VENDA DE IMÓVEL EM EXECUÇÃO
SUSPENSÃO DA VENDA
Sumário

A suspensão de venda de bem imóvel, por decisão judicial já autorizada com trânsito em julgado, só poderá ser deferida desde que exequente e executados/credores estejam de acordo.

Texto Integral

Processo nº. 9485/19.0T8PRT.P1

3ª Secção Cível

Relatora – M. Fátima Andrade

Adjunto – Jorge Martins Ribeiro

Adjunto – José Eusébio Almeida

Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Jz. de Execução do Porto

Apelante/ AA

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório

1) Banco 1... instaurou execução contra:

“A... – Unipessoal, Lda.” e

AA.

Tendo na pendência da execução sido comunicada a cessão do crédito a “B... STC, S.A.” que passou a assumir a posição de exequente (cfr. requerimento de 13/11/2020 e cota de 17/11/2020, por referência ao previsto no DL 42/2019 de 28/03).

Execução para pagamento de quantia certa: €45.932,43, acrescida de juros vincendos sobre o capital em dívida de €43.088,34.

Ofereceu como título executivo duas livranças, subscritas pela primeira executada e avalizadas pela segunda.

2) Na prossecução da execução, foi em 25/10/2019 lavrado auto de penhora de imóvel pertencente à executada AA, com registo da mesma datado de 16/10/2019, do seguinte teor:

“Prédio em propriedade total sem andares nem divisões suscetível de utilização independente, correspondente a uma casa de habitação de dois pisos, com logradouro. Sita na Rua ..., .... Pertencente ao concelho ..., freguesia .... Inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...43º e descrito na Conservatória de Registo Predial de Póvoa de Varzim sob o número ...24/20110302.

Valor 118760,00

(…)

Penhora esta registada sob a AP. ...99 de 2019/10/16; - O Código de acesso à Certidão Permanente: ...24; - O valor atribuído tem por base o valor patrimonial, mencionado da caderneta predial. [cfr. auto de penhora datado e constante dos autos com data de 25/10/2019 e consulta do registo predial de 21/10/2020].

3) Em 05/02/2020 e em 05/01/2021 o AE junta aos autos “Decisão de Extinção por acordo de pagamento em prestações. De ambas as vezes renovada nos termos do disposto no artigo 808º nº 1 e 850º nº 4 do C.P.C., em virtude do incumprimento das prestações nos termos acordados (vide comunicações de 21/10/2020 e de 15/10/2021).

4) Em 28/10/2021 foi comunicado aos autos a nomeação de AI no âmbito de um PEAP (processo nº 2788/21.6T8STS).

Tendo no seu âmbito sido recusado a homologação de acordo (vide o informado em 29/04/2022).

5) Após cumprimento do disposto no artigo 812º nº 1 do CPC, o AE decide em 28/06/2022:

“pela venda do bem penhorado através de leilão eletrónico na plataforma www.e-leiloes.pt aprovada por despacho n.º 12624/2015 – D. R. n.º 219/2015, Série II de 2015-11-09, sendo aceites propostas de valor igual ou superior a 85% do valor base:

Bem a vender:

Prédio urbano, correspondente a uma casa de habitação de dois pisos com logradouro. Sito na Rua ..., da freguesia ... e concelho .... Descrito na conservatória do registo predial de Póvoa de Varzim com o número ...24/20110302 e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...43º, com o valor patrimonial de 120.541,40 Euros.

Valor base: 300.000,00€ (trezentos mil euros)

Valor mínimo (85%): 255.000,00€ (duzentos e cinquenta e cinco mil euros).”

6) Tendo o leilão tido o seu início a 25/11/2022 e encerramento a 10/01/2023, informa o AE em 13/01/2023, e notifica as partes do seguinte:

“a cerimónia de venda do imóvel penhorado a favor dos autos mediante leilão eletrónico com o número ...22 encerrou no dia 10 de janeiro de 2023, pelas 11:23 horas;

- as licitações apresentadas foram todas de valor inferior ao mínimo de venda.

Face aos motivos expostos, a venda do imóvel prosseguirá para venda mediante negociação particular, nos termos do disposto no artigo 833º do C.P.C.”

Constando da certidão de encerramento de Leilão datada de 10/01/2023 que a melhor proposta oferecida foi de € 254.000,00, sendo o valor mínimo de € 255.000,00.

7) Em 28/02/2023 é de novo comunicada “Decisão de Extinção por acordo de pagamento em prestações” entre exequente e executada.

