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PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
REGISTO CRIMINAL
CANCELAMENTO
LEI DA NACIONALIDADE
CONCESSÃO DA NACIONALIDADE
TRIBUNAL COMPETENTE
Sumário
I - Por imposição do princípio da legalidade, previsto no art.º 4º da Lei do Registo Criminal (Lei nº 37/2015, de 05/05), o cancelamento provisório do registo criminal a que alude o art.º 12º relevará apenas para os casos em que tal cancelamento é requerido por pessoas singulares para as finalidades previstas no art.º 10º, nºs 5 e 6, do mesmo diploma. II - Por determinação dos art.ºs art.º 10º, nº 3, e 8º, nº 2, al. a) a f), h) e i), os certificados de registo criminal diretamente obtidos por entidades públicas, para as finalidades ali previstas, devem conter a transcrição integral do registo criminal vigente do respetivo titular. III - Resultando do art.º 37º, nº 7, al. a), do Regulamento da Nacionalidade (DL n.º 237-A/2006, de 14/12) que incumbe oficiosamente às entidades administrativas competentes a obtenção do certificado de registo criminal, e consequentemente o acesso ao registo integral do mesmo, carece de fundamento legal a pretensão deduzida pelo interessado na obtenção da nacionalidade portuguesa que, tendo em vista a instrução do respetivo processo administrativo, requereu junto do Tribunal de Execução das Penas o cancelamento provisório do seu registo criminal, porquanto, além de não visar a realização de alguma das finalidades previstas nos art.ºs 10º, nº 3, e 8º, nº 2, al. a) a f), h) e i) da Lei do Registo Criminal, tal pretensão contraria o regime legalmente estabelecido para o acesso oficioso das entidades administrativas ao registo criminal. IV - A necessidade de ponderação de fatores considerados constitucionalmente essenciais, nomeadamente para que a negação da concessão da nacionalidade, com fundamento no art.º 6º, nº 1, al. d), ou 9º, al. b), da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 03/10), ou seja, na existência de anterior condenação com pena de prisão igual ou superior a 3 anos, por crime punível segundo a lei portuguesa, não possa ser considerada “um efeito automático inerente à pena”, proibido pelo artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, é questão que deverá ser colocada perante o tribunal administrativo competente, no âmbito do respetivo processo administrativo de concessão da nacionalidade, e não perante o Tribunal de Execução das Penas, por para tal ser materialmente incompetente.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Processo n.º 695/23.7TXPRT-A.P1 - 4.ª Secção
Relator: Francisco Mota Ribeiro
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
1. RELATÓRIO
1.1. Tendo AA requerido o cancelamento provisório da decisão constante do seu registo criminal, por despacho de 29-04-2024, proferido no processo nº 695/23.7TXPRT-A, Juízo de Execução das Penas do Porto, Juiz 2, Tribunal de Execução das Penas do Porto, foi decidido o seguinte:
“Por todo o exposto, considerando inexistir fundamento para o presente pedido de cancelamento provisório com vista à instrução de pedido de aquisição de nacionalidade e não sendo, em todo o caso, possível fazer o juízo positivo a que alude o art.º 12º, b), L. 37/2015, 5/5, nos termos do 230.º, n.º 2, do CEPMPL, tal como promovido, ainda que diversa fundamentação, indefiro o requerimento apresentado, determinando o arquivamento do processo. Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1,5 UC.” 1.2. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o requerente, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões: “1. O Requerente interpôs o processo de cancelamento provisório do registo criminal, com a finalidade de obter a nacionalidade portuguesa ao abrigo do disposto no artigo 229º e seguintes do CEPMPL. 2. O Tribunal a quo julgou improcedente o pedido de cancelamento provisório do ora Recorrente, decidindo que o Recorrente não tinha interesse em agir 3. E que não merecia que lhe fosse feito um juízo de valor positivo uma vez que, aquando da prática dos factos que levaram à sua condenação numa pena de 4 anos e dez meses suspensa na sua execução, e que já se encontra extinta, tinha as mesmas condições familiares, sociais e económicas que tem atualmente e que, na altura, tal não lhe impediu de praticar o crime. 4. Ora, salvo devido respeito, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 6º, nº 1 da Lei da Nacionalidade, artigo 12º da Lei de Identificação Criminal, artigos 18º, 19º, 26º, e 30 da Constituição da República Portuguesa, artigo 229º e ss. do CEPMPL, artigos 40º e 65º do Código Penal e artigo 15º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. 