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CONDOMÍNIO
ESPLANADA
APROVAÇÃO DE INOVAÇÃO EM PARTE COMUM
ALTERAÇÃO DO CONSENTIMENTO INFORMAL PRÉVIO
ABUSO DE DIREITO
Sumário
1. A aprovação de uma inovação a realizar na parte comum de um prédio, constituído em propriedade horizontal, por uma maioria de condóminos representativa de, pelo menos, 2/3 do valor do prédio, deve ser obtida por deliberação em assembleia de condóminos (arts.1425º e 1432º do CC). 2. A alteração de vontade de dois condóminos (entre o consentimento informal prévio à assembleia prestado junto da ré e o voto contrário dado em assembleia de condóminos) não é suficiente para integrar um abuso de direito, quando: a) A reunião pela ré de consentimentos informais de proprietários/condóminos para a instalação de uma inovação, na proporção de cerca de 1/3 do valor do prédio, não é apta a conferir-lhe uma justa expectativa de obter na assembleia que se viesse a realizar a aprovação da maioria dos condóminos, pelo menos na proporção de 2/3 do valor do prédio. b) O valor dos votos dos dois condóminos de frações que votaram contra a inovação na assembleia de condóminos, em contrariedade com o consentimento anterior, não é suficiente para, face aos demais factos alegados e provados, considerar que foi esta alteração que obstou à aprovação da maioria dos condóminos representativa de 2/3 do valor do prédio.
Texto Integral
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório:
Na presente ação declarativa de condenação sob a forma comum de processo, instaurada por CONDOMÍNIO ... SITO NA RUA ..., ..., GUIMARÃES, contra AA: 1. O autor: 1.1. Pediu: a condenação da ré na remoção, a expensas suas, de uma esplanada por si identificada, bem como a abster-se de, no futuro, colocá-la novamente sem autorização sua; a fixação da sanção pecuniária compulsória no valor de €100,00 por cada dia de atraso no cumprimento daquilo que vier a ser decidido em sentença. 1.2. Alegou, para o efeito e em síntese: que a ré é arrendatária de uma das frações autónomas que integram o condomínio autora (a saber, a fração ...) onde se encontra instalado um estabelecimento comercial (café) explorado pela demandada; que a ré instalou numa zona comum do condomínio, situada na parte traseira adjacente ao estabelecimento, uma esplanada, com uma pérgula, mesas e cadeiras sem o consentimento unânime dos condóminos; que a área ocupada correspondia a uma área de circulação e a instalação da referida estrutura de esplanada numa parte comum do edifício impede os condóminos de a utilizarem sem serem clientes do estabelecimento; que a referida instalação e utilização exigia o consentimento unânime dos condóminos; que a assembleia de condóminos realizada a 23.06.2021 votou expressamente contra a instalação dessa estrutura. 2. Regularmente citada, a ré apresentou contestação, na qual: 2.1. Reconheceu a instalação da esplanada com a estrutura descrita na petição inicial; impugnou, por desconhecimento, a alegação de que essa instalação foi feita numa área comum do condomínio; defendeu que a instalação não carecia de autorização unânime dos condóminos mas que era suficiente uma maioria qualificada de 2/3, nos termos do art.1425º do CC, maioria que considera que logrou obter através dos consentimentos que recolheu da maior parte dos condóminos, à exceção de 3. 2.2. Deduziu pedido reconvencional para a hipótese de procedência da ação, pedindo a condenação do autor/reconvindo no pagamento, a seu favor, da quantia de € 7 196,12, correspondente às despesas por si suportadas com a instalação da referida esplanada. 3. O autor apresentou réplica, na qual defendeu a inadmissibilidade do pedido reconvencional e, se fosse admitido, a sua improcedência (impugnando todos os factos alegados na réplica). 4. Realizou-se uma tentativa de conciliação, que se frustrou. 5. Por despacho datado de 22.03.2023: foi fixado o valor da causa em € 12 196, 13; foi decidido não admitir o pedido reconvencional deduzido; proferiu-se saneamento tabelar e procedeu-se ao imediato agendamento da realização da audiência de julgamento nos termos do art.597º/g) do CPC. 6. Realizou-se a audiência de julgamento, na qual: 6.1. Na sessão de 05.07.2023 foram inquiridas testemunhas e foi proferido o seguinte despacho de produção de prova documental:
«Pela testemunha BB foi referido que é inquilina da fração autónoma que corresponde ao ... Andar do condomínio Autor, que era inquilina e não proprietária, sendo certo que a Ré em sede de declarações de parte referiu que tentou recolher junto da referida D. BB a sua assinatura no documento que consubstancia o documento n.º 7 junto com a contestação.
Uma vez que as assinaturas a serem recolhidas deveriam tê-lo sido junto dos condóminos e não de eventuais arrendatários e desconhecendo o tribunal se quem assinou o documento em causa foram os efetivos condóminos e não eventuais arrendatários das frações em causa e também para aferir da recolha das assinaturas referentes às frações autónomas que consubstanciam as garagens, determino que seja a Ré notificada para, em 10 dias, juntar aos autos certidão permanente atinente a cada uma das frações autónomas que constituem o condomínio Autor.
Para continuação da presente audiência de julgamento designo o próximo dia 21 de setembro de 2023, pelas 13:45 horas.» 6.2. A 07.09.2023 a ré declarou «vem proceder à junção aos autos de certidão permanente atinente a cada uma das frações autónomas que constituem o condomínio Autor», juntando a mesma certidão. 6.3. Na sessão de 21.09.2023:
a) Foi tentada uma conciliação das partes, nos seguintes termos lavrados em ata:
«Declarada aberta a audiência de julgamento, A Mma Juiz, e porque resulta da certidão predial junta aos autos que os efectivos condóminos que assinaram o doc. que consubstancia o doc. n.º 7 junto com a contestação não perfazem sequer os 300%, procurou conciliar as partes, sugerindo a fixação de um prazo até final de Novembro de 2023 para que a R. removesse a pérgola e a esplanada do espaço comum.
Pelo ilustre mandatário da R. foi solicitada a concessão de alguns minutos para conferenciar com a sua cliente, o que lhe foi concedido pela Mma. Juiz, tendo, findo esse prazo, comunicado que a demandada não aceitava a sugestão efectuada.»
b) Foram proferidas alegações e ordenada a conclusão do processo para prolação de sentença. 7. A 26.10.2023 foi proferida sentença, na qual foi decidido:
«Pelo exposto, o Tribunal julga a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e consequentemente condena a R. a remover, a expensas suas, a esplanada identificada nos arts. 2.º, 3.º, 5.º e 6.º e a abster-se de, no futuro, colocar novamente a esplanada sem autorização do condomínio, absolvendo-a do mais peticionado.
Custas pelo A. na proporção de 1/6 não se condenando a R. em custas em virtude do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.». 8. A ré interpôs recurso, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«1. A recorrente não concorda com a decisão proferida, pelos motivos que infra exporá, mas que se enunciam assim:
- erro notório na apreciação da prova relativamente à matéria de facto controvertida;
- erro de julgamento de facto e aplicação de direito;
- se a decisão recorrida constitui uma “decisão-surpresa”, violando o princípio do contraditório e as consequências dessa inobservância;
- se a decisão recorrida é nula por excesso de pronúncia, por proceder ao conhecimento de questão não suscitada pelas partes.
