I – Havendo o acórdão recorrido julgado improcedente a apelação interposta, mantendo a condenação do requerido a entregar, a título de alimentos devidos à sua filha maior AA, a importância mensal de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros), a qual é devida a partir de Janeiro de 2018, sendo assim o valor anual devido de € 1.500,00 (€ 125,00 x 12) e havendo decorrido até à prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - em 7 de Maio de 2024 - 6 (seis) anos e 5 (meses) meses (de Janeiro de 2018 a Maio de 2024), o valor global a entregar pelo requerido à requerente ascende a € 9.750,00 (nove mil, setecentos e cinquenta euros), o qual não é superior a metade do valor da alçada do tribunal de que recorre (€ 15.000,00), não fazendo sentido conjecturar hipóteses de pagamentos futuros que serão (ou não) suportados pelo ora recorrente.
II – Aliás, para o valor das prestações alimentares vir a fixar-se em montante superior a € 15.000,00 (habilitando a interposição do recurso de revista), seria necessário tomar em conta os pagamentos vincendos que viessem a ocorrer em Fevereiro de 2028 (o que teria a ver com o total de mais de 10 anos de pagamento mensal da verba de € 125,00), sendo que nessa data será altamente previsível que já se tenha completado a formação profissional da alimentanda (na data da petição a A. tinha 19 anos e iniciara a formação em ...; à data da sentença a mesma A, contava vinte cinco anos de idade; em Janeiro de 2028 – daqui a três anos e meio sensivelmente - contará idade superior a 29 anos (mais dez anos após a entrada da acção em juízo).
III – Pelo que, nos termos do artigo 629º, nº 1, do Código de Processo Civil, inexiste a sucumbência necessária por parte do recorrente, não sendo, por isso mesmo, a decisão judicial proferida pelo Tribunal da Relação impugnável perante o Supremo Tribunal de Justiça.
IV – Por outro lado, a admissibilidade da revista excepcional, como recurso de revista que é, exige, em qualquer circunstância, a prévia verificação de todos os pressupostos gerais de recorribilidade, mormente o da impugnabilidade do acórdão recorrido para o Supremo Tribunal de Justiça (o que não sucede in casu).
V - Não há assim lugar ao conhecimento do objecto do recurso, que se julga findo nos termos gerais do artigo 652º, nº 1, alínea b), e do artigo 679º do Código de Processo Civil.
Revista nº 256/18.2T8LMG.C1.S1.
Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível):
Foi proferida a seguinte decisão singular:
“Instaurou AA, junto da Conservatória do Registo Civil de ..., a presente acção de alimentos a filho maior contra o seu pai BB.
Alegou para o efeito, em suma, que frequenta o 1º ano do curso superior de ..., na Universidade ... e que não tem possibilidades de custear a frequência do curso só com o auxílio da mãe, sendo que a requerente não aufere quaisquer rendimentos.
Conclui pedindo que o requerido seja condenado no pagamento de uma pensão de alimentos à requerente no valor mensal de €670,50, devendo a mesma ser anualmente atualizada de acordo com a taxa de inflação divulgada pelo INE.
Contestou o requerido.
Essencialmente alegou que, embora seja a sua mãe que lhe vai pagando as contas, o dinheiro com que o faz é comum ao casal; ao contrário do que sempre acreditou, a Requerente não está no segundo ano da faculdade ou Universidade; a requerente é titular de diversas contas bancárias que possuem ou já possuíram, recentemente, depósitos de cerca de € 70.000,00; por outro lado, o Requerido trabalha no seu dia-a-dia, na sociedade que pertence igualmente à mãe da Requerente, auferindo de um salário mensal igual à da mãe da Requerente, no valor de € 752.
Pugna consequentemente pela improcedência da ação.
Remetidos os autos ao Tribunal competente, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou o requerido BB a entregar a título de alimentos devidos à sua filha maior AA a importância mensal de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros), a qual será devida a partir de Janeiro de 2018.
Interposto pelo requerido recurso de apelação, foi o mesmo julgado improcedente por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7 de Maio de 2024.