5. Para formar a sua convicção, refere o Tribunal a quo que, uma vez que as autoridades administrativas têm acesso ao seu registo criminal de acordo com o artigo 37º, nº 7 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa e que, nessa conformidade, o Recorrente carece de legitimidade em agir; 6. Bem como no facto de não ser possível, nos termos do disposto no artigo 12º, al. b) da Lei 37/2015, 5/5, fazer um juízo positivo de valor ao Arguido. 7. Salvo devido respeito, e no que a este último aresto diz respeito, o Recorrente cumpre com os requisitos legalmente impostos: encontra-se inserido e adaptado familiar, social e profissionalmente, conforme consta do relatório elaborado pela DGRS e junto aos autos; 8. Pagou a quantia indemnizatória em que foi condenado; 9. A pena já se encontra extinta desde 10/09/ 2016 (há 8 anos); 10. Os factos praticados remontam a julho de 2006. 11. O Recorrente praticou o crime com 24 anos. 12. Cumpriu com todas as obrigações que lhe foram impostas. 13. Entretanto casou com uma cidadã portuguesa, 14. Tem filho menor português, 15. Trabalha, 16. E tem toda a sua vida alicerçada em Portugal. 17. Agora, e com 43 anos, com toda a legitimidade e direito pretende a concessão da nacionalidade portuguesa. 18. O artigo 12º da LIC exige que, para que seja concedia a reabilitação judicial ou o cancelamento das decisões que devem constar do CRC se verifiquem cumulativamente 3 requisitos 19. E o cumprimento, por parte do Recorrente, desses 3 requisitos, verificam-se no caso em apreço, tal como referido supra e demonstrado documentalmente nos presentes autos. 20. Quanto à falta de interesse em agir, sempre se diga que não assiste razão ao Tribunal a quo. 21. A interpretação no sentido de que os serviços têm acesso ao registo criminal integral do Arguido e, como tal, não lhe fará diferença a existência ou não de cancelamento provisório do seu registo criminal 22. E que, como consequência, não tem interesse em agir, salvo devido respeito, não pode vingar. 23. Mais uma vez, e a ser assim, ninguém que fosse condenado numa pena superior a três anos poderia requerer a concessão de nacionalidade portuguesa. Entende-se que não é esse o espírito nem a letra da Lei. 24. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo, veda-se ao Recorrente a possibilidade de cancelar provisoriamente o registo criminal para fins de aquisição de nacionalidade, o que viola princípios integradores de Direito Internacional, acolhidos pela nossa Lei Fundamental e pela Lei Ordinária. 25. Desde logo, viola o disposto no artigo 15º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, segundo o qual “1 - Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade. 2 – Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade.” 26. E na senda de tais direitos, viola a nossa Lei Fundamental e o seu artigo 30º, nº 4 que refere “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.” 27. No mesmo sentido, veja-se o artigo 65º, nº 1 do Código Penal: “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.” 28. Com a decisão proferida pelo Tribunal a quo é também posto em causa o disposto nos artigos 26º da CRP, designadamente o referido direito à cidadania, enquanto direito fundamental que é (artigo 19º, nº 6 da CRP) 29. E que, como tal, detêm um substrato de universalidade, igualdade, vocação para a aplicabilidade direta e que vincula todas as entidades públicas e privadas (art.º 18º, nºs 2 e 3 da CRP). 30. Dúvidas não restam que aqui se insere o direito a aceder, ex novo, à cidadania. 31. Mais se diga que dispondo a lei que o cancelamento pode ser decretado quando se trata de emitir um certificado para qualquer finalidade, não é legítimo restringir a possibilidade de cancelamento quando o certificado se destina a obter a nacionalidade portuguesa, pois esse é um fim legalmente permitido para efeitos do disposto no artigo 229º, n1 da CEPMPL. 32. Assim, entende o recorrente que a decisão do tribunal a quo viola os artigos 6º, nº 1 da LN e 12º, da LIC, porquanto mostram-se reunidos todos os requisitos legais necessários ao deferimento da pretensão do Recorrente. TERMOS EM QUE, E nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, de tudo o agora exposto e do presente na motivação, será feita justiça com a substituição da decisão do Tribunal a quo, por uma que defira o requerimento de cancelamento provisório do seu registo criminal para efeitos de obtenção de nacionalidade portuguesa.” 1.3. O Ministério Público respondeu, concluindo pela negação de provimento ao recurso, nos seguintes termos: “I. A decisão em recurso não viola quaisquer princípios integradores de Direito Internacional ou norma constitucional ou norma legal. II. Nem é por efeito da decisão dos autos que o requerente ficará impedido de aceder à nacionalidade portuguesa porquanto sempre poderá aceder à mesma após o cancelamento definitivo. III. O cancelamento do registo criminal pretendido é uma decisão suscetível de ser revogada pelo que não pode ter lugar quando sirva de sustentáculo a uma outra decisão que produz efeitos definitivos e irrevogáveis. IV. Por outro lado, o cancelamento provisório do registo criminal destina-se ao exercício de atividades e não à aquisição de direitos. V. Acrescendo que no caso, a decisão pretendida se apresenta inútil para a finalidade invocada porquanto na instrução do pedido de aquisição de nacionalidade o certificado de registo criminal é obtido diretamente pela entidade administrativa pelo que esta terá conhecimento de todas as condenações ainda vigentes. Assim, somos de opinião que o recurso apresentado não merece provimento.”
