DECISÃO DE AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
FUNDAMENTAÇÃO
ART.410º
Nº2
DO CPP
REENVIO
Sumário

- As exigências de fundamentação da decisão da autoridade administrativa devem ser menos profundas do que as relativas aos processos criminais não se podendo transformar as decisões das autoridades administrativas em verdadeiras sentenças criminais, uma vez que nos encontramos no domínio de uma fase administrativa, sujeita às características da celeridade e simplicidade processual, pelo que o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal.
- A existência dos vícios previstos no art. 410º, nº2, do Cód. Proc. Penal, pode ser suprida pelo Tribunal de recurso, se o mesmo dispuser de todos os elementos para tal.
Não sendo o caso, para suprir os mencionados vícios o Tribunal da Relação teria que proceder, pelo menos, à reapreciação completa da prova e tomar uma decisão totalmente nova. E não é essa a função do recurso, o qual se destina a corrigir erros concretos e não a repetir julgamentos.
Assim, o processo será reenviado para novo julgamento, nos termos previstos no art.426º, nº1, do Cód. Proc. Penal.

Texto Integral

Acórdão deliberado em Conferência
1. Relatório
1.1 Decisão recorrida
Por decisão administrativa foi o recorrente AA condenado, pela prática de três contraordenações (p. e p. pelo artigo 31º, nº 1, al. l) do Decreto-Lei n.º 107/2009, de 15 de maio, p. e p. artigo 31º, n.º 3, al. q) do Decreto-Lei n.º 107/2009, de 15 de maio e p. e. p pelo artigo 81º, nº 3, al. a), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio), nas coimas de, respetivamente, 200,00 €, 12.000,00 € e 12.000,00 €. Em cúmulo jurídico foi condenado na coima única de 15.000,00 € e na sanção acessória de demolição das obras realizadas. A execução da coima foi suspensa, pelo prazo de 1 ano, sujeita à condição de demolição das obras, submissão do pedido de utilização dos recursos hídricos e regularização da plataforma flutuante.
O recorrente procedeu à impugnação judicial da decisão.
Por sentença de 16 de abril de 2024, foi julgada improcedente a mencionada impugnação judicial, sendo mantida a decisão proferida pela entidade administrativa.
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1.2 Recurso
Inconformado com tal decisão, o recorrente interpôs recurso formulando, em síntese, as seguintes conclusões (resumo nosso):
- Violação dos princípios da imediação e da concentração – arts. 328º, nº 6 e 371º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal
A sentença inicialmente proferida nestes autos foi revogada por este Tribunal da Relação e, nessa sequência, o tribunal da primeira instância, ao contrário do requerido pelo arguido, proferiu nova decisão (a ora recorrida) sem reabrir a audiência para renovação da prova, designadamente sobre a matéria que não foi objeto de pronuncia. Tal, dado o lapso de tempo entretanto decorrido, violou os princípios da imediação e da concentração
- Omissão e excesso de pronúncia
Foi suscitada a questão da inconstitucionalidade do art. 30º, nº1, da LQCA, a propósito do qual o tribunal recorrido, afirmou que o requerente «não explicita qual o segmento da norma ou concreta interpretação normativa que em concreto tenha sido aplicada na decisão da autoridade administrativa, que esteja em conflito com os elencados princípios constitucionais que entende terem sido postergados”, motivo pelo qual, e invocando «não se nos afigura que, com a concreta configuração expendida no recurso, possam ser julgadas procedentes, tendo em conta a Jurisprudência do Tribunal Constitucional”, não a apreciou. Tal não corresponde à realidade pois, por um lado foi invocado que «A norma constante do artigo 30.º, 1 da LQCA, interpretada no sentido de que, sendo o Arguido condenado na prática de uma contraordenação grave ou muito grave, deve ser igualmente condenado, por mera decorrência daquela primeira condenação, em sanção acessória, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 30.º, n.º 4, da Constituição» e, ainda que assim não tivesse sido, sempre o tribunal recorrido estaria obrigado a apreciar a questão concretamente suscitada.
Foram também suscitadas as questões: da omissão dos factos objetivos e subjetivos que tipificam as contraordenações em causa, da falta de fundamentação das coimas concretas aplicadas e da coima aplicada em cúmulo jurídico, da atenuação especial das coimas parcelares e única, sem que o tribunal recorrido se tenha pronunciado de modo concreto e fundamenado sobre elas.
O tribunal pronunciou-se sobre questão não suscitada – admoestação – o que se traduz num excesso de pronuncia.
- Falta/insuficiência de fundamentação
A sentença recorrida não se mostra devidamente fundamentada na medida em que se limita a concluir, sem qualquer concretização, que os factos que preenchem os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito se mostram demonstrados. E, mesmo relativamente aos factos aditados na sentença ora recorrida (e que não constavam da anterior, revogada), não foram alvo de qualquer nova apreciação justificativa por parte do tribunal recorrido. Assim, atento o disposto no art. 374º, nº2 e 379º, nº1, al.a), a sentença é nula.
- Contradição entre os factos provado e entre estes e a fundamentação – art. 410º, nº2, al.b)
Verifica-se uma total incongruência, quer na matéria de facto dada como provada existindo factos de existência incompatível, designadamente os respeitantes à culpa (não decorre da matéria de facto assente, com clareza, se o arguido agiu com dolo ou com negligência), quer na fundamentação.
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
A matéria de facto provada mostra-se insuficiente para a sua subsunção ao tipo objetivo dos ilícitos em causa pois dela não constam factos de onde possa resultar que o terreno do arguido se mostre inserido em zona reservada, que a vedação instalada impeça a livre circulação em torno da albufeira nem que o arguido tenha efetivamente usado os recursos hídricos em causa (já que a mera construção das infraestruturas necessárias não implica esse uso). Por outro lado, da matéria assente não constam factos dos quais resulte a invocada negligência do arguido, não sendo indicado o concreto dever de cuidado que impendia sobre o arguido, nem a forma como o mesmo foi violado, nem sequer a forma como o arguido poderia agir de acordo com esse mesmo dever.
Tais vícios geram a nulidade da sentença proferida nos termos previstos no art. 410º, nº2, al.a), do Cód. Proc. Penal.
- Erro notório na apreciação da prova
Tal vício resulta manifesto já que o tribunal recorrido, para prova dos factos constantes dos pontos 5 e 6 da matéria de facto provada (que o terreno do arguido se encontra inserido na zona reservada do Plano de Ordenamento da Albufeira de … e que o arguido não era titular de qualquer tipo de título para edificar a referida vedação) atendeu unicamente ao auto de notícia, o qual é insuscetível de comprovar tais factos. Tal constitui o vício previsto no art. 410º, nº2, al.c), do Cód. Proc. Penal, o qual determina a nulidade da sentença.
- Atenuação especial
Subsidiariamente, a entender-se que os supra indicados vícios não ocorrem, entende que se mostram verificados os pressupostos materiais da atenuação especial, pelo que a coima relativa à primeira contraordenação deve ser fixada em 100,00 € e as demais em 5.000,00 €, cada uma. E, em cúmulo jurídico, a coima única deve ser fixada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, no mínimo legal, ou seja, 5.000,00 €.
1.3 - Resposta/Parecer
O Ministério Público junto do tribunal recorrido apresentou resposta na qual defendeu não se verificarem os vícios suscitados pelo recorrente motivo pelo qual a sentença recorrida deve ser mantida.
O Exmo. Sr. Procurador Geral Ajunto junto deste Tribunal da Relação apôs o seu Visto nos autos.
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2. Questões a decidir no recurso
São as seguintes, as questões a decidir (as quais serão apreciadas pela ordem aqui indicada, por se considerar ser essa a mais adequada ao caso concreto):
a) Questão prévia: violação dos princípios da imediação e da concentração;
b) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
c) Contradição Insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
d) Erro notório na apreciação da prova;
e) Falta/Insuficiência de fundamentação;
f) Omissão e excesso de pronúncia;
g) Atenuação especial.
