CRIME DE ROUBO
VÍTIMA ESPECIALMENTE VULNERÁVEL
CRIMINALIDADE VIOLENTA
AMNISTIA E PERDÃO
Sumário

I - Pondo o artigo 7.º, alínea g), da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, o foco nas vítimas dos crimes, resulta que exclui do perdão e da amnistia «os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis …».
II - A vítima do crime de roubo do artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal é considerada uma vítima especialmente vulnerável, nos termos do disposto nos artigos 67.º-A, n.º 1, alínea b), e n.º 3 e 1.º, alíneas j) e l), do C.P.P.
III - O crime de roubo do artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal integra o conceito de criminalidade especialmente violenta, porque é punido com pena de prisão até 8 anos.
IV - Apesar de o crime de roubo do artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal não estar incluído no artigo 7.º, n.º 1, alínea b), subalínea i), da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, o seu agente não beneficia do perdão de pena consagrado na lei, porque integra a alínea g) do n.º 1 do mesmo artigo.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 4ª secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO

1.1. A decisão

No Processo Comum Colectivo nº 622/22.9PAMGR do Juízo Central Criminal de Leiria, foi submetido a julgamento o arguido

…, tendo sido decidido:

a) Julgar a acusação parcialmente improcedente e não provada e, consequentemente, absolvem o arguido … da prática de um dos crimes de roubo na forma consumada … e do crime de ofensa à integridade física simples porque vem acusado em concurso efectivo.

b) Julgar a acusação parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condenam o arguido … pela prática em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. no artº. 210º nº 1 do Cod. Penal: na pena de 3 anos de prisão, efectiva.

c) Nos termos do disposto no artº 110º nºs 1 e 4 do Cod. Penal, condenam o arguido no pagamento ao Estado da quantia de € 245 a título de perda de vantagem dos produtos provenientes do facto ilícito típico.

d) Mais condenam o arguido em 3 UCs de taxa de justiça, e nas custas e encargos do processo.

1.2.O recurso

1.2.1. Das conclusões do arguido

Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

 

2ª- O douto acórdão ora em crise não se encontra, salvo o devido respeito, devidamente fundamentada quanto à matéria de facto dada como provada, atento a que não fez total referência às declarações do arguido e depoimentos integrais do ofendido e testemunha, não satisfazendo a exigência resultante dos artºs. 127º e 374º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal (insuficiência da fundamentação e falta de exame crítico das provas), nulidade essa que se argui ao abrigo do artº. 379º, n.º. 1, al. a) e n.º 2 do Cód. Proc. Penal.

8ª- Mais, os Mmºs. Juízes a quo nada dizem no douto acórdão recorrido relativamente aos fundamentos fácticos concretos que levaram à determinação do número de anos de prisão.

9ª- No presente processo defrontam-se duas versões, que se podem resumir nos seguintes termos: o ofendido diz que o arguido o assaltou e o espancou, por sua vez o arguido nega terminantemente todos os factos que lhe são imputados, afirmando inclusive não conhecer o ofendido. Tendo o douto Tribunal dado credibilidade ao depoimento do ofendido, e como tal dado como provados os factos atento o modo como o ofendido os descreveu.

10ª- Ora, veja-se que ofendido referiu que se lembra da pessoa que o assaltou e após ter efetuado uma busca pelo Instagram, acabou por o reconhecer, ao fim de alguma procura do seu perfil, e que juntou a respetiva imagem/print aos autos, do autor do ilícito, referindo que no perfil tinha a alcunha …

12ª- Assim, atribuir a autoria pelo facto de o ofendido ter procurado no Instagram o perfil do assaltante e juntar a respetiva fotografia, não é de per si, o suficiente para, com a certeza processualmente exigível, formar uma convicção positiva.

13ª- A identificação do arguido através da pesquisa feita pelo próprio ofendido, por iniciativa própria e de forma autónoma, na rede social – Instagram, consubstancia um reconhecimento por fotografia que exige o reconhecimento presencial nos termos do artº. 147º do Cód. Proc. Penal, visando afastar que com a apresentação de fotografias estar a induzir em erro.