2. Compulsados os autos e aquilatada toda a prova, entende a recorrente que a materialidade dada por provada sob os pontos i), j), k), l), e m) encontram-se incorretamente julgados merecendo decisão diversa da prolatada por haver concretos meios de prova produzidos que impõe essa modificação.
3. Analisado o teor da certidão predial junta pela ré, em 07.09.2023, contrariamente à convicção formada pelo Tribunal recorrido, da mesma resulta que, por conta da fracção ... assinou a sua legítima proprietária, CC, encontrando-se a referida fracção registada a seu favor, através da AP ...3 de 1999/07/12.
4. Tal factualidade terá, pois, de ser corrigido, resultando da dita prova documental da qual o Tribunal a quo se socorreu que a condómina, CC, é, simultaneamente, a legítima proprietária da fracção autónoma designada pela letra ..., para além da fracção ....
5. Deverá, assim, ser dada nova redação ao facto assente sob o ponto m), dele ficando a constar a seguinte redacção:
m) Por conta da fracção ... assinou a sua legítima proprietária, CC, sendo, simultaneamente, a titular registada do direito de propriedade incidente sobre a da fracção ....
6. E, por conseguinte, deveria o Tribunal recorrido ter concluído que, para além dos condóminos das fracções ..., ..., ..., ..., ... e ..., também a condómina das fracções ... e ... autorizou a ré a instalar a referida esplanada.
7. Factualidade que foi, erradamente, considerada pelo Tribunal e que, desde já, importa corrigir.
8. Nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada, entre o mais, se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas, podendo a Relação, sem necessidade de fazer baixar o processo à 1ª instância, fixar a matéria de facto em consonância com esses elementos, reformando, assim, os factos. Considera, pois, a recorrente que, no caso concreto, essa actividade se justifica atento o vindo de expor.
9. Relativamente às fracções identificadas nos pontos i), j), k) e l) da matéria assente, a respeito da invocada incúria da ré de não se ter certificado de que as pessoas cujas assinaturas recolheu não coincidirem com a dos condóminos, quanto a essa parte, a solução dada pelo Tribunal, e que não foi configurada por nenhuma das partes, constitui uma verdadeira decisão-surpresa.
10. A decisão tomada pelo Tribunal relativamente à notada ilegitimidade dos outorgantes que autorizaram a instalação da dita esplanada, nunca foi discutida pelas partes e esteve na base da decisão proferida, configurando, uma decisão-surpresa com a consequente inobservância do contraditório das partes, nomeadamente, da recorrente.
11. Na verdade, o Tribunal recorrido entendeu extrair tal conclusão sem antes ter procurado esclarecer tal factualidade com a ré.
12. De facto, após a junção da certidão predial pela ré/recorrente, o Tribunal sempre poderia ter determinado a sua notificação pessoal, para prestação de esclarecimentos sobre tais factos, nomeadamente, em que condições tais assinaturas foram recolhidas, por tal assumir todo o interesse à decisão da causa, observando, dessa forma, o exercício do direito ao contraditório.
13. Pese embora não tenha tido oportunidade de esclarecer tal situação perante o Tribunal a quo, quanto à recolha das assinaturas, a ré sempre inferiu que os signatários tinham plena legitimidade para tal acto, e só assim se justificaria que a ré tivesse ousado avançar com a instalação da esplanada e todos os custos associados à mesma.
14. Começando pela fracçção descrita no ponto i), a signatária, DD, inquirida na qualidade de testemunha indicada pela ré, para além de ter autorizado a instalação da esplanada enquanto condómina das fracções ... e ..., fê-lo, igualmente, quanto à fracção ... por ter poderes para tal, no caso, uma procuração que a legitimava a praticar tal acto. O mesmo resulta da acta da assembleia de condóminos realizada em 23.06.2023, junta pelo autorc sob o documento n.º 1, e da qual consta que a condómina em causa, não só interveio enquanto condómina das fracções ... e ..., mas de outras.
15. O mesmo tendo sucedido no que à assinatura relativa à fracção ... respeita aquando da recolha levada a cabo pela ré.
16. Prosseguindo, o mesmo raciocínio deverá aplicar-se relativamente à fracção ... que, segundo a sentença sob censura, foi assinado por EE, enquanto o direito de propriedade incidente sobre esta fracção se encontra registado a favor de FF, casada com GG sob o regime de separação de bens.
17. A verdade é que, também, quanto a esta fracção, a ré, no momento da recolha das assinaturas, inferiu que a pessoa em causa tivesse legitimidade para tal, nunca tendo motivos para duvidar, por lhe ter sido transmitido que teria os necessários poderes para tal acto, no que a ré confiou.
18. Continuando, no que à fracção autónoma designada pela letra ... diz respeito, como resulta da sentença em crise, a assinatura recolhida foi de HH, encontrando-se o direito de propriedade incidente sobre esta fracção registado em nome de II, solteira, maior, a qual é filha daquela.
19. Nunca pela signatária foi dito à ré que não se tratava da legítima proprietária de tal fracção, bem pelo contrário, sempre tendo agido, a semelhança dos outros outorgantes, como se se tratasse da sua legítima proprietária, assim o fazendo perante todos.
20. Por fim, relativamente às fracções ... e ... cuja assinatura consta JJ, embora tais fracções se encontrem registadas a favor de KK, cumpre esclarecer que os mesmos vivem em situação análoga à dos cônjuges, usufruindo ambos do imóvel como se de marido e mulher se tratassem.
21. Como é evidente, em face dessa situação, a ré nunca desconfiou que tais fracções apenas pertencessem a um dos unidos de facto e que apenas um dele pudesse assinar o que quer que fosse, nem o contrário lhe foi dito pela referida signatária.
22. Note-se que, em momento algum, a signatária em causa referiu não se tratar da legítima proprietária do imóvel, nem o contrário resulta dos autos, bem pelo contrário.
23. Aliás, com o próprio autor acontece uma situação semelhante à da ré, porquanto foi, igualmente, JJ, quem interveio na assembleia de condomínio realizada em 23.06.2021, em representação das mesmas fracções ... e ..., tendo assinado, inclusivamente a respetiva acta.
24. Nessa medida, não só se deverá entender que a assinatura foi legitimamente recolhida pela ré, quanto à fracção ..., mas, também, quanto à AB, por ser da propriedade do mesmo condómino.
25. Isto dito, deverá concluir-se que, caso tivesse sido concedida a oportunidade à ré para prestar esclarecimentos depois de junta a certidão predial, poderia o Tribunal ter decidido de outra forma. A ré teria explicado todo o caminho que percorreu na recolha das assinaturas e teria procurado demonstrar a legitimidade dos outorgantes não condóminos a agir em representação dos condóminos.
26. Acresce que, depois de junto tal documento aos autos, também não foi dada à ré a possibilidade de arrolar os signatários da autorização em questão para poderem vir aos autos explicar as circunstâncias que envolveram o acto as assinaturas.