Interpôs agora o requerido recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b), do artigo 672º do Código de Processo Civil, apresentando as seguintes conclusões:
1. O tribunal da Relação de Coimbra e assim do Tribunal a quo, salvo devido respeito, não decidiu bem no processo em epígrafe, ao proferir o acórdão de que se recorre;
2. A requerente AA filha do requerido BB intentou a presente ação alegando, em suma, que apesar de ser maior de idade carecia de alimentos do seu pai por continuar a estudar; contestou o progenitor alegando em suma que a sua filha não carecia de alimentos;
3. Após vários requerimentos atravessados aos autos pelas partes e da oposição expressa do requerido veio a senhora juiz a proferir a decisão provisória de atribuição de alimentos à requerente no valor de 150 euros mensais, que veio a ser revogada atentos os fundamentos vertidos nas alegações de recurso apresentadas pelo requerido;
4. Realizada a audiência de julgamento veio a ser proferida a sentença que atribuiu à requerente uma prestação a título de alimentos a cargo do requerido a favor da requerente no montante mensal de 125 euros mensais com efeitos a partir de janeiro de 2018;
5. Desta decisão recorreu o requerido tendo o Tribunal da Relação de Coimbra mantendo aquela decisão assim sumariando o acórdão: “Sumário: Embora a Autora receba subsídios sociais de subsistência e inclusão de cerca de 713€ mensais, ela tem direito a alimentos a prestar pelo seu pai, pois não tem rendimentos próprios, sofre de uma incapacidade permanente global de 83%, necessita de ajuda permanente da sua mãe que também não trabalha e tem apoio de familiares. (Arts. 2003 nº 1, 2004 e 2009 nº 1 c) do Código Civil). Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los. O seu pai, como sócio único e gerente, aufere o rendimento mensal de, pelo menos, €795,00 e paga uma pensão de alimentos a uma outra filha, menor, no valor de €150,00. No demais contexto apurado, entende-se ajustado manter a pensão de alimentos da Autora em valor próximo ao da sua irmã.”;
6. E é desta decisão que se entende ser nula ilegal e desconforme à prova produzida e constante nos autos que se interpõe este recurso, existindo uma clara e errada interpretação da Lei ao não considerar todo o vasto património da requerente como rendimentos mais do que suficientes para afastar a alegada carência, pressuposto necessário para a procedência de qualquer ação de alimentos;
7. A decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra é desde logo nula à luz do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil na medida em que clamorosamente o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre as várias questões que o recorrente levou ao seu conhecimento;
8. Em sede de alegações invocou o recorrente terem-se verificado vários vícios, nulidades e ilegalidades quanto à decisão proferida pela primeira instância, omitindo o claro dever de pronúncia o Tribunal da Relação “fundamentou” asuadecisãoempouco mais de umapágina– partefinal da 10, 11 e duas linhas da 12 – não se tendo pronunciado quanto às imputadas ilegalidades, nulidades arguidas;
9. Pelo que, por clara omissão do deverde pronúncia a decisão do Tribunal da Relação é nula o que deve ser aferido nesta sede;
10.A invocada nulidade verifica-se ainda à luz do disposto no artigo 615º nº 1 al. b) do CPC atenta a parca fundamentação que consta do acórdão recorrido, fundamentação esta que de tão parca equivale a clara falta d fundamentação que consubstancia nulidade processual a ser verificada também nesta sede;
11.A decisão proferida pelo Tribunal da Relação é também nula à luz do dispostonaalínea c)do n.º1doartigo 615.ºdoCódigodeProcesso Civil na medida em que entende o recorrente que se verificam factos dados como provadosqueestãoemcontradição comadecisão,aliásresultando do próprio sumário do Acórdão de forma clamorosa a invocada contradição;
12.Dos factos dados como provados nos autos constamprovados factos que indubitavelmente permitiriam ao Tribunal concluir pela ausência de carência da requerida e como tal não poderia a sentença fixar alimentos nos termos em que o fez; vide factos 7., 9., 14., 15, e 17.;
13.Dos referidos factos dados como provados resulta assim que a requerente AA detinha nas suas contas bancárias no ano de 2017 a quantia de 63.361,30 euros (sessenta e três mil trezentos e sessenta e um euros e trinta cêntimos) quantia esta que foi movimentada pela requerente e pala sua mãe, de quem o requerido se havia separado, quantia esta que a mãe da requerente em sede de julgamento reconheceu ter usado em benefício da requerente e a ter “gasto toda”;
