ERRO NA FORMA DO PROCESSO/ ARTIGOS 164.º E 169.º
DO CÓDIGO DO PROCESSO DO TRABALHO
Sumário

I - O erro na forma de processo ocorre nos casos em que a pretensão do autor não seja deduzida segundo a forma comum ou especial de processo legalmente prevista.
II - Quer a ação prevista no art. 164, quer a que está contemplada no art. 169, ambos do Código do Processo do Trabalho, seguem a mesma forma de processo regulada na Secção III do Capítulo IV deste diploma.”
III - Ainda que a Autora tenham invocado aquele último preceito, estando em causa, para além de atos da Direção do Réu cuja impugnação teria segundo os respetivos Estatutos de ser feita para o órgão da Assembleia Geral, ainda atos da Mesa da Assembleia Geral, inexiste erro na forma de processo.

(inclui parte do sumário do acórdão da Relação de Lisboa referenciado no texto)
(Da responsabilidade da Relator)

Texto Integral

Processo nº 20589/22.2T8PRT-C.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 3

Relatora: Teresa Sá Lopes

1º Adjunto: Rui Manuel Barata Penha

2ª Adjunta Germana Lopes Ferreira

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

A Autora AA instaurou “ao abrigo do art. 164-B do Código do Processo de Trabalho (CPT) (…), AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INVALIDADE DAS DECISÕES, ATOS OU COMPORTAMENTOS (…), já praticados, a praticar ou com efeitos produzidos ou a produzir, em nome do Réu, pelo Presidente-Coordenador da sua Direção, BB, e/ou por outros, sob a égide”, processo especial, contra o Réu, Sindicato dos Trabalhadores em funções Públicas e Sociais do ....

Formulou o seguinte pedido:

a. deve a presente ação ser julgada procedente, condenando-se o Réu:

1) a reconhecer a invalidade e a perda de efeitos das decisões, dos atos ou dos comportamentos acima descritos ou invocados, tendentes a impedir a Autora de exercer os seus direitos e deveres inerentes à

i) sua qualidade de Sócia,

ii) de membro da Direção e

iii) de Candidata às eleições em curso para os órgãos sociais do Réu;

2) a abster-se, doravante, da prática de decisões, de atos ou de comportamentos de natureza e finalidade idênticas;

3) a reconhecer à Autora a qualidade de Sócia do Sindicato, com todos os direitos e deveres, não agindo como se o despedimento promovido pela Entidade Empregadora tivesse como efeito direto e imediato a desfiliação do Sindicato, designadamente quando tal despedimento é objeto de impugnação, como sucede no caso da Autora, e o seu carácter definitivo, fica, por isso, pendente da sentença que aprecie a licitude ou a ilicitude da extinção do contrato de trabalho, sendo certo que, no caso sub judice, a Autora até já contraiu novo vínculo laboral, no âmbito de atividades representadas pelo Réu.

Pelo Réu foi apresentada contestação.

Alega, nomeadamente que a presente ação insere-se num contexto de amplo conflito entre Autora e Réu, o qual já se traduz em três processos a correr termos no Juízo do Trabalho do Porto, bem como em várias participações de natureza criminal.

Invoca que a Autora pretende que o Tribunal aprecie o que se encontra a ser apreciado no processo que corre termos no mesmo Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 2, sob o n.º 5216/20.0T8PRT.

Quanto ao alegado no artigo 44º da petição inicial - no segmento em que a Autora refere que pela primeira vez desde que é sócia do Réu, a porta de entrada estava barrada por um elemento duma Empresa de Segurança Privada, contratada ad hoc pelo Réu - o Réu questiona como pode a Autora afirmar que o Segurança foi contratado por BB e alega ter sido decisão da Comissão Executiva, embora isso, não tenha nada a ver para o caso em análise.

Conclui que deve a presente ação ser julgada improcedente, por não provada, quanto aos dois pedidos formulados pela Autora, absolvendo-se o Réu em conformidade.

Em 28.02.2023 foi proferido o seguinte despacho (realce nosso):

“A presente ação foi distribuída, no seguimento da designação da autora, como processo especial de controvérsia sindical sem carácter penal, ação esta que está prevista nos artigos 164º a 169º do CPT e que tem por objetivo a impugnação de estatutos, deliberações de assembleias gerais ou atos eleitorais de instituições de previdência, associações sindicais, de empregadores ou de comissões de trabalhadores (cfr. nº 1 do artigo 164º).

Trata-se de uma ação similar à de impugnação de deliberações tomadas por pessoas coletivas, nomeadamente sociedades.

Ora, lida a petição inicial, resulta que a autora não põe em causa qualquer deliberação tomada pela pelo sindicato, mas sim o comportamento do coordenador da direção do sindicato de não a deixar participar nas reuniões da Direção.

Afigura-se, assim, ao tribunal que a ação não poderá seguir estes termos porque não visa a impugnação de uma deliberação do sindicato, devendo sim correr os seus termos como ação comum, antevendo-se a hipótese de estarmos perante erro na forma de processo.

Em face do exposto, ouçam-se as partes para, querendo, se pronunciarem sobre esta questão (artigo 3º, nº 3 do CPC).”

Em 16.03.2023, foi apresentado articulado superveniente pela Autora, para “aditar novos factos ou causas de pedir e para aceitar confissão de facto feita pelo Réu na sua contestação (…)”, pronunciando-se ainda quanto “ao suposto erro dos termos em que a ação foi proposta e tramitada até ao presente”.

