ACIDENTE DE VIAÇÃO
PROVA PERICIAL
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
EQUIDADE
Sumário


1. A lei concede às partes meios de reagirem contra conclusões periciais com as quais não concordem: reclamar contra as mesmas por deficiência, obscuridade ou contradição, pedir que os peritos compareçam na audiência final, a fim de prestarem, sob juramento, os esclarecimentos que lhes sejam pedidos; e, ainda, requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
2. Não é forma válida e eficaz de contrariar a prova pericial a apresentação de prova documental que configura uma declaração de ciência de um especialista, com opinião diversa da que foi trazida pelo relatório pericial.
3. A Portaria 377/08 de 26/05/08, alterada pela Portaria 679/2009 de 25/06, prevê os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados de acidente de viação de proposta razoável para indemnização do dano corporal, mas não vincula os tribunais, destinando-se a ser aplicadas na esfera extrajudicial.
4. A jurisprudência tem-se orientado para considerar que a indemnização pelos danos patrimoniais futuros deve ser fixada segundo critérios de equidade nos termos do art. 566º,3 CC, em função dos seguintes factores: idade do lesado, tempo provável de vida activa, esperança média de vida, grau de incapacidade geral permanente e salário auferido.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: 

I- Relatório

AA, NIF ...79..., e BB, NIF ...52..., intentaram a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra EMP01..., S.A (EMP01... PLC), NIPC ...36.
Alegam, em síntese, a ocorrência de um acidente de viação causado unicamente pelo condutor do carro segurado na ré. Assim, a título de responsabilidade civil extracontratual adveniente de acidente de viação, a ré deverá ressarci-los dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com o acidente.

Concluíram pedindo a condenação da RÉ a pagar:

I- ao Autor AA:
a) a quantia de €137.345,94 (centro e trinta e sete mil trezentos e quarenta e cinco euros e noventa e quatro cêntimos) a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais liquidados pelo Autor;
b) no pagamento de todas as despesas que venham a ocorrer com a realização da cirurgia destinada à remoção do material de osteossíntese, bem como a assunção da responsabilidade pelos tratamentos futuros de que venha a carecer, estando já previstos os de fisioterapia e todos os que se venham a revelar necessários, incluindo-se as despesas médicas, medicamentosas e de internamento.
c) na indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença quanto aos danos que futuramente virá a sofrer o Autor em consequência do acidente em apreço, designadamente os decorrentes das despesas de assistência médica e medicamentosa; agravamento da incapacidade parcial permanente já determinada; e demais danos patrimoniais e morais a liquidar;
II- ao segundo Autor, BB, a quantia de €18.045,00 (dezoito mil e quarenta e cinco euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais liquidados pelo Autor;
Os Autores podem optar entre o pedido de uma indemnização actualizada nos termos do artigo 566º nº 2 do código Civil ou o pedido em juros de mora a contar da citação, nos termos do artigo 805º, nº 3 do mesmo Código, mesmo em referência a danos não patrimoniais (Ac. S.T.J. de 12.3.98 – Relator Cons. Martins da Costa) 586. Assim, os Autores optam pela condenação da Ré no pagamento dos juros de mora a partir da citação e os que se vencerem até efectivo pagamento.

No apenso A, CC, NIF ...93..., intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra EMP01..., S.A (EMP01... PLC), NIPC ...36.
Alega, em síntese, a ocorrência do mesmo acidente de viação causado unicamente pelo condutor do carro segurado na ré. Assim, a título de responsabilidade civil extracontratual adveniente de acidente de viação, a ré deverá ressarci-lo dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com o acidente.

Concluiu pedindo que a ré seja condenada a pagar ao Autor:
a) a quantia de €40.560,10 a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais liquidados pelo Autor;
O Autor pode optar entre o pedido de uma indemnização actualizada nos termos do artigo 566º nº 2 do código Civil ou o pedido em juros de mora a contar da citação, nos termos do artigo 805º, nº 3 do mesmo Código, mesmo em referência a danos não patrimoniais (Ac. S.T.J. de 12.3.98 – Relator Cons. Martins da Costa) 586. Assim, opta pela condenação da Ré no pagamento dos juros de mora a partir da citação e os que se vencerem até efectivo pagamento.

Citada, a ré apresentou contestação, nos dois processos, através da qual, em síntese, assumiu a responsabilidade, mas impugnou os danos invocados pelos autores, considerando-os excessivos.
No apenso A, o Instituto da Segurança Social, IP, veio deduzir pedido de reembolso de subsídios pagos ao autor CC. Termina peticionando o seguinte:
Deve a Ré ser condenada a reembolsar o Requerente do montante de € 4.085,10, correspondente à totalidade do valor pago a título de subsídio de doença.
Posteriormente, rectificou este valor para €4.108,90.

Foi dispensada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador comum aos dois processos.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento da causa.

A final foi proferida sentença na qual se decidiu:
a-1) Condenar a ré a pagar ao autor AA a quantia de €1.143,65, acrescida de juros civis, a contar da desde a data da citação até integral e efectivo pagamento;
a-2) Condenar a ré a pagar ao autor AA a quantia de €23.000,00, acrescida de juros civis, a contar da data da presente sentença e até efectivo e integral pagamento;
a-3) Condenar a ré a ressarcir o autor AA de todos os danos que este venha a sofrer na sequência da eventual extracção do material de osteossíntese cujo montante se relega para execução de sentença;
b-1) Condenar a ré a pagar ao autor BB a quantia de €120,00, acrescida de juros civis, a contar da desde a data da citação até integral e efectivo pagamento;
b-2) Condenar a ré a pagar ao autor BB a quantia de €5.000,00, acrescida de juros civis, a contar da data da presente sentença e até efectivo e integral pagamento;
c-1) Condenar a ré a pagar ao autor CC a quantia de €560,10, acrescida de juros civis, a contar da desde a data da citação até integral e efectivo pagamento;
c-2) Condenar a ré a pagar ao autor CC a quantia de €25.000,00, acrescida de juros civis, a contar da data da presente sentença e até efectivo e integral pagamento;
d) Condenar a ré a pagar ao Instituto da Segurança Social, IP, a quantia de €4.085,10;
e) Condenar autores e ré nas custas do processo, sendo aqueles na proporção de 80% e esta na proporção de 20%;
f) Condenar autor e ré nas custas do apenso A, sendo aquele na proporção de 37% e esta na proporção de 63%;
g) Condenar a ré nas custas do apenso A relativas ao pedido de reembolso do Instituto da Segurança Social, IP.