14.Sendo rendimentos na posse da requerente tal quantia deveria ter sido tida em conta pelo Tribunal para a prolação de uma decisão que atestasse pela não verificação de carência da referida requerente;
15.Da matéria de facto dada como provada resulta que a requerente apenas provou ter despesas médias anuais na ordem dos 2000 euros – vide factos dados como provados sob os artigos 14. e 15, mais resultou provado que a mesma aufere 713,52 euros de pensões da segurança social, ou seja,mediante tais factos dados como provados resultou assim provado que a requerente não tem qualquer carência económica;
16.Não obstante tal factualidade que apenas poderia acarretar a conclusão da ausência de carência por parte da requerida, as instâncias anteriores, descurando tal factualidade e centrando-se apenas nos problemas de saúde sofridos pela requerente, não valorando tais rendimentos, fixaram a pensão de alimentos de 125 euros mensais;
17.Chegamos à conclusão através do simples cálculo aritmético que os rendimentos da filha são superiores aos do próprio pai aqui se podendo frisar que as instâncias anteriores não quiseram ver quem é afinal o próprio carente;
18.Considerou o Tribunal da Relação que prestações sociais não são rendimentos e por essa razão não consideraria a quantia de 713euros mensais auferidos pela requerente;
19.O decidido configura uma ilogicidade! Desde quando as prestações sociais não são consideradas rendimentos? Não são contabilizadas elas nasdeclaraçõesde IRS?Nãosão consideradaspara aatribuição deapoio jurídico? Não são consideradas para isenções de taxas moderadoras entre outras? Só não são consideradas para se aferir da carência de alimentos no caso concreto?;
20.E se a decisão recorrida já era errada por talfactor tambémo é pelo facto de terem resultado provados factos que demonstram que a requerente não estuda, não tem quaisquer outros gastos ou despesas para além de despesas médicas e mais apenas logrou provar despesas dessa natureza numa média de 200 euros mensais em dois anos (2020 e 2021 referentes ao pós-acidente da requerente). – Vide factos 13., 14., 15. sendo que na atualidade as suas despesas médicas são em muito inferiores;
21.Cabia à requerente demonstrar e provar o alegado, ou seja, que gastou o dinheiro em seu benefício e que desde 2017 até ao presente já havia gasto a referida quantia de 63.361,30 euros como alegou, o que não fez, contrariamente ao alegado apenas resultou provado que a requerente apenas tinha despesas na ordem dos 2000.00 euros anuais – vide facto dado como provado sob os nºs 14 e 15 – e ainda ficou provado que recebe a módica quantia de 9989,28euros anuais a título de prestações sociais;
22. A Relação “fazendo tábua rasa” a tais factos dados como provados assim considerou“…tais saldosforamusadosnas suasdespesas, gastos estes que presumidamente, terão sido elevados, bastando para isso conferir os factos 3, 6, 11, 13, 14 e 15.” – vide página 11 do acórdão recorrido;
23.A justiça faz-se com factos com provas e não com presunções! Havendo provas não pode o Tribunal lançar mão de presunções só para justificar o injustificável. Constando da factualidade dada como provada as despesas anuais na ordem dos 2000 euros por referência aos anos de 2020 e 2021 não pode o Tribunal da Relação presumir gastos superiores só para justificar a invocada carência e justificar os milhares de euros;
24.Assim, a matéria de facto dada como provada encontra-se em clara contradição com a decisão final, não podendo ser retirada daquela qualquer situação de carência económica da requerente antes pelo contrário, pelo que, há luz do disposto no artigo 615º nº 1 al. c) deve decidir-se pela nulidade da decisão proferida o que se requer;
25.Entende o recorrente que a decisão recorrida é ainda nula por outro prisma que passa pela erradíssima interpretação do ónus da prova nomeadamente sobre quem impende o mesmo nestes autos;
26.No caso concreto o requerido alegou factos capazes de demonstrar a suficiência da requerente o que fazia cair por terra a verificação do pressuposto processual determinante para a fixação da pensão requerida que era a “carência de alimentos”;