Nesse mesmo articulado é alegada matéria, de que se destaca ter no dia 09 de dezembro de 2022, sido realizada a assembleia geral do Réu de que tinha feito alegação na al. a. do art. 45.(c), da petição inicial, concluindo que pelo descrito modo, a Mesa da Assembleia Geral (MAG) decidiu e praticou os mesmos ou idênticos atos de exclusão e de privação do exercício dos direitos de associada por parte da Autora, que na petição inicial tinham sido imputados à direção do Réu.

Para os efeitos do artigo 46º do CPC, aceita a afirmação do alegado no artigo 65º da contestação, em que o Réu confessa que “a decisão foi da Comissão Executiva”, considerando assente que a alegada atuação do Réu através do Coordenador da Direção assenta em decisão da sua Comissão Executiva.

Entende que a presente ação deve continuar a sua tramitação nos termos do processo especial do contencioso de associações sindicais regulado no referido CAPÍTULO IV do TÍTULO VI do CPT.

Estão claramente em causa atos da direção do Réu e a Autora já não dispõe da possibilidade de recurso para a MAG nem para outro Órgão interno.

Quanto à forma do processo, aduziu o que integralmente se transcreve.

“27. A Autora, ao expor os fundamentos da ação e ao deduzir os pedidos acabados de transcrever, teve claramente presente o disposto nos 169 e 162 do CPT, que se integram no “TÍTULO VI – Processo especiais” e seu CAPÍTULO IV – “Processo do contencioso (…) das associações sindicais (…)”.

28. O artigo 162/1, sob o título “Forma dos processos” prescreve que “os processos do contencioso de (…) associações sindicais (…) seguem os termos do processo comum previsto neste Código, salvo o disposto nos artigos seguintes”.

29. Ora um desses artigos seguintes é o 169, que, por sua vez, subordinado ao título “Declaração de invalidade de atos de outros órgãos” dispõe que “nos casos em que de ato de qualquer outro órgão gerente ou diretivo de instituição de (…) associação sindical (…), a declaração de invalidade é pedida através de processo regulado nesta secção”.

30. Do exposto decorre que, salvo melhor entendimento, a presente ação deve continuar a sua tramitação nos termos do processo especial do contencioso de associações sindicais regulado no referido CAPÍTULO IV do TÍTULO VI do CPT.”

O Réu pronunciou-se no sentido de entender que a presente ação deverá correr os seus termos como ação comum.

Em 22.03.2023, pela Mm.ª Juiz a quo foi proferida a decisão recorrida, transcrevendo-se o seu teor e respetivo dispositivo:

“A presente ação foi distribuída, no seguimento da designação da autora, como processo especial de controvérsia sindical sem carácter penal, ação esta que está prevista nos artigos 164º a 169º do CPT e que tem por objetivo a impugnação de estatutos, deliberações de assembleias gerais ou atos eleitorais de instituições de previdência, associações sindicais, de empregadores ou de comissões de trabalhadores (cfr. nº 1 do artigo 164º).

Trata-se de uma acção similar à de impugnação de deliberações tomadas por pessoas coletivas, nomeadamente sociedades, em que se visa atacar a validade de uma deliberação ou ato praticado pelos órgãos da sociedade.

Ora, lida a petição inicial, resulta que a autora não põe em causa qualquer deliberação tomada pela pelo sindicato, mas sim o comportamento do coordenador da direção do sindicato de não a deixar participar nas reuniões da Direção.

Note-se que, mesmo considerando o invocado pela autora no requerimento agora apresentado não está em causa qualquer rejeição da lista apresentada pela autora, sendo que tal atuação do réu não é objeto destes autos.

Reitera-se que estamos perante o comportamento de alguém (represente ou não o réu) que pode, naturalmente, ser judicialmente atacado, mas não estamos perante actos no sentido acima exposto, praticados pelo réu ou por algum dos seus órgãos.

Não é assim aplicável a forma de processo especial prevista nos artigos 164º a 169º do CPT.

O erro na forma do processo apenas determina a nulidade dos atos que não possam ser aproveitados, sendo que, no caso em apreço, até agora, toda a tramitação poderá ser aproveitada numa ação comum.

Assim, conclui-se que se verifica no caso concreto o erro na forma do processo, pelo que determino que a presente ação passe a correr termos como ação de processo comum, dando-se a competente baixa na espécie em que se encontrava distribuída (controvérsia sindical sem carácter penal) e carregando-se na espécie competente, e retificando-se a autuação em conformidade.

Mais determino se remeta a presente ação à distribuição para ser distribuída na espécie competente - 1ª espécie -, por forma a assegurar-se a devida igualdade da distribuição das ações na espécie competente entre os 3 juízes que integram o presente Juízo de Trabalho do Porto (cfr. artigos 21º do Código do Processo do Trabalho e 203º do Código do Processo Civil).

Custas do incidente, que fixo no mínimo legal, a cargo da autora.”

Inconformada com esta decisão, a Autora apresentou recurso, defendendo a revogação da mesma, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem (realce nosso):

“1. Não há rigor na apreciação dos fundamentos invocados na decisão recorrida e esta incorre em erro na aplicação das normas jurídicas atinentes ao caso.

2. Se o Réu perfilhasse a mesma tese da decisão recorrida de que não houve nem há nenhuma decisão ou deliberação tomada por ele (Sindicato) que prive a Autora da sua qualidade de associada com plena usufruição dos inerentes direitos, em tal caso, a Recorrente aceitaria, de imediato e de bom grado, que se concluísse que o prosseguimento desta ação deixa de fazer sentido, bastando a simples decisão e/ou reconhecimento desse consenso entre as partes, pois essa é a razão de ser, a finalidade ou o objetivo único da ação.