Inconformado com esta decisão, o autor AA dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida

Finda a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
1º- A decisão da matéria de facto proferida pelo Meretíssimo Sr. Juiz a quo merece censura por considerar como não provados determinados factos que estão em contradição com a prova produzida nos autos, as regras da experiência, do senso comum e da normalidade do acontecer, devendo em consequência esta decisão ser alterada, no sentido constante das alegações produzidas em relação a cada facto e a merecer revisão;
2º- Estão em causa os pontos de facto elencados no n.º 36 dos factos provados, na parte relativa a:
-a: “As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas são causa de sofrimento físico”.
-b: Défice Funcional permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos por referência a dores no ombro;
e, ainda, os factos das alíneas c) e d);
3º- A prova produzida nos autos inculca a alteração da matéria de facto preconizada nas conclusões antecedentes, e a considerar a alteração daqueles não provados como para provados, com a seguinte redacção:
PROVADO:
Art. 36.º
1. “As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, não são compatíveis com o exercício da actividade habitual de serralheiro.”;
2. “Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 5 pontos”.
e, a aditar aos factos provados:
3. a alínea c) dos não provados, com o seguinte texto:
“O Autor ao tentar retomar a sua actividade profissional não foi capaz, uma vez que não podia manusear os perfis em ferro, vigas e chapas metálicas e os demais materiais necessários à execução de portões, portas, janelas. Grades e outros produtos em ferro e aço, tal levou a entidade empregadora a promover o despedimento do Autor, o que ocorreu em 13/01/2021.”;
4. a alínea d) dos não provados, com o seguinte texto:
o Autor carece de acompanhamento médico e da realização anual de cuidados de Fisioterapia regulares, em 20 sessões por ano”;
alteração e modificabilidade da matéria fáctica que advém dos factos enunciados no ponto anterior, revendo-se na consideração da prova obtida e ali indicada, e a alteração que se preconiza relativamente a esta factualidade, pois estará demonstrada a incapacidade do Autor para o exercício da actividade habitual de serralheiro civil; a síndrome pós-comocional; a incapacidade do Autor para a retoma da sua actividade profissional e o seu despedimento e o acompanhamento médico e da realização anual de cuidados de Fisioterapia regulares, em 20 sessões por ano;
4º- Na revisão da matéria fáctica e sua alteração, nos termos anteriormente enunciados, a considerar como relevante na reapreciação da prova os relatórios médicos elaborados pelo médico assistente do Autor, Dr. DD, junto com a petição inicial sob doc. n.º 12, o relatório médico elaborado pelos Serviços Clínicos da Ré e junto com a contestação (doc. n.º 2), os depoimentos prestado pelas testemunhas DD, EE e FF e a temperança das declarações prestadas pelo Autor, com registo de gravação digital - H@bilus Media Studio – indicados no corpo das alegações e ali referidos de forma expressa;
5º- Em sede de reapreciação da prova não se opõe a fundamentação da douta sentença quanto à matéria de facto cuja alteração se preconiza, a revelada convicção do Tribunal e do Meretíssimo Sr. Dr Juiz a quo;
6º- Em sede da requerida revisão da matéria de facto a prova a considerar, para além da indicada pelo Apelante, é, ainda, o universo da prova nos autos, a cristalizada nos documentos e a sua temperança com os depoimentos das testemunhas, conformando-as com as regras da experiência, do senso comum e da normalidade do acontecer;
7º- A prova dos factos alegado pelo Autor/Apelante não é posta em crise por qualquer documento ou depoimento das testemunhas, evidenciando-se que os relatórios clínicos, as fotografias juntas aos autos consolidam e fundamentam a modificabilidade da decisão de facto sobre estes pontos em concreto, os depoimentos das testemunhas indicadas consolidam essa demonstração e os depoimentos prestados por outras testemunhas não permitem extrair e fundamentar as conclusões negativas em matéria de facto que a douta sentença acolheu, pois a prova nos autos é todo o universo da prova, a cristalizada nos documentos e a sua temperança com os depoimentos das testemunhas, conformando-as com as regras da experiência, do senso comum e da normalidade do acontecer.
8º- Da matéria fáctica relevante nos autos, alterada aquela objecto do pedido de revisão em apelação, resultará a existência de danos cuja reparação deverá ascender a quantia superior à fixada na douta sentença;
9º- Ao Autor deverá ser atribuída a quantia adicional de 18.941,84€, correspondente à diferença entre o valor do subsídio de desemprego de que beneficiou – factos n.ºs 30 e 31 - e a retribuição que deveria obter no regular exercício da sua profissão, nos termos descritos nos artigos 62º a 79º da petição inicial;
10º- Na douta sentença foi considerado que o Autor é portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, com a atribuição da indemnização global de 23.000,00€.
11º- Com a alteração fáctica e verificação da síndrome pós-comocional e a atribuição de dois pontos adicionais, o défice de integridade física e psíquica deverá ser fixado em cinco pontos;
12º- Considerando os tratamentos a que foi sujeito o Autor, o longo período de doença, as lesões concretas sofridas em consequência do acidente, as dores físicas sofridas, quantificáveis de grau 4, numa escala de 1 a 7, e que as que continuará a sofrer, o período de mediou entre o acidente ocorrido a 30.06.2019 e a consolidação das lesões, a 29. 12.2020, o défice de integridade física e psíquica de cinco pontos de que ficou a padecer permanentemente, a idade do Autor à data do acidente, o valor global da indemnização a atribuir ao Autor, decorrente daquele acréscimo de 2 pontos, deverá ser elevado, para valor nunca inferior a 40.000,00€;
13º- A adicionar à douta decisão constante da alínea c) do Dispositivo, que condena a Ré a ressarcir o Autor de todos os danos a liquidar em execução de sentença, deverá contemplar não só a reparação daqueles danos futuros que o Autor venha a sofrer na sequência da eventual extracção do material de osteossíntese como as despesas relativas de “acompanhamento médico e da realização anual de cuidados de Fisioterapia regulares, em 20 sessões por ano”.
14º- Constitui obrigação da Ré a reparação de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor em consequência do acidente de viação nos autos, nos termos do disposto nos artigos 563º e 564º do Código Civil.
15º- Deverá ser proferido douto Acórdão de procedência da Apelação e, em consequência, condenada a Ré nos pedidos formulados e com referência aos pontos 9.º, 12.º e 13.º das conclusões;
16º- A douta decisão em crise violou, nomeadamente, o disposto nos preceitos jurídicos: -Código Civil: artigos 7563º e 564º.

Também a ré EMP01... PLC – SUCURSAL EM PORTUGAL, S.A.,
não se conformando com o conteúdo da sentença, quanto ao valor indemnizatório fixado, veio interpor recurso de Apelação, juntando para o efeito as suas alegacões, e terminando com as seguintes conclusões:

1.ª Andou mal o Tribunal a quo quando atribuiu aos Autores indemnização no valor de, ao Autor AA, a quantia global de € 23.000,00 (vinte e três mil euros), ao Autor BB a quantia global de € 5.000,00 (cinco mil euros),e ao Autor CC no pagamento de uma indemnização global de €25.000,00;
2ª. A indemnização fixada deve aproximar-se a casos semelhantes, sob pena de não ser justa, por tratar de maneira diferente situações idênticas;
3ª. Considerando a, felizmente, menor gravidade das lesões sofridas pelos Autores em comparação com arestos citados e os montantes aí arbitrados a título de compensação por danos não patrimoniais e patrimoniais, todos os factos provados e recorrendo ainda a critérios de equidade, entende a recorrente que o valor da compensação pelos danos não patrimoniais não deverá exceder, respectivamente, ao Autor AA não deverá ultrapassar a quantia de € 16.387,00 (dezasseis mil trezentos e oitenta e sete euros), a indemnização global do Autor BB não devendo ultrapassar a quantia de € 3.000,00 (três mil euros), e, por último, a indemnização global a atribuir ao Autor CC não deverá ultrapassar a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros);
4.ª O valor indemnizatório do dano biológico consistente numa IPG de 3,1 e 4,94 pontos reconhecida aos Autores deveria ser calculado de acordo com as previsões da Portaria 337/2008 de 26 de Maio, revista pela Portaria 679/2009 de 25 de Junho, ou não o sendo, não deveria ultrapassar os valores que têm vindo a ser jurisprudencialmente fixados para situações idênticas;
9. Os Autores sofreram dores, que de forma alguma se pretendem desvalorizar, mas não ficaram definitivamente portadores de nenhuma enfermidade significativa;
5ª. A douta sentença recorrida ao reconhecer aos Autores sinistrados uma indemnização de Euros 23.000,00, 5.000,00 e 25.000,00, apenas com base na ficcionada incapacidade de 3,1 e 4,94 pontos, violou o princípio do indemnizatório que, como é consabido, proíbe a acumulação de indemnizações para os mesmos danos;
6ª. A douta sentença sob censura violou as regras dos artigos 483º, 496º, 562º, 563º e 564º e 566º do Código Civil;
7ª. Deve o Tribunal “ad quem” reapreciar a decisão proferida e, em conformidade, julgar inequivocamente como exagerada a indemnização atribuída a título de danos patrimoniais, decorrente da repercussão das sequelas de que ficou (definitivamente) a padecer na sua capacidade de ganho, reduzindo a mesma a valor não superior a, ao Autor AA não deverá ultrapassar a quantia de € 16.387,00 (dezasseis mil trezentos e oitenta e sete euros), a indemnização global do Autor BB não devendo ultrapassar a quantia de € 3.000,00 (três mil euros), e, por último, a indemnização global a atribuir ao Autor CC não deverá ultrapassar a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros);
8ª. Em face do exposto, pugna-se pela revogação da douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que absolva a Apelante/Ré no pagamento da indemnização a que foi condenada a título de danos não patrimoniais e patrimoniais, no valor que exceda os 16.387,00, 3.000,00 e 20.000,00 Euros, respectivamente, porque apenas assim se cumprirá a Lei, realizando-se o Direito e fazendo-se a desejada Justiça;
A sentença em crise violou as normas jurídicas supra citadas.

