RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
IN DUBIO PRO REO
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
ROUBO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
ABUSO DE CARTÃO DE GARANTIA OU DE CRÉDITO
SEQUESTRO
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I. Tendo o acórdão do Tribunal da Relação, confirmado a decisão da 1ª instância, da mesma não cabe recurso das questões já apreciadas por aquela, (a pretendida violação do In dúbio pro reo), por haver dupla conforme;
II. O regime especial para jovens delinquentes, ainda que possa ser entendido numa lógica de prevenção especial, condicionada à vantagem na sua aplicação da reinserção social do jovem condenado, não pode deixar de ter, na sua ponderação e aplicação, exigências de prevenção geral nas suas duas dimensões, sob pena de fragilização do sistema jurídico.

Texto Integral


Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. No Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., por acórdão de 12 de Julho de 2023, confirmado pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Fevereiro de 2024, no que a este recurso interessa, foi o arguido AA condenado em concurso real e em co-autoria material de:

- Um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210º, nº1 e nº2, alínea b), por referência ao artigo 204º, nº2, alínea g), todos do Código Penal, no âmbito do NUIPC 95/22.6... – Apenso I, destes autos, na pessoa do ofendido BB, numa pena de 3(três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, 145º, nº1, alínea a) e nº2, com referência ao artigo 132º, nº2, alínea h), todos do C.Penal, no âmbito do NUIPC 318/22.1... – Apenso B, destes autos, na pessoa do ofendido CC, numa pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

- Dois crimes de roubo na forma tentada, p. e p. pelo artigo 210º, nº1, 22, nº1, 23º, nº2 e 73º, todos do C.Penal, no âmbito do NUIPC 197/22.9... – Apenso D, destes autos, cada um na pessoa dos ofendidos DD e EE, numa pena de 9 (nove) meses de prisão, por cada um dos crimes cometidos.

- Um crime de roubo consumado, p. e p. pelo artigo 210º, nº1, do C.Penal, no âmbito do NUIPC 197/22.9... – Apenso D, destes autos, na pessoa do ofendido FF, numa pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, 145º, nº1, alínea a) e nº2, com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h), todos do C.Penal, no âmbito do NUIPC 197/22.9... – Apenso D, destes autos, na pessoa do ofendido EE, numa pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

- Dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, do C.Penal, no âmbito do NUIPC 197/22.9... – Apenso D, destes autos, cada um na pessoa dos ofendidos FF e GG, numa pena de 9 (nove) meses de prisão, por cada um dos crimes cometidos;

- Um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº1, do C.Penal, no âmbito dos Apenso F, destes autos principais, cometido na pessoa do ofendido HH, numa pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº1, do C.Penal, no âmbito dos Apenso H, destes autos principais, cometido na pessoa do ofendido II, numa pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº1, do C.Penal, no âmbito dos Apenso E, destes autos principais, cometido na pessoa do ofendido JJ, numa pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de abuso de cartão de garantia, p. e p pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do Código Penal, no âmbito dos Apenso E, destes autos principais, cometido na pessoa do ofendido JJ, numa pena de 6 (seis) meses de prisão;

- Dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210º, nº1 e nº2, alínea b), por referência ao artigo 204º, nº2, alínea g), todos do C.Penal, no âmbito do Apenso G, destes autos principais, na pessoa dos ofendidos KK e LL, numa pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, relativamente a cada um deles;

- Um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210º, nº1 e nº2, alínea b), por referência ao artigo 204º, nº2, alínea g), todos do C.Penal, no âmbito do NUIPC 877/22.9..., Apenso aos presentes autos, na pessoa do ofendido MM, numa pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de abuso de cartão de garantia, p. e p pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do Código Penal, no âmbito NUIPC 877/22.9..., Apenso a estes autos, cometido na pessoa do ofendido MM, numa pena de 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º, nº1, do C.Penal, numa pena de no âmbito NUIPC 877/22.9..., Apenso a estes autos, cometido na pessoa do ofendido MM, numa pena de 6 (seis) meses de prisão;

Em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. Inconformado com tal acórdão, o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões: (transcrição)

1- O arguido foi condenado na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, necessariamente efetiva na sua execução.

2- Violou-se o princípio in dúbio pro reo, pois o tribunal a quo logrou um estado de dúvida patente a fls 280 e 2861 quando se refere que o tribunal ficou com dúvidas no apuramento da veracidade do arrependimento do arguido, não o valorando porque poderia ser uma “estratégia processual”.

3- Urge valorar-se o arrependimento demonstrado, e que tal se repercuta na medida da pena única a determinar, bem como reproduzir-se nas penas parcelares, por forma a que se possa aferir da necessidade e vantagem em aplicar o regime legal de jovens delinquentes!

4- Entende o arguido que deveria beneficiar do DL 401/82 de 23 de Setembro, pois a aplicação do mesmo beneficiaria o seu processo de ressocialização, o arguido é bastante jovem, confessou os factos e mostrou arrependimento,

5- É materialmente inconstitucional por violação disposto no artigo 4º do DL 401/82 de 23 de Setembro com remissão ao artigo 13º da C.R.P e dos princípios nele consignados (mormente a proibição de discriminação negativa), a interpretação que é impossível aplicar a atenuação especial do DL 401/82 de 23 de Setembro em função do crime cometido.

6- Deve operar um cúmulo jurídico mais favorável ao arguido, devendo privilegiar-se a suspensão na sua execução (com o limite de pena a balizar-se nos 5 anos!)

7- O tribunal não valorou devidamente a sua jovem idade, a sua inserção social e familiar, mas sobretudo o seu arrependimento sincero!

8- Sem prejuízo deve operar um cúmulo jurídico que verta o arrependimento demonstrado, o facto dos crimes perpetrados serem da mesma natureza jurídica, fixando-se próximo do limite mínimo legal a pena única a fixar (ousando-se sugerir 4 anos). (fim de transcrição)

3. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto, respondeu ao recurso concluindo, nos seguintes termos: (transcrição sem negritos ou sublinhados)

1º Em concordância com a fundamentação invocada no acórdão ora recorrido, nomeadamente, a constante de páginas, 261 a 292, entende o Ministério Público que o recurso do arguido não deve obter provimento.

2º Com efeito, e como se pode ver de páginas 60 e segs. do acórdão desta relação, ora em recurso, os fundamentos que o recorrente invoca no presente recurso já foram alegados, entre outros, no recurso que interpôs do acórdão proferido na 1ª instância, em 12/07/2023.

3º Ora, todos esses fundamentos foram devidamente analisados e ponderados, tendo sido considerados improcedentes no acórdão desta relação, ora em recurso, como melhor se pode ver de páginas, 261 a 292, nada mais se oferecendo dizer, até porque o recorrente nada trouxe de novo que se imponha apreciar.

4º Assim, verifica-se que não existe violação do princípio in dúbio pro reo porque o tribunal do julgamento não teve quaisquer dúvidas de que o recorrente foi um dos executantes de todos os atos típicos pelos quais foi condenado, não havendo qualquer motivo para fazer acionar este princípio.

5º E, quanto ao arrependimento do arguido, que o recorrente invocou inicialmente, e bem, em sede de medida concreta das penas que lhe foram aplicadas e, agora, em sede de violação do princípio em dúbio pro reo, também não lhe assiste razão.

6º De facto, e embora o tribunal do julgamento tenha feito alusão, em sede de medida concreta das penas a aplicar, ao arrependimento do arguido AA, manifestando ter ficado “com dúvidas sobre se a razão do seu arrependimento foi efetivamente a interiorização do desvalor da sua conduta ou uma estratégia adotada em julgamento para atenuar a sua pena, pois admitiu o cometimento desses crimes sem admitir que os mesmos eram premeditados, sem admitir que se juntava ao arguido NN para alcançar tais intentos (repetindo que não fazia parte de nenhum bando ou de nenhum grupo revelando ter consciência de que tal agravaria a moldura penal dos crimes de roubo praticados) e sem admitir ter falado em facas”, o certo é que não resulta de tais considerações que esse arrependimento não tenha sido valorado.