3. Porém, resulta do alegado na petição inicial (e da prática subsequente à entrada da ação em juízo) e resulta também da própria contestação que a Autora estava e continua confrontada com decisões e atos do Réu que indiciam o contrário do que está dito expressamente ou subjaz aos fundamentos da decisão recorrida.

4. Com efeito, resulta da petição e da contestação que o Réu – e não o seu Coordenador ou qualquer outrem da Comissão Executiva individualmente considerados – deixou de considerar a Autora como sua associada e, em consequência, passou a impedi-la de exercer os inerentes direitos, sejam os direitos comuns a qualquer associado, sejam os direitos e os deveres inerentes à sua qualidade de dirigente sindical eleita para a Direção do próprio Réu.

5. A Recorrente não pretendeu nem pretende perder tempo ou esgrimir a questão em apreço contra o Coordenador BB ou contra qualquer outro representante legal do Réu, em nome individual (despidos da qualidade de representantes legais do Réu).

6. Para a apreciação de qualquer questão de natureza pessoal contra eles nem sequer seria competente o Tribunal de Trabalho.

7. É incontroverso que na presente ação quem está demandado é o Réu Sindicato e não o BB ou qualquer outra pessoa singular.

8. Quer a causa de pedir, quer o pedido final, estão formulados claramente contra o Réu e não contra o BB ou qualquer outro legal representante do Réu, como pessoa ou pessoas singulares.

9. Não há pedido algum contra pessoa ou pessoas individuais e também por esta razão não tem sentido a decisão do erro na forma do processo com base nesse pressuposto ou finalidade: converteria, depois, o Tribunal o pedido contra o Réu em pedido ou pedidos contra pessoa ou pessoas singulares?

10. Se, porventura, fosse de entender que a petição inicial não articula com precisão factos com interesse para a decisão da causa, sempre a Meritíssima Juíza a quo poderia e, em tal entendimento, deveria exercer o seu dever de gestão processual previsto no art. 27 do CPT e convidar a Autora, ora Recorrente, a completar e a corrigir o seu articulado (ver n. 2, al. c. do citado art. 27).

11. A decisão recorrida está viciada por não ter tido primordialmente em conta o pedido final da petição, pois este é absolutamente inequívoco ao pretender a condenação do Réu na suspensão das decisões e na cessação dos atos de negação da qualidade de associada e de membro da Direção, permitindo a sua plena participação na atividade sindical desenvolvida pelo Réu e o benefício dos direitos de associada e de representante sindical eleita.

12. É sabido que o erro na forma do processo é determinado primordialmente pela causa de pedir, como tem repetido a jurisprudência dos Tribunais Superiores.

13. Resulta inquestionavelmente da petição inicial que a Autora, ora Recorrente, propôs a presente ação contra o Réu Sindicato, dizendo logo no início da sua petição, que lançava mão da “ação de declaração de invalidade das decisões, atos ou comportamentos” do Réu, formulando, no final, pedidos de condenação do mesmo (e não de qualquer pessoa singular).

14. Ao escolher expressamente a forma do processo especial, com os fundamentos alegados no seu articulado e ao deduzir os pedidos que acima se transcreveram, a Recorrente teve clara e expressamente presente o disposto nos arts. 169 e 162 do CPT, que se integram no “TÍTULO VI – Processo especiais” e seu CAPÍTULO IV – “Processo do contencioso (…) das associações sindicais (…)”.

15. O artigo 162/1, sob o título “Forma dos processos” prescreve que “os processos do contencioso de (…) associações sindicais (…) seguem os termos do processo comum previsto neste Código, salvo o disposto nos artigos seguintes”.

16. Um desses artigos seguintes é o 169, que, por sua vez, subordinado ao título “Declaração de invalidade de atos de outros órgãos”, dispõe que “nos casos em que de ato de qualquer outro órgão gerente ou diretivo de instituição de (…) associação sindical (…), a declaração de invalidade é pedida através de processo regulado nesta secção”.

17. Por imperativo das normas acabadas de citar, não subsistem, pois, dúvidas de que a ação teria de ser proposta e deverá continuar a sua tramitação nos termos do processo especial do contencioso de associações sindicais regulado no referido CAPÍTULO IV do TÍTULO VI do CPT.

18. Repete-se que o erro na forma do processo se afere primordialmente pelo pedido feito na ação.

19. Acresce que também não assiste inteira razão à tese expressa ou subjacente na decisão recorrida de que “a Autora não põe em causa qualquer deliberação tomada pelo Sindicato”, ora Recorrido, tal como se evidenciou cabalmente nas passagens da petição inicial acima transcritas.

20. Os factos (e há outros), as conclusões e as imputações transcritas acima, no corpo das alegações, e atribuídas ao Réu Sindicato constituem fundamentos sólidos para se concluir, sem margem para dúvidas, que não é rigorosa a afirmação da decisão recorrida quando diz que “a Autora não põe em causa qualquer deliberação tomada pelo Sindicato”, ou quando diz, na mesma decisão, que a Autora apenas põe em causa “o comportamento do Coordenador da Direção do Sindicato de não a deixar participar nas reuniões da Direção” ou que “estamos perante o comportamento de alguém (representante ou não do Réu) que pode, naturalmente, ser judicialmente atacado, mas não estamos perante atos no sentido acima exposto, praticados pelo Réu ou por algum dos seus órgãos” .