AA, BB e CC, recorridos no recurso interposto pela EMP01... PLC – SUCURSAL EM PORTUGAL, S.A., apresentaram contra-Alegações, dizendo em síntese:
não assiste qualquer razão à recorrente. No sentido da refutação da conclusão do ponto 5.º das doutas conclusões do recurso, o Meritíssimo Sr. Juiz do tribunal a quo determinou os valores globais indemnizatórios devidos a cada um dos Autores, conforme ”o juízo equitativo” a que recorreu, enunciando os cinco critérios que devem ser observados para a sua determinação e fixação, de que resulta infundada a invocada “acumulação de indemnização para os mesmos danos”.
As decisões judiciais não se pautam ou devem pautar pelos critérios “miserabilistas” das seguradoras.
O douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido a 11.11.2021, proc. n.º 730/17.8PVZ.P1.S1, em que foi Relator o Ex.mo Sr. Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, pela sua similitude, demonstra o desacerto das conclusões do recurso de apelação e justifica a sua improcedência.
Os Recorridos GG e BB beneficiam do apoio judiciário.
Quanto ao Recorrido CC, atento os fundamentos invocados no recurso, constitui pretensão da Recorrente a redução do valor de 25.000,00€ a 20.000€, sendo a sucumbência de 5.000,00€. Nos termos do disposto no art.º 12º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, a liquidação da taxa de justiça devida por este Recorrido - no apenso A – deverá ser liquidada tendo em conta o quantitativo da sucumbência da Recorrente com recurso ao decaimento, a fixar no valor de 5.000,00€.
Em conclusão, o recurso não merece provimento.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber se:

a) ocorreu erro no julgamento da matéria de facto;
b) O valor das indemnizações foi bem calculado
 
III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 30 de Junho de 2019, cerca das 16H40, na estrada nacional n.º ...05, ao km 15,350, na localidade de ..., concelho ..., ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca ..., com a matrícula ..-RE-.., o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca ..., com a matrícula ..-OX-.. e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca ..., com a matrícula ..-..-EU.
2. No momento da ocorrência do acidente o primeiro veículo, RE , propriedade de HH, era conduzido por II, residente no Loteamento ..., freguesia ..., concelho ..., titular da carta de condução nº ...44, o segundo veículo, OX era conduzido pelo seu proprietário, JJ, habilitado pela licença de condução n.º ...47, e o terceiro veículo, EU era conduzido pelo seu proprietário, CC, 3.º autor.
3. Os Autores AA e BB eram passageiros do veículo EU, o 1º Autor no banco de trás e assento do lado esquerdo e o 2º Autor no banco da frente direito, ambos com o cinto de segurança colocado.
4. No local do acidente os três identificados veículos encontravam-se em circulação na indicada estrada nacional, o 1º veículo (RE) no sentido .../..., o 2º veículo OX e o 3º veículo EU em sentido contrário, isto é .../..., fazendo-o o segundo veículo à frente do veículo do Autor.
5. Naquele local a estrada nacional têm o formato de uma curva, que se desenvolve da esquerda para a direita atento o sentido de marcha do RE, com a largura de 7 metros e dividida em duas hemifaixas de rodagem iguais, uma em cada sentido de trânsito, demarcadas por uma linha contínua pintada no pavimento.
6. A velocidade encontrava-se limitada a 50km/h, através de sinalização vertical existente na berma que ladeia a via – sinal C13 - tendo em conta o sentido de marcha .../....
7. O EU circulava a velocidade reduzida, por inferior a 40km/hora e dentro da sua mão de trânsito; e o veículo RE circulava a velocidade superior a 70 km/hora.
8. No momento do acidente fazia bom tempo, era uma tarde de sol, o piso encontrava-se seco e limpo.
9. O veículo EU circulava na identificada via e sentido, dentro da sua mão de trânsito, em progressão de marcha e com destino à cidade ...,
10. Precedia-o o veículo OX, o qual circulava na mesma hemifaixa de rodagem e a velocidade sensivelmente idêntica ao veículo EU, quando o veículo RE, segurado da Ré, ao descrever a curva que se desenvolvia à sua esquerda entrou em despiste, com transposição da linha separadora das duas hemifaixas de rodagem, tendo invadido a faixa de rodagem contrária à sua e por onde circulavam os veículos OX e EU, em processo dinâmico colidiu com a frente daquele veículo na parte lateral esquerda do OX e chocou com a frente desse veículo na frente e parte lateral esquerda dianteira do EU.
11. No momento em que o veículo onde circulavam os Autores foi embatido pelo veículo RE encontrava-se a ocupar parte da berma do lado direito que ladeia a via e seu sentido de marcha, manobra empreendida pelo condutor do EU na tentativa de evitar o choque.
12. Aquela manobra do RE foi operada de forma inopinada, em progressão de marcha, com invasão da hemifaixa contrária, tendo o veículo sido imobilizado pelo embate no veículo EU.
13. O condutor do RE não manteve o veículo que tripulava dentro da sua faixa de rodagem, não o imobilizou e invadiu a faixa de rodagem contrária por onde circulavam, naquele momento e dentro da sua mão de trânsito, os referidos veículos OX e EU.
14. A parte da frente do veículo RE embateu na frente e parte lateral esquerda frente do veículo EU, projectando este veículo para o seu lado direito e berma, onde ficou imobilizado sobre a berma e parte da faixa de rodagem por onde circulava.
15. Ao condutor do veículo EU foi totalmente impossível evitar o acidente, atenta a rápida manobra do despiste e a introdução do RE na faixa de rodagem onde aquele veículo circulava, bem como a velocidade que animava o RE, não logrando o condutor do EU evitar o choque mesmo após ter travado e o guinar do seu veículo à direita.
16. À data do embate, a responsabilidade civil, emergente de acidentes de viação, relativa ao veículo matrícula ..-RE-.., estava transferida para a aqui Ré, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...22.
17. A ré assumiu a responsabilidade pelo acidente.