7º O que é evidente é que o tribunal de julgamento teve dúvidas se tratava de um verdadeiro arrependimento ou apenas uma estratégia processual e, por isso, não o terá valorizado como se de um arrependimento verdadeiro se tratasse.

8º Ora, tais dúvidas não configuram a violação do princípio in dúbio pro reo, até porque já não se está no domínio da apreciação da matéria de facto, nomeadamente, da matéria de facto que integra os crimes pelos quais o arguido foi condenado, mas em sede de ponderação das circunstâncias que militam a favor ou contra o arguido em sede de escolha e medida concreta da pena a aplicar.

9º Assim, enquanto comportamento pós-facto positivo do agente do crime, a confissão e o arrependimento sincero de um arguido, como forma de colaborar com a justiça, apenas têm relevância aquando da escolha e determinação da pena, nada tendo que ver com a apreciação da matéria de facto e eventual aplicação do princípio in dúbio pro reo, no caso de o tribunal de julgamento ter manifestado duvidas sobre a sinceridade do arrependimento.

10º No que concerne à não aplicação do DL n.º 401/82 de 23 de setembro ao aqui recorrente, de acordo com os fundamentos constantes do acórdão recorrido, não se vislumbra que tenha sido feita, por parte do tribunal da relação, e ao contrário do defendido pelo recorrente, qualquer interpretação materialmente inconstitucional, nomeadamente, por violação do artigo 13º da C.R.P e dos princípios nele consignados (mormente a proibição de discriminação negativa), porque os fundamentos para a não aplicação deste regime não têm que ver unicamente com a gravidade dos crimes cometidos, mas com a apreciação e ponderação de vários fatores que não permitiram, quer ao tribunal do julgamento, quer ao tribunal da relação, fazer um prognóstico favorável ao arguido quanto a uma maior facilidade de ressocialização se lhe fosse aplicado o regime especial penal para jovens.

11º Por fim, e no que concerne à medida da pena única aplicada no concurso de crimes - 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão - , consideramos que a mesma se mostra adequada, proporcional e justa, atento o número de crimes pelos quais o aqui recorrente foi condenado, a moldura penal abstrata do concurso de crimes - entre 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e 28 (vinte e oito) anos, reduzidos a 25, por imperativo legal – e todas as circunstâncias, agravantes e atenuantes, consideradas pelo tribunal do julgamento e acolhidas pelo tribunal da relação.

12º Por tudo o exposto, entendemos que o recurso do arguido deve ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, ser mantido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 21 de fevereiro.

Porém, e como habitualmente, V. Ex. ªs julgarão com a necessária JUSTIÇA. (fim de transcrição)

3. Neste Supremo o Senhor Procurador-Geral Adjunto, emitiu o seu douto parecer e após rebater exaustivamente os argumentos expendidos pelo recorrente, e se manifestar pelo não conhecimento das questões, excepto da pena única, concluiu pela improcedência do recurso.

4. Notificado o recorrente, o mesmo não respondeu.

Realizado o exame preliminar, colhidos os vistos, cumpre decidir.

II Fundamentação

5. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça2 e da doutrina3 no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso que ainda seja possível conhecer.4

Da leitura dessas conclusões, o recorrente coloca a este Supremo Tribunal, as seguintes questões:

Violação do princípio in dúbio pro reo;

Aplicação do Regime Especial para Jovens Delinquentes previsto no DL 401/82 de 23 de Setembro e sua inconstitucionalidade por violação do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa;

Medida da pena única.

5.1. Resultaram provados, os seguintes factos: (transcrição parcial)

• NUIPC 95/22.6... – Apenso I

1º - No dia ... de ... de 2022, pelas 16h05, os arguidos AA e NN, na Avenida ..., no ..., abordaram o ofendido BB que aí se encontrava apeado;

2º - Nessa ocasião de tempo e lugar, dirigiram-se a ele, a fim de que este lhe entregasse os seus bens, o que lograram, desde logo face à superioridade numérica, retirando-lhe um telemóvel de marca Apple, modelo iPhone X, de valor não concretamente apurado, mas sempre superior a 102,00€;

3º - Mais lhe retiraram um par de sapatilhas de marca Nike, modelo Kyrie Low 4, de cor cinzentas, em valor não concretamente apurado, mas igualmente superior a 102,00€, que trazia consigo numa mochila às costas, e ainda uns auscultadores no valor de 10 (dez) euros e um cartão de débito do banco Santander;

4º - Já na posse do cartão bancário do BB, os arguidos ordenaram ao mesmo que os acompanhasse até à Rua ..., para realizar o levantamento de dinheiro, o que este fez, no entanto, por motivos não apurados, não foi realizada nenhum movimento bancário;

5º - Os arguidos agiram em comunhão de esforços, na execução de um plano previamente delineado e pelos dois aceite, com o propósito concretizado de ficarem com os bens do ofendido, bem sabendo que não lhes pertenciam;

6º - Os arguidos bem sabiam que os bens que se assenhorearam não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade e sem o consentimento do respectivo dono e que só por terem usado um tom e postura intimidatórias, deixando-o assustado e temeroso de ser atingido na sua integridade física, é que lograram levar a cabo os seus intentos;

7º - Agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;

8º - A .../.../2022 o arguido AA detinha na sua residência o telemóvel subtraído a BB, acima identificado;

9º - A .../.../2022 o arguido NN detinha na sua residência as sapatilhas identificadas, subtraídas a BB;

(…)

• NUIPC 318/22.1... – Apenso B

12º - No dia ... de ... de 2022, pelas 17h30, na Rua ..., em ..., junto à estação de metro, os arguidos OO, AA, PP, QQ e RR em conjunto com outros indivíduos não identificados, abordaram o ofendido CC;

13º - Nessa circunstância de tempo e lugar, de forma repentina e inesperada, CC, foi agredido pelo arguido PP, com um soco e porquanto reagiu foi agredido a pontapé e foi esfaqueado nas costas na zona da omoplata, pelos arguidos acima identificados e que acompanhavam o arguido PP, não se tendo logrado apurar concretamente qual os quais dos arguidos desferiram as facadas, embora o ofendido tenha visto o arguido RR a apontar-lhe uma faca, de características não apuradas;

14º - A testemunha, SS, que se encontrava no exterior da pizaria “...” aí sita, apercebendo-se do que estava a suceder, dirigiu-se junto daqueles, de modo a tentar ajudar o ofendido, tendo-lhe o arguido AA dito; “Não te metas que não é nada contigo”;

15º - Ainda assim, SS agarrou o ofendido, afastando-o dos agressores, enquanto referia que já havia chamado a polícia, persistindo alguns elementos do grupo nas agressões;

16º - Também TT, funcionária da pizaria “...”, alertada pelo barulho foi em auxílio do ofendido;

17º - Perante o oferecimento de resistência pelo ofendido e a aproximação de várias pessoas ao local, os arguidos saíram do local em fuga;

18º - Das agressões perpetradas resultaram ferimentos no ofendido, nomeadamente um hematoma no olho direito, um corte na face junto à orelha esquerda e uma ferida incisa perfurante na região da espinha da omoplata esquerda, com cerca de 15 mm, tendo sido transportado para o serviço de urgências do Centro Hospitalar de ..., onde foi assistido e suturado nas costas e na face;

19º - Os arguidos agiram em comunhão de esforços e vontades em agredir fisicamente o ofendido CC;

20º - Os arguidos agiram com o propósito concretizado de agredir fisicamente o ofendido, bem sabendo que, pela sua clara superioridade numérica e o objecto corto-perfurante que foi utilizado que era um instrumento susceptível de causar lesões graves no corpo do ofendido, com letalidade acrescida relativamente a qualquer outro meio usado para ferir outrem, e perante o qual a possibilidade de defesa do ofendido, que estava desarmado era reduzida ou inexistente;