21. Acresce ainda que, na data em que foi proferida a decisão recorrida, o Tribunal a quo já estava confrontado, quanto aos comportamentos denunciados pelo Réu, com o facto assente de que “a decisão foi da Comissão Executiva”.

22. Ou seja, era e é facto assente, por confissão, por força do art. 46.º do CPC, que houve decisões, deliberações ou atos do Réu que constituem causa de pedir.

23. Repete-se que não há pedido algum contra pessoa ou pessoas individuais e também por esta razão não tem sentido a decisão do erro na forma do processo com base nesse pressuposto ou finalidade.

24. O caso dos presentes autos é indiscutivelmente uma controvérsia sindical, sendo, aliás, difícil congeminar controvérsia sindical mais gritante e absurda, que justifique a ação especial prevista no CPT, demandando a intervenção urgente e eficaz da ação da Justiça.

25. A ação deu entrada e foi distribuída na modalidade de ação especial de controvérsia sindical sem carácter penal, já findou a fase dos articulados, já se encontra designada audiência de julgamento e o que é de enorme relevância é que a Autora, ora Recorrente, requereu a suspensão dos efeitos, atos ou deliberações praticadas pelo Réu, que são objeto de impugnação, o que só podia fazer ao abrigo do regime próprio da forma do processo especial adotada.

26. Uma vez que o Tribunal não decretou a requerida suspensão de tais efeitos no ato da citação, nem o fez quando recebeu a contestação e tão pouco se pronunciou sobre o referido requerimento, foi interposto recurso arguindo-se a nulidade, recurso que foi recebido, foi mandado subir e se encontra pendente (cf. despacho de 28/02/2023, ref. CITIUS 445463295).

27. Não há fundamentos ou justificação atendível para, neste momento da tramitação do processo, ser decretado o erro na forma do processo e mandar ordenar que os autos passem a seguir sob a forma do processo comum.

28. Há fundamentos claros, de facto e de direito, para que a tramitação se prossiga sob a forma da ação do processo especial, revogando-se o despacho recorrido.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, deve ser revogada a decisão recorrida, prosseguindo os autos a sua tramitação sob a forma do processo especial adotada desde o início, assim se fazendo JUSTIÇA!”

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi decidido o valor da ação e fixado o mesmo em € 30.000,01.

Foi determinada a admissão do recurso, com subida imediata, em separado.

Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador – Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.

Aí se lê, nomeadamente o que se transcreve (realce nosso):

“Está em causa decidir se existe erro na forma de processo como decidiu o despacho recorrido.

Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Sousa, CPC anotado, 3ª edição, Almedina, Coimbra, p. 256, “A idoneidade da forma de processo, que deve ser indicada a petição inicial (art.º 552º, 1, c) do CPC), afere-se em função do tipo de pretensão formulada pelo autor, e não em referência à pretensão que devia ser por ele deduzida (aqui trata-se, não de uma inadequação da forma do processo, mas de uma situação de eventual improcedência da ação), ocorrendo o erro e a correspondente nulidade quando o autor usa uma via processual inadequada para fazer valer a sua pretensão. Designadamente ocorre erro na forma de processo quando o pedido formulado pela parte corresponde ao objeto específico de uma ação com processo especial e o autor deduz o seu pedido através de uma ação com processo comum (RP 8-3-19, 7829/17).”

E ainda que “o que caracteriza o erro na forma do processo é que ao pedido formulado corresponde forma de processo diversa da empregue e não se mostre possível, através da adequação formal, fazer com que, pela forma de processo efetivamente adotada, se consiga o efeito jurídico pretendido pelo autor.” – p. 257.

Neste caso é a Autora/recorrente que instaura a ação sob a forma de processo especial, previsto nos art.ºs 164º e segs., do CPT, e o despacho recorrido altera para ação com processo comum de declaração.

(…)

Atento o pedido deduzido, o réu identificado e a ação instaurada ao abrigo desta norma legal, entende-se que, na verdade, a esta ação corresponde a forma de processo especial, previsto no art.º 164º e segs., do CPT.

Se os factos descritos não levarem ao resultado desejado o que pode ocorrer é a improcedência da ação.


*

Foi cumprido o disposto na primeira parte do nº2 do artigo 657º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06., aplicável ex vi artigo 87º, do Código de Processo do Trabalho.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, consubstancia-se na seguinte questão:

- Se ocorre erro de julgamento na decisão recorrida que considerou verificado erro na forma do processo.

2. Fundamentação:

2.1. Fundamentação de facto:

A factualidade a atender é a que resulta do relatório que antecede.

2.2. Fundamentação de direito:

O processo regulado nos artigos 164º e seguintes, na Secção III, do Capítulo IV, do Código de Processo do Trabalho, reporta-se à «A ação de declaração de nulidade», epígrafe do artigo 164º, que tem o seguinte teor:

«1 - As deliberações e outros atos de órgãos de instituições de previdência, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores viciados por violação da lei, quer de fundo quer de forma, ou violação dos estatutos podem ser declarados inválidos em ação intentada por quem tenha interesse legítimo, salvo se dos mesmos couber recurso.

2 - A ação deve ser intentada no prazo de 20 dias, a contar da data em que o interessado teve conhecimento da deliberação, mas antes de passados 5 anos sobre esta; se, porém, a acção tiver por fim a impugnação de deliberações relativas à eleição dos corpos gerentes, o prazo é de 15 dias e conta-se sempre a partir da data da sessão em que tenham sido tomadas essas deliberações.