8) A 16/03/2023 foi comunicada aos autos e notificada às partes, incluindo executada, a decisão do AE de prosseguir “a presente execução (…) apesar da sua extinção declarada em 28/02/2023, nos termos do disposto no artigo 806º, nº 2 do C.P.C.

Foi declarado pelos Credores Reclamantes Banco 1..., BB e esposa e Banco 2..., S.A., através dos seus mandatários, que pretendem o prosseguimento dos autos para integral cobrança do seu crédito, mediante a venda do imóvel aqui penhorado, sobre o qual incide as suas garantias.

Assim a A.E. prosseguirá com a venda do bem imóvel penhorado, mediante negociação particular.”[1]

9) E na mesma data de 16/03/2023 o AE junta aos autos o anúncio de publicitação da venda na plataforma e-leilões na modalidade de negociação particular do imóvel em questão, estando indicado como valor base de € 300.000,00; valor de abertura € 150.000,00 e valor mínimo € 255.000,00.

Mais juntando a notificação desta publicitação às partes, incluindo executada.

Venda anulada, nos termos da comunicação constante de 06/04/2023, da qual consta nova comunicação de venda nos mesmos moldes, com data de início a 06/04/2023 e fim a 26/04/2023.

Igualmente juntando a notificação desta publicitação às partes, incluindo executada.

10) Em 27/03/2023 a executada apresenta reclamação à decisão do AE de prosseguir com a execução, sem prévio contraditório, na qual conclui requerendo ao tribunal:

“se digne declarar a nulidade da decisão proferida por violação do disposto no artigo 850.º, n.º 4 do CPC, bem como, dos atos subsequentes. Mais se requer a V/Exa. se digne ordenar a correção dos dados de contacto apostos na plataforma e-leilões, e ainda a emissão de certidão do anúncio colocado pela Senhora Agente de Execução, da decisão proferida com data de 16 de março de 2023 e do presente requerimento”.

Reclamação julgada improcedente por decisão de 12/05/2023.

11) Em 28/04/2023 o AE comunica o encerramento da venda do imóvel penhorado – venda iniciada a 06/04/2023 e encerrada a 26/04/2023 - bem como notificação aos interessados para se pronunciarem sobre a aceitação da proposta apresentada.

Sendo a melhor proposta apresentada no valor de € 205.001,09.

12) Em 08/05/2023 a executada AA comunica a sua oposição à aceitação de tal proposta, em suma alegando:

“Desde logo a proposta apresentada não atinge o valor minino, ou seja, 85% do valor base.

5.º

O que, só por si, deveria determinar a não aceitação de tal proposta.

Ainda,

6.º

No decurso do leilão eletrónico foram apresentadas proposta de valor manifestamente superior,

7.º

O que significa que, a proposta apresentada revela-se desadequada aos valores de mercado.

Acresce que,

8.º

Não podemos deixar de duvidar da transparência de tal proposta atento o facto da primeira proposta ter sido apresentada no último dia da publicação às 14:29 e a última as 15:06.

9.º

Desconhecendo-se a identidade dos proponentes.

Ademais,

10.º

E mais gravemente, a Executada apresentou reclamação quanto à V/decisão de renovação da presente instância,

11.º

Sendo que, até à data, não foi proferida qualquer decisão judicial.

12.º

Ora, a decisão que vier a ser proferida influenciará, necessariamente, o prosseguimento dos autos.

13.º

Pelo que, deverá V/Exa. aguardar a pronuncia do Venerando Tribunal quanto à reclamação apresentada.

Por último,

14.º

Conforme é do conhecimento de V/Exa. o imóvel penhorado constitui casa de morada de família da Executada,

15.º

Sendo que, a Executada tudo tem feito para regularizar a sua situação junto dos credores reclamantes.

16.º

Estando a cumprir o acordo celebrado,

17.º

E tem em curso negociações que visam permitir a satisfação dos créditos.

18.º

O que, igualmente, deveria determinar a suspensão dos atos de venda.

Nestes termos, requer-se a V/Exa. se digne:

a) Receber a oposição da Executada quanto à proposta apresentada, nos termos e com os fundamentos supra expostos.

E ainda,

b) Suspender as diligências de venda até decisão final quanto à reclamação apresentada.”

13) Também o MºPº pugnou pela sua não aceitação, considerando ser a mesma inferior ao valor mínimo (vide requerimento de 11/05/2023).