27. Em face do exposto, resulta que a falta de legitimidade dos outorgantes foi uma questão suscitada oficiosamente pelo Tribunal e não pelas partes. E, nessa medida, por ter baseado a sua decisão em questão não suscitada partes mas oficiosamente, deveria o Tribunal recorrido, previamente, ter convidado ambas as partes a sobre elas tomarem posição - cf., neste sentido, o acórdão proferido no processo n.º 14227/19.8T8PRT.P1, em 02-12-2019, consultável em www.dgsi.pt.
28. A ré não teve, pois, hipótese de abordar e debater tal factualidade factos, sendo que poderia ter trazido aos autos os esclarecimentos necessários.
29. Como tal, o exercício do contraditório é sempre justificável, podendo, pois, permitir que a pronúncia sobre tal questão viesse a influenciar a decisão do Tribunal que, na óptica da recorrente, nem sequer será de conhecimento oficioso.
30. Deverá, pois, na senda da recorrente, salvo o devido respeito por opinião diversa, decidirse pela violação do princípio do contraditório, mal tendo andado o Tribunal recorrido ao não ter decidido pela sua observância, previamente à decisão.
31. Por conseguinte, a não observância do contraditório, no sentido de não se conceder às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão a conhecer, na medida em que possa influir no exame ou decisão da causa, constitui uma nulidade processual, nos termos do artigo 195.º, que tem de ser arguida, de acordo com a regra geral prevista no artigo 199.º, ambos do Código de Processo Civil, nada obstando a que a mesma seja arguida nesta sede, não podendo a decisão recorrida ser mantida.
32. Para o caso de assim não se entender, o por mera cautela de patrocínio se invoca, entende a recorrente estar perante uma situação que configura uma nulidade da decisão por excesso de pronúncia, contemplada na al. d), do n.º 1, do artigo 615.º, do C.P.C..
33. In casu, entendemos que ocorreu excesso de pronúncia tendo em conta que na sentença recorrida se conheceram questões não suscitadas pelas partes e que não são de conhecimento oficioso.
34. Entende a recorrente que ocorreu uma nulidade por excesso de pronúncia por ter sido aflorada na sentença recorrida uma eventual falta de legitimidade, situação não suscitada nem pedida pelas partes, e que não constituí questão de natureza oficiosa, inquinando, assim, a decisão e conduzindo à verificação da respetiva nulidade, nos termos previstos no art. 615º, n.º 1. al. d) do Código de Processo Civil.
35. Para o caso de ainda assim não se entender, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, sempre se poderá entender estarmos perante um caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, pelo que deverá este Tribunal superior ordenar a produção de novos meios de prova, com repetição de julgamento, nos termos do artigo 662.º, n.º 2. al. c), do CPC, quanto aos factos dados por assentes insertos nos pontos i), j), k), e l), na medida do supra exposto, tendo em conta que a prova poderá levar à prolação de decisão diversa.
36. O acórdão recorrido olvidou-se de assumir o consentimento prestado pelo senhorio da recorrente, proprietário da fracção designada pela letra .... Não só o mesmo se poderá presumir, como decorre da acta da assembleia de condóminos realizada 23.06.2021, junta pelo autor sob o documento n.º 1.
37. Para além disso, a sentença em crise não teve em consideração uma realidade jurídica que assume relevância para a boa decisão da causa. Isto é, as fracções autónomas designadas pelas letras ... (19 ‰), S (7‰), T (15‰) e X (6‰), num total de 47 ‰, não têm qualquer registo pendente e, por via disso, não possuem qualquer proprietário.
38. Em face disso, sempre deveria o Tribunal recorrido ter decidido excluir tal valor para poder achar o valor total do prédio que, ao invés de 1000‰, sempre seria de 953 ‰.
39. Da sentença em crise resulta sob o ponto q) da factualidade provada que na assembleia de condóminos realizada em 23.06.2021, votaram contra a instalação da esplanada as fracções ... (50 ‰), D (68 ‰), F (68‰), N (65‰), AA (6‰) e AC (6‰), num total de 263‰ do valor investido o prédio.
40. Ora, excluindo a fracção ... que, recorde-se, concordou com a instalação da esplanada, o quórum que deliberou a dita remoção contabilizou 198‰, isto fazendo os cálculos pelo valor total do prédio de 1000‰ que, como se disse supra, atenta a situação registral das fracções ..., ..., ... e ... não corresponde ao seu valor total que haverá antes considerar-se de 953‰.
41. Tendo isto presente e todo o vindo de se dizer a respeito das assinaturas de tal documento, facilmente se alcança que a recorrente reuniu a autorização de 2/3 do valor total do prédio no sentido de instalar a esplanada.
42. Na verdade, considerando que o valor do capital investido é de 953‰ e que os outorgantes de tal declaração contabilizam 653‰ resulta evidente que a ré colheu a autorização de 68,5204‰ do valor total do prédio.
43. Assim, ao contrário do raciocínio plasmado na decisão recorrida, a ré obteve, sem margem para dúvidas, autorização de mais de 2/3 do capital investido do prédio, o que legitimou a instalação da referida esplanada.
44. Por outro lado, atento o disposto no 1432.º do Código Civil, entendemos que o quórum que decidiu pela remoção da esplanada não possui legitimidade para tomar qualquer deliberação e, muito menos, poderia ter legitimado a instauração dos presentes autos.
45. Nessa medida, não pode considerar-se válida a deliberação da remoção da esplanada votada apenas pelas fracções ..., ..., ..., ... e ..., pois, como é fácil de ver, não representa - nem de perto, nem de longe - a maioria dos votos representativos do capital do prédio onde se insere o estabelecimento comercial explorado pela recorrente.
46. Ademais, cabe realçar que na assembleia de condóminos de 23.06.2021 cuja acta foi junta pelo autor sob o documento n.º 1, por iniciativa do representante da fracção ..., foi colocada à votação a possibilidade de manutenção da esplanada com a remoção da pérgula lá existente, proposta essa que colheu a aprovação de 349 votos correspondentes às fracções ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ou seja, colheu mais votos do que a deliberação tomada no sentido da remoção.
47. Pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião, não se concebe como pode ter sido dada legitimidade ao recorrido para mover uma acção judicial contra a recorrente com vista à remoção de uma esplanada quando a votação maioritária dos condóminos vai no sentido da manutenção da esplanada (ainda que com uma condição) e não no da sua remoção.
48. Continuando, como resulta da documentação junta aos autos, previamente à instalação da esplanada a ré recolheu o consentimento dos condóminos, o que sucedeu em Abril de 2021. Posteriormente, em 23.06.2021, ou seja, dois meses depois, parte dos condóminos deliberou que a dita esplanada deveria ser removida. Aliás, alguns desses condóminos que concederam a autorização para a sua instalação, alteraram, em tão curto lapso temporal, radicalmente a sua posição.
49. Tal conduta revela-se manifestamente contrária aos ditames da boa fé, consubstanciando uma situação de absoluto abuso de direito, na modalidade de supressio, relativamente ao direito do recorrido poder exigir a remoção da esplanada.