3 - A petição inicial da ação deve ser acompanhada de documento comprovativo do teor da deliberação ou, não sendo possível, do oferecimento da prova que o requerente possuir a esse respeito.»

Nas alegações, transcreve a Apelante excertos do seu articulado de petição inicial, onde “(…) diz expressamente, além do mais o seguinte:

Art. 1: “A Autora pretende a suspensão imediata de atos e comportamentos do Réu, (…) tendentes a impedi-la de usufruir de todos os serviços, benefícios e vantagens proporcionados ou disponíveis para os demais sócios, bem como impedi-la de exercer os seus direitos e deveres i) de liberdade sindical, ii) de continuar inscrita e ser reconhecida e tratada como associada, iii) de participação plena nas atividades sindicais, iv) de poder exercer as funções de membro da direção para que foi eleita, v) de continuar a poder eleger e ser eleita...”

Art. 2: “Em síntese, pretende que o Réu, por si ou por quem age em seu nome, seja impedido de se comportar como se o despedimento pela entidade empregadora gerasse a imediata e automática expulsão de associada (!), com a perda de todos os direitos e deveres de estar sindicalizada,”

Art. 3: “ou, por outras palavras, pretende que o Réu seja impedido de extorquir da Autora a sua qualidade de associada e inerentes direitos e deveres, sem qualquer audiência prévia ou procedimento disciplinar, incorrendo na enormidade ou atrocidade de, em relação à Autora (e só em relação a ela!), atuar como se o despedimento gerasse necessária e imediatamente a exclusão do sindicato ou a privação dos direitos e vantagens de ser sindicalizada.”

Art. 34: “O Réu, ao longo da sua existência, nunca considerou ou tratou como desfiliado ou como tendo perdido, imediata e automaticamente, a qualidade de sócio qualquer dos seus filiados vítima de despedimento”

Art. 35: “continuando a reconhecê-lo como filiado durante a pendência da respetiva ação judicial impugnatória ou na situação de beneficiário do subsídio de desemprego e à procura de novo trabalho, caso este em que, inclusive, está isento do pagamento de quota sindical, ao abrigo da alínea b) do n. 1 do art. 16 dos Estatutos”

Art. 36: “Nem jamais impôs os formalismos próprios da admissão de sócio àquele que, após o despedimento e subsequente situação de beneficiário do subsídio de desemprego e à procura de novo trabalho, logrou ser reintegrado no seu posto de trabalho ou iniciou funções, por contato individual de trabalho, noutra entidade empregadora e em atividade compreendida no âmbito do Réu.”

Art. 41, al. n.: “tanto basta, e nem tanto seria necessário, para se concluir que são inauditos, repudiáveis, persecutórios e ofensivos os atos, as práticas e os ditos do Réu, (…) no sentido de considerar a Autora destituída da qualidade de Associada e de Dirigente (vd. infra), tratando-a como proscrita ou energúmena, que até justificou a chamada da PSP às instalações da sede, em plena reunião alargada da Direção, com cerca de meia centena de sócios-dirigentes e, aquando da reunião seguinte à porta da entrada das instalações do Réu”

Art. 41, al. p.: “em conclusão, é indefensável, sem qualquer fundamento válido, a tese da automática desvinculação do sindicato do trabalhador que, como era e é o caso da Autora, seja vítima de despedimento e se encontre inscrito no sindicato exatamente e só para defesa e promoção dos seus direitos e interesses.”

Art. 42: “Por mais estranho que pareça, verificaram-se e estão em curso práticas e comportamentos do Réu, (…) práticas e comportamentos que se explicitam nos artigos seguintes e que bem justificam e impõem o requerimento, feito a final, da suspensão imediata dessas decisões-atos-comportamentos impugnados, ao abrigo do art. 168 do mesmo CPT.”

E conclui, em suma, a Apelante:

- O caso dos presentes autos é indiscutivelmente uma controvérsia sindical, sendo, difícil congeminar controvérsia sindical mais gritante e absurda, que justifique a ação especial prevista no CPT, demandando a intervenção urgente e eficaz da ação da Justiça.

- a Autora estava e continua confrontada com decisões e atos do Réu que indiciam o contrário do que está dito expressamente ou subjaz aos fundamentos da decisão recorrida.

- Resulta da petição e da contestação que o Réu deixou de considerar a Autora como sua associada e, em consequência, passou a impedi-la de exercer os inerentes direitos, sejam os direitos comuns a qualquer associado, sejam os direitos e os deveres inerentes à sua qualidade de dirigente sindical eleita para a Direção do próprio Réu.

- Quer a causa de pedir, quer o pedido final, estão formulados claramente contra o Réu Sindicato e não o BB ou qualquer outra pessoa singular. Por esta razão não tem sentido a decisão do erro na forma do processo com base nesse pressuposto ou finalidade.

- Se, porventura, fosse de entender que a petição inicial não articula com precisão factos com interesse para a decisão da causa, sempre a Meritíssima Juíza a quo poderia e deveria exercer o seu dever de gestão processual e convidar a Autora, ora Recorrente, a completar e a corrigir o seu articulado (nº 2, alínea c) do artigo 27)º do CPT).

- Na data em que foi proferida a decisão recorrida, o Tribunal a quo já estava confrontado, quanto aos comportamentos denunciados com o facto assente de que “a decisão foi da Comissão Executiva”.

Justifica-se começar desde já por esta última conclusão que mal se compreende.