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3. Fundamentação
A decisão recorrida tem o seguinte teor:
“AA, notificado do conteúdo da decisão condenatória, que lhe aplicou a coima única de€ 15.000,00 (quinze mil euros), custas no montante de € 150,00 (cento e cinquenta euros) e sanções acessórias, pela prática de 3 (três) contra-ordenações não se conformando com a mesma, veio nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 590 e ss. do Regime Geral das Contra. Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n. O 433/82, de 27 de Outubro, com a redação que lhe foi dada pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro aplicável ex vi art. 2° nº1 da Lei Quadro das Contra - ordenações Ambientais deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
Alegou, em síntese, que:
A.A Decisão por omite factos relativos aos tipo objetivos e subjetivos dos ilícitos imputados, por falta de fundamentação e por ausência de qualquer conduta negligente por banda do Arguido, o que consubstancia uma violação, nomeadamente, das normas ínsitas nos artigos1º, 2°, 13°, 18°, 24°, 29° n.os 1,3, 4 e 5 e 32° nº 1O todos da CRP, artigos 2°, 8°, 18°, 19°, 41º, 43°, 50° e 58°todos do RGCO, arts. 3°, 12°, 13°, 14°, 15° e 31° nº 1, alínea 1) e 3, alínea q), todos do DL n. O 107/2009, de 15 de maio, artigo 81°, nº 3, alínea a) do Decreto-Lei n.0 226-A/2007, de 31 de maio, artigo 4° da Lei n. O 58/2005, de 29 de dezembto, artigo 14.0 do Código Penal ('CCP"), artigos 119°, nº 1, 122°, nº 1, 283°, nº3, alínea b) e 379°, nº 1, alínea a), todos do Código de Processo Penal ("CPP"), devendo a mesma ser declarada nula, ou caso assim não se entenda, deverá, em qualquer caso, o Arguido ser absolvido das infrações imputadas.
B. A imputação de qualquer tipo negligente supõe a verificação de três pressupostos cumulativos, mormente (i) existência de deveres de cuidado, ao cumprimento dos quais esteia o agente individualmente obrigado (da:::lo normativo); (ii) A desatenção ou quebra dos mesmos deveres de cuidado (dado objetivo), reportada ao caso concreto e com reflexo determinante na causa do resultado típico; e (iii) A exigibilidade do cumprimento dos deveres de cuidado, reportada às circunstâncias do caso concreto e segundo a medida do poder individual do agente (exigibilidade individual concreta).
C. Ora, dos factos considerados como provados na Decisão não consta qualquer um que indicie a pretensa negligência revelada pelo Arguido. Ou seja, é completamente omissa quanto ao concreto dever de cuidado que impendia sobre o Recorrente, sendo, de igual forma, completamente omissa quanto à forma como o mesmo foi concretamente violado e, por último, é omissa quanto à possibilidade de o Arguido, atentas as circunstâncias do caso, agir de acordo com tal concreto dever de cuidado, não se evidenciando ainda a imputação de qual dos tipos subjetivos se faz, dolo ou negligência.
D. Donde, a Decisão é nula, nos termos e com os efeitos do disposto nos artigos 32° e 41º, nº 1 do RGCO, conjugado com o artigo 15° do Código Penal e artigos 119°, nº 1, 283°, nº 3, alínea b) e 122°, nº 1, todos do Código d€ Processo Penal, que se argui para todos os devidos e legais efeitos.
E. Ademais, a Decisão impugnada não cumpre os requisitos previstos no artigo 58° do RGCO, mormente os que impõem a indicação das provas obtidas, delas fazendo uma análise devidamente ponderada, ainda que essa fundamentação seja concisa, e alinhar as razões pelas quais não considerou dar provimento ao alegado pelo Arguido na defesa.
F. Assim, considerado a falta de indicação das provas que permitam compreender a razão subjacente à condenação - fundamentação - e as razões pelas quais desconsiderou, por completo, a defesa do Arguido, impõe- se a nulidade da decisão recorrida, por força do disposto no artigo 202°, da CRP, artigos 97°, nº 4, e 283° todos do CPP, aplicáveis ex vi art. 41° do RGCO e artigo 58° deste último diploma, nulidade que se deixa desde iá arguida, nos temos e com as consequências legais.
G, Por outro lado, a APA não fundamentou minimamente as razões subjacentes ao quantum das coimas parcelares, apenas fazendo alusão aos parâmetros legais sem qualquer correspondência ao caso e concreto e, ademais, nenhum fundamento é alinhado para fixar a coima em cúmulo jurídico.
H. Donde, e considerado as apontadas omissões e a falta de exame crítico das provas que permitam compreender o inter cognitivo subjacente à condenação, impõe-se a nulidade da decisão recorrida, por força do dispostn no artigo 202°, da CRP, artigos 97°, nº 4, e 283° todos do CPP, aplicáveis ex vi art. 41° do RGCO e artigo 58° deste último diploma, nulidade que se deixa desde já arguida, nos temos e com as consequências legais.
1. A norma constante do artigo 30°, nº 1 da LOCA, interpretada no sentido de que, sendo o Arguido condenada na prática de uma contra-ordenação grave ou muito grave, deve ser igualmente condenado, por mera decorrência daquela primeira condenação, em sanção acessória, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18°, nº 2 e 3°, nº 4, da Constituição, inconstitucionalidade que se deixa desde já arguida para todos os efeitos legais.
J. Com efeito, não se encontram na Decisão em crise quaisquer elementos em que se possa basear a aplicação, ao Arguido, das sanções acessórias aqui em causa, inculcando a ideia de que, pelo contrário - e ao arrepio das exigências que vimos escalpelizando - a aplicação dessa sanção se processa de forma automática, apenas e tão-somente porque foi praticada uma contraordenação grave ou muito grave.
K. Donde, a Decisão é nula, nos termos do disposto nos artigos 30°, nº 1 da LOCA, conjugado com os artigos 283°, nº 3, 374°, n°2 e 379°, nº 1, alínea a) e 122° nº 1, todos do CPP.
L. Como factos subsumíveis ao tipo objetivo p. e. p. pelo artigo 31º, nº 2, alínea v) do DL 107/2009, de 15 de maio (instalação, em zona reservada, de vedações, que impeçam ou possam impedir a livre circulação em torno da albufeira), o Arguido teria (i) instalar, em zona reservada, de qualquer vedação, que (ii) impeça ou possa impedir a livre circulação em torno da albufeira ou do plano de água, ou impedir o livre acesso à água.
M. Compulsada tal matéria de facto, resulta à saciedade que a mesma é insuficiente para a sua subsunção ao tipo objetivo do ilícito em apreço.
N. Em primeiro lugar, nenhuma prova é feita que demonstre que o terreno da propriedade do Arguido esteja inserido numa zona reservada, não sendo manifestamente suficiente a sua prova através de auto notícia ou conhecimento da APA. Isto é, que esteja enquadrado nas zonas classificadas nos termos e para os efeitos dos artigos 3° alínea v) e 12° a 15° todos do DL107 / 2009, de 15 de maio.
O. Em segundo lugar, é certo que o Arguido, em sede de defesa administrativa, informou que após a limpeza do seu terreno, colocou uma vedação, fê-lo na convicção de que poderia colocar a mesma sem qualquer tipo de licenciamento, de forma perpendicular e um portão.
P. Em terceiro lugar, os Guardas da GNR que se deslocaram ao local, apesar de terem vislumbrado a edificação da vedação, nenhuma objeção suscitaram, isto é, não transmitiram ao Arguido que estaria em infração - Epicamente os OPC informam a existência de infração no momento da sua verificação e, o que consolidou a convicção do Arguido quanto à inexistência de qualquer ilícito.
Q Apesar disso, a vedação existente, pelas suas características, não impede a livre circulação em torno da albufeira ou do plano de água, ou impedir o livre acesso à água, o que também não ficou provado, apenas se provou que o Arguido tinha essa "intenção" .
R. Por outro lado, contrariamente à tese sufragada pela APA, o erro do Arguido era genuíno, relevando especialmente o facto de na zona do seu terreno existirem edificações semelhantes há vários anos, sem que haja notícia de procedimentos despoletados pela APA ou outras entidades públicas destinadas a obrigar os proprietários a procederem à sua remoção, devendo, pois, o arguido ser absolvido do ilícito pelo qual vem acusado (vd. art. 9.0 do RGCO).
S.O terreno do Arguido não se encontra inserido em zona classificada como reservada, na aceção dos artigos 3°, alínea v) e 12° a 15°, todos do DL 107/2009, de 15 de maio. Logo, não está sujeito à norma proibitiva da alínea e) do nº 3 do art. 31° do mesmo Diploma.