50. O artigo 334.º do Código Civil estabelece que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
51. O abuso do direito traduz-se numa utilização do direito que não foi querida pelo legislador.
52. A conduta dos condóminos que, em Abril, aceitaram a instalação de uma esplanada e, posteriormente, em Junho do mesmo ano, decidiram votaram pela sua remoção, constitui uma clara situação de abuso de direito na modalidade da supressio, violando, dessa forma, as expectativas geradas pela aqui recorrente.
53. Claramente o comportamento do recorrido está ferido de má-fé, devendo o instituto do abuso de direito ser aplicado, nos termos supra expostos, e, por conseguinte, decidir-se pela manutenção da referida esplanada.
Nestes termos e nos melhores doutamente supridos por V.as Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso, em consequência do que deve ser revogada a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente, por não provada.». 9. O recorrido apresentou resposta, na qual defendeu a sentença recorrida de facto e de direito. 10. A 19.02.2024 foi proferido despacho a admitir o recurso como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo e foi considerado não existir razão à recorrente em defender a nulidade da sentença recorrida (....) 11. Subido o processo a esta Relação, foi recebido nos termos admitidos na 1ª instância, inscreveu-se em tabela, colheram-se os vistos e realizou-se a conferência.
II.Questões a decidir:
As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC.
Definem-se como questões suscitadas, a apreciar pela ordem lógica com que as mesmas devem ser conhecidas: 1. Arguição de falta de legitimidade do condomínio para instaurar a ação a pedir a remoção da esplanada (conclusões 46 e 47). 2. Arguição de invalidade da sentença recorrida: 2.1. Por falta de cumprimento de contraditório (arts.195º e 199º do CPC) ou, se assim não se entender, por nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia (art.615º/1-d) do CPC) (conclusões 9 a 34). 2.2. Por, subsidiariamente,se dever anular e repetir o julgamento, nos termos do art.662º/2-c) do CPC (conclusões 35 a 36), em face do contraditório não exercido na 1ª instância e exercido nas alegações (....) 3. Impugnação da matéria de facto: 3.1. Da matéria de facto provada em i), j), k) e l): se esta matéria de facto está impugnada (conclusão 2). 3.2. Da matéria de facto provada em m) («m)Por conta da fracção ... assinou a LL, encontrando-se o direito de propriedade sobre esta fracção registado em nome de EMP01..., Lda.»): se, face à certidão junta nos autos, deve ser alterada a matéria de facto provada para a seguinte versão «m) Por conta da fracção ... assinou a sua legítima proprietária, CC, sendo, simultaneamente, a titular registada do direito de propriedade incidente sobre a da fração ... (conclusões 3 a 5, 7 e 8). 4. Invocação de erro na sentença recorrida: 4.1. Por a recorrente ter reunido autorização de 2/3 (68, 5204%o) do valor total do prédio no sentido de instalar a esplanada (653% de 953%o) (conclusões 41 a 43): por as frações ..., ..., ... e ..., num total de 47%o não possuírem proprietário (uma vez que não têm qualquer registo pendente), pelo que o valor total do prédio não deve ser achado em 1000%o mas em 953%o (conclusões 37 e 38); por terem autorizado a referida esplanada os condóminos das frações ... (conclusão 36), os das frações ... e ... (conclusão 6), o condómino da fração ..., pelo que o quórum da al. q) (263%) contabilizou 198% (conclusões 39 a 45). 4.2. Porocorrer uma situação de abuso de direito (art.334º do CC), por a alteração da vontade dos condóminos para a instalação da esplanada, entre abril de 2021 e a assembleia de 23.06.2021, ser manifestamente contrária aos ditames da boa-fé (conclusões 48 a 53)
. III. Fundamentação:
1. Matéria de facto provada: 1.1. Matéria de facto provada na sentença recorrida (alterada em III-2.3.2. infra quanto ao facto m)):
«a)O condomínio A. consubstancia um prédio constituído em propriedade horizontal composto por 28 fracções autónomas, com as seguintes permilagens: A: 49 %o B: 36 %o C: 50 %o D: 68 %o E: 68 %o F: 68 %o G: 68 %o H: 68 %o I: 68 %o J: 68 %o L: 68%o M: 68 %o N: 65 %o O: 65 %o P: 21 %o Q: 19 %o R: 7 %o S: 7 %o T: 15 %o U: 6 %o V: 6 %o X: 6 %o Z: 6 %o AA: 6%o AB: 6 %o AC: 6 %o AD: 6 %o AE:6%o b) A R. é a arrendatária da loja correspondente à fracção autónoma ... do condomínio A., sita no ... da Rua ..., ..., CP ..., freguesia ..., concelho ...; c) Na fracção identificada em b) a R. explora um estabelecimento comercial onde funciona um café, denominado “EMP02...”; d) O estabelecimento mencionado em c) tem um horário de funcionamento de pelo menos entre as 08h00 e as 20h00 (segunda-feira a sábado) e entre as 8h00 e as 13h00 (domingo); e) A R. procedeu à instalação de uma esplanada na parte posterior (traseiras) adjacente ao estabelecimento, com uma pérgula, mesas e cadeiras; f) O local mencionado em e) encontra-se pavimentado em cimento bruto; g) O local mencionado em e) corresponde parcialmente ao tecto de garagens/lugares de aparcamento que integram o condomínio A. e identificados supra como fracções ... a ...; h) Previamente à instalação da esplanada mencionada em e) a R. recolheu o consentimento dos utilizadores das fracções ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ...; i) Por conta da fracção ... assinou DD, encontrando-se o direito de propriedade incidente sobre esta fracção registado em nome de MM, casado com NN no regime de separação de bens; j) Por conta da fracção ... assinou EE, encontrando-se o direito de propriedade incidente sobre esta fracção registado em nome de FF, casado com GG no regime de separação de bens; k) Por conta da fracção ... assinou OO, encontrando-se o direito de propriedade incidente sobre esta fracção registado em nome de II; l) Por conta da fracção ... assinou JJ, encontrando-se o direito de propriedade incidente sobre esta fracção registado em nome de KK; m) Por conta da fracção ... assinou LL, encontrando-se o direito de propriedade incidente sobre esta fracção registado em nome de EMP01... Lda.; n) A titular registada do direito de propriedade incidente sobre a fracção ... é simultaneamente a titular registada do direito de propriedade incidente sobre a da fracção ...; o) A titular registada do direito de propriedade incidente sobre a fracção ... é simultaneamente a titular registada do direito de propriedade incidente sobre a fracção ...; p) No dia 23.06.2021 foi realizada assembleia de condóminos do condomínio A., tendo estado presentes ou representados os proprietários das fracções ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ...; q) Na assembleia mencionada em p) os proprietários das fracções ..., ..., ..., ..., ... e ... votaram contra a instalação da esplanada e pérgula.».