Com efeito, para a questão a decidir no âmbito do presente recurso, importa considerar os atos viciados que levaram a Autora a formular o pedido desta ação e quais os órgãos do Réu levaram a cabo esses atos, segundo a mesma.

Como consta do relatório supra efetuado, a Autora no articulado superveniente que apresentou, deixou explícito que estão claramente em causa atos da Direção do Réu e atos da Mesa da Assembleia Geral (MAG), concluindo aí quanto à MAG, que esta “decidiu e praticou os mesmos ou idênticos atos de exclusão e de privação do exercício dos direitos de associada por parte da Autora, que na petição inicial tinham sido imputados à direção do Réu”.

Já quanto à Comissão executiva, explicita-se o seguinte:

Na contestação, quanto ao alegado no artigo 44º da petição inicial - no segmento em que a Autora refere que pela primeira vez desde que é sócia do Réu, a porta de entrada estava barrada por um elemento duma Empresa de Segurança Privada, contratada ad hoc pelo Réu - o Réu questiona como pode a Autora afirmar que o Segurança foi contratado por BB e alega ter sido essa uma decisão da Comissão executiva.

Ou seja, alega o Réu que a contratação do mesmo Segurança foi efetuada pela Comissão executiva.

A Comissão executiva, é um dos corpos gerentes do Sindicato, aqui Réu, sendo elegida pela Direção deste– artigos 50º e artigo 68º, nº1, alínea b) dos respetivos Estatutos.

A Comissão executiva tem funções – a coordenação da atividade do Sinistrado, a gestão administrativa financeira e de pessoal e competências próprias, competindo-lhe especialmente o exercício do poder disciplinar, a admissão e rejeição dos pedidos de inscrição dos associados - artigo 73º dos Estatutos do Réu.

Porém, o ato de nomeação do segurança não é invocado pela Autora para o pedido que formula nesta ação.

É sim o ato de ter sido impedida de entrar na reunião da Direção de 22 de novembro.

Assim sendo, tem razão o Réu quando refere que a nomeação do Segurança pela Comissão executiva nada tenha a ver para o caso.

Em conformidade, quanto aos comportamentos denunciados pela Autora, relevantes para a decisão a proferir quanto à questão objeto do recurso, os mesmos reportam-se a atos da Direção do Réu e a atos da Mesa da Assembleia Geral.

Vejamos então, lida a petição inicial e o articulado superveniente apresentado pela Autora, se assiste razão à Apelante, ou seja, se a presente ação deve continuar a sua tramitação nos termos do processo especial como foi instaurado.

Com arrimo no acórdão da Relação de Coimbra de 28.02.1013 (in www.dgsi.pt):

“A petição inicial, como articulado através do qual o autor propõe a ação, constitui a peça fundamental de todo o processo, delimitando o objeto da causa e conduzindo a certa pretensão de tutela jurisdicional, com a menção do direito e dos fundamentos respetivos, nela devendo o autor expor os fundamentos da ação e concluir pela formulação do pedido – artº 467º, nº 1, als. d) e e) do Código de Processo Civil.

Refere Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pag. 111, que na petição inicial o autor deve expor a causa de pedir – ato jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto) donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer e deve o autor indicar o direito para que solicita ou requer tutela judicial e o efeito jurídico pretendido.

Como decorre do disposto no artigo 498º, nº 4, do CPC, a causa de pedir é o facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo, ou seja, o facto ou o conjunto de factos concretos articulados pelo autor e dos quais há-de derivar o efeito ou efeitos jurídicos que, através do pedido formulado, se pretende ver juridicamente reconhecidos.”

Prosseguindo com a análise da decisão recorrida, ficou nesta afirmado o erro na forma do processo, com o fundamento constante do excerto que novamente se transcreve (realce e sublinhado aqui introduzidos):

“Ora, lida a petição inicial, resulta que a autora não põe em causa qualquer deliberação tomada […] pelo sindicato, mas sim o comportamento do coordenador da direção do sindicato de não a deixar participar nas reuniões da Direção.

Note-se que, mesmo considerando o invocado pela autora no requerimento agora apresentado não está em causa qualquer rejeição da lista apresentada pela autora, sendo que tal atuação do réu não é objeto destes autos.

Reitera-se que estamos perante o comportamento de alguém (represente ou não o réu) que pode, naturalmente, ser judicialmente atacado, mas não estamos perante atos no sentido acima exposto, praticados pelo réu ou por algum dos seus órgãos.

Não é assim aplicável a forma de processo especial prevista nos artigos 164º a 169º do CPT.

O erro na forma do processo apenas determina a nulidade dos atos que não possam ser aproveitados, sendo que, no caso em apreço, até agora, toda a tramitação poderá ser aproveitada numa ação comum.”

Vejamos:

O erro na forma de processo, incluindo as suas consequências, é de conhecimento oficioso - artigos 193º e 196º, ambos do Código de Processo Civil.

Por princípio, o erro na forma de processo implica a mera convolação para a forma adequada.

Como se lê no Acórdão da Relação de Guimarães de 25.03.2021 (Relatora Desembargadora Raquel Batista Tavares, in www.dgsi.pt): “O erro na forma de processo, que decorre da circunstância de o autor ter usado uma via processual inadequada para fazer valer a sua pretensão (vide Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, página 245), encontra-se regulado na secção das nulidades processuais, estabelecendo o artigo 193º do CPC que o erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.