AUTOR AA
18. Nasceu a ../../1958.
19. Em consequência do embate sofreu: traumatismo crânio encefálico com ferida extensa no couro cabeludo, com contusão cerebral; traumatismo do ombro esquerdo, com fractura proximal do úmero esquerdo; traumatismo da região cervical; escoriações no couro cabeludo, face, membros superiores e inferiores e tronco.
20. Daí foi imediatamente transportado para o S.U. do Hospital Escala – ..., onde foi feita a avaliação clínica, assistido e submetido a exames e estudo radiológico e Tac, tendo ficado internado, com imobilização da coluna dorso-cervical e ombro esquerdo, medicado e a aguardar cirurgia.
21. Em 2 de Julho de 2019 foi transferido para o Hospital ..., com internamento e submetido a tratamento cirúrgico em 9 de Junho de 2019, com redução cirúrgica e osteossíntese com placa e parafusos bloqueadores.
22. O Autor passou a ser assistido através da unidade de Ortopedia do Hospital ..., até à data da alta clínica, em 28/12/2020.
23. Manteve-se imobilizado e em repouso durante 4 semanas, até ../../2019.
24. Por recomendação médica foi submetido a tratamentos de fisioterapia, com início em 06/8/2019, no Centro de Medicina e de Reabilitação da Santa Casa da Misericórdia de ..., sob a orientação da médica fisiatra Sr.ª Dr.ª KK, que ainda mantêm.
25. O Autor ainda teve acompanhamento médico pelos Serviços Clínicos da Ré, com consulta de avaliação e acompanhamento final em 27-10-2020.
26. Até ao embate exercia profissão de serralheiro.
27. Designadamente na área de serralharia pesada trabalhando materiais como ferro.
28. Na data do embate, auferia o salário médio mensal líquido de 684,50€, incluindo o subsídio de alimentação, à razão de 4,47€/dia.
29. No período de doença e incapacidade para o trabalho, a Ré emitiu declaração na qual declara que os pagamentos ao Autor foram à razão de 654,00€/mês, 12 meses no ano, e subsídio de alimentação cifrado em 93,94, até ../../2020.
30. O Autor, encontrando-se desempregado, beneficia do subsídio de desemprego, desde 13/1/2021, à razão diária de 16,89€ e por um período de 1140 dias, valor fixo e inalterável, conforme decisão do IS – Instituto da Segurança Social, I.P.
31. O subsídio de desemprego atribuído ao Autor cessará em 12-3-2024.
32. O Autor terá direito à reforma no dia 29 de Agosto de 2024.
33. Recebeu a título de subsídio de doença, por parte da Segurança Social, de 30-6-2019 a 4-11-2019, o valor de €1.804,75, já pago pela seguradora.
34. O Autor teve outras despesas, tendo gasto em despesas médicas, tratamentos médicos, medicamentos, taxas moderadoras, material de ortopedia e de fisioterapia e em deslocações aos centros médicos e clinica de fisioterapia a quantia global de €195,22.
35. A Ré pagou ao Autor AA a quantia global de €14.225,52 (catorze mil duzentos e vinte e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos), assim discriminada: € 252,00 – transportes; € 312,00 – fisioterapia; € 830,40 – perda de salário; € 28,00 Hospital/clínica; € 63,00 – transportes; € 78,00 – fisioterapia; € 3.238,56 – perda de salário; € 7,00 – Hospital/Clínica; - € 66,15 – transportes; € 78,00 – fisioterapia; € 1660,80 – perda de salário; € 8,50 – Hospital/clínica; € 163,80 – transportes; € 225,00 – fisioterapia; € 1.660,80 – perda de salário; € 44,50 Hospital/clínica; € 1.660,80 – perda de salário; € 72,45 – transportes; € 75,00 fisioterapia; € 24,50 Hospital/clínica; € 72,45 transportes; € 78,00 fisioterapia; € 830,40 – perda de salário; € 14,00 – Hospital/clínica; € 356,00 – transportes; € 1.739,56 – perda de salário; € 325,85 Hospital/clínica; € 260,00 – danos materiais.
36. Por força do embate, sofreu e ficou com as seguintes sequelas:
A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 29/12/2020;
Período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 11 dias;
Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período 538 dias;
Período de Repercussão Temporária na Actividade profissional Total fixável num período total de 549 dias;
Período de Repercussão Temporária na Actividade profissional Parcial fixável num período total de 0 dias;
Quantum Doloris fixável no grau 4/7;
Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos por referência a dores no ombro esquerdo; “Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 5 pontos”.
As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas são causa de sofrimento físico; (“As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, não são compatíveis com o exercício da actividade habitual de serralheiro.”)
Dano Estético Permanente fixável no grau 4/7 tendo em conta a cicatriz e a atrofia;
Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3/7 (apesar de ainda andar de bicicleta, mas anda menos por causa da trepidação que agrava a dor no ombro esquerdo);
Sendo portador de material de osteossíntese pode haver necessidade de nova intervenção cirúrgica para remoção do mesmo e eventual necessidade de algumas sessões de fisioterapia.

AUTOR BB
37. Nasceu a ../../1933.
38. Por força do acidente, sofreu múltiplas escoriações, traumatismo torácico bilateral com fractura das vertentes anteriores do 3º ao 8º arcos costais direitos e 2º, 4º, 7º, 8º e 9º arcos costais esquerdos e afundamento do esterno.
39. Do local do acidente foi imediatamente transportado para o S.U. do Hospital Escala – ..., onde foi feita a avaliação clínica, assistido e submetido a exames e estudo radiológico e Tac, tendo ficado internado.
40. Em 2 de Julho de 2019 foi transferido para o Hospital ..., com internamento e submetido a tratamento conservador, onde permaneceu internado até 12 de Julho de 2019.
41. O Autor passou a ser assistido através da unidade de Ortopedia do Hospital ..., e manteve-se imobilizado e em repouso durante 6 semanas, até ../../2019.
42. No período de internamento e no de imobilização o Autor careceu do apoio de terceira pessoa para as práticas da higiene pessoal, deslocações e das lides domésticas.
43. Durante todo o período de doença o Autor esteve impossibilitado para o trabalho e as lides domésticas, as quais estavam a seu cargo, pois vivia e cuidava de si, era e é viúvo e vivia só.
44. No período de imobilização e repouso, num total de seis semanas de incapacidade temporária absoluta, com imobilização do tronco, o Autor esteve impedido de efectuar a sua higiene pessoal, de se vestir, executar as tarefas de natureza doméstica – cozinhar, lavar, engomar e limpar a casa -, pelo que teve de recorrer aos cuidados de uma das suas filhas.
45. As dores no tórax impossibilitam o transporte de sacos ou outros objectos de peso elevado.
46. Tem de dormir sempre para o mesmo lado, por força das dores, o que o leva a acordar com regularidade.
47. A Ré pagou ao Autor BB a quantia global de € 478,86 (quatrocentos e setenta e oito euros e oitenta e seis cêntimos), assim discriminada: € 45,00 – transportes; € 53,86 – Hospital/clínica; 380,00 – danos materiais.
48. Em despesas com deslocações e para Hospital e estabelecimento de saúde/casa, despendeu ainda quantia nunca inferior a 120,00€.
49. Por força do embate, sofreu e ficou com as seguintes sequelas:
A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 30/08/2019;
Período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 13 dias;
Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período 49 dias;
Quantum Doloris fixável no grau 3/7;
Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 1 ponto por referência a dores no tórax.