T. Ademais, a construção do muro teve como único propósito a colocação do ramal de eletricidade e foi uma exigência da EDP distribuição, sujeita a autorização, que foi concedida, quando o Arguido apenas solicitou eletricidade para poder ter acesso à água no terreno através da um sistema de rega (rega de horta e árvores e combate a incêndio),
U. Antes da construção do muro, o Arguido submeteu, a 27/01/2020 (antes das ações de fiscalização), no SILIAMB (plataforma on-line da APA) um pedido para captação de águas, ao qual nunca obteve resposta (cf. does. junto com a defesa administrativa). Neste pedido, o Arguido informou que a intenção era colocar uma bomba no interior da Albufeira e assim utilizar a água a até à presente data não foi notificado de qualquer decisão que sobre ele tenha recaído.
V.Neste quadro, agiu o Arguido com a genuína convicção de que estaria a atuar de acordo com a legalidade, com fins nobres e sem que com isso prejudicasse a zona circundante do seu terreno (vd. art. 9° nº 1 do RGCO).
W.A norma da alinea a) do nº 3 do art. 81° do DL 226-A/2007, de 31 de maio, pressupõe a utilização dos recursos hídricos sem que o utilizador seja titular de um título habilitante.
X.A APA entende que a construção de muro, quer a instalação de infraestruturas para captação de águas da albufeira, em zona reservada, quer a instalação da plataforma flutuante no plano de água, constituem comportamentos enquadráveis na aludida norma. Todavia,
Y.Nenhum deles pressupõe o uso efetivo dos recursos hídricos, não se enquadrando nas várias definições previstas no art. 4° do DL n.0 58/2005, de29 de dezembro, conforme remissão operada pelo art. 1°do DL 226A/2007, de 31 de maio.
Z, Se se aceita que a utilização de água da albufeira constitui um at sujeito à obtenção de título (utilização de recursos hídricos), a verdade é que não ficou provado que o Arguido procedia à utilização efetiva de água da albufeira, apenas que tem construído as infraestruturas para o efeito (vd. facto provado 12- pág. 17).
Por outro lado, em dezembro de 2019, o Arguido submeteu, no SILIAMB, um pedido de informação prévia para a instalação e uso de plataforma flutuante, mas nunca obteve qualquer resposta da APA e num raio de 300 metros, existem, pelo menos, mais 6 (seis) plataformas, com diferentes dimensões, assim reforçando a convicção do Arguido na instalação e utilização da sua, mesmo sem ter tido resposta da APA (vd. art. 9°, nº 1, do RGCO).
Em suma, a factualidade considerada como provada é insuficiente para imputar os tipos de ilícitos pelos quais vem acusado, impondo-se, naturalmente, a sua absolvição.
cc. Subsidiariamente, estando reunidos os pressupostos materiais da atenuação especial da coima, nos termos do artigo 23°-B da LOCA, os limites mínimos e máximos das coimas devem ser reduzidos para€ 100,00 (200/2) e€ 1000 (2000/2), em relação à primeira, e relativamente às demais € 5000 (1O 000/2) e€ 50 000 (€ 100 000/2).
DO. Com efeito, usando a metodologia da APA, a primeira infração deverá ser sancionada com a coima de € 100,00 e a restantes o montante de € 5.000,00, por cada uma (2).
EE. Ademais, nos termos do art. 27° da LOCA, atento o tempo decorrido deste a prática das infrações (mais de 3 anos) e à circunstância de o Arguido ter atuado em erro, a coima única deverá fixar-se em€ 5.000,00.
Conclui peticionando que seja a decisão impugnada declarada nula: i. por omissão dos factos suscetíveis de serem subsumidos aos tipos objetivos e subjetivos dos tipos imputados; ii. Por ausência de indicação das provas que permitam compreender a razão subjacente à condenação, bem como as razões pelas quais se fundamenta as coimas parcelares aplicadas, as sanções acessórias e o cúmulo jurídico e ser integralmente absolvido das infrações que lhe são imputadas. Subsidiariamente, caso o Arguido venha a ser condenado, deverão as coimas ser especialmente atenuadas, nos termos do art.23°
A, nº 2, alínea a), da LQCA, fixando-se o montante das coimas parcelas em€ 100,00, em relação à primeira e € 5.000,00 por cada uma das restantes 2, e a coima única, em cúmulo, em€ 5.000,00, nos termos do art. 23°-B, daquele diploma.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento com observância das legais, com observância do legal formalismo.
Não há excepções ou questões prévias que cumpra conhecer.
Cumpre apreciar as invocadas nulidades.
A primeira das nulidades invocadas consiste na omissão de factos relativos aos tipo objetivos e subjetivos dos ilícitos imputados, por falta de fundamentação, na óptica do recorrente consubstancia uma violação, nomeadamente, das normas ínsitas nos artigos1º, 2°, 13°, 18°, 24°, 29° n.os 1, 3, 4 e 5 e 32° nº 1O todos da CRP, artigos 2°, 8°, 18°, 19°, 41º, 43°, 50° e 58° todos do RGCO, arts. 3°, 12°, 13°, 14°, 15° e 31° nº 1, alínea 1) e 3, alínea q), todos do DL n. O 107/2009, de 15 de maio, artigo 81°, nº 3, alínea a) do Decreto-Lei n.0 226-A/2007, de 31 de maio, artigo 4° da Lei n. O 58/2005, de 29 de Dezembro, artigo 14.0 do Código Penal ('CCP"), artigos 119°, nº 1, 122°, nº 1, 283°, nº3, alínea b) e 379°, nº 1, alínea a), todos do Código de Processo Penal.
Sustenta o recorrente que, dos factos considerados como provados na Decisão não consta qualquer um que indicie a pretensa negligência revelada pelo Arguido, sendo completamente omissa quanto ao concreto dever de cuidado que impendia sobre o Recorrente, sendo, de igual forma, completamente omissa quanto à forma como o mesmo foi concretamente violado e, por último, é omissa quanto à possibilidade de o Arguido, atentas as circunstâncias do caso, agir de acordo com tal concreto dever de cuidado, não se evidenciando ainda a imputação de qual dos tipos subjetivos se faz, dolo ou negligência.
Conclui que a Decisão é nula, nos termos e com os efeitos do disposto nos artigos 32° e 41º, nº 1 do RGCO, conjugado com o artigo 15° do Código Penal e artigos 119°, nº 1, 283°, nº 3, alínea b) e 122°, nº 1, todos do Código d€ Processo Penal.
No que concerne à invocada nulidade da decisão administrativa.
Prescreve o art. 58º nº1 b) do RGCOC que: "A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) identificação dos factos imputados com indicação das provas obtidas; b) Indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão".
Este artigo tem suscitado algumas divergências. Para Beça Pereira ( RGCOC pag.113 ) a inobservância de algum dos requisitos estabelecidos neste artigo, nomeadamente no seu n°1, não é sancionada com nulidade.
Assim, neste caso, nos termos dos art.s 118° nº1 e 123° do CPP apenas poderá existir uma irregularidade e será segundo as regras deste instituto que se apurará da possibilidade de aproveitamento (ou não) do processado desde a decisão administrativa (inclusive).
Mais afirma o mesmo autor que não se afigura como correcto aplicar, subsidiariamente, o disposto no art. 379° do CPP (nulidades da sentença) uma vez que, se o arguido interpuser recurso da decisão condenatória, esta, nos termos do art.62° nº1 converte-se em acusação.
Também, acrescenta, não se afigura como correcto aplicar, subsidiariamente, o disposto no art. 283° n°3 do CPP (nulidades da acusação) uma vez que, se não for interposto recurso da decisão condenatória, esta não se converte em acusação.
Mais adianta que, a haver um regime de nulidades aplicável à decisão condenatória, esse regime teria de ser um só. Acresce ainda que o art. 118° n°1 do CPP estabelece o princípio de que só existem as nulidades que como tal estiverem expressamente previstas.
Em sentido contrário se pronunciam Simas Santos e Lopes de Sousa que, ao abrigo do disposto no art. 41º nº1 do presente diploma, entendem que a falta de observância dos referidos requisitos constitui uma nulidade da decisão de harmonia com o preceituado nos art. 374° nºs 2 e 3 e 379° nº1 a) do CPP. No mesmo sentido se pronunciam António Oliveira Mendes e José Santos Cabral ( Notas ao RGCOC pag. 152.
No entanto, as exigências de fundamentação da decisão da autoridade administrativa devem ser menos profundas do que as relativas aos processos criminais não se podendo transformar as decisões das autoridades administrativas em verdadeiras sentenças criminais, uma vez que nos encontramos no domínio de uma fase administrativa, sujeita às características da celeridade e simplicidade processual, pelo que o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal.
