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REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REGIME PROVISÓRIO
SUPERIOR INTERESSE DO MENOR
Sumário
I - Em processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, o critério norteador que deve presidir a toda e qualquer decisão do tribunal é o interesse superior da criança, e não o interesse dos pais. II – Nada impede que o regime provisório do exercício das responsabilidades parentais seja fixado antes da realização da conferência prevista no art. 38.º do RGPTC, o que a lei não proíbe, já que o art. 28.º do mesmo diploma legal, indica que o regime provisório pode ser fixado em qualquer estado da causa e sempre que o tribunal o entenda conveniente.
Texto Integral
Apelação n.º 1559/24.2T8AVR-C.P1
Acórdão na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
AA veio requerer a regulação do exercício das responsabilidades parentais, contra BB, relativa ao filho menor de ambos, CC, nascido a ../../2022 (petição entrada em 24-04-2024), tendo, ainda, por requerimento apresentado em 03-05-2024, vindo informar que a requerida o impede de ter qualquer contacto com o filho, desde o dia 30-04-2024.
Através de petição que deu entrada em juízo no dia 06-05-2024, veio a requerida intentar providência tutelar cível de entrega judicial de criança contra o pai do menor e os avós paternos.
Tal providência foi indeferida por decisão de 13-05-2024, por não se encontrarem reunidos os pressupostos do artigo 49.º, nº 1 do RGPTC.
Mediante promoção datada de 16-05-2024, veio o Ministério Público requerer o seguinte:
“Conforme claramente resulta do processo a este apenso, os progenitores da criança encontram-se em completo desacordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais do filho.
Perante tal desiderato, forçoso será concluir que se impõe regulação urgente, ainda que provisória, para serenar os ânimos, uma vez que a conferência de pais está marcada para o p.f. dia 29.
Dispõe o n.º 1 do artigo 28.º do RGPTC que “Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efectiva da decisão.
Assim, ao abrigo do apontado normativo, p. se fixe provisoriamente: a) a residência da criança com ambos os progenitores, (por forma a que possa conviver com ambos os pais de igual forma), com periodicidade semanal, devendo o progenitor com quem a criança vai iniciar a semana ir busca-lo a casa do outro; b) que cada um dos progenitores garante a satisfação das necessidades da criança na sua semana; c) a divisão equitativa de despesas de natureza extraordinária, com saúde e escolar, na parte não comparticipada, devendo quem fez a despesa apresentá-la a pagamento ao outro em 30 dias, após a sua realização, e o pagamento ser efectuado em igual prazo.”.
Nessa sequência, foi proferido despacho, em 20-05-2024, com o seguinte teor:
“Concorda-se na íntegra com a promoção do M.P. e face ao alegado pelas partes neste processo e no apenso, decide-se nos termos do artigo 28º do R.G.P.T.C. provisoriamente fixar o seguinte regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de forma a permitir que a criança tenha contacto com ambos os progenitores, tendo em conta o seu superior interesse:
a) - O CC passa uma semana com cada um dos progenitores, fazendo-se a troca à sexta feira no infantário, indo buscar a criança o progenitor que não estiver com o filho.
b) O progenitor que não passar essa semana com o filho à terça feira vai buscar o filho ao infantário pernoita com este e entrega-o no outro dia no infantário.
c) As questões de particular importância da vida do filho são a decidir por ambos os progenitores e os actos da vida corrente pelo progenitor que estiver com o filho.
d) Cada um dos progenitores sustenta o filho na semana em que este se encontra consigo a nível de alimentação, higiene e vestuário.
e) A despesas médicas, medicamentosas com receita médica e o infantário, na parte não comparticipada são a suportar por ambos os progenitores em partes iguais, mediante a apresentação de documento comprovativo da despesa no prazo de 30 dias ao outro progenitor tendo que ser paga no prazo de 30 dias.
Notifique da forma mais expedita, através dos ilustres advogados.”.
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Foi dessa decisão que fixou o regime provisório da regulação das responsabilidades parentais, que a progenitora BB veio interpor o presente recurso.