21º - Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida pela lei;

(…)

• NUIPC 197/22.9...– Apenso D

27º - No dia ... de ... de 2022, pelas 17h35, encontravam-se na Praceta ..., em frente à entrada do Centro Comercial ..., um grupo formado por seis elementos, de entre os quais se encontravam AA, UU e VV, não se tendo logrado apurar a identidade dos outros indivíduos, quando viram passar um grupo de jovens formado por FF, EE, WW, GG e DD;

28º - Um dos membros desse grupo, composto pelos arguidos acima referidos, pediu ao DD, um euro dizendo-lhe que tinham uma faca, que aquele negou, conseguindo fugir do alcance dos mesmos;

29º - Seguidamente, um dos arguidos/indivíduos, não concretamente identificado, dirigiu-se a FF e sob a ameaça de levar uma facada, tiraram-lhe um telemóvel da marca Xiaomi, no valor de 50,00€ (cinquenta euros), que fizeram coisa sua;

30º - Também, um dos acima referidos arguidos/indivíduos não concretamente identificados, abordou EE, agarrando-o pelos pulsos, falando em facadas caso não lhes desse as suas coisas, o que nada logrou porquanto o ofendido conseguiu soltar-se e fugir;

31º - O grupo separou-se, tendo os arguidos AA, VV e UU ido em direcção à Estação de metro de ... – ...;

32º - FF, EE e GG decidiram ir no encalço daqueles arguidos para recuperar o telemóvel, vindo a localizar os três arguidos na estação de metro;

33º - Aí chegados abordaram os arguidos a quem pediram a devolução do telemóvel retirado ao ofendido FF, ao que os mesmos, como resposta, disseram se queriam levar uma facada;

34º - Os três referidos arguidos envolveram-se fisicamente com os ofendidos, tendo o ofendido FF sido agredido com um soco, o ofendido EE com um soco pelo arguido AA e com uma facada, desferida por um dos três arguidos que não se logrou identificar e a ofendida GG foi atingida na zona do lábio e olho, após o que os arguidos fugiram do local;

35º - Dos confrontos resultou na ofendida GG um ferimento no lábio inferior e uma equimose junto do olho direito e no ofendido EE um corte no ombro direito, provocado pelo uso de uma arma branca;

36º - Os ofendidos foram transportados, por ambulância, ao serviço de urgências do Hospital de ..., tendo EE carecido de ser suturado no ombro;

37º - Os arguidos agiram em comunhão de esforços, na execução de um plano previamente delineado e por todos aceite;

38º - Os arguidos sabiam que o telemóvel que se assenhorearam não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade e sem o consentimento do respectivo dono e que só por terem usado um tom e postura intimidatórias, deixando o ofendido FF assustado e temeroso de ser atingido na sua integridade física, é que lograram levar a cabo os seus intentos;

39º - Não o tendo concretizado também relativamente aos bens que os ofendidos DD e EE pudessem trazer consigo, por razões alheias à sua vontade;

40º - Ao desferirem as agressões descritas, os arguidos AA, VV e UU sabiam e quiseram ofender o corpo e a saúde dos ofendidos FF e GG e ao ser usada um objecto corto-perfurante, na pessoa do ofendido EE, sabiam que era um instrumento susceptível de causar lesões graves no corpo do ofendido, com letalidade acrescida relativamente a qualquer outro meio usado para ferir outrem, e perante o qual a possibilidade de defesa deste ofendido, que estava desarmado era reduzida ou inexistente;

41º - Ao actuarem em grupo, os arguidos pretenderam aproveitar-se da sua superioridade numérica para diminuir as chances de reacção e defesa dos ofendidos, circunstância esta prevista e querida por todos;

42º - Também na acima aludida conduta, agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tais condutas são proibidas e punidas por lei;

• NUIPC 461/22.7... – Apenso F

43º - No dia .../.../2022, pelas 04h30, AA em conjunto com quatro indivíduos não identificados, e abordaram na Rua ..., no ..., o ofendido, HH, que aí se encontrava apeado;

44º - Nessa ocasião, o arguido AA pediu-lhe um cigarro, ao que o ofendido disse não fumar;

45º - Ato continuo, circundaram o ofendido, tiraram-lhe o telemóvel, dinheiro e cartão multibanco;

46º - Temendo pela sua integridade física, HH entregou-lhes a carteira e os phones airpods da marca Apple, no valor de 160 (cento e sessenta) euros;

47º - Seguidamente e na posse de dois cartões bancários, ordenaram-lhe para que os acompanhasse à caixa de multibanco existente nessa rua, para proceder ao levantamento de dinheiro, dizendo-lhe para não falar alto porque tinham uma faca;

48º - O ofendido cedeu, tendo-se dirigindo juntamente com o arguido AA junto de uma caixa multibanco, enquanto os restantes indivíduos permaneceram afastados;

49º - Aí chegados, o arguido AA ordenou que o ofendido procedesse ao levantamento da quantia de 200 (duzentos) euros, o que este fez, entregando, depois, o dinheiro àquele;

50º - Logo a seguir, o arguido AA ordenou que levantasse mais 60 (sessenta) euros, o que o ofendido mais uma vez fez, tendo entregue 50 (cinquenta) euros ao arguido AA, montantes que este arguido, juntamente com os demais indivíduos, integrou no seu património;

51º - O arguido AA e os restantes indivíduos bem sabiam que os bens e quantias monetárias que se assenhorearam não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade e sem o consentimento do respectivo dono e que só por terem usado um tom e postura intimidatórias, deixando-o assustado e temeroso de ser gravemente atingido na sua integridade física, é que lograram levar a cabo os seus intentos;

52º - O arguido AA e os restantes indivíduos não identificados agiram em comunhão de esforços, na execução de um plano previamente delineado e por todos aceite, o que fizeram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida pela lei;

• NUIPC 894/22.9... – Apenso H

53º - No dia .../.../2022, pelas 10h30, o arguido AA, acompanhado por mais três indivíduos não identificados, encontravam-se na Rua Dr. ..., junto ao I..., quando decidiram abordar o ofendido II;

54º - Assim, chegando junto dele, impuseram que lhes entregasse dinheiro, pelo que aquele, com medo, retirou a carteira do bolso e abriu a mesma;

55º - Tendo os indivíduos visto que aquele tinha consigo um cartão bancário, ordenaram que aquele lhes entregasse tal cartão, tendo II lhes referido que não tinha saldo na conta bancária;

56º - Acto continuo, o arguido, AA colocou a mão no bolso das calças do ofendido, e retirou o telemóvel da marca Xiaomi, modelo Poco X3, no valor de 280 (duzentos e oitenta) euros, e integrou-o no seu património, afastando-se do local para parte incerta;

57º - O arguido AA e os restantes indivíduos bem sabiam que o telemóvel de que se assenhorearam não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade e sem o consentimento do respectivo dono e que só por terem usado um tom e postura intimidatórias, deixando-o assustado e temeroso de ser atingido na sua integridade física, é que lograram levar a cabo os seus intentos;

58º - O arguido AA e os restantes indivíduos não identificados agiram em comunhão de esforços, na execução de um plano previamente delineado e por todos aceite.