Trata-se, por isso, de um vício sanável mediante a prática dos atos necessários à recondução do processo à forma adequada estabelecida pela lei; tal vicio só não será sanável quando não seja viável aproveitar os atos já praticados, sendo certo que não devem aproveitar-se os atos já praticados se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu (n.º 2 do referido artigo 193º).

Daqui se conclui que estamos, por regra (só não será assim nos casos em que é insanável), perante um vício não irá determinar a nulidade de todo o processado.” (realce nosso)

Como referem os Autores Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Sousa, CPC anotado, 3ª edição, Almedina, Coimbra, p. 257, “o que caracteriza o erro na forma do processo é que ao pedido formulado corresponde forma de processo diversa da empregue e não se mostre possível, através da adequação formal, fazer com que, pela forma de processo efetivamente adotada, se consiga o efeito jurídico pretendido pelo autor.” -

Em suma, a forma de processo depende da pretensão deduzida na ação.

Acompanhando agora o Acórdão da Relação de Lisboa proferido no processo nº21824/17.4T8LSB.L1-4, de 05.07.2018, (Desembargadora Filomena Manso, in www.dgsi.pt):

“O erro na forma do processo ocorre nos casos em que a pretensão não seja deduzida segundo a forma comum ou especial de processo legalmente prevista.

Assim, nos termos do art. 48 do CPT, o processo declarativo pode ser comum ou especial (nº2), aplicando-se o processo especial nos casos expressamente previstos na lei e o processo comum em todos os demais casos (nº3).

Os processos declarativos especiais são os previstos e regulados no Titulo VI do Código do Processo de Trabalho e, entre eles, as várias formas do “Processo do contencioso das instituições de previdência, abono de família, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores” previstas no seu Capítulo IV.

Em primeiro lugar, há que indagar se existe alguma forma de processo especial prevista no CPT ou em legislação especial ou avulsa para o tipo de pretensão em apreço. Não existindo forma especial, haverá que seguir a forma de processo comum.

Perante a invocação de um determinado efeito subjetivo e livremente escolhid[o] pelo autor a pretensão que contra o réu pretende deduzir, deve aquele, de seguida, ajustar a sua estratégia aos instrumentos processuais previstos na lei e, de entre eles, escolher o que for legalmente mais adequado e, desde logo, a forma de processo a ser empregue.

(…)

O Capítulo IV do CPT regula o “Processo do contencioso das instituições de previdência, abono de família, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores”, prevendo o art. 162, como disposição geral, no seu nº1 que “Os processos do contencioso de instituições de previdência, abono de família, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores seguem os termos do processo comum previsto neste Código, salvo o disposto nos artigos seguintes.

Por sua vez, na Secção III deste Capítulo, que tem por epígrafe “Impugnação de Estatutos, Deliberações de Assembleias Gerais ou Atos eleitorais” prescrevem os arts. 164 (este na redação dada pelo DL nº 295/2009, de 13/10) e 169:

Artigo 164.º

Acão de declaração de nulidade

1 - As deliberações e outros atos de órgãos de instituições de previdência, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores viciados por violação da lei, quer de fundo quer de forma, ou violação dos estatutos podem ser declarados inválidos em acção intentada por quem tenha interesse legítimo, salvo se dos mesmos couber recurso.

2 - A ação deve ser intentada no prazo de 20 dias, a contar da data em que o interessado teve conhecimento da deliberação, mas antes de passados 5 anos sobre esta; se, porém, a acção tiver por fim a impugnação de deliberações relativas à eleição dos corpos gerentes, o prazo é de 15 dias e conta-se sempre a partir da data da sessão em que tenham sido tomadas essas deliberações.

3 - A petição inicial da ação deve ser acompanhada de documento comprovativo do teor da deliberação ou, não sendo possível, do oferecimento da prova que o requerente possuir a esse respeito.

Artigo 169.º

Declaração de invalidade de atos de outros órgãos

Nos casos em que de ato de qualquer outro órgão gerente ou diretivo de instituição de previdência ou associação sindical não possa ser interposto recurso para outro órgão, a declaração de invalidade é pedida através de processo regulado nesta secção.

Importa salientar que o âmbito de aplicação do artigo 169º “respeita a ato de órgão gerente ou diretivo de instituição de previdência ou associação sindical.

Todavia, como decorre do art. 169, “a declaração de invalidade é pedida através de processo regulado nesta secção”, sendo pois comum à prevista para a ação de declaração de nulidade a que alude o art. 164.” (mesmo acórdão da Relação de Lisboa).

Referem os Autores Messias de Carvalho e Sónia de Carvalho, in Código de Processo do Trabalho Anotado, Quid Juris, Dezembro de 2023, págs. 723-724: “O artigo 164º do Código refere-se às ações de declaração de invalidade das deliberações e outros atos de órgãos de instituições de previdência, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores viciados por violação da lei, quer de fundo, quer de forma, ou violação dos estatutos, enquanto o artigo em anotação [169º] se refere à declaração de invalidade de atos de outros órgãos com referência a ato de qualquer órgão gerente ou diretivo de instituição de previdência ou associação sindical, de que não possa ser interposto recurso para outro órgão.

Tratando-se, pois de atos com as referidas características, apresentam-se-nos duas situações:

a) há na instituição ou organismo órgão com competência para conhecer do ato impugnado;

b) não há órgão com a competência referida em a).

No caso da alínea a), a impugnação do ato considerado viciado tem de ser feita por via do recurso para o órgão competente da instituição ou associação; no caso da alínea b), ou seja, se na instituição ou associação não há órgão com competência para apreciar a legalidade do ato, não é por isso que o mesmo deixará de ser impugnado, mas deverá sê-lo através, agora, do meio próprio que é a ação de impugnação da validade prevista no artigo 164.º do Código.”