27.E tanto assim foi que se demonstrou através de prova documental e testemunhal que aquando da separação do requerido da mãe da requerente esta tinha depositadas nas suas contas 63.361,30 euros que os seus pais ali haviam colocado – vide facto dados como provado sob o nº 7 – e declarações da mãe da requerente que confessou em juízo ter gasto o dinheiro todo em benefício da requerente;
28.Tendo o requerido demonstrado os referidos rendimentos à requerente cabia-lhe demonstrar e provar o alegado, ou seja, que gastou o dinheiro em seu benefício e que desde 2017 até ao presente já havia gasto a referida quantia de 63.361,30 euros como alegou;
29.Contrariamente ao alegado apenas resultou provado que a requerente apenas tinha despesas na ordem dos 2000.00 euros anuais – vide facto dado como provado sob os nºs 14 e 15 – e ainda ficou provado que recebe ainda a quantia de 9989,28euros anuais a título de prestações sociais;
30.No entanto, e sem qualquer fundamentação lógica o Tribunal recorrido inverte as regras do ónus da prova, sem qualquer justificação plausível ou lógica considerando que “…tais saldos foram usados nas suas despesas, gastos estes que presumidamente, terão sido elevados, bastandoparaissoconferirosfactos3,6,11,13,14e15.”–videpágina 11 do acórdão recorrido;
31.Caso a errada interpretação do princípio do ónus da prova não configure uma nulidade processual nos termos acima alegados sempre se terá de considerar que se verifica ilegalidade da decisão atenta a erradíssima interpretação levada a efeito pelo Tribunal a quo;
32.No caso concreto o requerido alegou e provou factos capazes de demonstrar a suficiência da requerente que vieram a constar da factualidade dada como provada nomeadamente que aquando da instauração da presente ação a mesma tinha depósitos bancários na ordem dos €63.361,30 e embora a mãe da requerente haja feito crer a este Tribunal que “gastou” todo o dinheiro em prol dos interesses da requerente a verdade é que não logrou provar esses gastos;
33.DeformailógicaoTribunal recorrido inverteuedesconsiderou as regras do ónus da prova, desconsiderando os valores que a requerente tinha nas suas contas, que ascendiam a vários milhares de euros “presumindo” que os mesmos foram gastos e assim não deveriam ser considerados fazendo constar o seguinte: “ O facto de a requerente ter ou ter tido contas bancárias com saldos diminuídos em 2018 e 2019 não serve para conduzir à conclusão de que a mesma tem rendimentos para se sustentar, especialmente quando se apura que tais saldos foram usados nas suas despesas, gastos estes que presumidamente, terão sido elevados, bastando para isso conferir os factos 3, 6, 11, 13, 14 e 15.” – vide página 11 do acórdão recorrido;
34.A decisão recorrida enferma ainda de ilegalidade pela errada interpretação do disposto nos artigos 989º do CPC e 1880º e 1905º do Código Civil da não verificação dos pressupostos legais tendentes à fixação da prestação de alimentos a pagar pelo requerido em favor da requerente;
35.Desde logo importa referir que para que fosse julgado procedente o pedido de fixação de uma prestação de alimentos à luz dos supra citados normativismos legais e mais, que a decisão tivesse efeitos retroativos desde 2018, a requerente teria de provar que durante todo o período esteve a estudar e que teve aproveitamento escolar, o que não fez;
36.Apenas consta dos autos que a mesma esteve matriculada no ano de 2017/2018 e no ano de 2021/2022. E nada mais resulta provado acerca da “frequência escolar” da requerente, apenas resulta dos autos que a requerente se inscreveu no ano de 2017/2018 e 2021/2022 nada resultando provado quanto aos demais anos bem como ao aproveitamento escolar necessário para que a pensão de alimentos fosse fixada à luz do disposto nos artigos 989º do CPC e 1880º e 1905º do código Civil;
37.Ademais ficou demonstrada a ausência de carência por parte da requerente;
38.Dos documentos juntos aos autos, da matéria de facto dada como provada e ainda da prova testemunhal que não foi tida em conta pelo Tribunal a quo não resulta que a situação da requerente haja sido ou seja de carência e assim seja necessário receber alimentos do requerido;
39.O requerido centrou a sua defesa neste processo com o facto de a requerente ter ficado na sua posse com dinheiros que eram do casal dissolvido da mãe da Requerente e do Requerido que estes haviam colocado em contas da ainda menor com o intuito, se ela o merecesse e justificasse, ser gasto no seu interesse;