59º - Agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida pela lei;

• NUIPC 510/22.9... – Apenso E

60º - No dia .../.../2022, entre as 19h24 e as 20h00, o arguido AA, juntamente com mais três indivíduos do sexo masculino não identificados, estavam na Avenida ..., no ..., quando decidiram abordar o ofendido JJ que aí seguia sozinho;

61º - Nesse seguimento, AA dirigiu-se junto daquele questionando-o se tinha consigo um euro, ao que o ofendido respondeu que não;

62 º - Porquanto o arguido AA e demais acompanhantes lhe disseram que tinham uma faca e que não conseguiria fugir, o ofendido entregou ao arguido AA uma nota de 20 (vinte) euros que trazia consigo, que aquele integrou no seu património e um cartão multibanco;

63º - Assustado, o ofendido anuiu em acompanhá-los até uma caixa multibanco, pelo que os indivíduos caminharam até perto do bairro da Pasteleira, tendo nesse caminho, arguido AA insistido para que o ofendido lhe cedesse o código PIN do cartão, tendo este, cedido;

64º - Assim pararam no multibanco da Caixa Geral de Depósitos, sito na Rua ..., onde o arguido AA tentou proceder ao levantamento de dinheiro, usando o cartão do ofendido, o que não logrou fazer, por razões não apuradas;

65º - Perante isto, o arguido AA referiu aos restantes indivíduos que ia até ao supermercado ..., situado na ..., para efectuar o levantamento;

66º - Afastou-se dos outros indivíduos e do ofendido, tendo entrado naquele supermercado onde, na caixa multibanco aí existente, procedeu a dois levantamentos no valor de 200 (duzentos) euros cada;

67º - Após, voltou para junto daqueles e ordenou ao ofendido que lhe entregasse os phones airpods da marca Apple, cujo valor ascende a 200 (duzentos) euros, o que aquele fez, após o que se afastaram;

68º - O arguido AA e os demais que o acompanhavam, bem sabiam que os bens que se assenhorearam não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade e sem o consentimento do respectivo dono e que só por terem usado um tom e postura intimidatórias mencionando a posse de uma faca, deixando-o assustado e temeroso de ser atingido na sua integridade física, é que lograram levar a cabo os seus intentos;

69º - Ao proceder a dois levantamentos em dinheiro, tendo conhecimento do respectivo código PIN, bem sabia o arguido e demais indivíduos que o cartão de débito que utilizavam, bem como o respectivo saldo da conta bancária, não lhes pertenciam, e ao agir desse modo, tinham conhecimento que actuavam contra a vontade do respectivo dono;

70º - O arguido AA e os restantes indivíduos não identificados agiram em comunhão de esforços, na execução de um plano previamente delineado e por todos aceite;

71º - Agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida pela lei;

• NUIPC 528/22.1... – Apenso G

72º - No dia .../.../2022 entre as 00:05h e as 00:35h, no jardim da cordoaria, sito na Rua ..., ..., os arguidos AA, NN, XX, VV, YY e ZZ, abordaram os ofendidos KK e LL, que aí se encontravam sentados num banco, pedindo-lhes um isqueiro e dinheiro;

73º - Tendo aqueles negado, os arguidos, aproveitando-se da sua superioridade numérica, ordenaram aos ofendidos que os acompanhassem ao multibando, dizendo-lhes para não falarem e gritarem porque tinham uma faca;

74º - Sob tal alegação fizeram com que os ofendidos os acompanhassem até uma caixa multibanco, existente na dependência do banco Millennium BCP, sita na Praça ..., o que estes, temendo pela sua integridade física, fizeram;

75 º - Aí chegados, o arguido AA inseriu o cartão multibanco de LL na caixa multibanco, ordenando-lhe que inserisse o código secreto, o que este fez;

76º - Após, o arguido AA procedeu ao levantamento de 300,00€ (trezentos), devolvendo, de seguida, o cartão ao ofendido;

77º - Seguidamente, por um dos acima referidos arguidos, igualmente foi inserido o cartão multibanco do ofendido KK na caixa multibanco e ordenado que este inserisse o código secreto, o que ele fez;

78º - Após, procederam a um levantamento no valor de 200,00 € (duzentos) e outro no valor de 50,00€ (cinquenta) euros e, a seguir, devolveram o cartão ao ofendido, afastando-se de seguida do local;

79º - Nessa ocasião, os ofendidos dirigiram-se à esquadra da P.S.P. onde relataram o sucedido, tendo, nessa data, um carro patrulha se dirigido à Praça ..., onde identificaram os arguidos, que tinham consigo o dinheiro subtraído aos ofendidos;

80º - Os arguidos bem sabiam que os bens e quantias monetárias que se assenhorearam não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade e sem o consentimento dos respectivos donos e que só por terem usado um tom e postura intimidatórias, deixando-os assustados e temerosos de serem atingidos na sua integridade física, é que lograram levar a cabo os seus intentos;

81º - Agiram os arguidos em comunhão de esforços, na execução de um plano previamente delineado e por todos aceite;

82º - Agiram ainda de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida pela lei;

83º- O arguido AA, não tem antecedentes criminais conhecidos;

(…)

Do relatório social do arguido AA:

96º - À data dos factos constantes da acusação AA estava integrado no núcleo familiar de origem, do qual faziam parte o arguido, a progenitora e as duas irmãs uterinas, com 11 e 3 anos de idade. O núcleo familiar residia em habitação arrendada, um apartamento de tipologia T3 com condições básicas de habitabilidade, inserida em zona residencial à qual são associados problemáticas de exclusão social ou pró-criminais;

97º - A situação económica do agregado familiar foi avaliada pelo arguido e progenitora como ajustada aquando da circunstância factual que originou o presente processo, uma vez que a progenitora se encontrava a desempenhar funções no Hospital de ..., auferindo o salário mínimo e beneficiando do suporte por parte da avó materna, a qual reside nas proximidades e do namorado da progenitora, que simultaneamente prestava algum sustentáculo de retaguarda;

98º - O processo educativo de AA foi conduzido essencialmente pela mãe, na medida em o relacionamento entre os progenitores cessou quando o arguido contava cerca de 3 meses de idade, ficando o exercício das responsabilidades parentais a cargo da progenitora;

99º - Desde então os contactos do arguido com o pai foram esporádicos, pelo que este não se constitui como figura de vinculação ou referência. Segundo o arguido, o progenitor é protagonista de problemática aditiva e saiu recente de estabelecimento prisional;

100º - AA beneficia ainda do apoio da família alargada, nomeadamente a avó materna, que também reside no Bairro ..., e do actual namorado da mãe que residia no Bairro da... (próximo da morada de AA), todos com visitas regulares ao agregado;

101º - A progenitora de AA embora descreva a existência de laços de afectividade e de coesão, reconhece que o descendente tem personalidade difícil, com dificuldade em aceitar o estabelecimento de regras e limites impostos pela família, comportamento que a progenitora justifica com a existência de uma problemática de saúde mental e que motivou acompanhamento pedopsiquiátrico, já cessado;

102º - Durante um hiato temporal aproximado de dois anos, dos 12 aos 14 anos, o arguido esteve integrado em na ..., sita em ... que, segundo a progenitora, tinha subjacente a intenção de o afastar de pares sociais e do ambiente pró criminal que caracterizava a vivência do arguido nessa fase da sua vida;

103º - AA apenas concluiu o 7º ano de escolaridade, após várias retenções, nomeadamente por reduzida motivação e elevado absentismo;

104º - À data dos factos o arguido estava integrado em programa formativo, com vista a concluir o 9º ano de escolaridade, que aparentemente suspendeu por via da aplicação da medida de coacção aplicada no âmbito dos presentes autos;

105º - O quotidiano do arguido, sem qualquer rotina estruturada, estava centrado no convívio com pares com condutas desviantes e criminais. No entanto o seu grupo de pares não era da área de residência, pelo que no meio comunitário a sua situação jurídico-penal não é conhecida;

106º - AA refere o consumo de substâncias estupefacientes (haxixe) em contexto recreativo, o qual cessou em meio prisional. O arguido beneficiou de acompanhamento na área de saúde mental, associado a problemas de comportamento e do controlo dos impulsos, tendo beneficiado de acompanhamento pedopsiquiátrico, com toma de medicação. Verbalizou motivação para retomar este acompanhamento;