Apresentou as seguintes conclusões das suas alegações:
“A) a decisão recorrida padece de falta de fundamentação capaz de constituir violação do art.º 154.º do CPC e determinar a sua nulidade, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC, ao não indicar os factos que teve como assentes que a determinaram e os fundamentos jurídicos que no seu entender a justificam, sendo nula por falta de fundamentação nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC, devendo como tal ser declarada.
B) Sem prescindir, se a Decisão ora em crise viola de forma crassa o disposto no artigo 38º do RGPTC na medida em que fixou um regime provisório antes da realização da Conferência de Pais, não menos certo é que a Decisão ora em crise não acautela o superior interesse do menor, violando o disposto no artigo 1906º do CC, e, como tal, deverá ser substituída por outra que fixe a residência do menor junto da mãe e regime de visitas a favor do pai.
Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser recebido e julgado totalmente procedente, por provado, e, consequentemente ser o Despacho de que se recorre declarado nulo e, por conseguinte, sem nenhum efeito ou, subsidiariamente, ser revogado e substituído por outro que fixe provisoriamente a regulação das responsabilidades parentais do menor CC fixando a residência deste junto da mãe e fixando a favor do pai regime de visitas.”.
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, concluindo pela manutenção da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado, e com efeito devolutivo.
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Decidindo:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, as questões a decidir são as seguintes:
- Saber se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação;
- Decidir se deve ser alterado o regime provisório fixado, quanto ao exercício das responsabilidades parentais, por não acautelar o superior interesse da criança.
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a) Da nulidade da decisão proferida por falta de fundamentação
O artigo 615.º do CPC prevê as causas de nulidade da sentença, dispondo, no que para o caso interessa, que:
“1 - É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”.
Posto isto, é unânime considerar-se que “as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº 1, do art. 615.º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, nem com vícios da vontade que possam estar na base de acordos a por termo ao processo por transação” (vide Ac. do TRG de 04.10.2018, disponível em dgsi.pt).
Ou seja, as nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC e reportam-se a vícios estruturais ou intrínsecos da decisão, também, designados por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.
Ora, a causa de nulidade da sentença prevista na alínea b) do nº 1 do art. 615.º do CPC, é aplicável aos despachos ex vi o nº 3 do art. 613.º do mesmo diploma legal.
Posto isto, tem-se entendido que só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.
Assim, só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial (cfr. Ac. TRG, de 02-11-2017, processo 42/14.9TBMDB.G1).
Ou seja, para que ocorra esta nulidade não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.
Neste sentido, ensina J. Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 139 e 140) que importa proceder-se à distinção cuidadosa entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”.
Ora, da decisão recorrida consta que concorda na íntegra com a promoção do Ministério Público – promoção onde se refere que “Conforme claramente resulta do processo a este apenso, os progenitores da criança encontram-se em completo desacordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais do filho. Perante tal desiderato, forçoso será concluir que se impõe regulação urgente, ainda que provisória, para serenar os ânimos” -, sendo na mesma decisão recorrida também considerado o “alegado pelas partes neste processo e no apenso”, para além de se referir que a decisão provisória de regulação do exercício das responsabilidades parentais visa permitir que a criança tenha contacto com ambos os progenitores, tendo em conta o seu superior interesse.
E assim sendo, afigura-se evidente que a decisão não padece do alegado vício de nulidade por falta de fundamentação, a qual, tendo em conta a sua finalidade de regular apenas provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais, não exigia uma maior e mais elaborada fundamentação.
Improcede, pois, o recurso, quanto à arguida nulidade.
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b) Alteração do regime provisório fixado
Dispõe o art. 28.º, nº 1 do RGPTC que “Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.”.
E o art. 38.º do mesmo regime prevê que “Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos (…)”.
Conforme decorre destes normativos legais, incumbe ao Juiz fixar um regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais, em função dos elementos que constem dos autos, no caso de não haver acordo dos progenitores.