1.4. A Exma. Sra. Procuradora-Geral-Adjunta, junto deste Tribunal da Relação, emitiu douto parecer, concluindo pela improcedência do recurso.
1.5. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
1.6. Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo recorrente e os poderes de cognição deste Tribunal, importa essencialmente apreciar e decidir se existe ou não fundamento para determinar o cancelamento do registo provisório da decisão condenatória, a que se refere o art.º 12º da Lei nº 37/2015, de 05/05, o que pressupõe saber, nos termos do nº 1 do art.º 229º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12/10, se o cancelamento pretendido se destina a algum dos fins aí previstos.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Atenhamo-nos antes de mais à fundamentação da decisão recorrida, cujos excertos considerados relevantes para a decisão a proferir passamos a transcrever:
“A Lei n° 37/2015, 5/5, estabelece, no que se refere ao cancelamento das inscrições em sede de registo criminal, as possibilidades de cancelamento definitivo e cancelamento provisório, sendo que, no primeiro caso, a mera decorrência temporal, nos termos legalmente estabelecidos, sem que ocorra nova condenação, determina, irrevogavelmente, que o registo de uma condenação seja eliminado, abrangendo todo e qualquer certificado, independentemente da autoridade que o solicita ou do fim a que se destina (art.º 11º), enquanto no segundo caso a lei confere a possibilidade de as pessoas singulares, antes que ocorra tal cancelamento definitivo, requererem que certas condenações sejam provisoriamente canceladas, caso se verifiquem determinados condicionalismos e dependendo dos fins a que se destinam os certificados que vierem a ser emitidos (art.º 12º). A obtenção de certificado de registo criminal diretamente por entidades públicas, enumeradas no art.º 8º da citada lei implica, por imposição legal (art.º 10º, nº3) a transcrição integral do registo criminal vigente, i.e., todos os registos, ainda que provisoriamente cancelados ou decisões cuja não transcrição tenha sido ordenada. Diferentemente, no caso dos certificados de registo criminal cuja emissão seja feita a pedido de pessoas singulares, para exercício de profissão, atividade ou qualquer outra finalidade (ou a pedido de entidades públicas mas para instruir procedimentos administrativos dos quais dependa a concessão de emprego ou a obtenção de licença, autorização ou registo de carácter público, ou de procedimentos administrativos de contratação pública de empreitadas, ou de locação ou aquisição de bens e serviços, de concessão ou do estabelecimento de parcerias público-privadas), não constarão, no que aqui importa considerar, as condenações relativamente às quais tenha sido ordenado o cancelamento provisório a que alude o art.º 12º (cfr. art.º 10º, nºs 6 e 8). Ora, no que respeita aos pedidos de aquisição de nacionalidade, considerando o disposto no art.º 37º, nº 7, DL. 237-A/2006, 14/12 (Regulamento da Nacionalidade Portuguesa), é à autoridade administrativa responsável que incumbe obter o certificado de registo criminal do requerente, através do acesso direto que lhe é concedido para tal fim, mediante consulta informática [“(…) Os interessados estão, igualmente, dispensados de apresentar os seguintes documentos, os quais são oficiosamente obtidos junto das entidades competentes, sempre que possível, por via eletrónica: a) Certificado do registo criminal português; (…)]”. Em face do exposto, considerando o fim a que o requerente afirma pretender destinar a pretendida decisão de cancelamento provisório, entendemos que carece o mesmo de interesse em agir, porquanto o meio em causa não é o próprio e o apto a obter o efeito pretendido. O cancelamento provisório, ainda que deferido, não é o exigido para a instrução do pedido de aquisição de nacionalidade do requerente, já que, ainda que o requerente decida juntar ele próprio o certificado de registo criminal, a entidade responsável, como decorre dos preceitos legais supra referidos, obterá oficiosa e diretamente o certificado de registo criminal e do mesmo constarão todas as inscrições que não se mostrem definitivamente canceladas, após o que decidirá, com os demais elementos, favorável ou desfavoralmente, a pretensão em causa. Não se vislumbra, como tal, interesse em agir ou efeito útil no deferimento da pretensão do requerente.