14ª- Porém, o certo é que o reconhecimento foi, efetuado mediante pesquisa no Instagram não se tratando, assim, de um ato de investigação por parte da OPC, porquanto foi efetuado com total autonomia pelo ofendido, …

15ª- Não se poderá concluir pela autoria dos factos por parte do arguido, apenas por ter sido efetuado o seu reconhecimento mediante pesquisa no Instagram, sem qualquer outro meio de prova que o sustente! Assim, é manifesto que esta diligência de reconhecimento prevista no artº. 147º do Cód. Proc. Penal seria obrigatória para se concluir pela autoria de um ilícito. Não o fazendo, violou o tribunal a quo o disposto no artº. 340º, n.º 1 do Cód. Proc. Penal, por não ter esgotado todas as diligências que entendia serem pertinentes ao cabal esclarecimento da verdade material.

19ª- Por outro lado, conforme suprarreferido, a versão do ofendido padece de variados vícios e exageros que deveriam ter determinado aos julgadores a, ao invés de aceitarem o seu depoimento questionar tal veracidade.

31ª- No que tange à violência, a que releva para o ilícito criminal referido é a propriamente dita, enquanto violência que utiliza força física e direta, isto é, apenas releva a praticamente sobre a vítima.

32ª- Já a ameaça não poderá afastar-se daquele que relevará para o ilícito criminal constante do art. 153º Cód. Penal. Sendo que deverá tratar-se de uma ameaça real e eminente, de um mal imediato e não futuro e terá de ser suficiente para provocar à vítima a incapacidade de resistir, não se tratando, por isso de meras afirmações como sejam “vai já para o teu carro e vai para casa que eu sei onde é a tua porta”, que, por muito sugestivas que sejam, não são, na verdade suficientes a provocar medo numa pessoa normal.

33ª- No que se refere à impossibilidade de resistir, o que está em causa é a privação da capacidade de movimentos da vítima.

38ª- Por outro lado, o recorrente não se conforma com a condenação, quer quanto à dosimetria da pena de prisão, é manifestamente exagerada, não tendo sido respeitados os princípios da adequação, da proporcionalidade e da ressocialização que norteiam a nossa política criminal, violando os artºs. 40º e 71º, todos do Cód. Penal, …

40ª- Por mera cautela e sem conceder, em face da redação dada ao artº 7º, nº 1, al. b) e nº 1, al. g) da Lei de Amnistia nº 38-A/23 de 02.08, visto o processo de discussão política que esteve na base da referida opção legislativa, resulta que o legislador quis que os condenados por crime de roubo [simples], p. e p. nos termos do disposto pelo nº 1 do artº 210º do Cód. Penal, beneficiassem da aplicação do perdão de pena ali previsto.

41ª- Pelo que, no concreto, deverá ser declarado o perdão parcial de 1 ano da pena de prisão aplicada ao arguido.

1.2.2 Da resposta do Ministério Público

Respondeu em 1ª instância o Ministério Público, defendendo a total improcedência do recurso, …

1.2.3. A Exmª Procuradora-Geral Adjunta teve vista do processo e emitiu o seguinte parecer :

1.2.4. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do C.P.P., o recorrente não acompanhou a argumentação expendida no parecer que antecede . Foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência.

II. OBJECTO DO RECURSO

De acordo com o disposto no artigo 412º do C.P.P. e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. 1ª série-A de 28/12/95, o objecto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respectiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Assim, examinadas as conclusões de recurso, são as seguintes as questões a conhecer :

- Nulidade do acórdão por falta de fundamentação;

- Nulidade do reconhecimento;

- vícios do artigo 410º, nº 2, als. a) e c) do C.P.P.;

- Erro de julgamento e violação do princípio in dubio pro reo;

- Verificação do crime de roubo;

- Medida da pena de prisão e seu cumprimento efectivo;

- Aplicação do perdão previsto na Lei nº 38-A/2023.

III. FUNDAMENTAÇÃO

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido na primeira instância (transcrição) :

a) Factos provados

b) Factos não provados


*

*


c) Fundamentação da Matéria de Facto


IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO

4.1.  Nulidade do acórdão por falta de fundamentação :

O recorrente invoca a nulidade do acórdão proferido em primeira instância, por insuficiência da fundamentação e falta de exame crítico das provas, argumentando que não revela como chegou à prova dos factos, antes se limitando a tecer considerações abstratas, e que o exame da prova é a análise de todas as provas, mesmo daquelas de que nada de útil se retirará. Acrescenta ainda que nada é dito no acórdão recorrido acerca dos fundamentos fácticos concretos que levaram à determinação do número de anos de prisão.

Estabelece o artigo 379º do C.P.P., sob a epígrafe «Nulidade da sentença», que:

«1 – É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º ou, (…);
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, for a dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Nos termos do nº 2 do artigo 374º do C.P.P., sob a epígrafe «Requisitos da sentença», «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.»

