local onde o mesmo se encontre.
Em anotação ao artigo 904º, do CPC, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires e Sousa referem que “O pedido de cessação ou modificação das medidas deve ser formulado por apenso, aplicando-se a tramitação prevista nos arts. 892º a 900º, com as necessárias adaptações. Esta remissão implica a obrigatoriedade da audição pessoal, e direta, do maior acompanhado (cfr. artºs 897º, nº2, e 898º).
Pedro Callapez in Processos Especiais, AAFDL Editora, volume I, páginas 111-112, refere o seguinte: “No âmbito dos meios de prova, dois assumem especial relevância: (i) a audição pessoal e direta do beneficiário e (ii) a prova pericial. Quanto ao primeiro, nos termos do número 2 do artº 897º do Código de Processo Civil, o juiz deve proceder à audição do visado, de forma pessoal e direta. Como ensina Miguel Teixeira de Sousa, a relevância deste meio de prova é uma manifestação da relevância do princípio da imediação, um “dos princípios orientadores do processo especial de acompanhamento de maiores[1]. Esta audição, que “deve ocorrer em todos os processos, sem exceção[2]”, é conduzida pelo próprio juiz (cfr. artº 898º, nº 2, do CPC), que deve, se necessário for, deslocar-se até onde o beneficiário se encontre (cfr. artº 897º do CPC e 139º do Código Civil). No mais, o juiz pode determinar que a audição não tenha assistência, nos termos do nº 3 do artº 898º do CPC, se suspeitar que a presença de outrem cause perturbação no beneficiário, influenciando a realização da diligência. A obrigatoriedade deste meio probatório “pretende assegurar que o juiz tem conhecimento efetivo da real situação em que se encontra o beneficiário”, acabando, de resto, por ser um corolário da maior liberdade conferida ao juiz na determinação das medidas de acompanhamento aplicáveis. No nosso entender, o contacto direto do juiz com o beneficiário é sempre obrigatório, independentemente da condição deste não lhe permitir comunicar. Com efeito, salvo melhor opinião, o que a lei visa garantir é que o juiz tem uma perceção direta da situação do beneficiário, independente de todas as outras eventuais fontes desse conhecimento que lhe hajam sido apresentadas, designadamente a factualidade alegada no requerimento inicial ou plasmada no relatório pericial.”
O já citado Miguel Teixeira de Sousa[3] refere expressamente que “À revisão e ao levantamento da medida de acompanhamento aplica-se, com as necessárias adaptações, o procedimento respeitante ao decretamento da medida (art.º 904.º, n.º 3); isto significa, além do mais, que é obrigatória a audição pessoal e direta do maior acompanhado (cf. art.º 897.º, n.º 2, e 898.º).”
Aqui chegados, importa referir que temos por inequívoco que a audição do beneficiário é obrigatória, também em sede de revisão da medida, sendo aliás certo que o senhor juiz do tribunal de ... no seu despacho de 13 de março de 2024 decidira já ouvir aquele.
Desde logo, impõe a audição a gravosidade da medida a que o beneficiário está sujeito, sendo talvez, o expoente máximo da necessidade de aplicação efetiva do princípio da imediação. Sem tal perceção pessoal e direta, como defender uma decisão consciente, qualquer que ela seja? Unicamente com base em relatórios? Onde fica, então, a intervenção crítica do juiz e para que é que serve? “O regime do maior acompanhado é, assim, a realização infraconstitucional das liberdades e direitos da pessoa maior vulnerável - justamente designada como beneficiário – e, enquanto tal deve ser visto e atuado como um sistema garantísticodaquela posição jurídica. O sistema assenta, nitidamente, nos princípios da não discriminação, da subsidiariedade, da proporcionalidade e da autodeterminação, que impõem uma intervenção que tutele o beneficiário dos riscos da heterodeterminação de interesses, relações de subordinação e conflitos de interesses e o defenda face a intervenções abusivas e arbitrárias[4].”
Cremos que o tribunal recorrido (que não especificou os fundamentos de facto e de direito da sua decisão, como se impunha) se terá baseado numa interpretação literal do artigo 904º, nº 3, do CPC, que refere o “termo” e “modificação” da medida de acompanhamento, sem referir expressamente “revisão”. Todavia, as razões que determinaram a montante que tal audição fosse efetuada aquando do decretamento da medida, mantêm plena validade a jusante, em sede de revisão daquela.
Houve, assim, a preterição de uma diligência que a lei impunha.