Tal como o Banco 2..., pelos mesmos motivos (vide requerimento de 09/05/2023).

Tendo o credor reclamante BB, bem como o credor Banco 1..., declarado aceitar a proposta apresentada (vide requerimento de 09/05/2023 e de 18/05/2023 respetivamente).

14) Em 06/06/2023 o AE comunica e notifica os interessados que em face de a negociação particular que terminou ter encerrado com as propostas apresentadas de valor abaixo do mínimo atribuído, “se encontra em curso nova tentativa de venda do bem penhorado, por negociação particular.

A mesma iniciou em 06.06.2023 e termina a 27.06.2023. Esta encontra-se devidamente publicitada na plataforma e-leilões sob a referência NP740862023, conforme informação que se anexa”.

Do respetivo anúncio constando os mesmos valores indicados e mencionados em 9).

15) Em 30/06/2023 é comunicado ao tribunal e notificado às partes o encerramento da venda do imóvel penhorado, bem como notificação aos interessados para se pronunciarem sobre a aceitação da proposta apresentada.

Sendo a melhor proposta apresentada no valor de € 210.001,05.

16) Em 11/07/2023 a executada AA comunica a sua oposição à aceitação de tal proposta, em suma alegando:

Desde já se esclareça que a Executada não pode aceitar a proposta de aquisição apresentada.

Porquanto,

4.º

A proposta apresentada não atinge o valor minino, ou seja, 85% do valor base.

5.º

O que, só por si, deveria determinar a não aceitação de tal proposta.

Ainda,

6.º

No decurso do leilão eletrónico – que antecedeu a venda por negociação particular – foram apresentadas proposta de valor manifestamente superior,

7.º

O que significa que, a proposta apresentada revela-se desadequada aos valores de mercado.

Acresce que,

8.º

Não podemos deixar de duvidar da transparência de tal proposta, pois que, mais uma vez a primeira proposta foi apresentada no último dia da publicação às 15:22 e a última as 15:58.

9.º

Desconhecendo-se a identidade dos proponentes.

Por último,

10.º

A Executada mantém o firme propósito de regularizar a sua situação junto dos seus credores.

11.º

O que julgamos poderá ocorrer a breve trecho.

Nestes termos, requer-se a V/Exa. se digne receber a oposição da Executada quanto à proposta apresentada, nos termos e com os fundamentos supra expostos.”

17) O credor reclamante BB, bem como o credor Banco 1..., declararam aceitar a proposta apresentada (vide requerimentos de 12/07/2023 e de 13/07/2023 respetivamente).

18) O AE por requerimento de 16/08/2023 expõe e requer o seguinte:

“na data de 16/10/2019, ao registo de penhora do prédio urbano, descrito na conservatória do registo predial da Póvoa de Varzim com o número ...24/20110302 e inscrito na matriz sob o artigo ...43º, da freguesia ... e concelho ...;

- os executados não procederam ao pagamento da dívida, pelo que as diligências com vista à venda do imóvel prosseguiram os seus trâmites;

- por concordância de todas as partes, foi atribuído ao imóvel o valor mínimo de venda 255.000,00 euros;

- iniciou-se a venda deste mediante leilão eletrónico. O leilão encerrou em 10.01.2023, sendo que as licitações apresentadas foram de valor inferior ao mínimo de venda atribuído, tendo-se prosseguido na modalidade de negociação particular;

- foi o imóvel novamente inserido na plataforma e-leilões de forma a ser promovida a sua venda, agora mediante negociação particular. As propostas apresentadas foram de valor bastante inferior ao mínima atribuído, pelo que não se consideraram;

- em fevereiro de 2023 a execução é extinta tendo em consideração o acordo de pagamento celebrado entre a executada e a exequente, no entanto vieram os credores reclamantes requerer o prosseguimento da instância, nos termos do disposto no artigo 850º, nº 2 do C.P.C.