40.Está amplamente demonstrado nos autos que na data da instauração desta ação de alimentos a requerente tinha 63.361,30 de depósitos bancários, que a sua mãe lhe vendeu o carro e obteve no interesse da requerente 10.000 euros e ainda que das prestações sociais auferidas desde janeiro de 2022 até à presente data a requerente auferiu 19.978,56 euros num total em cinco anos de 93.339,86 euros;
41.O Tribunal recorrido fez tábua rasa a toda esta factualidade; e se o Tribunal equaciona a possibilidade do requerido pagar uma pensão de alimentos desde o ano de 2018 não pode deixar de considerar quais os rendimentos da requerente àquela data e também os atuais fizesse ela o que fizesse com o dinheiro que teve na sua posse;
42.Entender de maneira diferente será consentir com decisões injustas em que os requerentes dissipem ou ocultem todos os seus bens, em busca de uma demonstração de carência inexistente, como se verificou nestes autos e os requeridos tenham de pagar o preço de tais comportamentos, o que não se aceita;
43.Por outro lado ficaram provados os rendimentos do requerido e que são os seguintes: 23. O requerido, actualmente, aufere cerca de €795,00, tem uma filha menor a quem paga a pensão de alimentos no valor de €150,00 mensais. Ou seja, o requerido dispõe mensalmente de 645 euros para prover pela sua subsistência e se a presente decisão em termos hipotéticos fosse de confirmar ficaria com 520euros sendo que como se disse a requerente aufere de prestações sociais a quantia de 713,52 euros;
44.Não se aceita assim, por ilegal, o entendimento do Tribunal recorrido atenta a simulação existente, no sentido de colocar a filha maior, formalmente, em estado de necessidade, quando, na realidade, é a mesma a legítima dona e proprietária desses depósitos e de outros bens que não podiam permitir concluir ao Tribunal estar em situação de carência;
45.Mais a requerente aufere mensalmente de prestações sociais uma quantia superior à que aufere o requerido o que lhe permite viver desafogadamente tanto mais que não suporta quaisquer outras despesas fixas.
46.Em suma, a decisão proferida em confronto com os elementos constantes dos autos é uma decisão ilegal já que foi proferida ao arrepio dos meios deprova colocados à disposição do julgador e como tal, ainda que não seja declarada nula como acima se arguiu, sempre teria de ser revogada pelo facto de ser ilegal – ao atribuir-se uma pensão alimentícia quando dos autos não resulta provada a carência económica e o estado de necessidade da requerente;
47.Para o caso do demais não proceder sempre se invoca e alega o seguinte que consubstancia igualmente uma ilegalidade da decisão recorrida pela errada aplicação do direito aos factos;
48.Resultou provado quer através da matéria de facto quer do depoimento da testemunha CC, mãe da requerente, que o requerido e esta colocaram em contas da requerente quantias que ascenderam a 63.361,30 euros com o intuito de ser usada em benefício desta e no seu percurso escolar;
49.Resulta dos autos que a requerente em conjugação de esforços com a sua mãe fizeram sua a referida quantia e gastaram como bem entenderam, nãoseaceitando quefoiemdespesas coma requerenteuma vez que não foi feita prova disso;
50.Ainda que não proceda o demais alegado sempre se terá de considerar que os referidos depósitos bancários, pese embora fossem destinados ao percurso escolar da requerente, eram dinheiros do dissolvido casal e assim 31.680,65 euros era quantia própria do requerido a qual foi feita sua pela requerente e pela sua mãe como provado nos autos;
51.E se a mesma foi “gasta” em benefício da requerente como alega a sua mãe tal consubstancia um pagamento por parte do requerido que não foi tido em conta pelo Tribunal a quo;
52.Assim, ainda que o demais não proceda, e tendo-se demonstrado que metade da quantia que a requerente tinha em depósitos bancários era do requerido este valor terá de se ter em conta para efeitos de desconto das pensões vencidas e vincendas, no caso, claro está de se manter a decisão recorrida, o que se coloca também;
53.Por fim a decisão recorrida é ainda ilegal porquanto não resultaram verificados os pressupostos ínsitos aos artigos 2003 nº 1, 2004º e 2009º nº 1 al c) do Código Civil;