Mas, de qualquer forma, deverá ser patente para o arguidó são as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação, possibilitando ao arguid:) um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, permitir ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da decisão administrativa.
Tecidas estas breves considerações introdutórias cumpre proceder à apreciação do caso sub judice. Na verdade os factos atinentes ao tipo subjectivo de ilicito encontram-se elencados de forma vítrea na decisão recorrida, o mesmo sucedendo no que concerne aos factos que logram integrar o tipo objectivo, pelo que a apontada nulidade é manifestamente improcedente.
Invoca ainda o recorrente que a Decisão impugnada não cumpre os requisitos previstos no artigo 58° do RGCO, mormente os que impõem a indicação das provas obtidas, delas fazendo uma análise devidamente ponderada, ainda que essa fundamentação seja concisa, e alinhar as razões pelas quais não considerou dar provimento ao alegado pelo Arguido na defesa invocando a nulidade da decisão recorrida, por força do disposto no artigo 202°, da CRP, artigos 97°, nº 4, e 283° todos do CPP, aplicáveis ex vi art. 41° do RGCO e artigo 58° deste último diploma.
Sustenta ainda que a APA não fundamentou minimamente as razões subjacentes ao quantum das coimas parcelares, apenas fazendo alusão aos parâmetros legais sem qualquer correspondência ao caso e concreto e, ademais, nenhum fundamento é alinhado para fixar a coima em cúmulo jurídico pelo que por omissões e a falta de exame crítico das provas que permitam compreender o inter cognitivo subjacente à condenação, invoca a nulidade da decisão recorrida, por força do disposto no artigo 202°, da CRP, artigos 97°, nº 4, e 283° todos do CPP, aplicáveis ex vi art. 41° do RGCO e artigo 58° deste último diploma, nulidade que se deixa desde já arguida, nos temos e com as consequências legais. Desde já se adianta que não assiste razão ao recorrente porquanto, uma breve leitura da decisão permite desde logo constatar que contém as referências à prova produzida e a sua análise crítica, bem como sustenta o quantum das sanções aplicadas, não ocorrendo pois a alegada ausência de fundamentação.
Por conseguinte, improcede a apontada nulidade da decisão da autoridade administrativa.
Invoca ainda o recorrente que a norma constante do artigo 30°, nº 1 da LOCA, interpretada no sentido de que, sendo o Arguido condenada na prática de uma contra-ordenação grave ou muito grave, deve ser igualmente condenado, por mera decorrência daquela primeira condenação, em sanção acessória, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18°, nº 2 e 3°, nº 4, da Constituição, inconstitucionalidade que se deixa desde já arguida para todos os efeitos legais. Ainda neste contexto sustenta o arguido que não se encontram na Decisão em crise quaisquer elementos em que se possa basear a aplicação, ao Arguido, das sanções acessórias aqui em causa, inculcando a ideia de que, pelo contrário - e ao arrepio das exigências que vimos escalpelizando - a aplicação dessa sanção se processa de forma automática, apenas e tão-somente porque foi praticada uma contraordenação grave ou muito grave concluindo que a Decisão é nula, nos termos do disposto nos artigos 30°, nº 1 da LOCA, conjugado com os artigos 283°, nº 3, 374°, n°2 e 379°, nº 1, alínea a) e 122° nº 1, todos do CPP.
Ora, quanto à invocada inconstitucionalidade, desde já se adianta que não se nos afigura que, com a concreta configuração expendida no recurso, possam ser julgadas procedentes, tendo em conta a Jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Com efeito, o recorrente indica os preceitos legais cuja inconstitucionalidade invoca mas não explicita qual o segmento da norma ou concreta interpretação normativa que em concreto tenha sido aplicada na decisão da autoridade administrativa, que esteja em conflito com os elencados princípios constitucionais que entende terem sido postergados.
Face à incorrecta configuração das pretendidas inconstitucionalidades está nesta parte o recurso condenado ao insucesso, pelas apontadas razões formais, pelo que desde já e sem necessidade de ulteriores considerações sobre questão substancial (ao abrigo do princípio da economia processual) terá necessariamente de improceder.
Improcedem pois todas as apontadas nulidades, por a decisão impugnada conter os factos que logram integrar os tipos objectivo e subjectivo, por nela constar a análise critica da prova, bem como os fundamentos que presidiram à aplicação das sanções e o seu quantum.
Assim, não se verificando quaisquer nulidades, passamos de seguida ao conhecimento do mérito.
Factos Provados:
1.No dia 28 de janeiro de 2020, pelas 15:40 horas, no âmbito de uma ação de patrulhamento, os elementos autuantes deslocaram-se ao terreno rústico com o artigo … da secção …, …, …, inserido na Albufeira de …, onde verificaram que foi instalada uma vedação no seu perímetro.
2.0 arguido é dono e legítimo proprietário do terreno em causa.
3.A vedação foi implantada com estacas de madeira e uma rede quadriculada, de forma perpendicular à margem e foi ainda colocado um portão.
4.O arguido implantou a vedação com o intuito de evitar a intromissão de pessoas na propriedade.
5.O terreno encontra-se inserido na zona reservada do Plano de Ordenamento da Albufeira de ….
6.O arguido não era titular de qualquer tipo de título para edificar a referida vedação.
7.O arguido, não agiu com a diligência necessária a que estava obrigado, e de que era capaz, não tendo diligenciando pelo cumprimento das suas obrigações, designadamente, enquanto proprietário de terreno situado na zon3 reservada da Albufeira de … que, informando-se e esclarecendo- se convenientemente acerca das regras e limitações da sua atuação.
1O. No dia 27 de outubro de 2020, pelas 17:00 horas, no âmbito de uma ação de patrulhamento, os elementos autuantes deslocaram-se novamente ao terreno rústico com o artigo … da secção …, …, …, tendo verificado que o arguido fez mais intervenções no local.
11.O arguido construiu um muro em alvenaria com dois metros de altura por um metro e setenta de comprimento e vinte centímetros de largura, com instalação da baixada elétrica e respetivo contador.
12. O arguido abriu diversas valas onde instalou canalização de água direcionados a diversos pontos do terreno, para captação de água da albufeira.
13. O arguido instalou uma plataforma flutuante dentro do plano de água da Albufeira de …, com cinco metros por três e meio de envergadura cujo acesso tinha um metro por seis de comprido.
14. O arguido levou a cabo as obras ora verificadas após a primeira fiscalização da GNR tendo as concluído em finais de abril de 2020.
15.Em 27 de janeiro de 2020, o arguido submeteu na Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. um pedido de utilização dos recursos hídricos para captação de água superficial na albufeira.
16.Em 9 de dezembro de 2019, o arguido deu entrada, na plataforma SILIAMB, junto da Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., de um pedido de informação prévia para a instalação de equipamentos flutuantes na Albufeira do ….
17.O arguido contratou os serviços de eletricidade da EDP Distribuição Energia, SA tendo os elementos de rede de ligação elétrica sido albergados dentro do muro.
18.O arguido sabia que não possuía quaisquer títulos de utilização dos recursos hídricos que o habilitasse quer a construir o muro, quer a proceder à instalação das infraestruturas para O captação de águas da albufeira, na zona reservada, quer à instalação da plataforma flutuante no plano de água, condutas proibidas e punidas por lei como contraordenações ambientais, tendo-se conformado com o resultado da sua atuação.
19.O arguido, não agiu com a diligência necessária a que estava obrigado, e de que era capaz, não tendo diligenciando pelo cumprimento das suas obrigações, designadamente, enquanto proprietário de terreno situado na zona reservada da Albufeira de … que, informando-se e esclarecendo-se convenientemente acerca das regras e limitações da sua atuação.
A construção do muro teve como propósito a colocação do ramal de eletricidade e foi uma exigência da EDP distribuição, sujeita a autorização, que foi concedida, quando o Arguido apenas solicitou eletricidade para poder ter acesso à água no terreno através da um sistema de rega.
Antes da construção do muro, o Arguido submeteu, a 27/01/2020 (antes das ações de fiscalização), no SILIAMB (plataforma on-line da APA) um pedido para captação de águas, ao qual nunca obteve resposta (cf. does. junto com a defesa administrativa). Neste pedido, o Arguido informou que a intenção era colocar uma bomba no interior da Albufeira e assim utilizar a água a até à presente data não foi notificado de qualquer decisão que sobre ele tenha recaído.