1.2. Matéria de facto aditada por esta Relação (art.663º/2 e 662º/2-c) do CPC):
a) O prédio descrito na Conservatória de Registo Predial e Comercial e de Automóveis ..., sob o nº...23 da freguesia ...: foi adquirido por EMP01..., Lda. a EMP03..., Lda. por compra, com registo de propriedade em seu favor pela Ap. ...5 de 1998/09/09; foi constituída a propriedade horizontal sobre o mesmo pela Ap. ...0 de 1999/02/01, geradora, após retificações, das frações referidas em III- 1.1.-a) supra (certidão de fls.124 ss).
b) As frações ..., ..., ... e ... do prédio referido em 1.1-a) e 1.2.- a) têm a identificação «Ap. ...5 de 1998/09/09- Aquisição», antes dos registos das referências das Apresentações de Constituição de Propriedade Horizontal, Aditamento de Alvará de Loteamento e Alteração de Alvará de Loteamento (fls.139/v, 140/v, 141 e 142/v da certidão de fls.124 ss).
c) Em referência aos consentimentos referidos em 1.1.-h) supra: c1) Por conta da fração ... (...) subscreveu PP, em favor de quem se encontra inscrito o direito de propriedade por aquisição pela Ap. ...59 de 2016/09/13 (documento de fls.36 e fls.135 da certidão). c2) Por conta da fração ... (....) subscreveu DD, em favor de quem se encontra inscrito o direito de propriedade juntamente com o seu marido QQ, por aquisição, pela Ap. ...4 de 1999/07/14 (documento de fls.36 e fls.136/v da certidão). c3) Por conta da fração ... (....) subscreveu RR, encontrando-se inscrito o direito de propriedade, por aquisição, pela Ap. ...0 de 1999/06/1999, em favor de SS, no estado de casado em comunhão de adquiridos com aquela subscritora (documento de fls.36 e fls.137 da certidão). c4) Por conta da fração ... (....) subscreveu TT, em favor de quem se encontra inscrito o direito de propriedade por aquisição pela AP ...3 de 1999/07/12, no estado de casado em comunhão de adquiridos com UU (documento de fls.36 e fls.138 da certidão).
2. Apreciação do mérito do recurso: 2.1. Falta de legitimidade do condomínio para instaurar ação para a remoção da esplanada:
A recorrente defendeu que não se concebe que tenha sido dada legitimidade ao recorrido para mover uma ação judicial para remover a esplanada, uma vez que a ata de 23.06.2021 (junta com a petição inicial sob o documento nº1) documenta que foi aprovada a possibilidade de manutenção da esplanada com a remoção da pérgula lá existente por 349 votos (das frações ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ...), votação superior à votação de remoção da esplanada e da pérgula (conclusões 46 e 47).
Importa apreciar.
Estas conclusões de recurso não pediram qualquer efeito jurídico concreto.
De qualquer forma, ainda que a recorrente tenha pretendido com a mesma suscitar uma questão a conhecer, verificar-se-ia: que a recorrente não suscitou a presente questão na sua contestação e suscitou-a a pela primeira vez neste recurso de apelação; que a sentença recorrida não apreciou a questão suscitada, em decisão que pudesse ser reapreciada por esta Relação.
Ora, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais já proferidas e não são meios pelos quais as partes possam suscitar judicialmente questões novas a decidir, salvo quanto àquelas que possam ser conhecidas oficiosamente. De facto, como refere António Abrantes Geraldes «os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis»[i].
Assim, a recorrente suscitou neste Tribunal ad quem uma questão nova.
Ainda que se entenda que a questão suscitada poderia ser de conhecimento oficioso, verificar-se-ia que a invocação existência de uma deliberação maioritária que aceite a manutenção da referida esplanada sem a pérgula: não corresponde a uma falta de legitimidade processual para a instauração da ação para a remoção, nos termos do art.30º do CPC; não é, também, suficiente para reconhecer a falta de poderes da administração para representar o condomínio na instauração da ação.
De facto, o condomínio (que beneficia da extensão de personalidade judiciária nos termos do art.12º/e) do CPC), ao demandar a ré para remover uma esplanada e uma pérgula, com fundamento que estas foram por si instaladas na parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal, sem aprovação dos condóminos, é parte ativa legítima, uma vez que tem interesse em demandar, expressa pela utilidade passível de derivar da procedência da ação para o condomínio do prédio, de acordo com a configuração por si dada da relação material controvertida (art.30º do CPC; art.1437º do CC).
Por sua vez, apesar de na ata da assembleia de condóminos de 23.06.2021, realizada com a presença de condóminos correspondente a 61% do capital investido (612 de permilagem) (fls.7 ss), se ter lavrado no seu ponto 3 a votação de 263 votos expressos contra a instalação da esplanada e da pérgula e, após ser suscitada nova solução pela fração ..., se ter lavrado a votação de 349 votos pela manutenção da esplanada sem a pérgula (votação seguida de uma informação da administração de que, independentemente da mesma, era impossível a manutenção de estruturas no local): entre estas duas votações havia sido deliberado por 408 votos «mandatar a administração do condomínio para constituir advogado, na ação a mover sobre os inquilinos da loja .... para a remoção da esplanada e pérgula, repondo ainda a originalidade do espaço comum em causa, devendo todos os custos inerentes a esta ação ser devidamente imputados aos inquilinos da loja ....», deliberação esta que não foi revogada ou reduzida pelos condóminos após a referida votação dos 349 votos; não foi alegado pela recorrente que, após a comunicação da ata de condomínio, foi a deliberação de instauração da ação rejeitada pelos ausentes ou alguns dos ausentes, evitando a também a aprovação por estes decorrente do silêncio, nos termos do art.1432º/11 em referência ao 9 do CC («9 - As deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, no prazo de 30 dias, por carta registada com aviso de receção ou por correio eletrónico, aplicando-se, neste caso, o disposto nos n.os 2 e 3. 10 - Os condóminos têm 90 dias após a recepção da carta referida no número anterior para comunicar, por escrito, à assembleia de condóminos o seu assentimento ou a sua discordância. 11 - O silêncio dos condóminos é considerado como aprovação da deliberação comunicada nos termos do n.º 9.»); não foi invocado pela recorrente que a deliberação da instauração da ação foi anulada, nos termos do art.1433º do CC.
Desta forma, nada há a ordenar face à a arguição realizada.
2.2. Arguição de invalidade da sentença recorrida: (....) 2.2.2.Anulação e repetição do julgamento:
(...) 2.3. Impugnação da matéria de facto: 2.3.1. Quanto à matéria de facto provada em i), j), k) e l)(conclusão 2, em referência às conclusões 14 e ss).
A recorrente: defendeu que a matéria de facto provada nas alíneas i), j), k) e l) encontra-se mal julgada, pelas razões e com o pedido de efeitos referidos e já apreciados em III- 2.2.2. supra; nesta defesa, e como já se referiu, contestou o facto provado em i) (respeitante à fração ...), por entender que a prova produzida demonstra que a subscritora tinha poderes de representação do condómino da fração, e em l) (respeitante à fração ...), por entender que a subscritora também agiu como representante dessa fração ... e da fração ... na ata de condomínio de 23.06.2021.
Apesar destes factos terem sido contestados, verifica-se: que foram-no apenas no contexto e para os efeitos referidos em III-2.2.2. supra; que a recorrente não observou no recurso os ónus de impugnação da matéria de facto, previstos no art.640º/1-a), b) e c) e 2-a) do CPC, que permitisse a sua apreciação por esta Relação («1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;»).