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Ainda que assim não se entendesse, sempre se diga que se entende que a pretensão do requerente não devia, igualmente, ser deferida. O requerente foi condenado pela prática, em 2006, de um crime de roubo e um crime de roubo qualificado, por decisão proferida e transitada em julgado em 2011, na pena única de 4 anos e 10 meses de prisão, suspensa por igual período, tendo sido tal pena extinta em 2016. Veio, ainda, a ser condenado, em 2019, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em pena de multa. Tal como resulta do acórdão condenatório dos crimes de roubo, à data, o requerente estava integrado profissionalmente, com avaliação positiva da entidade patronal, auferindo € 1.000,00 de salário, tendo relação equilibrada e consistente com a companheira, portuguesa, mantendo contactos regulares com familiares na Ucrânia, e sendo conhecido no meio social de inserção como pessoa educada e trabalhadora. Ora, visto o relatório social apresentado pela DGRSP nos presentes autos, não obstante a manutenção da inserção laboral e integração sócio familiar ali descritas, que já detinha à data das condenações sofridas e que não foram, aparentemente, fatores suficientemente protetores, não vemos que, por si só, o decurso do tempo sem notícia de cometimento de outros factos, possa, em face da personalidade revelada nos crimes cometidos e pelos quais foi condenado, fazer supor que se encontre readaptado. Por todo o exposto, considerando inexistir fundamento para o presente pedido de cancelamento provisório com vista à instrução de pedido de aquisição de nacionalidade e não sendo, em todo o caso, possível fazer o juízo positivo a que alude o art.º 12º, b), L. 37/2015, 5/5, nos termos do 230.º, n.º 2, do CEPMPL, tal como promovido, ainda que diversa fundamentação, indefiro o requerimento apresentado, determinando o arquivamento do processo.”
A pretensão de cancelamento provisório do registo criminal deduzida pelo requerente tem como finalidade, como o próprio revela no requerimento inicialmente apresentado, assim como na motivação do recurso, a instrução de processo administrativo no qual pretende a concessão da nacionalidade portuguesa.
O conjunto de questões colocadas pelo recorrente, como ficou referido na douta decisão recorrida, resulta equacionável em dois planos distintos: um respeitante à aquisição da nacionalidade portuguesa, por naturalização, que é o objetivo principal visado pelo requerente; e um outro referente ao cancelamento provisório do registo criminal, que, na perspetiva do recorrente, é instrumental daquele, focando-se exclusivamente na circunstância de o art.º 6º, nº 1, al. d), da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 03/10), exigir como requisito da concessão da nacionalidade que o estrangeiro que a requeira não tenha sido condenado, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos, por crime punível segundo a lei portuguesa. Sendo certo ainda que a prova de tal facto, nos termos do nº 11 do mesmo artigo, terá de ser feita mediante a exibição de certificados de registo criminal emitidos pelos serviços competentes portugueses e pelos serviços competentes do país do nascimento, do país da nacionalidade e dos países onde tenha tido residência, desde que neles tenha tido residência após completar a idade de imputabilidade penal.