A fundamentação da sentença é uma exigência constitucional do artigo 205º da CRP, que estabelece : «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».

A necessidade de fundamentação das decisões judiciais destina-se a conferir força pública e inequívoca às mesmas e a permitir a sua impugnação (quando esta for susceptível de recurso).

Como ensina o Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Editorial Verbo 1993, Volume II, p. 16-17), «A fundamentação dos actos decisórios tem finalidades várias. Permite o controlo da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autocontrolo».

Ou, nas palavras de Gomes Canotilho, in Direito Constitucional, 4ª edição, Coimbra 1986, p. 589, «A exigência da motivação das sentenças exclui o carácter voluntarístico e subjectivo da actividade jurisdicional, possibilita o conhecimento da racionalidade e coerência da argumentação do juiz e permite às partes interessadas invocar perante as instâncias competentes os eventuais vícios e desvios dos juízes».

Resulta do nº 2 do artigo 374º do código de processo penal, que da fundamentação consta, antes de mais, a indicação dos factos provados e não provados. Após esta enumeração, deve seguir-se a exposição, completa, mas concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Estes requisitos da fundamentação estão em consonância com o que prescreve o artigo 368º, nº 2, do mesmo diploma legal, que prevê : « Em seguida, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber:

a) Se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime;

b) Se o arguido praticou o crime ou nele participou;

c) Se o arguido actuou com culpa; (…)».

E também com o que dispõe o artigo 339º, nº 4 do CPP que estabelece que a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação, os factos alegados pela defesa e os factos que resultarem da prova produzida em audiência, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368º e 369º, isto é, a questão da culpabilidade e a questão da determinação da sanção.

Aqueles «motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de forma determinada os diversos meios de prova apresentados em audiência (Marques Ferreira, in Meios de Prova, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1991, p. 229-230).

O que se pretende é que, especialmente os destinatários das decisões judiciais, possam compreender com clareza o porquê da decisão à luz das regras da experiência comum pertinentes, bem como das normas lógicas e científicas, e não a explanação exaustiva do processo psicológico que conduziu à convicção.

A fundamentação da matéria de facto, o exame crítico das provas, não exige que o juiz faça um resumo dos depoimentos prestados, uma assentada do que foi dito, ainda que de forma sintética.

Como se escreveu no Acórdão da Relação de Évora de 19/12/2019, processo 10/18.1GBFTR.E1, relatado por João Amaro, in www.dgsi.pt : «O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que, em tal exame crítico, estejam exteriorizadas as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. O que não se exige, na fundamentação da decisão fáctica (quer na enunciação das provas produzidas, quer no exame crítico das mesmas), é uma qualquer operação épica, em que o juiz tenha de expor, um a um, passo por passo, com inteiro detalhe, todo o seu percurso lógico dedutivo. Também não se exige ao juiz que, de forma exaustiva e meramente descritiva, referencie e analise todas as declarações e todos os depoimentos, e, depois disso, vá ainda, facto a facto, pormenor a pormenor, circunstância a circunstância, explicar onde foi retirar a prova de cada um deles».

Analisando o acórdão recorrido, nomeadamente a «fundamentação da matéria de facto» acima transcrita, podemos afirmar não assistir razão ao arguido.

Na verdade, a decisão recorrida afastou as declarações do arguido, explicitando que este negou a prática dos factos imputados, inclusivamente afirmando que nem sequer sabia quem era o ofendido, com base no que declarou o ofendido e no depoimento da testemunha AA, agente da PSP que procedeu a diligências de inquérito.

Além de que esclareceu porque conferiu credibilidade a estes depoimentos.

Deste modo, ao contrário do que declara o recorrente, o tribunal recorrido explanou as razões do descrédito da versão apresentada pelo arguido; afirmou que as declarações prestadas por este foram irrelevantes !

Em suma, não vislumbramos nesta parte qualquer nulidade .

No que respeita à determinação do número de anos de prisão, vemos que o tribunal recorrido fundamentou assim a pena concreta :

Ou seja, também aqui não se verifica a apontada nulidade .