Assim, rejeita-se a apreciação da impugnação genérica aos factos provados nas alíneas i), j), k) e l), nos termos do art.640º do CPC.
2.3.2. Quanto à matéria de facto provada em m) (conclusões 2, 3 a 5, 7 e 8):
A recorrente defendeu que a matéria provada em m) («m)Por conta da fracção ... assinou a LL, encontrando-se o direito de propriedade sobre esta fracção registado em nome de EMP01..., Lda.») deveria ser alterada para a seguinte versão «m) Por conta da fracção ... assinou a sua legítima proprietária, CC, sendo, simultaneamente, a titular registada do direito de propriedade incidente sobre a da fração ..., face à certidão de registo predial junta nos autos.
Os factos provados podem ser oficiosamente corrigidos pela Relação, quando violaram factos provados com força probatória plena, nos termos do art.663º/2 do CPC, em referência ao art.607º/4-2ª parte do CPC e ao art.371º do CC.
Examinando o facto provado em m), o teor da contestação do mesmo e a certidão da Conservatória de Registo Predial de fls. 124 ss (com força probatória plena nos termos do art.371º do CC), verifica-se: que, efetivamente, a aquisição do direito de propriedade da fração ... (... andar.) encontra-se registada em nome de CC por compra a EMP01..., Lda. desde ../../1999 (fls.136); que em favor desta CC encontra-se, também, registada a aquisição da propriedade da fração ... (aparcamento automóvel), por compra a EMP01..., Lda. desde ../../2000.
Assim, o facto provado quanto à fração ... encontra-se errado e deve ser corrigido. E, encontrando-se o aparcamento (fração ...) conexo à habitação da fração ... a que se refere a subscrição do consentimento de fls.36 (fração ...), admite-se a clarificação deste facto.
Desta forma, procede a impugnação e determina-se que a alínea m) passe a ter a seguinte redação:
«m) Por conta do ... assinou CC, em nome de quem se encontra registada a propriedade da fração de habitação ... e da fração de aparcamento V».
2.4. Invocação de erro na sentença recorrida:
A sentença recorrida, face aos fundamentos da ação e da defesa, considerou procedente a ação, por entender:
a) Que a ré/recorrente instalou uma esplanada numa parte comum do prédio, nos termos do art.1421º/1-a) do CC (referindo a sentença: «Provado ficou que a R. procedeu à instalação de uma esplanada na parte posterior (traseiras) adjacente à fracção ..., local esse que se encontra pavimentado em cimento bruto e que corresponde (ainda que parcialmente) ao tecto de garagens/lugares de aparcamento que integram o condomínio A. Ora, tal corresponde a terraço de cobertura de uma (ou algumas) das fracções autónomas que integram o condomínio A., pelo que, e ante o disposto no art. 1421.º/1/al. b) CC não poderá deixar de ser considerada parte comum.»).
b) Que a instalação da esplanada referida em a): não corresponde à alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, sujeito ao regime de aprovação unânime e de forma do art.1419º do CC; mas corresponde a uma inovação, sujeita ao regime do art.1425º/1 e 7 do CC.
c) Que a ré não obteve consentimento dos condóminos na proporção de 2/3 do valor do prédio para a instalação da esplanada referida em a) (mas apenas 278%o), nos seguintes termos:
«Acontece que a R. não recolheu autorização desses 2/3.
Resulta da prova produzida que o condomínio A. é composto por 28 fracções autónomas, tendo a R. descurado por completo a auscultação dos proprietários das fracções ... a ....
Por outro lado, e no que tange às fracções ... a ..., não curou a R. de se certificar que as pessoas cujas assinaturas recolheu eram os efectivos condóminos ao invés de, vg, locatários – e sendo certo que apenas os condóminos têm poder para tomar essas decisões.
O que se retira do doc. n.º 7 junto com a contestação é que somente os condóminos das fracções ..., ..., ..., ..., ... e ... autorizaram a R. a instalar a pretendida esplanade.
Todos os demais que assinaram tal documento, repete-se, não eram condóminos.
As fracções ..., ..., ..., ..., ... e ..., como resulta do mencionado em 1.1.a), correspondem somente a 278%o do valor total do prédio, longe dos 666 %o exigidos por lei para que a autorização se tenha por validamente concedida.
Do exposto se retira que, ao contrário do alegado, a R. não foi validamente autorizada a instalar a esplanada que instalou, pelo que a presente acção não poderá deixar de ser julgada procedente.».
A ré/recorrente, no presente recurso desta sentença, não contestou os fundamentos da sentença sintetizados em a) e b) supra e contestou os fundamentos referidos em c) e a decisão final, nos termos referidos em 2.4.1. e 2.4.2. infra (conclusões 41 a 43, em referência a 36 a 45, 42 e 48 a 53).
Importa apreciar as questões suscitadas, tendo em conta os factos provados e o regime de direito aplicável.
2.4.1.Quanto à aprovação da instalação da esplanada:
A recorrente defendeu que a sentença errou, tendo em conta:
a) Que obteve a autorização dos condóminos para a instalação da esplanada em proporção superior a 2/3 (68, 5204%o) do valor total do prédio no sentido de instalar a esplanada (653% de 953%o): por as frações ..., ..., ... e ..., num total de 47%o não possuírem proprietário (uma vez que não têm qualquer registo pendente), pelo que o valor total do prédio não deve ser achado em 1000%o mas em 953%o; por a sentença se ter esquecido de ponderar a autorização do proprietário da fração ..., que se presume e decorre da ata de 23.06.2021; por terem autorizado a referida esplanada os condóminos das frações ... e ... (conclusão 6) e o condómino da fração ..., pelo que o quórum da al. q) (263%) contabilizou 198% (conclusões 41 a 43, em referência a 36 a 45).
b) Que o quórum que decidiu a remoção da esplanada não tinha legitimidade para tomar qualquer deliberação, nos termos do art.1432º do CC (conclusão 44).
2.4.1.1. Enquadramento jurídico:
Numa ação em que o condomínio peça a condenação de um dos condóminos ou utilizadores da fração autónoma na remoção de uma inovação implantada numa parte comum de um prédio constituído em propriedade horizontal:
a) Cabe ao condomínio/ autor alegar e provar os factos que permitam concluir que o réu realizou uma inovação numa parte comum de um prédio constituído em propriedade horizontal (arts.5º/1 do CPC e 342º/1 do CC, em referência aos arts.1420º, 1421º e 1425º do CC).
b) Cabe ao réu alegar e provar, como facto impeditivo desse direito, que obteve a aprovação da inovação nos termos e pela maioria prevista por lei (art.5º/1 do CPC e 342º/2 do CC, em referência aos arts.1425º e 1432º do CC).
Ora, o art.1425º do CC, aplicado pelo Tribunal recorrido em termos não contestados pela recorrente neste recurso, prevê no seu nº1 que «1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.», sendo que no seu nº7 prevê ainda uma restrição de aprovação «7 - Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.» (negrito aposto por esta Relação).