Ora, sendo certo que o procedimento para a concessão da nacionalidade portuguesa pretendida pelo requerente é da competência das entidades administrativas, e em última instância dos tribunais administrativos, pois o respetivo processo, nos termos dos art.º 18º, nº 1, 27º, nº 1, 61º, e 62º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (DL nº 237-A/2006, de 14/12), corre termos na Conservatória dos Registos Centrais, sendo as decisões nele proferidas suscetíveis de impugnação judicial, seguindo os termos da ação administrativa regulada no Código de Processo dos Tribunais Administrativos, já o cancelamento provisório do registo criminal é da competência do Tribunal de Execução das Penas, atento o disposto no art.º 229º do Código de Execução das Penas e Medidas privativas da Liberdade (CEPMPL).
Assim sendo, poderá dizer-se que a delimitação de competências, em função da matéria, nos termos acabados de referir, tornam estanques, tanto os procedimentos como as decisões de mérito a proferir, no âmbito de um e outro processo, isto é, o administrativo para a aquisição da nacionalidade e o de natureza penal para o cancelamento provisório do registo criminal. Foi, aliás, esse o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, no âmbito da qual não vislumbrou a existência de interesse em agir ou efeito útil no deferimento da pretensão do cancelamento provisório do registo criminal deduzida pelo requerente, por entender que nos termos do disposto no art.º 37º, nº 7, do DL. 237-A/2006, 14/12 (Regulamento da Nacionalidade Portuguesa), é à autoridade administrativa responsável pela instrução do processo administrativo de aquisição da nacionalidade portuguesa que incumbe direta e oficiosamente obter o certificado de registo criminal do requerente. Sendo que, como também deixou referido o Tribunal a quo, os certificados de registo criminal diretamente obtidos por entidades públicas, por imposição das disposições conjugadas dos art.ºs art.º 8º, nº 2, al. a) a f), h) e i), para as finalidades aí previstas, e 10º, nº 3, ambos da Lei do Registo Criminal (Lei nº 37/2015, de 05 de maio), terão de conter a transcrição integral do registo criminal vigente do respetivo titular. Imposição normativa esta que, conjugada com o disposto no art.º 12º do mesmo diploma, faz com que o cancelamento provisório do registo criminal previsto neste último artigo, só possa relevar para os fins descritos no art.º 10º, nºs 5 e 6, ou seja, para os casos em que o cancelamento do registo seja requerido por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal, ou para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade. Neste mesmo sentido vai a norma do art.º 229º, nº 1, do CEPMPL, ao estabelecer que “Para fins de emprego, público ou privado, de exercício de profissão ou atividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública, ou para quaisquer outros fins legalmente permitidos, pode ser requerido o cancelamento, total ou parcial, de decisões que devessem constar de certificados de registo criminal emitidos para aqueles fins”.
Podendo assim concluir-se que da conjugação das normas acabadas de citar com a norma do art.º 37º, nº 7, al. a), do Regulamento da Nacionalidade, por força da qual incumbe oficiosamente às entidades administrativas competentes a obtenção do certificado de registo criminal do requerente da concessão da nacionalidade portuguesa, resulta que tal certificado do registo criminal haja de conter, ou deva conter, ao contrário do que resulta para os certificados requeridos por particulares, para os fins previstos na lei, a transcrição integral do registo criminal vigente, nos termos já acima referidos.
Sendo assim, o cancelamento provisório do registo criminal que o requerente pretendia alcançar com a pretensão deduzida nos presentes autos, ou seja, o apagamento provisório do registo criminal, que a lei prevê no âmbito das finalidades acima referidas, nomeadamente quando o certificado é solicitado tendo em vista à obtenção de emprego, não surtiria qualquer efeito no caso dos autos, porquanto o acesso ao registo criminal da entidade administrativa que procede à instrução do processo de aquisição de nacionalidade é feito oficiosamente, e assim também ao registo criminal integral, tendo conhecimento direto do que dele consta, independentemente de, para outros fins, o respetivo titular haver obtido o cancelamento provisório do registo, ao abrigo do art.º 12º da Lei do Registo Criminal.