FACTOS NÃO PROVADOS:
O arguido após a limpeza do seu terreno, colocou uma vedação, na convicção de que poderia colocar a mesma sem qualquer tipo de licenciamento, de forma perpendicular e um portão.
o Arguido actuou convencido da licitude da sua conduta, devido ao facto de na zona do seu terreno existirem edificações semelhantes há vários anos, sem que haja notícia de procedimentos despoletados pela APA ou outras entidades públicas destinadas a obrigar os proprietários a procederem à sua remoção.
O terreno do Arguido não se encontra inserido em zona classificada como reservada.
MOTIVAÇÃO:
Para a fundamentação da convicção do Tribunal foi essencial a conjugação e análise crítica de toda a prova produzida, designadamente testemunha e documental junta aos autos.
A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica e conjugada, segundo juízos de experiência comum do prova testemunhal e documental constante dos autos.
De salientar os autos de notícia e as declarações dos agentes cujas declarações se reputam isentas e coerentes e, por conseguinte, credíveis atestando os mesmos que o terreno do Arguido se encontra inserido em zona classificada como reservada.
O arguido admitiu a edificação da vedação, sendo que nas fotografias anexas ao auto de notícia, é possível visualizar a vedação, com as caraterísticas referidas, na propriedade do arguido.
O arguido admitiu ter ainda edificado o muro contíguo à vedação para colocação do ramal de eletricidade, exigência dos serviços da EDP que, porém, não o exime do dever de requerer licença para o efeito, o que não fez.
Relativamente às obras para captação de água e à plataforma flutuante, o arguido juntou aos autos pedido de licenciamento e pedido de informação prévia. Porém, conforme o próprio admite, executou os trabalhos antes de obter qualquer tipo de resposta por parte da entidade responsável, não sabendo sequer se a sua pretensão era licenciável nas condições que pretendia ou se carecia de eventuais alterações e note-se que, a este propósito, não opera qualquer deferimento tácito.
A conjugação de todos os elementos de prova juntos à luz das regras de experiência comum, não permitem que soçobre qualquer dúvida que possa reputar-se razoável quanto ao cometimento pelo arguido dos factos de que vem acusado. Como refere a recorrida, apenas por falta de cuidado será possível explicar que o arguido, sendo proprietário de um terreno situado na zona reservada da Albufeira de …, não tenha diligenciado no sentido de se informar ou esclarecer convenientemente acerca das regras e limitações da sua atuação, pelo que nessa medida, falhou com o seu dever de cuidado, incumprindo as obrigações que se encontram plasmadas nas normas, cuja violação lhe são imputadas. Acompanhando-se igualmente que a análise da culpa tem que ser feita tendo em conta que o arguido agiu em dois momentos distintos e se num primeiro momento podemos considerar que a sua atuação foi mera negligência, num segundo momento isso já não acontece. O primeiro auto de contraordenação foi levantado a 27 de outubro de 2020, cerca de nove meses após a primeira abordagem da GNR, tendo o arguido continuado a desenvolver as obras na sua propriedade, não obstante ser conhecedor da fiscalização que sofrera e de que iria ser levantado o auto de contraordenação, optando assim por não só perpetuar a infração detetada na primeira visita como levar a cabo novas ações que consubstanciam novas infrações. Desta forma, no que se refere ao segundo processo o arguido conformou-se com o resultado da sua conduta, sendo só dessa forma possível explicar os factos verificados.
O DIREITO
Os factos descritos nos autos de notícia consubstanciam a prática de uma contraordenacão ambiental leve prevista na alínea 1) do n. 2 1, uma contraordenacão ambiental grave, prevista na alínea v) do n. 2 3, e uma contraordenacão ambiental muito grave, prevista na alínea q) do n. 2 3, todas do artigo 31.2 do Decreto-Lei n. 2 107/2009, de 15 de maio, com as posteriores alterações; e ainda, uma contraordenacão ambiental muito grave, prevista na alínea a) do n.2 3 do artigo 81.2 do Decreto-lei n.2 226-A/2007, de 31 de maio.
O terreno em causa está inserido na zona reservada do Plano do Ordenamento da Albufeira de ….
Com as condutas provadas, o arguido violou a proibição de instalação de vedações ou a construção de vedações perpendiculares à margem, a proibição de realização de obras de edificação, não dispunha de título de utilização dos recursos hídricos que lhe permitisse proceder à instalação das infraestruturas para captação de água da albufeira e à instalação da plataforma flutuante no plano de água nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas.
O Decreto-Lei 107/2009, de 15 de maio, veio estabelecer o regime de proteção das albufeiras de águas públicas de serviço público e das lagoas ou lagos de águas públicas visando proteger e valorizar os recursos hídricos associados às albufeiras, lagoas ou lagos de águas públicas, bem como do respetivo território envolvente, numa faixa que corresponde à zona terrestre de proteção.
O acesso à albufeira e circulação em torno da mesma devem ser garantidos, estando interditas: as obras de construção, a instalação de vedações, com as exceções indicadas no diploma, a abertura de novas vias de comunicação ou de acesso ou a ampliação das vias existentes sobre as margens, conforme previsto nas alíneas b), f), e h) do artigo 21.2 daquele diploma e do Regulamento do Plano de Ordenamento da Albufeira de Castelo do Bode (POACB).
A utilização privativa do domínio hídrico, quer público quer privado e cujo âmbito se encontra definido na citada legislação, é titulada por autorização, licença ou contrato de concessão, qualquer que seja a natureza elou personalidade jurídica do utilizador. O título é atribuído pela APA, I.P. (artigo12. 2 do Decreto-Lei n. 2 226-A/2007, de 31 de maio, na redação atuar conjugado com o Decreto-Lei n. 2 56/2012, de 12 de março).
E, concretamente, a captação de águas e a instalação de equipamentos flutuantes em domínio hídrico público carecem de licença, nos termos das alíneas a) e j) do n. 2 1 do artigo 60.9 da Lei da Água, Lei n. 2 58/2005, de 29 de dezembro.
"As normas que regulam o ambiente inserem-se na concepção de um meio de vida são. O legislador não teve em conta apenas a defesa contra ataques que possam comprometer directamente a vida ou a integridade física dos cidadãos, mas todas aquelas formas de atuação que se mostram lesivas da qualidade do ambiente ou que se traduzem num desgaste dos recursos naturais." (Jorge Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo li, Coimbra Editora, 1999, págs. 6 a 14).
A imposição de deveres e normas de conduta visam sobretudo a preservação dos componentes ambientais naturais, como seja o caso da água, na dimensão da preservação da sua qualidade, considerando ainda o valor social, ambiental e económico da água.
O meio hídrico fator natural a preservar, reveste-se de uma enorme sensibilidade, sendo por isso necessário restaurar e manter a integridade biológica, química e física das águas. Deste modo, o legislador estabeleceu algumas proibições e conferiu à administração competências para a atribuição de licenças, autorizações e concessões desde que observados determinados requisitos. Assim sendo, é à Administração que cabe gerir e disciplinar a gestão dos recursos naturais.
Pretendeu-se, assim assegurar que as utilizações do domínio hídrico sejam efetuadas de acordo com as condições definidas pela Administração, permitindo deste modo, a utilização racional destes componentes ambientais naturais, bem como a defesa e preservação da qualidade dos mesmos. Para que o comportamento do agente seja típico, bastará que tenha preenchido as normas acima identificadas.
Resulta ainda provado que nas circunstâncias locais e temporais verificadas, o arguido procedeu à colocação de um portão, estacas de madeira e uma rede quadriculada no perímetro do terreno, de forma perpendicular à margem, com o intuito de evitar a intromissão de pessoas na propriedade e à construção de um muro em alvenaria para instalação da baixada elétrica e respetivo contador, abriu diversas valas onde instalou canalização de água para captação de água da albufeira e instalou uma plataforma flutuante dentro do plano de água, tudo dentro da zona reservada da Albufeira de …, zona interdita a essas atividades pelo que preencheu cada um dos tipos objetivos das contraordenações pelas quais vem acusado.
O arguido agiu em desconformidade com as obrigações que lhe são exigíveis, de que era capaz e das quais tinha conhecimento, sendo a sua conduta punível a título de negligência pelo que se mostram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos das contraordenações em análise.