As deliberações da assembleia de condóminos, a quem cabe a administração das partes comuns do condomínio juntamente com o administrador (art.1430º do CC), devem ser tomadas na assembleia de condóminos e nos termos previstos na mesma (arts.1431º e 1432º do CC) e são impugnáveis nos termos também previstos na lei (art.1433º do CC).
Assim, a aprovação prevista no art.1425º do CC deve ser feita por deliberação na assembleia de condóminos (art.1432º do CC). Neste sentido, manifesta-se também Rui Pinto- «Embora o art.1425º não explicite, as aprovações exigidas nos n.ºs1 e 2 devem ser dadas por deliberação da assembleia de condóminos, na medida em que é esse o meio de formação da vontade coletiva previsto nos demais preceitos.»[ii].
Para este efeito, «Cada condómino tem na assembleia tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem a que o artigo 1418º se refere» (art.1430º/1 do CC).
2.4.1.2. Situação em análise:
Reapreciando os fundamentos da sentença nos segmentos suscitados no recurso, de acordo com os factos provados e o regime de direito aplicável, verifica-se que a recorrente não demonstrou que a instalação e manutenção da esplanada foi aprovada pela maioria dos condóminos representativos de 2/3 do valor do prédio.
Numa primeira e preliminar abordagem, importa registar que não assiste qualquer razão à recorrente para defender que o valor do prédio não deve ser achado em relação à permilagem de 1000%o mas em relação à permilagem de 953%o por as frações ..., ..., ... e ..., num total de 47%o, não terem proprietários.
De facto, conforme demonstram os factos provados em III-1.1. -a) e 1.2- a) e b) supra: o prédio, que depois se veio a constituir em propriedade horizontal, beneficia da inscrição da aquisição da propriedade em nome da sociedade EMP04..., Lda.; a totalidade das frações provadas em III-1.1.-a) tem a permilagem global de 1000%o; as frações ..., ..., ... e ... têm a propriedade inscrita em nome da sociedade inicial proprietária do prédio, a quem caberia, assim, votar como condómina de cada uma das frações (art.1430º/2 do CC, em referência ao art.1418º do CC).
Assim, uma aprovação da inovação pela maioria dos condóminos representativa de, pelo menos, 2/3 do valor do prédio de 1000%o implicaria a prova de uma aprovação em assembleia de condóminos que representasse valor igual ou superior a 666, 66%o.
Numa segunda abordagem, verifica-se que, tendo o autor logrado provar os factos integrativos do seu ónus de alegação e prova (a existência de um prédio com constituição da propriedade horizontal e a instalação pela ré/arrendatária da fração ... do prédio de uma esplanada com uma pérgula numa cobertura de garagem que corresponde a uma parte comum do prédio- factos III- 1.1.-a) a g) supra e art.1421º/1-b) do CC), a ré/recorrente não logrou alegar e provar os factos integrativos do seu ónus de alegação e prova (que a instalação da esplanada com pérgula na parte comum foi aprovada em assembleia de condóminos por uma maioria representativa de 2/3 do valor do prédio, isto é, pelo menos de 666, 66%o, de forma presencial expressa ou completada pelo valor do silêncio dos ausentes).
De facto, e por um lado, verifica-se que a ré, na sua contestação (na qual deve concentrar toda a sua defesa, nos termos do art.573º do CPC) não alegou que dispunha de uma aprovação da inovação por si realizada pela via e pela maioria legal- a aprovação deliberada em assembleia, por uma maioria dos condóminos representativa de 2/3 do valor total do prédio (arts.1425º e 1432º do CC), razão pela qual esta matéria de facto não foi sujeita a prova e não resultou provada.
Por outro lado, verifica-se: que a ré/recorrente alegou na sua contestação apenas, e conclusivamente, que obteve consentimento escrito da maioria dos condóminos, alegação esta que não corresponde ao meio legal de formação de vontade válida da assembleia de condóminos; que a ré, de qualquer forma, ainda que este “consentimento” escrito pudesse ser atendido, não logrou provar que os consentimentos prestados pelos condóminos/proprietários alcançassem 2/3 do valor do prédio, uma vez que, mesmo atendendo à soma das permilagens de todas as frações de propriedade dos subscritores (não só as de habitação pela qual os subscritores indicaram a subscrição mas às dos aparcamentos conexos) e ao voto de um cônjuges proprietários (de frações em nome de um ou de ambos os cônjuges casados num regime de comunhão)- frações ... (68%o), L (68%o), M (68%o), N (65%o), O (65%o), U (6%o), V(6%o) e Z (6%o)-, a soma de todos os votos não excede 352%o (factos provados em 1.1.-h), 1.2.-c)-c) a c4), 1.1.-m), n) e o), em referência às permilagens das referidas frações de 1.1.-a) supra)
Neste sentido, face ao ónus de alegação e prova referido em III-2.4.1.1.suprae o exposto supra, verifica-se que são irrelevantes os demais fundamentos do recurso, tendo em conta que, para além não terem sido invocados sequer como defesa pela ré na sua contestação e terem sido invocados pela primeira vez neste recurso: a invocada falta de maioria dos condóminos para a deliberação da instauração da ação já ter sido apreciada em III-2.1. supra; cabe à ré o ónus de alegar e provar que dispunha de uma aprovação da esplanada por uma maioria de condóminos representativa de 2/3 do valor total do prédio, o que não realizou (e não caber ao condomínio alegar e provar que obteve um quórum de 2/3 para a remoção da esplanada), quer por deliberação da assembleia de condóminos (não alegada na contestação), quer na versão informal invocada (na sua contestação).
2.4.2. Quanto ao abuso de direito:
A recorrente defendeu que ocorreu uma situação de abuso de direito (art.334º do CC), pelo facto da alteração da vontade dos condóminos para a instalação da esplanada, ocorrida entre abril de 2021 e a assembleia de 23.06.2021, ser manifestamente contrária aos ditames da boa-fé (conclusões 48 a 53).
2.4.2.1. Enquadramento jurídico:
No quadro da lei, a cláusula geral civilista prevê que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.» (art.334º do CC).
Assim, por um lado, verifica-se que são limites ao exercício de um direito a boa-fé, os bons costumes e o fim social desse direito:
1) A tutela da confiança, apoiada na boa-fé, assente em proposições ou pressupostos.
A boa-fé, como refere Jorge Manuel Coutinho de Abreu, significa:
«que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros», concretizando como hipóteses típicas concretizadoras da cláusula geral da mesma, nomeadamente, a «proibição do venire contra factum proprium, impedindo-se uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente; (…) o abuso da nulidade por vícios formais- é inadmissível a impugnação da validade dum negócio por vício de forma por quem, apesar disso, o cumpre ou aceita o cumprimento da contraparte»[iii]
Menezes Cordeiro sumaria os pressupostos da boa-fé, tratados pela doutrina e pela jurisprudência, referindo:
«Na base da doutrina e com significativa consagração jurisprudencial, a tutela da confiança, apoiada na boa fé, ocorre perante quatro proposições. Assim:
1.a Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;
2.a Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocar uma crença plausível;
3.a Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
4.a A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante: tal pessoa, por acção ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu.