107º - AA admite não ter aproveitado as oportunidades disponibilizadas designadamente pela mãe, reconhecendo a assunção de comportamentos fomentadores de conflitos, pelo facto de não ter respeitado as regras, postura que segundo a progenitora se vem desvanecendo;

108º - O arguido menciona que o presente processo teve como principais repercussões a privação da liberdade e o afastamento da família, bem como as eventuais consequências que poderão advir, que lhe têm causado elevada ansiedade;

109º - No âmbito dos presentes autos o arguido iniciou a execução da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica em ...-...-2022, evidenciando desde então uma postura adaptada às exigências que lhe estão inerentes e interagindo de forma adequada e ajustada com os técnicos desta equipa de vigilância electrónica;

110º - AA reconhece, em abstracto, o bem jurídico lesado, contudo demonstra reduzida capacidade de descentração, situação que eventualmente decorrente na imaturidade própria da idade;

111º - O arguido expressa orientação pró-familiar e a intenção de adoptar um estilo de vida ajustado às normas ético-jurídicas vigentes;

112º - De momento dispõe de enquadramento habitacional sem problemas comunitários e conta com o apoio da progenitora e do núcleo familiar alargado, numa dinâmica relacional de suporte emocional e material;

113º - O arguido referiu ser sua perspectiva futura prioritária, o aumento de qualificações e posterior enquadramento laboral regular, por forma a proceder à sua autonomização no futuro;

114º - As lacunas ao nível da supervisão educativa, eventualmente resultantes do quadro familiar fragilizado, a inserção em contexto comunitários associado a problemáticas de exclusão social e orientação pró-criminal e a permeabilidade à influência do grupo de pares (onde terá iniciado o consumo de substâncias psicotrópicas) terão contribuído para uma certa anomia e desorganização com repercussões ao nível da sua inserção escolar e, mais recentemente, o confronto com o sistema de justiça;

115º - Denota-se no arguido elevada imaturidade e pensamento inconsequente, que nos parece próprio da fase da adolescência, na qual se encontra;

116º - Pela positiva, destaca-se o suporte familiar consistente de que beneficia e a expressão, por parte do arguido, de determinação em investir na sua valorização académica e assumir estilo de vida pró-social;

117º - Atendendo às necessidades de intervenção subsistentes no momento actual, na eventualidade AA vir a ser condenado, considera-se que poderia beneficiar de intervenção dirigida para o treino das competências pessoais e sociais em défice, bem como para a interiorização do desvalor da sua conduta, à qual deverá ser acompanhada de sujeição a avaliação especializada ao nível de psiquiátrica/psicológica e em caso de necessidade, manter o respectivo acompanhamento psicoterapêutico e medicamentoso; (fim de transcrição parcial)

6. Apreciando

6.1 Como resulta do elenco das questões a decidir, o recorrente veio invocar a violação do princípio in dúbio pro reo e reclamar a aplicação do Regime Especial para Jovens Delinquentes, previsto no DL 401/82 de 23 de Setembro, invocando ainda a sua inconstitucionalidade por violação do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.

Vejamos.

Nos termos do artigo 434º do Código de Processo Penal, “O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º”.

O artigo 432º do Código de Processo Penal, estatui que “Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 410.º;

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 410.º;

Por sua vez o artigo 400º do Código de Processo Penal, entre as várias decisões que não admitem recurso, estatui, na sua alínea f), que não cabe recurso dos “acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.

Perante este enquadramento legal e analisado o acórdão do Tribunal da Relação do Porto sob recurso, constata-se que apreciou as questões suscitadas pelo recorrente, (Cfr. Páginas 66, 261 e seg.) algumas das quais, ainda que com outra roupagem, volta a colocar a este Supremo Tribunal de Justiça.

Ora, tendo o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, confirmado a decisão da 1ª instância, da mesma não cabe recurso das questões já apreciadas, (a pretendida violação do In dúbio pro reo), ao abrigo das normais legais elencadas, por haver dupla conforme, conforme jurisprudência unânime deste Supremo Tribunal de Justiça.

Como refere o Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, o qual se subscreve, “como estamos, perante recurso interposto de uma decisão proferida pelo Tribunal da Relação, também em recurso, e com dupla conforme, todas as questões atinentes às condenações nas penas parcelares inferiores a 8 anos pelos respetivos crimes, nelas incluída a da invocação de vícios como o da insuficiência para a decisão de direito da matéria de facto provada, interligada ou não com o princípio in dúbio pro reo, são desde logo insindicáveis, pois o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito (artigos 46.º da LOSJ e artigo 434.º do Código de Processo Penal), sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º, alíneas estas que se reportam: a) decisões das relações proferidas em 1.ª instância e c) acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos”, que não é o caso dos presentes autos, pois estamos perante decisão da Relação totalmente confirmatória da decisão de 1.ª instância e que aplicou uma pena conjunta superior a 8 anos.

Veja–se, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12–1–2023, no processo n.º 757/20.2PGALM.L1.S1, relatado pelo Sr. Conselheiro Orlando Gonçalves:I - O propósito do legislador, nas alterações introduzidas no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, pela Lei n.º 20/2013, de 21-02, substituindo no texto da lei a referência a pena aplicável, por pena aplicada, foi reduzir a admissibilidade de recurso para o STJ dos acórdãos proferidos, em recurso pela Relação, em caso de “dupla conforme, acolhendo a jurisprudência o entendimento de que ocorrendo “dupla conforme” e tendo sido aplicadas várias penas por diversos crimes em concurso que nos termos do art. 77.º do CP, devam ser aglutinadas numa única pena, só quanto à pena única superior a 8 anos de prisão e aos crimes punidos também com penas de tal dimensão, é admissível recurso para o STJ. II - Constitui jurisprudência sedimentada do STJ, que o recurso para este tribunal não só não é admissível quanto às penas propriamente ditas não superiores a 8 anos de prisão, como também em relação a todas as questões processuais e de substância com elas conexas colocadas a montante que digam respeito a essa decisão, tais como, as relativas às nulidades, vícios indicados no art. 410.º do CPP, à apreciação da prova, incluindo o respeito da livre apreciação da prova e do princípio in dúbio pro reo, à qualificação jurídica dos factos e à determinação da medida da pena. Esta interpretação que o STJ faz da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, não foi julgada inconstitucional pelo TC, no seu acórdão n.º 186/2013, decidido em Plenário.

Deste modo, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quando haja dupla conforme, só pode abranger, como tem sido jurisprudência reiterada e constante e com respaldo constitucional, a discussão sobre a pena unitária aplicada (que mais adiante apreciaremos), por ser superior a 8 anos de prisão, tendo vindo a ser entendimento acolhido, pensamos que já largamente maioritário, o de que a interposição de recurso com base na invocação de erros–vícios – onde porventura se inclui aquele que o ora recorrente estrategicamente apartou do que originalmente alegou no recurso para a Relação (insuficiência para a decisão de direito da matéria de facto provada interligado com o princípio in dubio pro reo) – não é admissível, sem prejuízo de, sendo erros–vícios de tal modo evidentes ou manifestos, poderem ainda ser conhecidos oficiosamente, o que não é manifestamente o caso.

Este entendimento jurisprudencial tem tido respaldo nas decisões do Tribunal Constitucional, porquanto legislador constitucional não exige um duplo grau de recurso.5

Tendo em conta que a admissão do recurso pela Relação não vincula este Supremo Tribunal de Justiça (artigo 414.º, n.º 3) e nos termos dos artigos 400º, n.º 1, alínea f), 432º, n.º 1, alínea b), 420º, n.º 1, alínea b), e 414º, n.ºs 2 e 3), todos do Código de Processo Penal rejeita-se o recurso, nesta parte (violação do in dúbio pro reo), por inadmissibilidade legal.