A coima única aplicada nos autos no valor de 15 000 euros (quinze mil euros) foi suspensa e acompanhada de sanções acessórias com o objectivo de realização dos objetivos que se encontram no regime das contraordenações ambientais, qual seja a demolição das obras ilegalmente realizadas no terreno, nomeadamente, a vedação e o muro insuscetíveis de legalização visto ser interdita a sua edificação na zona reservada da albufeira com o compromisso de dar correto encaminhamento e destino a todos os resíduos daí decorrentes e relativamente à plataforma flutuante, por se tratar de uma situação legalizável, obrigação de o arguido diligenciar pela sua regularização, no que concerne ao respetivo título de utilização dos recursos hídricos, junto dos serviços da Agência Portuguesa do Ambiente, I.P.
Ora, julga-se a sanção determinada adequada e razoável, cumprindo o princípio da equidade e da proporcionalidade (salvaguarda do ambiente) e assume caráter dissuasor, não se considerando verificados os pressupostos da admoestação, face à dimensão do incumprimento.
No que concerne ao invocado erro, é certo que não basta a conduta objectivamente considerada, necessário é que o arguido tenha agido com culpa, uma vez que a responsabilidade contraordenacional é subjectiva assentando, à semelhança do que sucede com o direito penal, no princípio da culpa.
A legitimação da intervenção penal (e contra-ordenacional ) encontra-se no princípio da culpa enquanto elemento limitador e do poder e do intervencionismo estatais, comandado por exigências irrenunciáveis de respeito pela dignidade pessoal ( art. 1º CRP )
A exigência de culpa é uma forma mais perfeita de defesa da dignidade da pessoa ( Roxin “ Culpa e Responsabilidade. Questões Fundamentais da teoria da responsabilidade RPCC 1 (1991) pag 531 ) constituindo uma máxima de civilização e humanidade ( Figueiredo Dias – “Liberdade, Culpa e Direito Penal” 3ª Ed. Coimbra pag.283 ) para a qual não se descortina, ainda hoje, alternativa. A culpa é a atitude interior de indiferença, descuido ou leviandade perante a violação do bem jurídico, documentada no facto (como “expressão da personalidade”).
Estas considerações são extensivas aos ilícitos contra-ordenacionais, como atesta o disposto no art. 8º do DL 244/95 de 14 de Setembro (“ Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”.)
Tratando-se de uma sociedade a culpa terá que ser aferida enquanto atitude interior desvaliosa dos seus legais representantes.
Impõe-se, neste momento, delimitar os conceitos de dolo e negligência e estabelecer a sua conexão com a ideia de culpa.
O Prof. Figueiredo Dias (RPCC1-1991 pag.46) defende uma construção bipartida do dolo e da negligência no sistema.
Com esta teoria, superou as posições extremadas quer da doutrina mais ortodoxa da acção final (Welzel) para a qual dolo e negligência relevam exclusivamente ao nível do tipo-de-ilícito subjectivo, quer da doutrina normativista ( Eduardo Correia e Cavaleiro Ferreira ) que os considera apenas elementos da culpa.
Segundo esta teoria da dupla valoração ( defendida igualmente por Jescheck ), dolo e negligência constituem primariamente elementos do tipo de ilícito subjectivo e, mediatamente, exprimem ou revelam diferentes conteúdos materiais de culpa.
Assim, o dolo como elemento do tipo-de-ilícito subjectivo consubstancia-se no conhecimento e vontade de realização do tipo de ilícito objectivo ( elementos intelectual e volitivo do dolo - Teresa Beleza Direito Penal 2º vol. AAFDL pag. 203)
Por sua vez, a negligência traduz-se, ao nível do tipo-de-ílícito subjectivo, na violação do dever objectivo de cuidado.
No plano da culpa ( de uma autónoma atitude interior ), o dolo consiste na expressão, documentada no facto, de uma atitude pessoal contrária ou indiferente à violação do bem jurídico protegido e a negligência consiste na expressão, documentada no facto, de uma atitude pessoal descuidada ou leviana face à violação do bem jurídico protegido.
Em matéria contra-ordenacional, preceitua o art. 8º do DL 433/82 de 27/10 que “Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”.
No entanto, o erro, à semelhança do que sucede no Direito Penal, é consagrado em matéria de Ilícito Contra-ordenacional.
Com efeito estabelece o art. 8º que: 2-” O erro sobre elementos do tipo, sobre a proibição ou sobre um estado de coisas que, a existir, afastaria a ilicitude do facto ou a culpa do agente exclui o dolo; 3- Fica ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais.
Por sua vez, dispõe o art. 9º que:
1- Age sem culpa quem actua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável.
2- Se o erro lhe for censurável, a coima pode ser especialmente atenuada.
Estabelecem-se, assim, dois tipos de erro que correspondem, precisamente, ao erro sobre as circunstâncias de facto do art. 16º do CP e ao erro sobre a ilicitude previsto no art. 17º.
Para proceder à distinção entre estes dois tipos de erro importa determinar, desde logo se, no caso concreto, o simples conhecimento do tipo objectivo pelo agente, em todas as suas circunstâncias relevantes, de facto e de direito, era suficiente para uma correcta orientação daquele para o desvalor do ilícito.
Se se concluir que não e que, no caso, era ainda necessário o conhecimento da proibição ( porque é fraca a coloração ética da conduta em causa; porque são razões de pura oportunidade e estratégia social que se baseiam na proibição ou porque nos deparamos com uma hipótese de neocriminalização que ainda não ganhou a devida ressonância ético-social ) estamos então perante um erro sobre a proibição relevante, um erro que exclui o dolo exactamente ao mesmo título que o erro sobre os elementos, de facto ou de direito do tipo, isto é um erro sobre as circunstâncias de facto que não um erro sobre a ilicitude.
Se, porém, se concluir que o agente possui todo o conhecimento razoavelmente indispensável para tomar consciência da ilicitude do facto e todavia não a alcançou, então é a própria falta de consciência do ilícito que vale como elemento emocional requerido e que, quando censurável, fundamenta a culpa dolosa
No primeiro dos erros estamos -tal como no caso de erro sobre os elementos do tipo- perante uma falta de conhecimento que deve ser imputada a uma falta de informação ou de esclarecimento e que por isso, quando censurável, conforma o específico tipo de censura de negligência
Pelo contrário estaremos perante uma deficiência da própria consciência ético-jurídica do agente, que lhe não permite apreender correctamente os valores jurídico-penais e que por isso, quando censurável, conforma o específico tipo de censura do dolo.
Estabelece-se assim uma dicotomia erro de conhecimento/erro de valoração ou erro intelectual/erro moral.
Sucede que, tratando-se de ilícitos de mera ordenação social, atenta a sua natureza administrativa, é uma área propícia ao erro sobre a ilicitude atenta a sua fraca coloração ética.
Há que assinalar que as contra-ordenações se inserem no ramo que se designa por Direito de Mera Ordenação Social. As respectivas normas destinam-se, como se antevê, a ordenar a Sociedade. Isto porque se entendeu que existem determinadas regras que devem ser cumpridas, já porque protegem- ainda que reflexamente- determinados bens jurídicos, já em prol de uma certa uniformização e igualdade que ao direito cumpre garantir.
Assim sendo, traduzindo-se em regras positivas de comportamentos dirigidas aos cidadãos em geral ou a determinados grupos, designadamente profissionais, precisamente em nome da ordenação, i. é., do bom funcionamento da Sociedade nos seus vários quadrantes, tais normas devem ser cumpridas nos seus precisos termos.
A conduta da recorrente é, pois, merecedora de um juízo de censura, na medida em que tinha a particular obrigação de se informar e esclarecer convenientemente sobre as regras que orientam e regulam a sua conduta.
Ainda que a recorrente não tivesse consciência da ilicitude da falta das aludidas indicações, conforme alega, tal ser-lhe-ia censurável donde, improcede o invocado erro.
Finalmente, sustenta o recorrente que estão reunidos os pressupostos materiais da atenuação especial da coima, nos termos do artigo 23°-B da LOCA.. Todavia, para além de não se verificar nenhum dos casos expressamente previstos na lei, também inexistirem quaisquer circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da coima, pelo que improcede s sua pretensão também neste particular.
DECISÃO:
Face ao exposto, julga-se improcedente por não provada a presente impugnação e mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas a cargo do recorrente.
Deposite e notifique.
d.s.”
*
3.2 – Questão prévia – violação dos princípios da imediação e da concentração
O recorrente, sustentando a sua posição nos arts. 328º, nº6 e 371º, nº1, do Cód. Proc. Penal, invoca a violação dos mencionados princípios por ter decorrido um excessivo lapso de tempo entre a realização do julgamento e a prolação da decisão ora recorrida, elaborada na sequência da decisão deste Tribunal da Relação que revogou a primitiva sentença. Defende assim que deveria ter sido realizado novo julgamento.