- em março de 2023 é a instância renovada, prosseguindo-se com a venda do imóvel mediante negociação particular;

- a executada, apesar das promessas de proceder ao pagamento dos valores em dívida junto dos credores reclamantes nunca o fez;

- foram recebidas diversas propostas de aquisição do imóvel, no entanto de valor inferior ao mínimo de venda atribuído ao bem penhorado;

- a proposta de maior valor foi apresentada no passado dia 27.06.2023, no valor de 210.001,05 euros;

- notificadas as partes, vieram os credores reclamantes informar que aceitam tal proposta, no entanto, sem grandes fundamentos ou justificações, vem a mandatária da executada informar que a proposta recebida não deve ser aceite, pelo facto de ser inferior ao mínimo que lhe havia sido atribuído;

- a diferença entre o valor mínimo atribuído e a melhor proposta recebida é de cerca de 45.000,00 euros;

No entendimento da A.E. o valor da última proposta, ajusta-se ao valor atual do imóvel, apesar de ser ligeiramente inferior ao valor mínimo anteriormente atribuído. No entanto e face à discordância das partes, requer-se a V. Exa., muito respeitosamente, o favor de se pronunciar pelo que achar por mais conveniente, nomeadamente informar se a A.E. deve ou não aceitar a proposta apresentada no valor de 210.001,05 euros.”

19) Em 11/09/2023, é proferido a seguinte decisão: “Atento o exposto pela AE, entendo justificar-se a aceitação da proposta de maior valor apresentada e, consequentemente, defiro o requerido”.

20) Notificada tal decisão aos interessados, veio a executada em 25/09/2023 requerer:

“Em 18 de setembro de 2023 foi a Executada notificada do ofício datado de 15 de setembro da Senhora Agente de Execução, no qual consta o despacho proferido que defere a venda da casa de morada de família da Executada.

Ora,

2.º

A Executada tudo tem feito no sentido de obter a liquidez necessária à satisfação dos créditos exequendos,

3.º

Sendo que, na presente data, aguarda o deferimento de empréstimo solicitado a terceiro com vista ao pagamento dos valores já comunicados pelos credores,

4.º

Nomeadamente pela Senhora Agente de Execução.

Assim,

5.º

E por forma a evitar que a Executada e os seus filhos menores fiquem desalojados, requer-se a V/Exa. se digne ordenar a suspensão da venda pelo prazo de 30 dias,

6.º

Permitindo assim que a Executada satisfaça os créditos reclamados nos autos.”

21) Notificados os interessados, veio o credor reclamante BB em 12/10/2023 declarar que “expressamente se opõe à suspensão da venda.”

22) A 16/10/2023 foi proferida a seguinte decisão:

“Atenta a posição assumida pelo exequente, indefiro a requerida suspensão da venda, por falta de fundamento legal.”

Decisão esta notificada aos interessados a 17/10/2023.


*

Do assim decidido interpôs a executada AA recurso apelação, oferecendo alegações e formulando as seguintes

Conclusões:

“1 - Foi a Recorrente notificada do despacho proferido nos termos do qual o Tribunal a quo determinou “(…) atenta a posição assumida pelo exequente, indefiro a requerida suspensão da venda, por falta de fundamento legal (…)”.

2 - Não pode a Recorrente conformar-se com tal entendimento.

3 - Em 25 de outubro de 2019, foi penhorado o “Prédio em propriedade total sem andares nem divisões suscetível de utilização independente, correspondente a uma casa de habitação de dois pisos, com logradouro. Sita na Rua ..., .... Pertencente ao concelho ..., freguesia .... Inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...43º e descrito na Conservatória de Registo Predial de Póvoa de Varzim sob o número ...24/20110302”.

4 - Imóvel esse que constitui a casa de morada de família da Recorrente e dos seus dois filhos menores.

5 - Por decisão proferida pela Senhora Agente de Execução, foi determinado “(…) Por força do disposto no artigo 837.º do CPC, decide-se pela venda do bem penhorado através de leilão eletrónico na plataforma www.e-leiloes.pt (…) sendo aceites propostas de valor igual ou superior a 85% do valor base: Valor base: 300.000,00€ (trezentos mil euros) Valor mínimo (85%): 255.000,00€ (duzentos e cinquenta e cinco mil euros) (…)”.

6 – Nem o Exequente, nem os credores reclamantes apresentaram reclamação quanto à decisão proferida.

7 - No primeiro leilão realizado nos autos, a última proposta tinha o valor de 254.000,00, a qual não foi aceite por ser inferior a 85% do valor base.

8 – Nos dois leilões realizados posteriormente, foram rececionadas duas propostas, de valor manifestamente inferior.

9 - Em 26 de abril de 2023 foi encerrado o leilão com uma proposta no valor de €205.001,09.

10 - Em 27 de junho de 2023, foi encerrado o leilão com uma proposta no valor de €210. 001,05.

11 - Ou seja, de valor manifestamente inferior ao valor mínimo fixado (e aceite por todos os intervenientes).