Apesar de este mesmo raciocínio se aplicar à matéria da não aplicação do Decreto-Lei 401/82 de 23 de Setembro, tendo em conta que o recorrente suscita no seu recurso a questão da inconstitucionalidade do artigo 4º do diploma, quando interpretado que a sua aplicação depende do crime cometido, não deixaremos de apreciar esta parte, mas apenas na perspectiva da pena única que apreciaremos posteriormente.

Vejamos, antes de mais, o que consta da douta decisão do Tribunal da Relação do Porto: (transcrição sem as notas de rodapé)

“O recorrente – nascido em .../.../2005 - requer a aplicação do regime previsto no D.L. nº 401/82 de 23 de setembro, salientando ter sido o único arguido que confessou os factos e colaborou, revela consciência crítica, pediu desculpa, apresenta espírito crítico e discernimento ativo, beneficia de retaguarda familiar, mantém interesse em concluir a sua formação/escolaridade e evidencia crescimento e maturidade actual, o que é destacado no relatório social.

Cumpre decidir.

É entendimento pacífico na jurisprudência que o disposto no D.L. nº 401/82 de 23/09 não é de aplicação automática, não bastando que o arguido tenha uma idade situada entre os 16 e os 21 anos para que a atenuação especial tenha logo lugar, sendo antes um poder-dever vinculado que o juiz deve usar quando em presença dos seus pressupostos: um, de natureza formal – a idade; o outro, material de verificação de “sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do condenado”, tendo como limite intransponível a necessidade de defesa da sociedade e de prevenção da criminalidade.

A propósito, considerou-se no Ac. da R.P. de 24/05/2006, que “esse juízo de prognose deve assentar em factos e não em pressuposições, avaliando se a benesse atenuativa, proporcionada por esse regime, favorece a socialização do jovem condenado. Assim, só haverá lugar à aplicação do regime do jovem delinquente, se daí sair reforçada a vertente da prevenção especial positiva, o que passa por não prejudicar o arguido para além do que seja estritamente necessário para a sua reintegração na sociedade, que é uma das finalidades da punição, expressas no art. 40.º do C. Penal – “A aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Para o efeito devemos atender à personalidade do arguido, a todo o circunstancialismo que envolveu a sua conduta criminosa, bem como a possibilidade do meio envolvente, familiar ou comunitário, poder suportar essa reintegração “.

Assim, só haverá lugar à aplicação do regime do jovem delinquente, se daí sair reforçada a vertente da prevenção especial positiva, o que passa por não prejudicar o arguido para além do que seja estritamente necessário para a sua reintegração na sociedade, que é uma das finalidades da punição previstas no art. 40º nº 1 do Cód. Penal.

Em caso de concurso de crimes, é em relação a cada crime/pena parcelar que se pondera e avalia a aplicabilidade do regime especial penal para jovens, que tem em conta necessariamente as circunstâncias do caso concreto, o grau de ilicitude e da culpa, todo o circunstancialismo que sustenta, ou não, uma atenuação especial da pena.

Isto posto, vejamos o caso concreto dos autos.

O arguido vem condenado pela prática em concurso real e em co-autoria material dos seguintes crimes:

- Um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210º, nº1 e nº2, alínea b), por referência ao artigo 204º, nº2, alínea g), todos do C.Penal, no âmbito do NUIPC 95/22.6...– Apenso I, destes autos , na pessoa do ofendido BB, numa pena de 3(três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, 145º, nº1, alínea a) e nº2, com referência ao artigo 132º, nº2, alínea h), todos do C.Penal, no âmbito do NUIPC 318/22.1... – Apenso B, destes autos, na pessoa do ofendido CC, numa pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

- Dois crimes de roubo na forma tentada, p. e p. pelo artigo 210º, nº1, 22, nº1, 23º, nº2 e 73º, todos do C.Penal, no âmbito do NUIPC 197/22.9... – Apenso D, destes autos, cada um na pessoa dos ofendidos DD e EE, numa pena de 9 (nove) meses de prisão, por cada um dos crimes cometidos.

- Um crime de roubo consumado, p. e p. pelo artigo 210º, nº1, do C.Penal, no âmbito do NUIPC 197/22.9... – Apenso D, destes autos, na pessoa do ofendido FF, numa pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, 145º, nº1, alínea a) e nº2, com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h), todos do C.Penal, no âmbito do NUIPC 197/22.9... – Apenso D, destes autos, na pessoa do ofendido EE, numa pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

- Dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, do C.Penal, no âmbito do NUIPC 197/22.9... – Apenso D, destes autos, cada um na pessoa dos ofendidos FF e GG, numa pena de 9 (nove) meses de prisão, por cada um dos crimes cometidos;

- Um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº1, do C.Penal, no âmbito dos Apenso F, destes autos principais, cometido na pessoa do ofendido HH, numa pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº1, do C.Penal, no âmbito dos Apenso H, destes autos principais, cometido na pessoa do ofendido II, numa pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº1, do C.Penal, no âmbito dos Apenso E, destes autos principais, cometido na pessoa do ofendido JJ, numa pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de abuso de cartão de garantia, p. e p pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do Código Penal, no âmbito dos Apenso E, destes autos principais, cometido na pessoa do ofendido JJ, numa pena de 6 (seis) meses de prisão;

- Dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210º, nº1 e nº2, alínea b), por referência ao artigo 204º, nº2, alínea g), todos do C.Penal, no âmbito do Apenso G, destes autos principais, na pessoa dos ofendidos KK e LL, numa pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, relativamente a cada um deles;

- Um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210º, nº1 e nº2, alínea b), por referência ao artigo 204º, nº2, alínea g), todos do C.Penal, no âmbito do NUIPC 877/22.9..., Apenso aos presentes autos, na pessoa do ofendido MM, numa pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de abuso de cartão de garantia, p. e p pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do Código Penal, no âmbito NUIPC 877/22.9..., Apenso a estes autos, cometido na pessoa do ofendido MM, numa pena de 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º, nº1, do C.Penal, numa pena de no âmbito NUIPC 877/22.9..., Apenso a estes autos, cometido na pessoa do ofendido MM, numa pena de 6 (seis) meses de prisão;

Em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Percorrendo os factos dados como provados em cada um dos processos por que vem o recorrente condenado, perfazendo um total de 17 (dezassete) crimes, violando uma pluralidade de bens jurídicos, verificamos que em cada um deles o arguido atuou acompanhado de pelo menos mais 3 (três) indivíduos, noutros processos com mais de três indivíduos, com excepção dos factos a que respeita o NUIPC nº 95/22.6...-Apenso I , em que atuou apenas com o coarguido NN.

Atuou em todas as situações/processo, na via pública, durante o dia.

Em nenhum dos roubos consumados houve reparação das suas consequências junto das respetivas vítimas.

Apenas no processo nº 95/22.6...-Apenso I, entre os diversos bens retirados à força à vítima BB, apenas foram recuperados o telemóvel e as sapatilhas, cerca de três meses depois, no âmbito das buscas realizadas pelos OPC.

O arguido confessou os factos praticados no âmbito do NUIPC nº 95/22.6...-Apenso I, com relevo para a descoberta da verdade.

Essa confissão não teve o mesmo relevo quanto aos factos praticados no âmbito do NUIPC nº 197/22.9... – Apenso D, pois foi reconhecido presencialmente pelas vítimas e a sua presença na estação do metro era visível nas imagens captadas pelo circuito de videovigilância.

O mesmo se passa quanto aos factos praticados no âmbito dos NUIPC nº 461/22.7...-Apenso F, NUIPC nº 894/22.9... – Apenso H, NUIPC nº 510/22.9...-Apenso, NUIPC nº 528/22.1...-Apenso G, 877/22.0... uma vez que a sua participação resulta de outros elementos de prova consignados em sede de motivação da decisão de facto.

A intervenção do recorrente nos factos praticados no âmbito do NUIPC nº 318/22.1...-Apenso B (que negou) resultou da apreciação crítica dos elementos de prova que o Tribunal indicou, expondo o raciocínio que o levou a esse convencimento.