AUTOR CC
50. Nasceu a ../../1957.
51. Por força do embate sofreu traumatismo da coluna dorso lombar, com fractura do corpo vertebral de L4; traumatismo do tornozelo direito, com fractura da apófise lateral do astrágalo à direita; escoriações no couro cabeludo, face, membros superiores e inferiores e tronco.
52. Do local do acidente foi imediatamente transportado para o S.U. do Hospital Escala – ..., onde foi feita a imobilização da coluna dorso lombar, com colete e colar cervical e do tornozelo direito com bota.
53. Passou a ser assistido através da unidade de ortopedia do Hospital.
54. Manteve-se em repouso até ../../2019, data em que retirou o colete e a bota.
55. E iniciou carga após controlo rádio e tomográfico.
56. E foi submetido a tratamentos de fisioterapia.
57. Efectuou tratamento fisiátrico em clínica especializada até ../../2020.
58. E teve acompanhamento médico pelos serviços clínicos da ré com consulta de avaliação e acompanhamento final em 27-10-2020.
59. A prática de actividades de lazer e de desporto deve ser moderada sob pena de sentir dores.
60. Recebeu, a título de subsídio de doença, por parte da Segurança Social, de 30-6-2019 a 4-1-2020, o valor global de €4.085,10.
61. O Autor teve outras despesas, tendo gasto em despesas médicas, tratamentos médicos, medicamentos, taxas moderadoras, material de ortopedia e de fisioterapia, no valor de €340,00, e em deslocações aos centros médicos e clínica de fisioterapia, na cidade ..., no valor de €220,10, o que perfaz a quantia global de €560,10.
62. A Ré procedeu ao pagamento ao Autor CC da quantia global de € 8.072,81 (oito mil e setenta e dois euros e oitenta e um cêntimos), assim discriminada: € 500,00 – fisioterapia; € 1,89 – transportes; € 200,00 - fisioterapia; € 73,75 – perda de salário; € 7,60 - transportes; € 200,00 - fisioterapia; € 9,24 – transportes; € 200,00 - fisioterapia; € 1.027,50 – perda de salário; € 1.500,00 – perda total; € 43,35 – transportes; € 200,00 - fisioterapia; € 3.225,75 – perda de salário; € 243,73 – Hospital/clínica; € 640,00 – danos materiais.
63. Por força do embate, sofreu e ficou com as seguintes sequelas:
A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 4/1/2020;
Período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 2 dias;
Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período 187 dias;
Período de Repercussão Temporária na Actividade profissional Total fixável num período total de 189 dias;
Quantum Doloris fixável no grau 4/7;
Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 5 pontos por referência a dores num dos pés e zona lombar;
As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

Factos não provados
a) O autor AA está impossibilitado da execução de alguns actos da sua higiene pessoal, carecendo do auxílio de terceira pessoa, e não consegue desenvolver a actividade de agricultura familiar que até aí realizava na sua horta.
b) Passou a necessitar de apoio psicológico pela depressão que sofreu após o acidente e passou a sofrer de insónias, tristeza frequente, alterações repentinas do seu estado emocional que o impede do convívio, do qual se afastou desde então.
c) Uma vez que ao tentar retomar a sua actividade profissional não foi capaz, uma vez que não podia manusear os perfis em ferro, vigas e chapas metálicas e os demais materiais necessários à execução de portões, portas, janelas, grades e outros produtos em ferro e aço, tal levou a entidade empregadora a promover o despedimento do Autor, o que ocorreu no início do mês de Janeiro de 2021 (passar a provado com este texto: “o Autor ao tentar retomar a sua actividade profissional não foi capaz, uma vez que não podia manusear os perfis em ferro, vigas e chapas metálicas e os demais materiais necessários à execução de portões, portas, janelas. Grades e outros produtos em ferro e aço, tal levou a entidade empregadora a promover o despedimento do Autor, o que ocorreu em 13/01/2021.”;
d) Carece de acompanhamento médico e da realização anual de cuidados de Fisioterapia regulares, em 20 sessões por ano. (Passar a provado com este texto: o Autor carece de acompanhamento médico e da realização anual de cuidados de Fisioterapia regulares, em 20 sessões por ano”;
e) O autor BB com o acidente passou a padecer de depressão e passou a necessitar de apoio psicológico.
f) E passou a sofrer de insónias, tristeza frequente, alterações repentinas do seu estado emocional que o impede do convívio, do qual se afastou desde então.
g) E retribuiu a sua filha no valor de 925,00€.
h) O autor CC passou a ter irritabilidade fácil e exacerbada, constantes alterações de humor, o que faz com que se afaste dos amigos.

A restante matéria alegada pelas partes nos articulados é meramente conclusiva, impugnação, repetida, jurídica e/ou desprovida de interesse para a decisão da causa.

IV
Conhecendo dos recursos.

Está em causa apenas a questão dos danos causados e sua quantificação, uma vez que a culpa no acidente de viação é pacífica e foi logo assumida pela ré Seguradora.