 

4.2.  Nulidade do reconhecimento:

O recorrente defende que o seu reconhecimento foi efectuado mediante pesquisa no Instagram, não se tratando de um acto de investigação por parte do OPC, porquanto foi efectuado com total autonomia pelo ofendido, não tendo sido efectuada uma prova por reconhecimento nos termos do artigo 147º do C.P.P., a qual é obrigatória para se concluir pela autoria de um ilícito. Defende então estarmos perante um reconhecimento por fotografia que exige o reconhecimento presencial nos termos do artigo 147º do C.P.P., cuja omissão, dado ser essencial para a descoberta da verdade, constitui uma nulidade – cfr. os artigos 340º, nº 1 e 120º, nº 1, al. d) do C.P.P..

O artigo 147º do C.P.P., sob a epígrafe «Reconhecimento de pessoas», estabelece que:

«1 - Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.

2 - Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.

3 - Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efetivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.

4 - As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.º 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto.

5 - O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2.

6 - As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respetivo consentimento.

7 - O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.».

Este artigo regula três tipos de reconhecimento de pessoas :

No nº 1, regula o reconhecimento por descrição, que consiste em a pessoa descrever a pessoa a identificar, o mais pormenorizadamente que for possível, não existindo contacto visual entre a pessoa que faz a identificação e a pessoa a identificar .

Nos nºs 2 e 3 do artigo 147º está regulado o reconhecimento presencial, no qual participam, pelo menos, duas outras pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis com a pessoa a identificar.

Por último, no seu nº 5, o preceito regula o reconhecimento por fotografia, filme ou gravação, que é feito através da exibição de fotografias ou filme ou a passagem da gravação à pessoa que deve efectuar a identificação. Se a identificação for positiva, este tipo de reconhecimento só vale como meio de prova quando for seguido de reconhecimento presencial.

De acordo com o nº 7 do artigo 147º, o reconhecimento de pessoas que não tenha sido efectuado nos termos expostos, não vale como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.

A finalidade do processo penal não é a descoberta da verdade a qualquer custo, mas através dos meios processualmente admissíveis, ainda que isso possa conduzir, e muitas vezes conduzirá, à impossibilidade de acesso à verdade material.

Em conformidade, estabelece o artigo 32º, nº 8 da C.R.P. que: «São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações».

Por sua vez, o artigo 126º do C.P.P., sob a epígrafe «Métodos proibidos de prova», elencou nos seus nºs 1 e n.º 2 as chamadas «proibições absolutas», em relação às quais não há nenhuma possibilidade de cedência, e no nº 3 as denominadas «proibições relativas», relativamente às quais se admite a violação de direitos, se a lei a previr ou o respetivo titular nela consentir .

Entende o recorrente que a sua identificação ocorreu através do reconhecimento por fotografia – constante do seu Instagram e junta aos autos a fls. 35 pelo ofendido - , pelo que, para valer como meio de prova, deveria ter sido seguido de um reconhecimento presencial efectuado nos termos do nº 2 do atrás transcrito artigo 147º do C.P.P..

Incorre, porém, em confusão entre o reconhecimento, cuja disciplina consta do artigo 147º do C.P.P., e a mera identificação de alguém, em julgamento .

Desde logo, a «pesquisa» efectuada pelo ofendido no Instagram, a título particular, nunca pode ser encarada como um reconhecimento por fotografia, dado que não ocorreu no âmbito da investigação criminal . Mas mais.  

Subscrevendo aqui o acórdão da Relação do Porto de 19/2/2020, processo 9/17.5gaamt.P1, relatado por Elsa Paixão, in www.dgsi.pt, «Aqui chegados, importa dizer que a identificação do arguido por uma testemunha em audiência não configura um estrito ato de reconhecimento …, até porque já havia nos autos uma identificação por reconhecimento. Está em causa uma mera identificação que de comum com o referido reconhecimento apenas tem a – incorrecta - nomenclatura.

Ora, quando se trate, em audiência de julgamento, não de proceder ao “reconhecimento“ do arguido mas à identificação do mesmo pela testemunha como sendo o autor dos factos em discussão o que se valoriza é o depoimento da testemunha, apreciado nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal, e não a «prova por reconhecimento» a que alude o artigo 147.º do mesmo diploma.».