12 - A aceitação de tais propostas significa que o valor de venda do imóvel não é suficiente para a satisfação da integralidade dos créditos reclamados.

13 - O que não pode ser aceite.

14 - Não obstante, e sem notificar os intervenientes processuais, mormente a Recorrente, entendeu a Senhora Agente de Execução, requerer ao Tribunal a quo autorização para efetuar a venda do imóvel, nos termos da ultima proposta efetuada.

15 - Por despacho proferido, em 11 de setembro de 2023 – apenas notificado à Senhora Agente de Execução - veio o Tribunal a quo a declarar “(…) atento exposto pela AE, entende justificar-se a aceitação da proposta de maior valor apresentada e, consequentemente, defiro o requerido (…)”.

16 - Em 15 de setembro de 2023, a Senhora Agente de Execução notificou a Recorrente do requerimento que apresentou e do subsequente despacho proferido pelo Tribunal a quo.

17 - Em 25 de setembro de 2023, veio a Recorrente aos autos requerer a suspensão da venda, o que permitia evitar a venda da sua casa de morada de família, por valor que, nem tão pouco permite a satisfação integral dos credores.

18 - Apenas um credor reclamante – e não o Exequente – veio aos autos manifestar a sua oposição quanto ao pedido de suspensão do ato de venda.

19 - Ainda que conhecendo a factualidade supra, documentalmente demonstrada nos autos, veio o Tribunal a quo a proferir o despacho em crise, alegando factualidade que não tem respaldo documental – “posição do exequente” – e sem invocar um único normativo legal.

20 - O que viola o disposto no artigo 812.º do CPC.

21 - Esclarece a nossa jurisprudência que “(…) O valor base pode ser reduzido para o limite de 85% desse valor em duas outras situações: quando a venda se faz por proposta em carta fechada (artº 816º nº 2) e quando o exequente ou qualquer credor reclamante requeira a adjudicação dos bens penhorados (artº 799º nº 3 do CPC) (…)” (in Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-11-2017 disponível em www.dgsi.com).

22 - O que não se verificou in casu, pois que, a Senhora Agente de Execução avançou com a venda por negociação particular, através da plataforma e-leilões.

23 - Nem o Exequente, nem qualquer um dos credores reclamantes requereu a adjudicação do imóvel, pelo que, não poderia a venda ser efetuada por valor inferior ao fixado nos autos.

24 - O Tribunal a quo não invocou qualquer dificuldade na obtenção do valor fixado como valor base, nem teria fundamento para tal, pois que, conforme documentalmente demonstrado nos autos, no primeiro leilão efetuado, foi obtida uma proposta no valor de €254.000,00.

25 - Desta forma, o despacho proferido viola, grosseiramente, o disposto nos artigos 812.º e 816.º do CPC.

26 – Até porque, não pode o Tribunal a quo olvidar que, decorreram apenas alguns meses desde que foram iniciadas as diligências de venda do imóvel, o qual constitui a casa de morada de família da Recorrente e dos seus filhos menores.

27 - A Recorrente vem cumprindo acordo de pagamento com a Exequente, os restantes credores reclamantes têm garantias reais dos seus créditos – quer através de hipotecas, quer através de penhoras.

28 - Atento o supra exposto, deve o despacho proferido pelo Tribunal a quo ser revogado e substituído por outro que defira a suspensão da venda.

Nestes termos e nos demais de direito que V/Exas. Doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado o despacho proferido e substituído por outro que defira a suspensão da venda nos termos requeridos pela Recorrente.”

Não se mostram apresentadas contra-alegações pelos recorridos/credores.


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O recurso foi admitido, como de apelação, com subida imediata e nos próprios autos e efeito suspensivo.

Foram dispensados os vistos legais.


*

*


II- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pela apelante ser questão a apreciar se a venda em causa deveria ter sido suspensa.


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III- Fundamentação.

As vicissitudes processuais relevantes para a apreciação do objeto do recurso são as acima elencadas.


***

Conhecendo.

Da tramitação processual acima relatada, cumpre realçar que a executada viu penhorado um seu imóvel em 16/10/2019.

A execução sofreu várias vicissitudes descritas no relatório supra, tendo em 28/06/2022 sido decidida a venda do imóvel mencionado através de leilão eletrónico.

O qual teve início a 25/11/2022.

Sendo indicado: como valor patrimonial do imóvel € 120.541,40; valor base de venda € 300.000,00 e valor mínimo de venda (85%): € 255.000,00.