Vejamos
A decisão deste Tribunal da Relação foi a seguinte: «Em face do exposto e concluindo, concedendo parcial provimento ao recurso, decide-se declarar nula a sentença recorrida, por falta de fundamentação, por excesso e por omissão de pronúncia, determinando que o Tribunal a quo profira nova decisão, expurgada de tais vícios.».
É evidente, face ao teor do dispositivo deste acórdão, que o que foi determinado foi a elaboração de uma nova sentença, tendo-se entendido que não mostrava necessário, para o suprimento dos vícios existentes e apontados, a realização de novo julgamento.
O princípio da imediação determina que a decisão seja proferida por quem presenciou a produção da prova e a discussão da causa e, também, o mais depressa possível após o encerramento da audiência. O princípio da concentração significa que a produção da prova e a decisão deve ser produzida e proferida no mais curto espaço de tempo possível de modo a que a perceção do julgador esteja bem presente na sua mente e não se desvaneça com o passar do tempo.
Não temos dúvidas que a solução ideal é a aquela em que a audiência, com a produção de prova, decorre numa única sessão ou em várias, mas ocorridas em dias seguidos e em que a decisão é proferida imediatamente a seguir. É isso que se pretende. No entanto, como bem se sabe, tal solução nem sempre se mostra possível, levando a que, muito frequentemente, os julgamentos se prolonguem no tempo e as decisões não possam se proferidas imediatamente após a produção da prova. Mas isso não significa a violação dos mencionados princípios pois estes são cumpridos sempre que o tempo decorrido é aquele que se mostra possível. Tal é o que resulta do disposto no art. 328º, nº6, do Cód. Penal (citado pelo recorrente) que, embora determine que o adiamento não pode exceder 30 dias, prevê a possibilidade de tal ocorrer em caso de impossibilidade – bastando para tanto consignar as razões dessa mesma impossibilidade. Mais, o nº7, do mesmo preceito estipula: «Para efeitos da contagem do prazo referido no número anterior, não é considerado o período das férias judiciais, nem o período em que, por motivo estranho ao tribunal, os autos aguardem a realização de diligências de prova, a prolação de sentença ou que, em via de recurso, o julgamento seja anulado parcialmente, nomeadamente para repetição de prova ou prova suplementar».
E, salienta-se, o art. 371º, nº1 invocado pelo requerente, estabelece a possibilidade e os procedimentos da reabertura da audiência para efeitos de produção de prova suplementar relativa para determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar. E, em nada infirma o que se disse, sobretudo atento o teor do citado nº7, do art. 328º.
Assim, atento o que se disse, nenhuma razão existia para a realização de novo julgamento e, por outro lado, não existiu a violação dos mencionados princípios.
*
3.2.3 – Vícios previstos no art. 410º, nº2, als. a), (Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada), b) (Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão) e c) (Erro notório na apreciação da prova)
Dispõe o art. 75º, nº1, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO): “Se o contrário não resultar deste diploma, a 2ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões”. E, não existindo qualquer norma nesse diploma que admita o recurso relativo à matéria de facto, exceto nas situações de processos relativos (em simultâneo) à prática de crimes e de contraordenações – art. 78º - importa concluir que o recurso para a segunda instância, em matéria exclusivamente contraordenacional (como é o caso), é restrito à matéria de direito.
Tal regra tem uma exceção que é a situação de se verificarem os vícios no julgamento da matéria de facto, previstos no art. 410º, nº2, do Cód. Proc. Penal. Nesta situação, e como se pode ler no Ac. do TRE, de 7/11/23 (www.dgsi.pt): “mesmo no recurso penal restrito à matéria de direito, a Relação deles deverá, ainda que oficiosamente, conhecer, podendo e devendo alterar a matéria de facto, se dispuser de todos os elementos probatórios necessários para o efeito; ou, não dispondo desses elementos, reenviando os autos à 1ª instância para sanação do vício de acordo com o art. 426º, do Cód. Proc. Penal”.
Sendo invocados os vícios previstos no art. 410º, nº2, do Cód. Proc. Penal, cumpre apreciar se os mesmos ocorrem.
O art. 410º, nº2, do Cód. Proc. Penal respeita aos erros formais da sentença e que são aqueles que resultam, de forma clara, por si só ou conjugados com as regras de experiência comum, do próprio texto da decisão. São detetáveis a partir da mera leitura do texto sem que se mostre necessário – nem admissível – o recurso a qualquer outro elemento externo à sentença.
O citado preceito refere quatro situações: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (a matéria de facto provada não se mostra suficiente para fundamentar a decisão de direito proferida); contradição insanável da fundamentação (de acordo com um raciocínio lógico existe oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados ou, ainda, entre a fundamentação da matéria de facto); contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (também de acordo com um raciocínio lógico, a fundamentação justifica uma decisão distinta da proferida); erro notório na apreciação da prova (a decisão de facto resulta errada face às provas em que assentou).
Tais vícios podem ser invocados pelos interessados, mas também podem ser conhecidos oficiosamente pelo tribunal de recurso – AUJ nº7/95, de 19/10/1995.
Apreciemos, em primeiro lugar, o vício previsto na al.c), erro notório na apreciação da prova.
Invoca o recorrente, a este propósito, que para prova dos factos constantes dos pontos 5 e 6 da matéria de facto provada (5 - O terreno do arguido encontra-se inserido na zona reservada do Plano de Ordenamento da Albufeira de …; 6- O arguido não era titular de qualquer tipo de título para edificar a referida vedação), o tribunal atendeu unicamente ao auto de notícia, o qual é insuscetível de comprovar tais factos.
Efetivamente, da fundamentação da decisão de facto decorre que a prova dos mencionados factos é feita unicamente com base no teor do auto de notícia. E, consultado este, verifica-se que não se mostram juntos ou anexos quaisquer documentos comprovativos de tais factos, sendo a única menção feita, a esse propósito, o escrito aí aposto de que o terreno se insere na zona reservada e que não existem licenças para os atos em causa. Mais, consultada a decisão da entidade administrativa, verifica-se que a prova dos mesmos resulta igualmente do auto de notícia e de “conhecimento próprio” – como aí é mencionado. Também não constam dos autos quaisquer outros documentos que, de algum modo, comprovem tais factos.
O auto de notícia apenas faz fé em juízo quanto aos termos em que se desenrolaram os atos processuais a cuja documentação a lei obrigar e aos quais tiver assistido quem o redige, pese embora o seu conteúdo possa ser impugnado – arts. 99º, nº1 e 169º, do Cód. Proc. Penal. No que respeita aos factos percecionados por quem elaborou o auto de notícia, este é um documento sujeito ao princípio da livre apreciação, nos termos gerais previstos no art. 127º. Na situação em apreço, os factos aqui em causa – a ausência de licença e que o terreno se situa em zona reservada – não foram percecionados pelo autuante pois, além de não constar do auto a existência no local de quaisquer elementos de onde os mesmos pudessem resultar, tratam-se de factos que apenas podem decorrer de determinadas condicionantes estabelecidas por ato administrativo ou legislativo.
Assim, é manifesto que, nesta situação, o auto de notícia não tem valor probatório para o efeito em causa.
No caso, a prova da inexistência de licença deveria ser fornecida por uma “declaração formal” nesse sentido, provinda da entidade responsável pela emissão desse mesmo título. Porém, tal facto não é contestado pelo arguido que, desde do início do processo – e independentemente das justificações que apresenta e da sua relevância ou não – assume não dispor de qualquer licença. Aliás, mesmo em sede de recurso, e pese embora invoque o vício ora em apreciação, o admite. Assim, nessa parte, e pese embora não se trate do meio mais adequado e seguro para a prova do facto em causa, entende-se que não se verifica um erro notório.
O mesmo não acontece relativamente à prova de que o terreno do arguido se encontra inserido em zona reservada. Tal facto, além de não ser admitido pelo próprio, não pode resultar de uma declaração vaga e imprecisa constante do auto ou do pretenso conhecimento pessoal de qualquer entidade. Carece, ou de documento oficial que o comprove devidamente ou, da prova de diversos factos que são o pressuposto legal da sua qualificação como área reservada. O que não ocorre no caso.