Concluímos assim que assiste razão ao Tribunal a quo, na medida em que não se vislumbra fundamento legal para a determinação do cancelamento provisório do registo criminal, porquanto o requerente não logrou justificar a necessidade ou utilidade de um tal cancelamento, nomeadamente através da identificação de uma finalidade que, nos termos já supra referidos, e de harmonia com o disposto nos art.ºs 12º da Lei nº 37/2015 e 229º do CEPMPL, possibilitasse legalmente a sua determinação, ademais por imposição do princípio da legalidade, a que se refere o art.º 4º do mesmo diploma legal, ao estabelecer que “A identificação criminal deve processar-se no estrito respeito pelo princípio da legalidade e, bem assim, pelos princípios da autenticidade, veracidade, univocidade e segurança dos elementos identificativos”.
Assim sendo, faltando a verificação de um pressuposto essencial à determinação do cancelamento provisório, claudica a pretensão deduzida pelo requerente e concomitantemente o recurso pelo mesmo interposto.
É certo que o recorrente veio ainda alegar ter o Tribunal a quo violado o disposto nos artigos 18º, 19º, 26º, e 30º da Constituição da República Portuguesa e os artigos 40º e 65º do Código Penal, assim como o artigo 15º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Sobre tal matéria, pronunciou-se já o Tribunal Constitucional nos Acórdãos nºs 497/2019, de 26/09/2019 (retificado pelo Acórdão n.º 589/2019, de 21/10/2019), 534/2021, de 13/07/2021 e 127/2023, de 29/03/2023, para os quais remetemos. Sobretudo este último, ao “Julgar inconstitucional a norma contida no artigo 9.º, alínea b), da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, na redação introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, e 56.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, na sua redação originária que emerge do Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro, segundo a qual constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa, por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 26.º, n.º 1, e 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa”.
Mais do que o âmbito específico da inconstitucionalidade assim decretada pelo Tribunal Constitucional (que ademais incide sobre normas que, entretanto, sofreram alteração legislativa, depois da qual nelas se passou a prever, não já apenas a simples condenação com trânsito em julgado pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, mas que essa condenação seja em pena de prisão), o que importa agora considerar são as razões ali aduzidas, ou repetidamente aduzidas nos vários acórdãos acima referidos, sobre a mesma questão, enquanto fundamento para a declaração da referida inconstitucionalidade, ou seja, e em síntese, citando-se agora o acórdão nº 127/2023, o problema que poderá representar para o respetivo interessado, a resolver no âmbito do respetivo processo administrativo, “a perda inevitável da possibilidade de vir a adquirir nacionalidade portuguesa coeva à condenação por infração penal estabelecida na norma” quando a mesma seja aferida “independentemente do contexto da prática do delito, da pena concreta aplicada, ou do tempo decorrido sobre a condenação, bem como dos indicadores concretos de integração e entrosamento do requerente na sociedade portuguesa(sublinhado nosso), circunstância que, segundo o mesmo Tribunal “conformava um efeito automático inerente à pena proibido pelo artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.”.
Todavia, a necessidade de ponderação de fatores considerados constitucionalmente essenciais, terá de ser posta no processo administrativo próprio, em que se avalia a possibilidade de concessão da nacionalidade, em última instância pelo Tribunal Administrativo para tal competente, ponderação essa que não poderá deixar de ter por base a existência da informação necessária sobre o registo criminal do requerente, nos termos já supra referidos, obtida em harmonia com os princípios da legalidade, da autenticidade, veracidade, univocidade e segurança, e não com base num seu apagamento provisório, como agora pretende o recorrente, que a lei não só não prevê como claramente afasta. Tudo sem prejuízo da relevância que o apagamento de tal informação possa vir a ter enquanto resultado do cancelamento definitivo do registo criminal, nos termos do art.º 11º da Lei nº 37/2015, esse sim, o que a lei fará impor em qualquer caso, e corresponder àquele que o recorrente suscita nos presentes autos.
Razão por que irá ser negado provimento ao recurso.
2.3. Responsabilidade pelo pagamento das custas
Uma vez que o recorrente decaiu totalmente no recurso por si interposto é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua atividade deu lugar (artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal.
Nos termos do disposto nos art.º 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e a Tabela III a ele anexa, a taxa de justiça varia entre 3 a 6 UC, devendo ser fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela iii.
Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 4 UC.
3. DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal (4ª Secção Judicial) deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo requerente AA;
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
Porto, 2024-10-16
Francisco Mota Ribeiro
Maria Dolores da Silva e Sousa
Cláudia Sofia Rodrigues