1. O recurso do autor AA
Este recorrente começa por impugnar a decisão sobre a matéria de facto.
Pretende no ponto 36 que o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos por referência a dores no ombro esquerdo passe a ficar previsto como: “Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 5 pontos”.
E pretende que fique a constar que “as sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, não são compatíveis com o exercício da actividade habitual de serralheiro”.
Nos factos não provados quer que a alínea c) passe a provada com este teor: “o Autor ao tentar retomar a sua actividade profissional não foi capaz, uma vez que não podia manusear os perfis em ferro, vigas e chapas metálicas e os demais materiais necessários à execução de portões, portas, janelas. Grades e outros produtos em ferro e aço, tal levou a entidade empregadora a promover o despedimento do Autor, o que ocorreu em 13/01/2021”.
E finalmente que a alínea d) passe a provada, assim: “o Autor carece de acompanhamento médico e da realização anual de cuidados de Fisioterapia regulares, em 20 sessões por ano”.
Consideramos que o recorrente cumpriu os requisitos constantes do art. 640º CPC, porque indica de forma clara quais os pontos de facto que considera mal julgados e quais as respostas que entende que o Tribunal deveria ter dado aos mesmos, e indica em concreto os meios de prova que em seu entender deveriam ter levado a decisão diversa.
Podemos pois conhecer desta parte do recurso.
O Tribunal recorrido fundamentou esta decisão com base na prova pericial.
Vamos ver o que se escreveu na sentença: “Pontos 36, 49 e 63: de acordo com a prova pericial. É certo que a prova pericial é livremente apreciada pelo tribunal. Porém, a perícia foi ordenada porque tinha por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos por serem necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem – art. 388.º e 389.º, do CC. Por isso, podendo o juiz decidir de modo diferente das conclusões periciais, impõe-se-lhe um dever de fundamentação especialmente prudente quando a percepção do facto implique conhecimentos especiais de perícia. Ou seja, nestas situações, a liberdade de julgamento está vinculada não apenas ao dever de fundamentação, mas também à necessidade de afastar, motivando a dissensão das conclusões periciais baseadas e conhecimentos de ciência com base na credibilidade de outras provas. O juiz não necessita de demonstrar razões técnicas que o levam a divergir do juízo pericial/científico, mas há de indicar as provas concretas e, designadamente, as produzidas em audiência por testemunhas que têm conhecimentos especiais ou técnicos ou por documentos juntos aos autos, que fundaram o seu juízo divergente daqueloutro constante da perícia anteriormente efectuada, prosseguindo sempre o fim último do processo civil que é a procura da verdade e a justa composição do litígio – assim Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 165/10...., de 19-02-2015. É certo que o autor AA juntou, com a petição inicial, um relatório elaborado por um ortopedista, DD – ver f. 32. De qualquer forma, 6 dos 11 pontos que são atribuídos nesse trabalho referem-se a uma especialidade que não a do próprio. Mais a mais, realizou-se neste processo avaliação de Psiquiatria Forense, a qual concluiu do seguinte modo: não se confirma a existência de psicopatologia grave de relevo; nomeadamente sintomas ansiosodepressivos maior, perturbações cognitivas graves ou pós-traumáticas decorrentes do evento em apreço. Sem necessidade de seguimento pela Especialidade de Psiquiatria. Por outro lado, concede 2 pontos a título de dores. Porém, este autor aquando da perícia, o mesmo compareceu em 20-9-2022 (quando aquele relatório menciona como data de exame o dia 28-12-2020), negou a toma de analgésicos e /ou anti-inflamatório. Restam, assim, os 3 pontos atribuídos também pela perícia médico-legal. Deste modo, o tribunal aderiu à perícia realizada pelo INML”.
Ora, o Tribunal recorrido, no que quase parece ser uma manobra de antecipação, rebateu a argumentação que o recorrente viria a apresentar contra a sua própria decisão.
E fica assim claro que não houve aqui qualquer erro de julgamento.
A definição dos parâmetros que permitem ajuizar da existência de um erro de julgamento, ou de qualquer outro vício da decisão que leve a uma alteração da decisão da matéria de facto consta do artigo 662º,1 CPC, que dispõe que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Ora, o que está em causa nestes factos impugnados é um juízo pericial. Não é preciso muita argumentação para explicar porque é que certos factos exigem quase obrigatoriamente a intervenção de um Perito com o seu juízo altamente qualificado por dominar com profundidade uma matéria científica que o Julgador não domina de todo.
É exactamente o caso destes autos. O recorrente pretende que se deve dar maior relevo ao documento nº 12 com a petição inicial, elaborado pelo médico especialista em ortopedia e traumatologia e perito em avaliação de dano corporal pelo INML, Dr. DD, o depoimento que prestou na audiência de julgamento realizada a 25.01.2024 e, ainda, os depoimentos das testemunhas EE e FF prestados em igual audiência.
Porém, o Tribunal recorrido, e bem, seguiu aquilo que a verdadeira prova pericial trouxe aos autos, que consta do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, de 30.4.2023. E explicou porquê, não olvidando a prova documental junta com a petição inicial, o referido documento nº 12, mas referindo o porquê de dar credibilidade ao relatório pericial elaborado para estes autos pelo INML. Facilmente se percebe que não é boa prática, para contrariar uma conclusão pericial extraída de um exame médico feito pelo INML, a junção de documentos, que formalmente são prova documental, embora possam conter, substantivamente, juízos de natureza pericial. Isso levar-nos-ia ao arbítrio, podendo as partes apresentar vários documentos particulares, para tentar desvalorizar o Relatório Pericial elaborado nos autos.
Ora, o legislador preocupou-se em conceder às partes meios de reagirem contra conclusões periciais com as quais não concordem.
Em primeiro lugar, se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações (art. 485ºCPC).
Em segundo lugar, as partes podem requerer que os peritos compareçam na audiência final, a fim de prestarem, sob juramento, os esclarecimentos que lhes sejam pedidos (art. 486º CPC).
Qualquer das partes pode ainda requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado (art. 487º CPC). Sendo que a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal (art. 489º CPC).
Nestes autos, verifica-se que foram pedidos esclarecimentos à Perita médica, e os mesmos foram prestados, a 30.9.2023.
Assim, a argumentação agora utilizada pelo recorrente, de querer contrapor dois relatórios “elaborados por dois profissionais com igual formação e qualificados como peritos em avaliação do dano corporal pelo INML, os quais divergem entre si, o do Dr. DD com o conhecimento directo da assistência médica que prestou ao Autor, esclarecendo o tribunal sobre as conclusões insertas no relatório clinico que elaborou e as conclusões a que chegou, o que diverge do relatório pericial do INML” não pode surtir efeito. Além do mais, podemos dizer que são dezenas e dezenas, ou centenas, os casos que surgem nos Tribunais em que, por força de lesões corporais causadas por um acidente, um trabalhador fica com lesões que lhe permitem continuar a exercer a sua profissão habitual, embora para tal tenha de fazer um esforço acrescido. É um conceito fácil de compreender e de utilizar.
Por outro lado ainda, os relatórios periciais oficiais do INML têm ainda uma outra vantagem, a de proceder a uma “uniformização dos juízos periciais”, que é útil para que as decisões judiciais sejam equitativas e não tratem de forma diferente situações idênticas.
Assim, o recorrente não demonstra a existência de qualquer erro de julgamento na decisão recorrida, e como tal, nesta parte o recurso improcede.

Seguidamente, passando para os factos não provados, o recorrente quer que a alínea c) passe a provada com este teor: “o Autor ao tentar retomar a sua actividade profissional não foi capaz, uma vez que não podia manusear os perfis em ferro, vigas e chapas metálicas e os demais materiais necessários à execução de portões, portas, janelas. Grades e outros produtos em ferro e aço, tal levou a entidade empregadora a promover o despedimento do Autor, o que ocorreu em 13/01/2021”.
O que o Tribunal deu como não provado nessa alínea foi: “Uma vez que ao tentar retomar a sua actividade profissional não foi capaz, uma vez que não podia manusear os perfis em ferro, vigas e chapas metálicas e os demais materiais necessários à execução de portões, portas, janelas, grades e outros produtos em ferro e aço, tal levou a entidade empregadora a promover o despedimento do Autor, o que ocorreu no início do mês de Janeiro de 2021”.
E o recorrente quer que fique a constar como provado que “o Autor ao tentar retomar a sua actividade profissional não foi capaz, uma vez que não podia manusear os perfis em ferro, vigas e chapas metálicas e os demais materiais necessários à execução de portões, portas, janelas. Grades e outros produtos em ferro e aço, tal levou a entidade empregadora a promover o despedimento do Autor, o que ocorreu em 13/01/2021”.
O Tribunal recorrido fundamenta assim a resposta de “não provado” desta alínea c): “cfr. desde logo f. 91-94 que desmente esta alegação do autor em causa. Ora, não pode constar uma revogação por acordo do contrato de trabalho para depois se alegar que foi despedido por não estar capaz de exercer a sua profissão. Na perícia este autor referiu que antes de ter alta pela seguradora, a Entidade Patronal (cunhada do examinando), terá proposto acordo e rescindiu contrato. Além do mais, a perícia não sustenta esta consequência. Este autor referiu apenas ter dificuldade a pegar em pesos > 5 kg”.
Não vemos aqui qualquer erro de julgamento. Pelo contrário, vê-se que o Tribunal esteve atento a toda a prova produzida e fez a respectiva análise crítica.
Mantém-se a decisão recorrida.