E, a prova de tal facto, apenas com base no auto de notícia, permite a conclusão, resultante da mera leitura da decisão, conjugada com as regras de experiência comum, que a decisão de facto está errada.
Desta forma conclui-se que se verifica o vício em questão.
Porém, além dele, também ocorre o vício previsto na al.a), do mesmo preceito legal. Ou seja, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Vejamos.
Dispõe o art. 31º, nº1, do DL nº107/2009, de 15 de maio:
«al. l) (…) constitui contraordenação ambiental leve, nos termos da Lei nº50/2006, de 29/8, a prática dos seguintes atos e atividades, nos casos em que os mesmos, ao abrigo do presente DL ou dos regulamentos dos POAAP, sejam interditos, praticados sem autorização ou praticados em violação dos termos e condições estabelecidos em autorização ou parecer emitidos pela ARG:
l) A instalação, na zona reservada, de vedações ou a construção de vedações perpendiculares à margem ou de outras vedações, bem como a movimentação de terras, que impeçam ou possam impedir a livre circulação em torno da albufeira ou do plano de água, ou impedir o livre acesso à água»
q) A realização de obras de edificação ou de demolição, na zona reservada;
q) A realização, na zona ou área de respeito da barragem e dos órgãos de segurança e de utilização da albufeira, de quaisquer obras, incluindo a abertura de novos caminhos ou de vias de comunicação, a implantação de linhas de transporte de energia e de conduta de águas, salvo aquelas que decorram do funcionamento de empreendimento hidráulico;
Destes preceitos resulta, desde logo, que para o preenchimento do tipo de ilícitos em causa é essencial que o terreno em causa se encontre em “zona reservada” e em “zona ou área de respeito”. E as definições destas são as que constam do art. 3º, do mesmo DL, que tem o seguinte teor:
«Para efeitos de aplicação do presente DL, entende-se por:
(…)
v) «Zona reservada» a faixa, medida na horizontal, com a largura de 100 m, contados a partir da linha do nível de pleno armazenamento no caso das albufeiras de águas públicas, e da linha limite do leito, quando se trate de lagoas ou lagos de águas públicas;
x) «Zona terrestre de proteção» a faixa, medida na horizontal, com a largura máxima de 1000 m, contados a partir da linha do nível de pleno armazenamento no caso das albufeiras de águas públicas, e da linha limite do leito, quando se trate de lagoas ou lagos de águas públicas;
aa) «Zona de respeito da barragem e dos órgãos de segurança e de utilização da albufeira» a faixa delimitada a jusante da barragem, na zona terrestre de proteção, definida com o objetivo de salvaguardar a integridade da barragem e dos órgãos de segurança e de utilização da albufeira e garantir a segurança de pessoas e bens».
Ora, para se poder concluir que o terreno em causa se situa nas mencionadas áreas, importa apurar as distâncias existentes entre ele e o nível das águas, nos precisos termos e para os efeitos que constam dos citados preceitos legais. E, tais factos, não resultam da matéria de facto provada. Acresce que também as específicas caraterísticas da vedação implantada no terreno, designadamente que a mesma impede a livre circulação em torno da albufeira ou do plano de água, ou o livre acesso à água, não consta da matéria de facto provada.
Por outro lado, não consta dos factos provados que o arguido utilizou os recursos hídricos em causa, mas apenas que construiu as infraestruturas adequadas à sua utilização. E, a esse propósito, estabelece o art. 81º, nº3, al.a), do DL nº226-A/2007 (cuja prática é imputada ao arguido): «Constitui contraordenação ambiental muito grave:
a) A utilização dos recursos hídricos sem o respetivo título».
Assim, também este elemento objetivo do tipo de ilícito em causa, não consta dos factos provados.
Do que se deixa dito resulta que a matéria de facto provada não se mostra suficiente para fundamentar a decisão de direito proferida. Verifica-se, pois, o vício apontado.
Mas, além destes, também ocorre contradição insanável entre os próprios factos provados pois mostra-se assente:
“18.O arguido sabia que não possuía quaisquer títulos de utilização dos recursos hídricos que o habilitasse quer a construir o muro, quer a proceder à instalação das infraestruturas para O captação de águas da albufeira, na zona reservada, quer à instalação da plataforma flutuante no plano de água, condutas proibidas e punidas por lei como contraordenações ambientais, tendo-se conformado com o resultado da sua atuação.
E,
19.O arguido, não agiu com a diligência necessária a que estava obrigado, e de que era capaz, não tendo diligenciando pelo cumprimento das suas obrigações, designadamente, enquanto proprietário de terreno situado na zona reservada da Albufeira de … que, informando-se e esclarecendo-se convenientemente acerca das regras e limitações da sua atuação”
Desta formulação – relativa à culpa, ou elementos subjetivos do tipo de ilícito em causa – não se mostra possível concluir se o arguido agiu com dolo, como parece resultar do ponto 18 já que daí consta que agiu conformando-se com o resultado da sua atuação (art. 14º, do Cód. Penal), ou com negligência, como parece resultar do facto constante do ponto 19 (art. 15º, do mesmo diploma). Acresce que o arguido foi condenado por conduta negligente como, entre outros, resulta do valor das coimas aplicadas (inferior ao limite mínimo da conduta dolosa), mas em sede de fundamentação, na sua parte final, consta da decisão recorrida:
“A conjugação de todos os elementos de prova juntos à luz das regras de experiência comum, não permitem que soçobre qualquer dúvida que possa reputar-se razoável quanto ao cometimento pelo arguido dos factos de que vem acusado. Como refere a recorrida, apenas por falta de cuidado será possível explicar que o arguido, sendo proprietário de um terreno situado na zona reservada da Albufeira de …, não tenha diligenciado no sentido de se informar ou esclarecer convenientemente acerca das regras e limitações da sua atuação, pelo que nessa medida, falhou com o seu dever de cuidado, incumprindo as obrigações que se encontram plasmadas nas normas, cuja violação lhe são imputadas. Acompanhando-se igualmente que a análise da culpa tem que ser feita tendo em conta que o arguido agiu em dois momentos distintos e se num primeiro momento podemos considerar que a sua atuação foi mera negligência, num segundo momento isso já não acontece. O primeiro auto de contraordenação foi levantado a 27 de outubro de 2020, cerca de nove meses após a primeira abordagem da GNR, tendo o arguido continuado a desenvolver as obras na sua propriedade, não obstante ser conhecedor da fiscalização que sofrera e de que iria ser levantado o auto de contraordenação, optando assim por não só perpetuar a infração detetada na primeira visita como levar a cabo novas ações que consubstanciam novas infrações. Desta forma, no que se refere ao segundo processo o arguido conformou-se com o resultado da sua conduta, sendo só dessa forma possível explicar os factos verificados.”
Deste excerto, parece resultar que, no que respeita à primeira das contraordenações, o arguido agiu com negligência, mas quanto às demais a sua conduta foi dolosa. Estamos pois perante a prova de factos contraditórios entre si, o que gera o vício previsto no art. 410º, nº2, al.b), do Cód. Proc. Penal.
A existência dos vícios previstos no art. 410º, nº2, do Cód. Proc. Penal, pode ser suprida pelo Tribunal de recurso, se o mesmo dispuser de todos os elementos para tal.
Não é o caso. Os mencionados vícios, na situação em apreço, e da forma como se verificam, impedem totalmente este tribunal de se substituir ao tribunal recorrido. Para suprir os mencionados vícios este tribunal teria que proceder, pelo menos, à reapreciação completa da prova e tomar uma decisão totalmente nova. E não é essa a função do recurso, o qual se destina a corrigir erros concretos e não a repetir julgamentos.
Assim, o processo será reenviado para novo julgamento, nos termos previstos no art.426º, nº1, do Cód. Proc. Penal, para apreciação das questões aqui apontadas (e outras que eventualmente decorram da apreciação destas).
Fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas. Porém, não deixa de se salientar que, pese embora a anterior decisão deste Tribunal da Relação, na sentença ora recorrida não foram discutidas e apreciadas, de forma concreta e devidamente justificada, todas as questões cuja pronúncia se entendeu ter sido omitida.
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4 - DECISÃO
Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, anula-se parcialmente o julgamento, determinando-se o reenvio do processo para novo julgamento restrito às questões identificadas (e às demais que resultem da discussão destes)
Sem custas.
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Évora, 8 de outubro de 2024
Carla Oliveira (Relatora)
Anabela Simões Cardoso (1ªAdjunta)
Manuel Soares (2º Adjunto)