Na mesma linha, o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 425/2005, de 25/8/2005 (processo 452/05, publicado no D.R. nº 195, II Série, de 11/10/2005), distinguiu o reconhecimento propriamente dito, da atribuição de factos a determinada pessoa por parte de uma testemunha, da seguinte forma :

«… nada impede o Tribunal de "confrontar" uma testemunha com um determinado sujeito para aferir da consistência do juízo de imputação de factos quando não seja necessário proceder ao reconhecimento da pessoa, circunstância em que não haverá um autêntico reconhecimento, dissociado do relato da testemunha, e em que a individualização efectuada – não tem o valor de algo que não é: o de um reconhecimento da pessoa do arguido como correspondendo ao retrato mnemónico gravado na memória da testemunha e de cuja equivalência o tribunal, dentro do processo de apreciação crítica das provas, saia convencido. Diferente – mas que não ocorreu nos autos – é a situação processual que ocorre quando, pressuposta que seja a necessidade de reconhecimento da pessoa, tida como possível autora dos factos, se coloca o identificante na posição de ter de precisar, entre várias pessoas colocadas anonimamente na sua presença, quem é que corresponde ao retrato mnemónico por ele retido».

No caso, não se procedeu ao acto processual de reconhecimento, a esse meio de prova, que tem como pressuposto a indeterminação prévia do agente, mas antes à confirmação, pelo ofendido, de que o autor dos factos sob julgamento foi o arguido ali presente .

Deste modo, estamos perante prova testemunhal, e não prova por reconhecimento!

Assim, improcede a argumentação do recorrente a este propósito.

4.3.  Vícios do artigo 410º, nº 2, als. a) e c) do CPP : insuficiência para a decisão da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova:

Nesta linha, fácil é concluir que inexiste razão ao recorrente quando invoca o vício de erro notório na apreciação da prova !

4.4. Erro de julgamento e violação do princípio in dubio pro reo:

Como se adiantou no ponto anterior, discordando da forma como o tribunal recorrido apreciou a prova, o recorrente invoca o erro de julgamento da matéria de facto.

De acordo com o artigo 412º, nºs 3 e 4 do C.P.P.:

«3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
             4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.»

Neste caso, a apreciação do tribunal pressupõe a análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP.

É que o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento, com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida, na forma como apreciou a prova.

O recurso que impugna a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação de todos os elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão recorrida quanto àqueles pontos de facto.

Como se refere no Acórdão do S.T.J. de 27/4/2006, proferido no processo 06P120, relatado pelo Conselheiro João Bernardo, in www.dgsi.pt, «visou-se, manifestamente, evitar que o recorrente se limitasse a indicar vagamente a sua discordância no plano factual e a estribar-se probatoriamente em referências não situadas, porquanto, de outro modo, os recursos sobre a matéria de facto constituiriam um encargo tremendo sobre o tribunal de recurso, que teria praticamente em todos os casos de proceder a novo julgamento na sua totalidade. Terá, pois, de se ir para uma exigência rigorosa na aplicação destes preceitos».

Analisando, quer as conclusões, quer a motivação do recurso, verificamos que o recorrente não inseriu as menções aludidas na alínea a) transcrita supra.

Na verdade, em parte alguma o recorrente indica qual ou quais os factos provados é que se encontram, no seu entender, incorrectamente julgados, de forma a que este foro possa averiguar se lhe assiste razão, após análise das passagens dos depoimentos/declarações que transcreveu e mencionou por referência às respectivas gravações !

«O incumprimento das formalidades impostas pelo artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto pela via ampla. Mais do que uma penalização decorrente do incumprimento de um ónus, trata-se de uma real impossibilidade de conhecimento decorrente da deficiente interposição do recurso (…).

Este incumprimento das especificações prejudica o conhecimento do recurso em matéria de facto, deteriora a exequibilidade da sindicância da decisão de facto a um nível mais alargado, como se disse, pois o ónus de impugnação “concretos factos, concretas provas” visa viabilizar o próprio recurso de facto» – cfr. o Acórdão da Relação de Évora de 9/1/2018, processo 31/14.3gbftr.E1, relatado por Ana Barata Brito, in www.dgsi.pt.

Assim sendo, por falta de cumprimento do disposto no artigo 412º, nº 3, al. a) do C.P.P., está este tribunal de recurso impossibilitado de conhecer esta parte do recurso e, portanto, impedido de alterar a decisão recorrida no que respeita à matéria de facto por via do erro de julgamento.

Passa-se agora a conhecer se o tribunal recorrido violou o princípio in dubio pro reo :

Este princípio, enquanto corolário do principio da inocência do arguido, . é exclusivamente probatório e aplica-se quando o tribunal tem dúvidas razoáveis sobre a verdade de determinados factos, estabelecendo que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet

«A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados.