Finalmente, o Tribunal considerou não provado que “carece de acompanhamento médico e da realização anual de cuidados de Fisioterapia regulares, em 20 sessões por ano”.
E o recorrente pretende que isto passe a provado com este texto: “o Autor carece de acompanhamento médico e da realização anual de cuidados de Fisioterapia regulares, em 20 sessões por ano”.
Aqui, o Tribunal recorrido indica que “houve ausência total de prova nesse sentido. (…) Relativamente ao autor AA refira-se igualmente que aquando da perícia declarou que, quanto a actos da vida diária, negou dificuldades, pelo que não se atenderam às declarações do autor e aos depoimentos dos seus filhos EE e FF no que à horta dizem respeito por residirem dúvidas a esse respeito”.
Porém, aqui somos levados a dar razão ao recorrente porque existe um meio de prova a referir exactamente o que o recorrente afirma, e o Tribunal não lhe fez qualquer referência, nem para o refutar. Referimo-nos do documento 12 junto com a petição inicial, onde o Médico DD, que examinou o autor, escreve que “prevê-se a necessidade de cuidados de fisioterapia regulares, 20 sessões, 1 vez por ano. Prevê-se também necessidade de nova cirurgia para remoção do material de osteossíntese e 40 sessões de fisioterapia para a respectiva reabilitação”.
Aqui, o relatório elaborado pelo INML não é tão concreto e detalhado, pois apenas refere: “uma vez que o examinando é portador de material de osteossíntese, poderá haver necessidade de nova intervenção cirúrgica para remoção do mesmo e eventual necessidade de algumas sessões de fisioterapia, o que só poderá ser confirmado após a intervenção. Ainda de referir que esta situação implicará períodos de dano temporários inerentes ao mesmo acto”.
Assim, e não vendo razão para não valorizar o teor do documento citado, que não é directamente contrariado pelo Relatório do INML, deverá passar a constar dos factos provados, sob o nº 36a, queo Autor carece de acompanhamento médico e da realização anual de cuidados de Fisioterapia regulares, em 20 sessões por ano”.

E daí serão extraídas as devidas consequências a nível do direito do autor a ser ressarcido de todos os seus danos.

Recurso da ré EMP01..., S.A
A recorrente EMP01..., SA não impugna a matéria de facto provada, mas limita-se a considerar que os valores fixados a título de indemnização pelo Tribunal recorrido são exagerados, e, assim:
a) enquanto o Tribunal entendeu fixar ao autor AA uma indemnização global de €23.000,00, a recorrente entende que não deve ultrapassar a quantia de € 16.387,00;
b) enquanto o Tribunal fixou ao autor BB: a indemnização global de €5.000,00, a recorrente entende que não deve ultrapassar a quantia de € 3.000,00;
c) e quanto ao autor CC, cuja indemnização global foi fixada em €25.000,00, entende que não deverá ultrapassar a quantia de € 20.000,00;

E acrescenta a recorrente que o valor indemnizatório do dano biológico consistente numa IPG de 3,1 e 4,94 pontos reconhecida aos Autores deveria ser calculado de acordo com as previsões da Portaria 337/2008 de 26 de Maio, revista pela Portaria 679/2009 de 25 de Junho, ou não o sendo, não deveria ultrapassar os valores que têm vindo a ser jurisprudencialmente fixados para situações idênticas.
A isto respondem os autores que não assiste qualquer razão à recorrente. O Tribunal recorrido determinou os valores globais indemnizatórios devidos a cada um dos Autores mediante um juízo de equidade.
O Tribunal recorrido começou por afastar a aplicação da Portaria n.º 377/2008, alterada pela Portaria n.º 679/2009, por considerar e bem que as tabelas indemnizatórias têm carácter meramente indicativo, pelo que na fixação da indemnização aos lesados o tribunal não está condicionado pelos valores fixados naquela Portaria.
Considerou depois que, na fixação da indemnização, há que atender no juízo equitativo a cinco critérios: a extensão dos danos; o grau de culpabilidade; a situação económica do agente; a situação económica do lesado; as demais circunstâncias do caso que o justifiquem (cfr. MENEZES LEITÃO, Direito das obrigações, I, 7.ª edição, Almedina, 2008, p. 340).
Depois o Tribunal descreveu as linhas do raciocínio que o levou aos valores que agora a recorrente contesta.

O que dizer ?
Resulta das alegações de recurso que a discordância incide sobre os danos não patrimoniais e os danos futuros.

A lei refere-se ao conceito de dano futuro no art. 564º CC, nos seguintes termos:
1) O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão;
2) Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.

Em matéria de danos patrimoniais rege, em primeiro lugar, o princípio da reconstituição natural expresso no art. 562º do CC e, quando esta não for possível, bastante ou idónea (art. 566º,1 CC) vale a indemnização em dinheiro a fixar de acordo com a teoria da diferença nos termos do art. 566º,2 do mesmo diploma, segundo a qual a indemnização tem como medida, em princípio, a diferença entre a situação patrimonial real do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (encerramento da discussão em 1ª instância) e a situação hipotética que teria nessa data se não tivesse ocorrido o facto lesivo gerador do dano.

Assim, a chave, em matéria de ressarcibilidade dos danos futuros, como bem se compreende, é a sua previsibilidade.