Resulta dos autos que o regime provisório fixado foi decidido antes da realização da conferência prevista no art. 38.º do RGPTC, o que a lei não impede, ao contrário do que a recorrente parece querer dizer, já que o art. 28.º citado, indica que o regime provisório pode ser fixado em qualquer estado da causa e sempre que o tribunal o entenda conveniente.
Por outro lado, no presente processo, resulta que não foi ainda possível entre os progenitores acordar um regime que regulasse as responsabilidades parentais em relação ao filho menor, nem sequer em termos provisórios, para vigorar enquanto não se mostre proferida decisão final, sendo que, até tendo em conta os apensos A e B, se retira que existe efetivamente uma situação de grave conflitualidade entre os progenitores, sem que, contudo, resulte que o menor se encontre numa situação de risco quando está com qualquer um deles.
Ora, a principal exigência na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ainda que provisória, é que a mesma satisfaça o superior interesse do menor, pelo que cabe apreciar se o regime fixado tutela, ou não, o superior interesse da criança, uma vez que o fundamento do recurso é precisamente que o regime provisório fixado não acautela tais interesses.
Vejamos:
Em causa está a fixação de um regime provisório da regulação das responsabilidades parentais estabelecido na fase inicial do processo respetivo, ainda antes da conferência inicial a que aludem os artigos 35.º a 38.º do RGPTC, numa altura em que, portanto, as partes ainda nem sequer foram notificadas para alegar e apresentarem provas do que alegam – o que só ocorre em momento processual posterior, conforme decorre do disposto no artigo 39º do mesmo RGPTC.
Perante este contexto, na falta de acordo e tendo em conta a situação de conflito entre os progenitores, com alegado impedimento de contacto do pai com a criança e pedido de entrega do menor, foi provisoriamente regulado o exercício das responsabilidades parentais nos termos acima expostos e constantes da decisão recorrida.
Da decisão provisória proferida extrai-se que o Tribunal decidiu que o menor passasse uma semana com cada um dos progenitores, permitindo, ainda, que o progenitor com o qual a criança não está nessa semana, possa passar com a mesma uma noite durante esse período, ficando cada um responsável pelo sustento do filho na semana em que consigo se encontra, e ficando as questões de particular importância e as despesas extraordinárias a cargo de ambos.
Ora, este regime parece-nos perfeitamente equilibrado e não prejudicar, antes ser no superior interesse da criança.
Tendo em conta a idade da criança, menos de dois anos de idade, e considerando que os progenitores residem na mesma localidade, nenhum transtorno causa a estadia alternada em casa da mãe e do pai.
Apesar das atitudes conflituosas dos progenitores (que só se afiguram prejudiciais para o filho), nada resulta dos autos, nomeadamente dos apensos, que justifique que a criança não tenha contactos com ambos os progenitores, contacto que se entende, nenhuma indicação havendo em contrário, ser benéfica para o filho.
Pretende a progenitora/recorrente que o exercício das responsabilidades parentais lhe deve ser deferido em exclusivo, com fixação de um regime de visitas a favor do pai.
Contudo, não se vê, com todos os elementos de que os autos dispões neste momento, que o regime provisório fixado prejudique de alguma forma o menor ou que seja contrário aos seus interesses.
Quando muito, poderia ser contrário aos interesses da recorrente, os quais, no entanto, não estão em causa nestes autos, onde, repete-se, o critério norteador da decisão é o interesse da criança.
Ora, dos autos nada resulta no sentido de que o progenitor do menor não seja um bom pai, não há qualquer notícia de que alguma vez tenha sido agressivo com o filho ou que não o tenha tratado devidamente, pelo que não se vê motivo para que o progenitor não possa ter com a criança um convívio igual à mãe.
Assim, improcede o recurso, também nesta parte, sem necessidade de outras considerações.
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Decisão
Face ao exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente confirmando a decisão recorrida que fixou o regime provisório quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Custas pela recorrente.
Notifique.
Porto, 2024-09-26
Manuela Machado
Álvaro Monteiro
António Carneiro da Silva