Estas quatro proposições devem ser entendidas dentro da lógica de um sistema móvel. Ou seja: não há, entre elas, uma hierarquia e o modelo funciona mesmo na falta de alguma (ou algumas) delas: desde que a intensidade assumida pelas restantes seja tão impressiva que permita, valorativamente, compensar a falha.»[iv].
Pedro Albuquerque, por sua vez, sumaria estes mesmos pressupostos nos seguintes termos:
«uma situação de confiança conforme o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que sem ofender deveres de cuidado e de indagação pertinentes ao caso, ignore estar a lesar posições alheias; uma justificação para essa confiança traduzida na presença de elementos objectivos susceptíveis de, em abstracto, originarem uma crença plausível; um investimento de confiança traduzido num assentar efectivo, por parte do sujeito protegido, de actividades jurídicas sobre a crença, em termos que desaconselhem ou tornem injusto o seu preterir; e uma imputação da confiança à pessoa atingida.»[v].
2) Os bons costumes, segundo definição de Ana Prata, correspondem a
«uma cláusula geral de direito privado que remete para princípios morais sociais (…) que devem regular o comportamento das pessoas honestas em todos os seus aspetos, incluindo, mas não restringido, os económicos»[vi].
3) O fim económico e social do direito estabelece também um limite.
Segundo Ana Prata:
«se o direito subjectivo é sinteticamente um poder jurídico para realizar um interesse, está-se fora do domínio da permissão jurídica sempre que o interesse tutelado pelo direito não é aquele prosseguido pelo seu titular. (…) A violação desse fim, como qualquer outra situação de abuso, resulta em regra de efeitos do exercício e não dele em abstrato.»[vii].
O abuso de direito impõe que a violação de um destes limites seja clara e manifesta.
Por outro lado, importa equacionar as consequências deste abuso de direito.
Não estando expressamente previstas na norma as consequências do abuso de direito, estas têm sido tratadas pela Doutrina e pela Jurisprudência.
Jorge Manuel Coutinho de Abreu refere:
«o abuso de direito é uma forma de antijuridicidade ou ilicitude. Logo, as consequências do comportamento abusivo têm de ser as mesmas de qualquer actuação sem direito, de todo o acto ou omissão ilícito»[viii].
Menezes Cordeiro sumaria posições que têm sido defendidas quanto às consequências jurídicas do abuso de direito:
«O artigo 334.° fala em “ilegitimidade” quando, como vimos, se trata de ilicitude. As consequências podem ser variadas:
— a supressão do direito: é a hipótese comum, designadamente na suppressio;
— a cessação do concreto exercício abusivo, mantendo-se, todavia, o direito;
— um dever de restituir, em espécie ou em equivalente pecuniário;
— um dever de indemnizar, quando se verifiquem os pressupostos de responsabilidade civil, com relevo para a culpa.
Não é, pois, possível afirmar a priori que o abuso do direito não suprima direitos: depende do caso.»[ix].
Ana Prata, sumariando também posições doutrinárias e jurisprudenciais, já integra nas mesmas consequências a nulidade, e refere que:
«Da responsabilidade civil à nulidade, à própria caducidade (ou supressão) do direito, várias são as consequências jurídicas do exercício abusivo. Tem havido alguma jurisprudência a entender que o ato abusivo é nulo por força do art.294.º (contrariedade a “disposição legal de caráter imperativo”), mas a opinião não tem recolhido apoio doutrinário», o que se compreende, pois a nulidade, se for caso disso, não carece da mediação do art.294.º.»[x].
2.4.2.2. Situação em análise:
O confronto entre a matéria alegada pela ré como defesa na sua contestação à ação e este fundamento de recurso (invocados de forma conclusiva), permite-nos verificar que esta matéria foi suscitada pela primeira vez neste recurso.
De qualquer forma, verifica-se que os factos provados (em 1.1.-a), h) a q) e 1.2. supra) e o teor da certidão da ata da assembleia de condomínio junta aos autos (que documenta factos que não foram alegados e não constam da matéria provada), em confronto com o regime legal aplicável, não permitiriam concluir pela existência de um abuso de direito e/ou pela extração de consequências quanto ao mesmo.
De facto, a ré/recorrente provou apenas, em relação à defesa apresentada na sua contestação, que, dos consentimentos que reuniu antes da assembleia para a instalação da esplanada (quando a identificação correta dos proprietários lhe era acessível através de uma certidão permanente do prédio), apenas foram prestados pelos próprios condóminos proprietários os respeitantes a 8 frações (..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ...), representativas de cerca de 1/3 do valor do prédio.
Por sua vez, entre os votantes contra a instalação da esplanada com pérgula na assembleia de condóminos de 23.06.2021 (facto provado em q) da matéria de facto provada; facto documentado em ata de 23.06.2021, que indica as frações ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... como votantes da deliberação de constituição de mandato para a remoção da esplanada com pérgula) apenas os condóminos ou representantes da fração ... e da fração ... (com permilagens de 65%o e de 65%o, respetivamente) haviam subscrito a declaração de consentimento informal junto da ré (provada em 1.1.-h) e 1.2.- c3) e c4) supra).
Ora, esta situação permite constatar: que, não tendo a ré recolhido consentimentos informais da maioria dos condóminos proprietários de frações, representativas de valor superior a 2/3 do capital do prédio, não se lhe pode reconhecer uma expectativa, com base nos consentimentos recolhidos, de obter a deliberação de aprovação da esplanada nessa proporção na assembleia de condóminos; que não foram alegados e provados factos que permitam concluir que foi a alteração da posição das frações ... e ... que obstou à deliberação, na assembleia, da aprovação da manutenção da esplanada pela maioria dos condóminos, em proporção de, pelo menos, 2/3 do valor do prédio.
Desta forma, não se pode concluir que esta matéria possa corresponder a um abuso de direito, em qualquer um dos seus segmentos.
IV. Decisão:
Pelo exposto, os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam julgar improcedente o recurso da sentença recorrida.
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Custas pela recorrente (art.527º do CPC).
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Guimarães, 19 de setembro de 2024
Assinado eletronicamente pelo coletivo de juízes
Alexandra Viana Lopes
Pedro Maurício
Maria João Marques de Pinto Matos
[i] António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139. [ii] Rui Pinto, in Código Civil Anotado, coordenado por Ana Prata, Almedina e CEDIS, 2020- 2ª Edição Reimpressão, nota 4, pág.266. [iii] J. M. Coutinho de Abreu, in Do Abuso de Direito, Almedina, 2006, págs.55, 59 e 60. [iv] António Menezes Cordeiro, in “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star/ [v] Pedro Albuquerque, in “Responsabilidade processual por litigância de má-fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo”, Almedina, 2006, pág.90. [vi] Ana Prata, in Código Civil por si coordenado, Vol. I, 2ª Edição Revista e Atualizada, abril 2019, Almedina, nota 5 ao art.334º, pág.441. [vii] Ana Prata, in obra citada, nota 6 ao art.334, pág.442. [viii] Jorge Manuel Coutinho de Abreu, in obra citada, pág.76. [ix]António Menezes Cordeiro, in “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, supra referido. [x] Ana Prata, in obra citada, nota 7 ao art.334º do C. Civil, pág.442.