O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse princípio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo - e não os sujeitos processuais ou algum deles - chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido. (…)

Se na fundamentação da sentença oferecida pelo Tribunal, este não invoca qualquer dúvida insanável, ou, ao invés, se a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, com indicação clara e coerente das razões que fundaram a convicção do tribunal, inexiste lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo» - cfr. o acórdão desta Relação de 12/9/2018, processo 28/16.9ptctb.C1, relatado por Orlando Gonçalves, in www.dgsi.pt.

Revertendo ao caso dos autos, resulta da motivação da decisão de facto do acórdão recorrido que os julgadores se convenceram firmemente da factualidade que deram como provada, não lhes restando qualquer dúvida sobre a mesma. O que resulta do acórdão recorrido é um estado de certeza e não de incerteza.

Deste modo, inexiste fundamento para o pretendido recurso ao princípio in dubio pro reo, ficando, ao invés, afastada a sua violação pelo tribunal recorrido.

4.5. Verificação do crime de roubo:

O recorrente defende que os factos julgados no acórdão recorrido não integram o crime de roubo, mas no máximo um crime de furto simples, porquanto a sua actuação não pode ser considerada violenta, nem ameaçadora com perigo eminente, nem colocou a vítima na impossibilidade de resistir .

O recorrente foi condenado em primeira instância pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 do C.P., que estabelece :

«1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.».

São elementos típicos, em termos objectivos:

- uma acção de subtracção ou de constrangimento à entrega;

- de coisa móvel;

- alheia e com valor venal;

- por meio de violência, de ameaça ou colocação da vítima na impossibilidade de resistir.

Em termos subjectivos, estamos perante um tipo doloso, consistindo na ilegítima intenção de apropriação.

Estamos em face de um ilícito que ofende bens jurídicos patrimoniais (como o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis), e bem assim bens jurídicos pessoais (como a liberdade individual de decisão e de ação e a integridade física).

Afirma o recorrente que o «Tribunal a quo não poderia ter dado como provado que o arguido tenha usado força ou violência, nomeadamente , qual força e tipo de força».

Contudo, consta claramente da decisão recorrida que resultou provado que …

Nitidamente, o arguido exerceu violência sobre o ofendido ao empurrá-lo, provocando o seu embate com a testa e braço direito na parede, de tal modo que ele sofreu escoriações e uma equimose que demandaram 8 dias para cura !

Continua o recorrente, afirmando que «não se sabe e o Tribunal a quo também não explicita, o que quereria dizer “vai já para o teu carro e vai para casa que eu sei onde é a tua porta”».

Em primeiro lugar, a frase que foi proferida tem de ser analisada no seu contexto, e não de forma desgarrada . Ora, é preciso não esquecer que a afirmação em causa surge imediatamente depois de o arguido ter empurrado e provocado lesões no ofendido, de o ter amedrontado e de o ter desapossado do telemóvel e de dinheiro !

Neste quadro, a frase em questão é claramente ameaçadora, é idónea a provocar temor no visado . Aliás, o acórdão recorrido explicita que a ameaça pode ser explícita ou implícita, exemplificando esta última .

Seja como for, basta a existência de violência, tal qual foi exercida pelo arguido sobre o ofendido, para estarmos perante um crime de roubo, e não, como pretendia o recorrente, perante um mero crime de furto simples.

Assim, sem necessidade de mais explicações, improcede esta parte do recurso.

4.6. Medida da pena de prisão e seu cumprimento efectivo:

Tudo visto, decide-se manter o decidido quanto à pena concreta aplicada ao recorrente.

4.7. Aplicação do perdão previsto na Lei nº 38-A/2023 :

Em último lugar, o recorrente requer que seja declarado o perdão parcial de 1 ano de prisão previsto na mencionada lei.

Lendo o acórdão recorrido, verificamos que nele não se fez qualquer alusão à (in)aplicabilidade da Lei nº 38-A/2023, pelo que se pressupõe que o colectivo entende ser inaplicável, ao caso em apreço.

Vejamos :

No dia 1 de Setembro de 2023 entrou em vigor a Lei nº 38-A/2023, de 2/8, que veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (cfr. o seu artigo 1º).

Nos termos do artigo 2º, nº 1, «Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre os 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3º e 4º».

De acordo com o seu artigo 3º, nº 1, « Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos».

No nosso caso, vemos que à data da prática dos factos objecto do presente processo o arguido tinha 27 anos de idade, sendo que aqueles tiveram lugar antes de 19/6/2023,e a pena aplicada foi inferior a 8 anos de prisão.