Foi muito curto o intervalo de tempo decorrido entre a prática dos diversos factos/processo.

Contrariando ao alegado pelo recorrente, consta também do seu relatório social que o arguido embora reconheça em abstracto o bem jurídico lesado (diríamos, os bens jurídicos violados), demonstra reduzida capacidade de descentração (“situação eventualmente decorrente na imaturidade própria da idade”, sic), o que indicia falta de empatia pelas vítimas e falta de interiorização do desvalor das suas condutas.

Excetuando a ausência de antecedentes criminais e idade do arguido (sendo que a confissão dos factos nos processos em que ocorreu suscitou dúvidas ao Tribunal recorrido quanto à atitude interna do arguido na sua produção, pois foi este Tribunal quem o teve perante si), considerando o contexto em que foram praticados os factos em cada um dos processos de per si e as suas consequências para os respetivos ofendidos, em nenhum deles encontramos razões para fazer um prognóstico favorável ao arguido quanto a uma maior facilidade de ressocialização se lhe for aplicado o regime especial penal para jovens, que consideramos ser de afastar.

Como bem refere o MºPº na resposta, “o arguido é proveniente de uma família sem supervisão, e o seu percurso foi marcado por desinteresse escolar e em ingressar qualquer actividade que lhe permitisse a inserção social.

Perscrutada a conduta do arguido, quer quanto ao número, natureza, gravidade dos vários crimes por si cometidos, não se vislumbra que o mesmo retire algum benefício para a sua inserção social com a aplicação do regime de jovens”.

Pelo contrário, concordamos com o Tribunal recorrido ao considerar que se impõe que o(s) arguido(s) “não fique(m) com uma sensação de impunidade ou de brandura na sanção dos seus comportamentos, o que a suceder, crê-se que o(s) mesmo(s) desvalorizaria(m) as suas condutas contribuindo para a continuação da sua actividade criminosa, pois e até face à postura que os mesmos tiveram em julgamento de displicência face aos crimes pelos quais estavam acusados, a aplicação deste Regime teria um efeito absolutamente contrário ao pretendido, que é, como acima se referiu, o de reeducar para o direito, estando este colectivo absolutamente convicto de que a aplicação da atenuação inerente a este Regime apenas lhe criaria a convicção de que a sua juventude tudo permite e tudo justifica (…)“.

Nenhuma censura merece, pois, a decisão do Tribunal recorrido ao afastar a aplicação do disposto no D.L. nº 401/82 de 23/09.” (fim de transcrição)

Como se pode constatar da longa transcrição efectuada, em nenhum trecho da decisão, o Tribunal da Relação do Porto deixa de aplicar o regime do Decreto-Lei 401/82 por força, apenas, da natureza dos crimes em causa nos autos. Limita-se a não aplicar o regime em função das circunstâncias do caso concreto, ponderando, judiciosamente, os pressupostos de que depende a aplicação do regime legal e afastando a sua aplicação em função dessas mesmas circunstâncias.

Na verdade, o regime encontra-se previsto no artigo 9. ° do Código Penal e densificado no Decreto-Lei n° 401/82, de 23 de Setembro, fundando-se na ideia que, no direito penal de jovens imputáveis, se deve dar prioridade aos princípios e modelos protectivos e reeducadores.

A este propósito, refere-se no Preâmbulo do Decreto-Lei 401/82, de 23 de Setembro, que estabelece o “Regime Penal Especial para Jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos” – o diploma tem como pressupostos a “ideia de que o jovem imputável é merecedor de um tratamento penal especializado”, apostando na “capacidade de ressocialização do homem (...) sobretudo quando este se encontra ainda no limiar da sua maturidade”, instituindo “um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade”.

É tendo na base estes pressupostos que o artigo 4º do Decreto-Lei 401/82 prevê uma atenuação especial relativa aos jovens delinquentes, a operar nos termos dos artigos 72º e 73º do Código Penal.

Trata-se de um poder-dever, o qual implica que essa atenuação dependa da existência de sérias razões para pensar que dela resultem vantagens para a reinserção social do jovem delinquente.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 2023, aqui invocado apenas a título exemplificativo, a “atenuação especial da pena nos termos do art 4.º do Dec.–Lei n.º 401/82 é de conhecimento oficioso, mas não é de aplicação obrigatória e não opera automaticamente; trata-se de um poder-dever vinculado, sendo de aplicar sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.6

O regime especial para jovens delinquentes, ainda que possa ser entendido numa lógica de prevenção especial, condicionada à vantagem na sua aplicação da reinserção social do jovem condenado, não pode deixar de ter, na sua ponderação e aplicação, exigências de prevenção geral nas suas duas dimensões, sob pena de fragilização do sistema jurídico.

Exige-se, pois, na determinação do juízo de prognose favorável ou desfavorável, uma análise dos factos concretos, como fez o Tribunal da Relação do Porto, ponderando, designadamente a conduta do arguido, anterior e posterior ao crime, as condições pessoais, familiares e profissionais por forma a avaliar da sua inserção familiar e ainda a sua personalidade, para se poder aferir, além do mais, se é sensível à aceitação dos valores dominantes e tutelados pelo direito penal.

No caso em apreço e pelas razões que o douto acórdão recorrido explicitou não existem razões sérias para crer que, da atenuação especial do referido artigo 4. ° do Decreto-Lei n° 401/82, resultem vantagens para a reinserção social do arguido, pelo que se afasta a aplicação do referido regime.

O regime não foi aplicado apenas e só pela natureza dos crimes praticados, mas, antes por todas as circunstâncias que rodearam o caso concreto e as condições pessoais do recorrente e a sua personalidade.

Inexiste, assim, qualquer inconstitucionalidade normativa, no afastamento do regime legal do referido Decreto-Lei n° 401/82.

Improcede, pois, esta pretensão do recorrente.

6.2 Medida da pena única.

O recorrente reclama também da pena única em que foi condenado.

Na douta acórdão do Tribunal da Relação do Porto, a propósito da pena única, considerou-se: (transcrição)

«Os crimes que o arguido praticou encontram-se numa relação de concurso real e efectivo de infracções.

Sobre esta matéria, rege o artº 77º, nº 1, do Código Penal, nos termos do qual “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

De acordo com o disposto no nº 2 do artº 77º, do C.Penal a moldura penal do concurso tem como limite mínimo a mais elevada das penas em concurso (a mais alta das penas parcelares) e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Assim, é a seguinte a moldura do concurso de crimes: Limite mínimo: pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; Limite máximo: pena de 28 (vinte e oito) anos, reduzidos a 25, por imperativo legal.

Como atrás referimos, nos termos do artº 77º, nº 1, do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena única deverá ter em consideração, de forma conjugada, os factos apreciados e a personalidade do agente.

O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 23 de Junho de 2010, expôs as seguintes considerações: “O critério de determinação da medida da pena conjunta do concurso há-de ir buscar-se ao disposto no artº 71º, nº 1, do mesmo diploma que versando sobre a determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, diz que «é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção»”.

Nesta matéria, como explicita FIGUEIREDO DIAS, “Tudo deve passar-se […] como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta” (As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, § 421).

No mesmo sentido, o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 27 de Fevereiro de 2013, expôs o seguinte: “Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está, pois, ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso. Na consideração da personalidade deve ser ponderado o modo como a personalidade se projecta nos factos ou é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente”.

Sobre o tema, pode consultar-se, com muito interesse, o artigo de RODRIGUES DA COSTA “O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”, publicado na Revista Julgar, nº 21, Coimbra Editora, 2013 (pp. 171-201).

Não há, nesta sede, regras puramente aritméticas ou fórmulas simplesmente matemáticas, sem prejuízo da consideração, a título indicativo, de uma determinada parcela da soma das penas restantes para além da pena parcelar mais elevada.