Este leilão viria a ser encerrado a 10/01/2023 (mais de mês e meio depois) sem propostas apresentadas que respeitassem o valor mínimo de venda.

Por acordo com a exequente a execução é extinta, sendo renovada a pedido dos credores reclamantes em 16/03/2023.

Então é determinada a venda por negociação particular, tendo por base os mesmos valores.

Venda iniciada a 06/04/2023 e terminada a 26/04/2023.

Sendo a melhor proposta apresentada no valor de € 205.001,09, rejeitada pela executada, MºPº e Banco 2.... Com o argumento de ser de valor inferior ao mínimo fixado.

Decidida, perante a oposição manifestada, nova venda por negociação particular, com os mesmos valores base, com início em 06/06/2023 e encerramento em 27/06/2023 (cerca de 20 dias) é a mesma de novo encerrada, sem apresentação de proposta que observe o valor mínimo fixado.

A melhor proposta obtida foi então de €210.001,05 (ligeiramente superior à anterior).

Proposta sobre a qual apenas a executada de novo manifestou oposição à sua aceitação, pelos motivos que expôs em 11/07/2023.

Exposta pelo AE a posição da executada e demais interessados sobre a proposta apresentada – que por tanto e para tal exerceram o seu direito a emitir pronúncia sobre a questão – solicitou a AE a intervenção do tribunal, com vista a assumir posição sobre a questão.

Tendo o tribunal decidido ser de deferir a aceitação da proposta apresentada (vide decisão de 11/09/2023 e mencionada no ponto 19 do relatório).

Do assim decidido não foi interposto recurso, pelo que transitou em julgado.

Sendo esta a sucessão das vicissitudes relevantes para o objeto do presente recurso, veio então a executada por requerimento de 25/09/2023 requerer, em suma, a suspensão da venda por 30 dias.

Alegando estar a envidar esforços para obter liquidez necessária à satisfação dos créditos exequendos.

Mais alegando que com a sua pretensão visa obviar a que a mesma e seus filhos fiquem desalojados daquela que é a sua casa de morada de família.

Não tendo havido acordo de todos os interessados, nomeadamente de um credor reclamante (o credor BB), indeferiu o tribunal a quo o requerido por falta de fundamento legal.

É desta decisão que a recorrente recorre.

Sendo esta a decisão objeto de recurso, resulta que toda a alegação da recorrente relativa ao desenvolvimento processual, opção pelas vendas por negociação particular e valores fixados, bem como decisão de autorizar essa mesma venda pelo valor que foi aceite pelo tribunal a quo na decisão de 11/09/2023, por já transitadas, nenhum efeito útil têm para o objeto do recurso [vide em concreto conclusões 1 a 16 e 20 a 24].

A única questão que aqui releva apreciar é se existe fundamento legal para que a suspensão da concretização da venda peticionada pela recorrente seja deferida.

E para tanto a mesma limitou-se a invocar que pretendia obter meios de liquidar a dívida exequenda, sem que tal venda se processasse.

Respeitando a pretensão da executada de evitar a concretização da venda, há que reconhecer que esta só poderia ser satisfeita no âmbito de acordo obtido entre si e exequentes/credores reclamantes que promoveram a prossecução da execução.

Acordo que a mesma não obteve.

A suspensão de venda de bem imóvel, por decisão judicial já autorizada com trânsito em julgado, só poderá ser deferida desde que exequente e executados/credores estejam de acordo.

Inexiste como tal, fundamento legal para obviar à venda que o tribunal a quo autorizou e sobre cuja decisão não foi interposto recurso.

Acresce, atendendo a que a executada mencionou estar em causa a sua morada de família, se entendido como a sua habitação principal, ser a questão de apreciar em sede própria por via do previsto no artigo 861º nº 6 e 865º do CPC.

Em suma, inexiste fundamento para a procedência do recurso.

Por último de referir que o assim decidido, não interfere com a informação prestada nos autos em 11/09/2024 quanto à pendência de um PEAP.

Sendo os efeitos de tal pendência a apreciar oportunamente pelo tribunal a quo.


***

IV. Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente mantendo a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Porto, 2024-10-07

Fátima Andrade

Jorge Martins Ribeiro

José Eusébio Almeida

__________________________
[1] No apenso A foram reconhecidos e graduados os créditos reclamados pelos credores MºPº em representação da Fazenda Nacional; BB e mulher; Banco 1....