Resta saber se o crime de roubo p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 do C.P. está, ou não, abrangido pelas excepções constantes do artigo 7º. Isto, na medida em que o seu nº 1, al. b) exclui do perdão (e da amnistia), no âmbito dos crimes contra o património, os condenados por roubo previsto no nº 2 do artigo 210º do C.P..

De acordo com Pedro Brito, in  «Notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude», Revista JULGAR Online, Agosto de 2013, p. 30, «o facto de um crime não constar no elenco daqueles que, por si só, determinam a exclusão das medidas estabelecidas na Lei em análise, não impede que o respetivo agente possa, ainda assim, não beneficiar destas por força das demais exceções igualmente previstas (…) o certo é que a vítima daquele será sempre uma vítima especialmente vulnerável , pelo que o seu agente também não poderá beneficiar do perdão de pena aplicada por tal crime por força do nº 1, al. g), do preceito em análise … o crime de roubo … integra o conceito de criminalidade especialmente violenta (cfr. artº 1º, al. l) do C.P.P.). Na verdade, o crime de roubo traduz-se numa conduta dolosa dirigida contra, pelo menos, a integridade física da pessoa que é vítima do assalto, sendo a violência típica do roubo a violência específica do ato apropriativo, sob a forma de emprego de força física, maior ou menor, pelo que sempre terá que se considerar verificado o requisito que determina a sua integração em tal conceito».

Nesta matéria, verifica-se grande divisão na Jurisprudência, de que nos dá nota o saudoso Desembargador Cruz Bucho, no seu Estudo «Amnistia e perdão (Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto) : Seis meses depois (elementos de estudo)», disponível in www.trg.pt. :

A favor da exclusão do crime de roubo simples do perdão de penas, além dos acórdãos ali citados - da Relação de Lisboa de 28/11/2023, processo 7102/18.5p8lsb-A.L1-5, relatado por Luísa Maria da Rocha Oliveira Alvoeiro, da Relação de Lisboa de 14/12/2023, processo 27/22.1pjlrs-B.L1, relatado por Sandra Ferreira, da Relação do Porto de 10/1/2024, processo 485/20.9t8vcd.P2, relatado por Francisco Mota Ribeiro, da Relação do Porto de 17/1/2024, processo 379/19.0pavfr.P2, relatado por Maria dos Prazeres Silva, da Relação de Guimarães de 23/1/2024, processo 5310/19.0japrt-AI.G1, relatado por Isilda Pinho, da Relação de Lisboa de 23/1/2024, processo 2913/18.4pblsb.L2-5, relatado por Ester Pacheco dos Santos, da Relação de Guimarães de 20/2/2024, processo 135/22.9pbvct. G1, relatado por Pedro Freitas Pinto, da Relação de Guimarães de 20/2/2024, processo 546/21.7gavnf.G1, relatado por Bráulio Martins, da Relação de Lisboa de 20/2/2024, processo 286/22.0sylsb.L2-5, relatado por Luísa Maria da Rocha Oliveira Alvoeiro –, foram proferidos os seguintes :

- da Relação de Évora de 20/2/2024, processo 22/19.8gbtmr-A.E1, relatado por Moreira das Neves;

- da Relação de Évora de 4/6/2024, processo 170/22.7patvr.E1, relatado por Margarida Bacelar;

- da Relação de Lisboa de 7/5/2024, processo 660/13.2gdalm-A.L1-5, relatado por Carla Francisco;

- da Relação de Lisboa de 19/3/2024, processo 846/12.7gacsc.L1-5, relatado por João António Filipe Ferreira;

- da Relação de Lisboa de 8/5/2024, processo 31/05.4pdlrs-B.L1-3, relatado por Adelina Barradas de Oliveira;

- da Relação de Lisboa de 21/3/2024, processo 445/15.1pclra-B.L1-9, relatado por Carla Carecho.

Contra a exclusão do crime de roubo previsto no nº 1 do artigo 210º do C.P. do perdão de penas, além do rol incluído no Estudo atrás referido – da Relação de Lisboa de 6/12/2023, processo 2436/03.6pulsb-D.L1-3, relatado por Hermengarda do Valle-Frias, da Relação de Guimarães de 23/1/2024, processo 1153/16.1pcbrg-B.G1, relatado por Florbela Sebastião e Silva, da Relação de Lisboa de 23/1/2024, processo 179/04.2pblsb-A.L1-5, relatado por Maria José Machado, e da Relação do Porto de 24/1/2024, processo 614/15.4gbagd-C.P1, relatado por Pedro Afonso Lucas – ainda foram proferidos os seguintes acórdãos :

- da Relação do Porto de 8/5/2024, processo 284/21.0pjprt.P1, relatado por Pedro Afonso Lucas;

- da Relação de Lisboa de 11/4/2024, processo 167/19.4polsb-A.L1-9, relatado por Maria João Lopes.