A este respeito, o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 29 de Abril de 2010, notou que “O STJ tem adoptado a jurisprudência, na formação da pena única, de fazer acrescer à pena mais grave o produto de uma operação que consiste em comprimir a soma das restantes penas com factores variáveis, mas que se situam, normalmente, entre um terço e um sexto (por vezes até menos, chegando a um oitavo)”.

Por seu turno, TIAGO MILHEIRO anota: “nada impede que não abdicando do julgamento dos factos, da personalidade do agente, das necessidades da pena, da culpa, da prevenção, o tribunal se socorra de critérios aritméticos com o fito de estabelecer decisões igualitárias em situações similares, e gera um certo grau de previsibilidade quanto à pena conjunta a aplicar, funcionando como «ponto de partida». […]

Existem vários arestos do STJ que chamam à colação estes critérios aritméticos, numa amplitude entre o 1/3 e o 1/6, não como fundamento autónomo da pena conjunta, mas como coadjuvante na ponderação da pena mais justa. Já não é admissível se as adições forem mecânicas, acolhendo de forma ilegal o princípio da exasperação ou agravação […]

O que se trata é de colocar na disposição do julgador um conjunto de instrumentos auxiliares aritméticos para que na moldura penal abstracta do cúmulo se inculque a maior previsibilidade possível. […] com estas restrições tais critérios aritméticos terão a vantagem de aumentar a segurança jurídica e a confiança na actuação do sistema judicial” (“Cúmulo Jurídico Superveniente – Noções Fundamentais”, Almedina, 2016).

No caso concreto, está em causa a aplicação de uma pena única correspondente à prática de 17 crimes de elevada gravidade (10 crimes de roubo, consumados e tentados, 2 crimes de ofensa à integridade física qualificada, 2 crimes de ofensa à integridade física simples 2 crimes de abuso de cartão e 1 crime de sequestro), dentro do respectivo tipo legal. Há que ponderar para além do já referido, aquando da determinação concreta da medida de cada pena, a cadência com que os crimes foram perpetrados, a escolha das vítimas, o modo como foram abordadas e as consequências para cada uma delas e a personalidade deste arguido com franca e clara tendência para o cometimento de crimes contra o património e contra a integridade física dos ofendidos.

O arguido assumiu, na sua essencialidade, os factos que praticou, revelando arrependimento, nos moldes acima considerados.

Sopesando todos estes dados, considera-se ajustada a condenação do arguido numa pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão, necessariamente efectiva.»

(fim de transcrição)

Vejamos.

No cúmulo jurídico deverá ter-se em conta o conjunto dos factos e a gravidade dos mesmos ou, na expressão do legislador, são “considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Como refere este Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 05 de Junho de 2012, a “ pena única deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação ente si, mas sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente. (…) Com a pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e da gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda considerar, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente.”78

Assim, tendo em consideração, que a pena única deve ser encontrada tendo em conta a gravidade global do comportamento delituoso do arguido, pois tem de ser considerado e ponderado o conjunto dos factos e a sua personalidade “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado”, entendemos, igualmente, que a pena única aplicada ao mesmo está dentro dos limites da sua culpa e mostra-se adequada e proporcional à mesma, satisfazendo as demais exigências de prevenção geral e especial e, por isso, nenhuma censura merece.

Na verdade, apesar de o arguido não ter antecedentes criminais e ser um jovem de 19 anos, os crimes por si praticados em conjunto com outros coarguidos e terceiros não identificados, (17 crimes - 4 roubos agravados; 4 roubos simples; 2 roubos na forma tentada; 2 ofensas à integridade física qualificadas; 2 ofensas à integridade física simples; 2 crimes de abuso de cartão de garantia e um crime de sequestro), são graves e geradores de um forte sentimento de insegurança, porquanto trata-se de actuação em grupo, nalguns casos com utilização de facas e em transportes públicos, com o recurso à força para obter levantamentos com cartões bancários, concentrados no tempo entre 24 de Fevereiro a 2 de Junho de 2022, revelam um profundo desrespeito pelos valores de vida em sociedade e pelos valores protegidos pelas normas violadas, o que demonstra uma personalidade avessa ao direito e é demonstrativo de um elevado grau de culpa.

Acresce ainda que o arguido revela “personalidade difícil, com dificuldade em aceitar o estabelecimento de regras e limites impostos pela família”; não tinha “qualquer rotina estruturada, estava centrado no convívio com pares com condutas desviantes e criminais”; “consumia substâncias estupefacientes (haxixe)”; não “ter aproveitado as oportunidades disponibilizadas designadamente pela mãe”; revela “elevada imaturidade e pensamento inconsequente, que nos parece próprio da fase da adolescência” e apesar de reconhecer “em abstracto, o bem jurídico lesado, contudo demonstra reduzida capacidade de descentração, situação que eventualmente decorrente na imaturidade própria da idade”, beneficiando ainda de suporte familiar consistente.

Assim, tendo em conta que a pena única tem como limite mínimo 3 (três) anos e 6 (seis) meses e como limite máximo 28 anos de prisão, reduzido a 25 anos por força dos artigos 77º, nº 2 e 41º, nº 2 do Código Penal, a gravidade dos factos e todo este enquadramento ao nível da personalidade do arguido, apesar de o mesmo ser primário e ter apenas 19 anos, a pena única, que se situa bastante abaixo da mediana do cúmulo, mostra-se adequada e proporcional à sua culpa, satisfazendo as demais exigências de prevenção geral e especial, a qual se confirma.

Mantendo-se a pena única, fica prejudicada a reclamada suspensão de execução da pena por parte do arguido.

Em resumo, rejeita-se parcialmente o recurso e no mais confirma-se o acórdão recorrido.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 3ª Secção Criminal, em:

a. Rejeitar o recurso na parte referente à violação do princípio in dúbio pro reo, por inadmissibilidade legal;

b. No mais julgar improcedente o recurso e em consequência, confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC’s - artigo 513.º, n. º1 do Código de Processo Penal e artigo 8º n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).

Lisboa, 25 de Setembro de 2024.

Antero Luís (Relator)

Horácio Correia Pinto (1º Adjunto)

Lopes da Mota (2º Adjunto)

______________




1. Remete-se para a transcrição efetuada em sede de motivações de recurso “ - A sua postura em tribunal assumindo a maioria dos factos, embora alguns com contornos diferentes dos apurados, revelando arrependimento e pedindo desculpa às vítimas que prestaram depoimento na presença dos arguidos, arrependimento, porém que se afigurou, em certa medida, de circunstância (não evidenciou nenhum acto concreto de que traduzisse a sua vontade em ressarcir as vítimas), ficando o tribunal com dúvidas sobre se a razão do seu arrependimento foi efectivamente a interiorização do desvalor da sua conduta ou uma estratégia adoptada em julgamento para atenuar a sua pena, pois admitiu o cometimento desses crimes sem admitir que os mesmos eram premeditados, sem admitir que se juntava ao arguido NN para alcançar tais intentos (repetindo que não fazia parte de nenhum bando ou de nenhum grupo revelando ter consciência de que tal agravaria a moldura penal dos crimes de roubo praticados) e sem admitir ter falado em facas; (280)

  A ponderação da confissão de quase todos os crimes que lhe são imputados e do arrependimento verbalizado (pedindo desculpa às vítimas) também consta expressamente da decisão recorrida, pese embora as dúvidas sobre se se tratava de um verdadeiro arrependimento ou apenas uma estratégia processual. (286)

2. Neste sentido e por todos, ac. do STJ de 20/09/2006, proferido no Proc. Nº O6P2267.

3. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113.

4. Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995.

5. Acórdão do Plenário n.º 186/2013, de 4 de Abril de 2013, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130186.htm

6. Proc. 691/22.1JAPRT.S1 disponível em www.dgsi.pt

7. Proc. nº 202/05.3GBSXL.L1.S1, disponível em: www.dgsi.pt

8. Neste sentido também, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 421e segs.