“Quanto à consequência jurídica da omissão da audição do beneficiário, tem sido entendido pela jurisprudência, nomeadamente a supracitada, que a omissão de tal ato enferma da nulidade prevista no art.º 195º, nº 1, 2ª parte, do CPC (cfr. art.º 897º, nº 2 do CPC), por ter influência no exame e decisão da causa. Seguindo-se tal raciocínio entende-se que não obstante a arguição de nulidade processual seguir o regime geral previsto no art.º 149º do C.P.C., de acordo com o qual o prazo é de 10 dias, perante o Tribunal onde foi cometida, por meio de reclamação, logo, apenas da decisão que sobre a mesma recair se poderia interpor recurso, a questão constitui um desvio a esta regra. Para tanto defende-se que o caso de a nulidade se revelar por efeito de uma decisão recorrível, em que o meio próprio para a impugnar é o recurso (neste sentido, entre outros, Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 393), por se entender que “se, entretanto, o ato afetado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”). É certo que a nulidade invocada surge coberta pela sentença proferida na mesma data, mas o recurso não incide sobre esta especificamente, mas sim pela omissão do ato anterior. A propósito desta temática importa porém, ter presente o referido por Miguel Teixeira de Sousa (in blog do IPPC, sob o tema "Dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se", constante das notas datadas de 30/01/2023 e de 08/02/2023). Com efeito, nos ensinamentos de Alberto dos Reis ( in “Comentário ao Código de Processo Civil II pág. 507) "A arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou da formalidade, o meio processual para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou a reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente. Eis o que a jurisprudência consagrou nos postulados; dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se". Ora, refere então Miguel Teixeira de Sousa “repare-se que Alberto dos Reis fala de "reagir contra a ilegalidade" (não contra a nulidade) quando "há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou da formalidade" e nunca relaciona a nulidade processual com uma decisão.”. Logo, volvendo aos ensinamentos de Alberto dos Reis: "Desde que um despacho tenha mandado praticar determinado ato, por exemplo, se porventura a lei não admite a prática desse ato[,] é fora de dúvida que a infração cometida foi efeito do despacho; por outras palavras, estamos em presença dum despacho ilegal, dum despacho que ofendeu a lei de processo. Portanto, a reação contra a ilegalidade traduz-se num ataque ao despacho que a autorizou ou ordenou; ora o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respetivo recurso [...]" (in ob. cit. pág. 507 s.). Daqui resulta que não estamos perante uma nulidade processual, mas sim uma ilegalidade do despacho que decidiu a omissão ou a prática do ato e é precisamente por isso que o meio de reação é o recurso, e não a reclamação própria das nulidades processuais (art.º 196.º 2.ª parte, CPC). Daí que seja de aplicar o brocado "Dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se". Outro argumento reforça ainda esta ideia plenamente aplicada ao caso dos autos – a omissão de um ato obrigatório – que determina que a decisão seja ilegal, pois no dizer de Miguel Teixeira de Sousa tal retira-se do disposto no art.º 630.º, n.º 2, CPC. Ou seja, “(c)omo se sabe este artigo restringe a recorribilidade, entre outras, das decisões que se pronunciam sobre nulidades processuais inominadas ou secundárias (que são as que se encontram reguladas no art.º 195.º CPC). Perante isto, suponha-se que um tribunal dispensa indevidamente a realização da audiência prévia. Pergunta-se: o recurso dessa decisão está submetido às restrições impostas pelo art.º 630.º, n.º 2, CPC? A resposta é óbvia: esse recurso não está sujeito a essas restrições. A justificação é evidente: a impugnação da decisão não está submetida a essas restrições, pela muito simples razão de que é uma decisão que nada tem a ver com uma nulidade processual. Confirma-se, assim, o equívoco de associar uma decisão que é ilegal por dispensar o que não podia dispensar ou por impor o que não podia impor à matéria das nulidades processuais. Trata-se, tout court, de uma decisão ilegal.” – cfr. AcRL de 23/03/2023, processo nº 231/22.2T8MFR.L1-6.
No caso dos autos a omissão da audição no caso concreto constitui uma decisão ilegal, o que determina a sua revogação, bem como os atos subsequentes, o que se determina, ficando prejudicado o mais alegado (artº 608º, nº 2, ex vi artº 663º, nº 3, do CPC).
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revoga-se a sentença prolatada sem a audição do beneficiário, devendo ser realizada a diligência omitida e, após, proferida nova sentença.
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V – Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interposto, revogando a sentença recorrida.
Sem custas – artº 4º, nº1, alíneas a) e l) do RCP.
Notifique.
Guimarães, 17 de outubro de 2024.
Relator: Fernando Barroso Cabanelas.
1º Adjunto: Pedro Maurício.
2ª Adjunta: Maria Gorete Baldaia Morais.
[1] Miguel Teixeira de Sousa, “O regime do acompanhamento de maiores: alguns aspetos processuais”, O novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, E-book do Centro de Estudos Judiciários, 2019, p.44. [2] AcRC de 4 de junho de 2019. [3] Op. cit., página 54. [4] Geraldo Rocha Ribeiro, O instituto do maior acompanhado à luz da Convenção de Nova Iorque e dos direitos fundamentais, Julgar on line, Maio de 2020, pág. 4.