 Aderimos à primeira posição exposta, dado que o artigo 7º, al. g) da Lei nº 38-A/2023, pondo o foco nas vítimas dos crimes, exclui do perdão e da amnistia previstos na lei «os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do art.º 67º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de fevereiro».

Ora, a vítima do crime de roubo previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1 do C.P. é considerada uma vítima especialmente vulnerável, pois nos termos do disposto no artigo 67º-A, nº 1, al. b) do C.P.P., considera-se «Vítima especialmente vulnerável, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social» e prevê o nº 3 que «as vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1».

Há, então, uma remissão para o artigo 1º, als. j) e l) do C.P.P., que consideram como «Criminalidade violenta as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos» e como «Criminalidade especialmente violenta as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos».

Dado que o crime de roubo previsto no artigo 210º, nº 1 do C.P. é punido com uma pena de prisão até 8 anos, o mesmo integra claramente o conceito de criminalidade especialmente violenta.

Assim, não obstante a situação em apreço não se mostrar incluída no artigo 7º, nº 1, al. b), subalínea i)., a mesma integra a alínea g) do nº 1 do mesmo artigo, razão pela qual o seu agente não poderá beneficiar do perdão da pena aplicada pelo crime de roubo.

Neste sentido, temos o Estudo, supra referido, do Desembargador Cruz Bucho, que sintetiza esta posição do seguinte modo :

«Afigura-se-me, pois, que as causas de exclusão funcionam independentemente umas das outras, são autónomas entre si, não existindo qualquer relação de subsidiariedade entre elas.

Para além das restrições temporal e etária constantes do artigo 1.º, dos limites impostos pelas penas aplicáveis relativamente aos crimes amnistiáveis (artigo 4.º) e, no que se refere ao perdão, dos limites das penas aplicadas de prisão (artigo 3.º n.º1) e de multa (artigo 3.º n.º 2 alínea a), o legislador estabeleceu no artigo 7.º uma completa e complexa teia de excepções, tudo com o claro propósito de apenas outorgar o benefício da amnistia a bagatelas penais e ainda aqui com excepções e de excluir o perdão de 1 ano de prisão relativamente a certos crimes graves que repugnam à consciência colectiva ou de o excluir por outras razões de política criminal, atendendo nomeadamente às necessidades de prevenção geral (como é patente, v.g., no que concerne ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas)».

Nestes termos, bem andou o tribunal recorrido em não ter aplicado o perdão consagrado na Lei nº 38-A/2023 à pena aplicada ao recorrente .

V. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos:

Julga-se totalmente improcedente o recurso interposto, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs (cfr. o artigo 513º do C.P.P. e artigo 8º do RCP e tabela III anexa).

Coimbra, 9 de Outubro de 2024


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(Helena Lamas - relatora)



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Voto vencida, em harmonia com a posição que defendi no âmbito do processo nº76/22.0GBPCV.C1.

O acórdão recorrido foi proferido em 06-02-2024 [referência 106247341].

A Lei nº38-A/2023, de 02-08, entrou em vigor em 01-09-2023.

Resultando do mesmo que os factos imputados ao arguido ocorreram antes de 19-06-2023 e que, à data dos mesmos, o arguido tinha 27 anos de idade, o Tribunal a quo teria, necessariamente, que se pronunciar sobre a aplicação da lei em causa.

Não o tendo feito, não pode concluir-se que expressou, dessa forma, o entendimento de que a mesma não é aplicável ao caso dos autos.

Estamos, salvo melhor opinião, em presença de uma omissão de pronúncia relevante, a qual consubstancia a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379º nº1 alínea c) do Código de Processo Penal, a qual, é de conhecimento oficioso (nº2) e insuscetível de ser reparada por este Tribunal de Recurso, sob pena de violação do duplo grau de jurisdição exigido pelo artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

Assim, entendo que deveria ser declara a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia e, em consequência, determinar-se a baixa dos autos à primeira instância para que aí fosse proferido novo acórdão que suprisse tal omissão, depois de reaberta a audiência para que ali fosse exercido o contraditório.


Maria de Fátima Sanches Calvo


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(Rosa Pinto)