Nesta ação, atento o pedido deduzido pela Autora, supra transcrito, o Réu contra quem aquele pedido é deduzido e tendo em conta a causa de pedir para o efeito invocada na matéria alegada em sede de petição inicial e no articulado superveniente, como se referiu já, entende-se que foram efetivamente postos em causa, atos de órgãos do Réu - atos da Direção do Réu e atos da Mesa da Assembleia Geral - e não tão só do Coordenador da Direção do Sindicato, BB ou de qualquer outra pessoa singular.

Como tal, a conclusão a que chegamos é a de que inexiste erro na forma de processo com o fundamento exposto na decisão recorrida.

Vejamos, ainda assim, se com outro fundamento, se justifica que o processo siga uma forma diversa.

Em sede de petição inicial nada foi alegado relativamente à impossibilidade de recurso dos atos da Direção do Sindicato, órgão gerente ou diretivo do Réu, para outro órgão.

Ainda na petição inicial, nada foi alegado sobre se um recurso sobre os atos da Direção para a Assembleia geral, do Réu, chegou alguma vez a ser deduzido, ainda que se possa em parte desvendar que não foi o caso, face ao teor da demais matéria alegada pela Autora, quanto à sucessão de acontecimentos ocorridos.

Só ulteriormente, no articulado superveniente que apresentou, a Autora refere que estão claramente em causa atos da Direção do Réu e que a Autora já não dispõe da possibilidade de recurso para a MAG [Mesa da Assembleia Geral] nem para outro órgão interno.

A possibilidade de recurso sobre os atos da Direção do Sindicato para outro órgão é relevante, uma vez que resulta do artigo 169º do Código de Processo do Trabalho, ser pressuposto da ação especial de declaração de invalidade de atos de outros órgãos aí prevista que não caiba recurso dos atos de qualquer órgão gerente ou diretivo, para outro órgão.

Ora, resulta dos Estatutos do Réu publicados no Boletim do Trabalho e Emprego nº 40, de 29.10.2013, (cfr. documento nº1 junto com a petição inicial), que compete, em especial, à Assembleia geral, nomeadamente: «Apreciar e deliberar sobre os recursos interpostos das decisões da direção» - artigo 56º, alínea e) dos mesmos Estatutos.

Ou seja, é possível ser interposto recurso para a Assembleia geral dos atos levados a cabo pela Direção do Réu.

Existindo na instituição ou organismo órgão com competência para conhecer do ato considerado viciado, a impugnação deste tem de ser feita por via do recurso para o órgão competente da instituição ou associação.

No caso, a impugnação dos atos da Direção do Réu pela Autora considerados viciados teria de ser feita por via de recurso para aquele órgão competente e não por intermédio de qualquer ação.

Assim se afirma, com a ressalva de que não é o mérito da ação que é objeto do recurso.

De resto e ainda assim, a verdade é que estão também em causa atos da Mesa da Assembleia Geral.

Com efeito, no articulado superveniente que apresentou, a Autora alegou matéria relativa à Assembleia geral do Réu, ocorrida no dia 09 de dezembro de 2022 “de que tinha feito alegação na al. a. do art. 45.(c), da petição inicial”, concluindo que a Mesa da Assembleia Geral (MAG) decidiu e praticou os mesmos ou idênticos atos de exclusão e de privação do exercício dos direitos de associada por parte da Autora, que na petição inicial tinham sido imputados à Direção do Réu.

A Mesa da Assembleia Geral não é um «órgão gerente ou diretivo» do Réu. Nos termos do artigo 50º dos Estatutos do Réu «Constituem os corpos gerentes do Sindicato: a) a Direção e b) a Comissão executiva.»

Como tal e tendo presentes as considerações supra efetuadas, a respeito deste tema, a forma de processo especial contemplada no artigo 169º do Código de Processo do Trabalho, não é aplicável, sendo antes a ação de declaração de nulidade prevista no artigo 164º do Código de Processo do Trabalho, justificando-se assim que os autos continuem a seguir a tramitação da ação especial cujo procedimento se encontra aí previsto e regulado.


*

Tudo ponderado, conforme se deixou explicitado, ocorre erro de julgamento, com o fundamento exposto na decisão recorrida, quanto à convolação processual da ação especial de declaração de invalidade de atos de outros órgãos, prevista no artigo 169º do Código de Processo do Trabalho, para uma ação do contencioso de associação sindical, a qual como previsto no artigo 162º do Código de Processo do Trabalho, segue os termos do processo comum previsto neste Código.

O erro de julgamento da decisão recorrida impõe que seja a mesma revogada.

Procede a Apelação.

3. Decisão:

Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação:

- em julgar o recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida, com o fundamento nela exposto, de convolação processual da ação especial “de controvérsia sindical sem carácter penal, acção esta que está prevista nos artigos 164º a 169º do CPT”, para uma ação do contencioso de associação sindical, seguindo termos como ação de processo comum, como previsto no artigo 162º do Código de Processo do Trabalho.

- determinar que os autos prossigam como ação especial de declaração de nulidade, prevista no artigo 164º do Código de Processo do Trabalho.

Custas pela Apelante que do recurso tirou proveito.


Porto, 14 de Outubro de 2024.

Teresa Sá Lopes

Rui Manuel Barata Penha

Germana Lopes Ferreira