E não estamos a falar de um conceito de danos futuros em geral: interessam-nos apenas os danos futuros previsíveis decorrentes da afectação da capacidade laboral do lesado. O conceito de dano biológico surgiu na Portaria nº 377/2008 de 26/05 em cujo preâmbulo se diz “ (…) ainda que não tenha direito a indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial, o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”. E o art. 3º b) do diploma considera indemnizável o dano biológico, resulte dele ou não, perda da capacidade de ganho.
A Jurisprudência tem aceitado maioritariamente este dano. “A lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afecta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”, dano primário, do qual podem derivar, além de incidências negativas não susceptíveis de avaliação pecuniária, a perda ou a diminuição da capacidade do lesado para o exercício de actividades económicas, como tal susceptíveis de avaliação pecuniária” (Acórdão do STJ de 19/4/2018 – Relator: António Piçarra).
Pode ler-se também no Acórdão do STJ de 11/11/2010, relatado por Lopes do Rego, disponível em www.dgsi.pt: “(…) o dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória repercussão na qualidade de vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial”.
E “Tal compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades do exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas. Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira “capitis diminutio” num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringido seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais (…)”.
A jurisprudência começou por referir que a indemnização em dinheiro do dano futuro de incapacidade permanente deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir, mas que se extinga no final do período provável de vida. E para calcular esse valor surgiram vários critérios: utilização das regras previstas nas leis do trabalho para o cálculo das pensões devidas por incapacidade permanente ou morte e sua remição; utilização da taxa de juro máxima para as operações bancárias passivas de modo a alcançar um capital que, àquela taxa, proporcione rendimento igual ao perdido; utilização da taxa de juro máxima para as operações bancárias passivas de modo a alcançar um capital que, àquela taxa, proporcione rendimento igual ao perdido, mas deduzido (o capital assim calculado) de 1/3 ou ¼ para compensar, segundo as circunstâncias, a manutenção do capital após o desaparecimento do lesado; utilização de tabelas financeiras de determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente à perda de ganho, de tal modo que, no fim da vida do lesado, aquele capital igualmente se esgote; um capital, pois, que se extinga no fim da vida provável da vítima e que seja susceptível de garantir, durante aquela, as prestações periódicas correspondentes ao capital perdido.
A Portaria 377/08 de 26/05/08, alterada pela Portaria 679/2009 de 25/06, prevê os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados de acidente de viação de proposta razoável para indemnização do dano corporal, mas, como já ficou dito, não vincula os tribunais: o que se tem entendido é que tais tabelas se destinam a ser aplicadas na esfera extrajudicial, não sendo lícita a sua sobreposição aos critérios legais e de equidade a adoptar pelo Julgador.
A jurisprudência tem-se orientado para considerar que a referida indemnização deve ser fixada segundo critérios de equidade nos termos do art. 566º,3 CC, em função dos seguintes factores: idade do lesado, tempo provável de vida activa (nos últimos tempos a jurisprudência do Supremo, face às recentes alterações legislativas, tem-se afastado dos 65 anos e aproximado dos 70 anos), esperança média de vida (segundo os últimos dados do INE 77 anos para os homens e 83 para as mulheres), grau de incapacidade geral permanente e salário auferido.
Com efeito, pode ler-se no Acórdão do STJ de 24/5/2018 (Relator: Olindo Geraldes) que “o cálculo da indemnização do dano futuro, podendo embora aproveitar a aplicação de fórmulas matemáticas, é determinado pelo critério da equidade, nos termos do disposto no art. 566.º, n.º 3, do Código Civil. Não se justifica a autonomização do dano biológico, quando, verificando-se a impossibilidade do exercício da actividade profissional habitual ou o exercício de outra actividade profissional, com um esforço suplementar, a indemnização está abrangida no dano patrimonial futuro”.
Por outro lado, “a afectação da integridade físico-psíquica (que tem vindo a ser denominada “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial, compreendendo-se na primeira categoria a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais. A fixação da indemnização por danos patrimoniais resultantes do “dano biológico” não pode seguir a teoria da diferença (art. 566º,2 do CC) como se tais danos fossem determináveis, devendo antes fazer-se segundo juízos de equidade (art. 566º,3 do CC). Para tanto, relevam: (i) a idade do lesado à data do sinistro; (ii) a sua esperança média de vida (e não a sua previsível idade da reforma, já que a perda da capacidade geral de ganho tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado); (iii) a percentagem de incapacidade geral permanente; e (iv) a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas alternativas, compatíveis com a formação/preparação técnica do lesado” (Acórdão do STJ de 1/3/2018 – Relatora: Maria da Graça Trigo).
E como se pode ler noutro Acórdão do STJ: “como é sabido, a jurisprudência, com particular destaque para a do STJ, tem vindo a reconhecer o chamado dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é susceptível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado (Acórdão do STJ de 6 de Dezembro de 2017: Relator- Manuel Tomé Soares Gomes).
Vamos naturalmente seguir aqui esta interpretação jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça, com total concordância.
E assim, somos levados a concordar com a decisão do Tribunal recorrido, que recorreu à equidade para encontrar os valores do ressarcimento, mas não de forma arbitrária e aérea, antes ancorada às circunstâncias de cada caso.
Temos sempre de dizer que o cálculo dos danos futuros não é um verdadeiro cálculo, porque, apesar de envolver alguns elementos concretos e determinados, envolve acima de tudo realidades futuras não conhecidas e não cognoscíveis. É um adquirido que o direito positivo não contém regras precisas destinadas à fixação da indemnização pelo dano futuro, em casos como o que agora nos ocupa, de incapacidade permanente de vítimas de acidentes de viação. Os traços distintivos desta situação são, por um lado, a previsibilidade da existência de danos patrimoniais futuros, mas por outro a impossibilidade de quantificação dos mesmos no presente.
A determinação do valor desse dano é sempre uma operação delicada, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica a previsão pouco segura, sobre danos verificáveis no futuro. É por isso que tais danos se devem calcular segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, seguindo as coisas o seu curso normal, e se mesmo assim não puder apurar-se o seu valor exacto, deverá o Tribunal julgar segundo a equidade, em obediência ao critério enunciado no art. 566º,3 do CC (neste sentido, cfr. Vaz Serra, RLJ,112º, 339 e 114º, 287 e seguintes; Dario Martins de Almeida, Manual de acidentes de viação, pág. 114 e Acórdão do STJ de 10.2.1998, CJSTJ, Tomo I, pág. 67)[1].
Dizendo de outra forma, a fixação destes danos envolve sempre um elemento inevitável de arbítrio.
O arbítrio está em que não é possível no dia de hoje prever qual o montante monetário que certa pessoa vai deixar de receber nos próximos 2, 3, 5 ou 10 anos (!) em consequência de determinado evento lesivo. Desde logo por não sabermos se a pessoa em causa estará viva daqui a 1, 5 ou 15 anos. É evidente que se o autor falecer daqui a 1 ano por causas que nada tenham a ver com o acidente destes autos, verificar-se-á um enriquecimento do seu património à custa da entidade obrigada à indemnização. E mesmo que ele sobreviva até ao final do período de vida útil previsível, ainda assim os imponderáveis a que a situação está sujeita são infinitos: não é possível adivinhar qual seria a evolução da situação laboral do falecido, não é possível prever se ele não seria despedido ao fim de 5 anos, não é possível saber se a empresa não iria à falência ao fim de 2 anos, não é possível calcular o seu percurso profissional dentro daquela empresa em termos de saber se ele seria promovido ou despromovido, quando, em que termos, com que ganho patrimonial, não é possível antever se ele continuaria a exercer aquelas funções, ou seria reconvertido para outras totalmente diferentes, etc; e ainda por cima há situações como a presente, em que as lesões decorrentes do acidente geram uma indiscutível perda de capacidade de ganho, mas não o impedem de continuar a exercer a profissão actual, embora com esforços suplementares. E não podemos adivinhar qual será a actividade profissional futura dos lesados.
Em resumo, estamos a lidar com uma ficção. O montante que importa encontrar é uma pura ficção, uma previsão feita em abstracto, que apenas está ligada à realidade pelos ténues laços dos factos concretos do presente. Mas é a essa ficção que o sistema jurídico impõe que se recorra, a fim de determinar o quantum indemnizatório devido ao lesado pelos danos futuros.
Assim, e tendo presente que não se trata de fazer complexos cálculos matemáticos, mas apenas de encontrar um valor que seja equitativo, tendo presente os variados exemplos que a jurisprudência nos traz, aceitamos os valores encontrados na sentença como razoáveis e dentro da média do que tem sido fixado pela jurisprudência. E, como tal, não aceitamos a argumentação da recorrente que pretende diminuir sensivelmente cada uma das indemnizações fixadas.
Assim, porque não temos censura a fazer à forma como o Tribunal recorrido julgou de acordo com a equidade, improcede o recurso da ré EMP01..., S.A.

Assim, em conclusão, procede parcialmente o recurso do autor AA, pois aditámos o nº 36a aos factos provados, que refere que “o Autor carece de acompanhamento médico e da realização anual de cuidados de Fisioterapia regulares, em 20 sessões por ano”.
Temos apenas de decidir durante quanto tempo será de prever essa necessidade de fisioterapia. O documento nº 12 junto à petição não o diz. Mas, mais uma vez recorrendo à equidade, e tendo presente que não é possível prever o futuro, e que é de presumir que as sessões de fisioterapia vão tendo um efeito positivo no autor até um momento em que a lesão se consolida definitivamente, entendemos ser de fixar em 2 anos essa necessidade de cuidados de fisioterapia.


V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso do autor AA parcialmente procedente e o da ré EMP01... PLC totalmente improcedente, e em consequência altera a sentença recorrida no seguinte segmento:

a3) Condena a ré a ressarcir o autor AA das despesas que este venha a ter de efectuar nos próximos dois anos a título de acompanhamento médico e realização anual de cuidados de Fisioterapia regulares, em 20 sessões por ano, e ainda de todos os danos que este venha a sofrer na sequência da eventual extracção do material de osteossíntese, cujo montante se relega para execução de sentença;
No mais, confirma-se integralmente a sentença recorrida.

Data: 26.9.2024

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Eva Almeida)
2º Adjunto (Alcides Rodrigues)


[1] Amélia Ameixoeira, revista do CEJ, 1º semestre de 2007, nº 6, pág. 37 e seguintes.