54.O Tribunal recorrido decidiu atribuir a pensão de alimentos à requerente à luz do disposto nos atrás mencionados dipositivos legais assim considerando: Sumário: Embora a Autora receba subsídios sociais de subsistência e inclusão de cerca de 713€ mensais, ela tem direito a alimentos a prestar pelo seu pai, pois não tem rendimentos próprios, sofre de uma incapacidade permanente global de 83%, necessita de ajuda permanente da sua mãe que também não trabalha e tem apoio de familiares. (Arts. 2003 nº 1, 2004 e 2009 nº 1 c) do Código Civil). Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los. O seu pai, como sócio único e gerente, aufere o rendimento mensal de, pelo menos, €795,00 e paga uma pensão de alimentos a uma outra filha, menor, no valor de €150,00. No demais contexto apurado, entende-se ajustado manter a pensão de alimentos da Autora em valor próximo ao da sua irmã.;
55. Daprova produzida resultou demonstrada a incapacidade do progenitor face à requerente e ainda a falta de necessidade da própria requerente;
56.A cláusula de “razoabilidade” prevista neste artigo deverá ser interpretada de acordo com determinados elementos objetivos e subjetivos que a densificam, elementos estes que abonam em favor da pretensão do recorrente no sentido de que nem a requerente carece de alimentos nem o requerido deve prestá-los pelo menos nos termos em que tem vindo a ser sentenciado;
57.Caso o demais não proceda sempre importará considerar que existiu erro expresso e claro na prolação da decisão final que condenou o requerido no pagamento de uma pensão alimentícia de 125 euros à requerente que fez tábua rasa aos rendimentos ocultados pela requerente – ainda assim não foram devidamente valoradas a capacidade contributiva do requerido e os rendimentos efetivos e despesas da requerente;
58.Quanto aos rendimentos atuais da requerente provou-se o seguinte: 17. Pela Segurança Social foram atribuídas à requerente a componente base no valor mensal de €275,30 com inicio em 2022-01-01 e o complemento da prestação social para a inclusão no valor mensal de €438,22, com inicio em 2022-01-01.
59.Não se provou sequer que esta continue a estudar no entanto ainda que se tenha em conta a matricula do ano de2021/2022 a última provada nos autos, a requerente estudaria na cidade de ... onde reside com a sua mãe e não despende por isso qualquer quantia em alojamento e deslocações;
60.Limitando-se os seus rendimentos a ser usados para a sua alimentação, saúde a material escolar;
61.Ficou provado que a requerente passou a auferir a partir de janeiro de 2022 as prestações sociais que totalizam a quantia de 713,52 euros sendo certo que atentas as atualizações normais anuais tal montante será superior;
62.Por outro lado em relação ao requerido ficaram provados os seguintes rendimentos: 23. O requerido, actualmente, aufere cerca de €795,00, tem uma filha menor a quem paga a pensão de alimentos no valor de €150,00 mensais.;
63.Ou seja, em termos líquidos o requerido dispõe mensalmente de 645 euros, após pagamento dapensão à suaoutra filha menor, e se apresente decisão passasse a definitiva, o que se coloca para efeitos de raciocínio, ficaria com 520 euros mensais;
64.A requerente por sua vez, caso o requerido fosse compelido no pagamento da referida pensão, ficaria com a quantia mínima mensal de 838,52 euros, o que se traduz numa tremenda injustiça da decisão recorrida;
65.Assim, em última ratio, tendo em conta a factualidade dada como provada, os rendimentos da requerente, os rendimentos do requerido, as despesas deum eoutro,sempresepugnapela prolaçãodedouto acórdão que reduzindo a pensão alimentícia a suportar pelo progenitor para valores mínimos de não mais de 20/30euros mensais, fará a devida justiça;
66.A apreciação do presente caso ea nosso ver,o quese espera, a correcção da decisão dela constante é importante para a boa aplicação do direito e fazer a verdadeira justiça, pois que, poderá ser devidamente ampliada e transplantada para a sociedade e comunidade de forma a que, embora reconhecendo o direito a alimentos a maiores, não se obriguem os pais a pagar pensão a filhos que tenham rendimento superior aos dos seus progenitores;
67.E, de igual forma, que não vaze para essa mesma sociedade ou comunidade a ideia de que mesmo quem não necessite de fazer a sua formação académica pode beneficiar de alimentos dos pais mesmo que, por exemplo, se limitem à ociosidade;
68.Tal tem de ser devidamente rectificado, já que, salvo melhor opinião, é o que passará para a comunidade e sociedade em geral se se mantiver esta decisão e, mais especificadamente para os nossos jovens de Portugal, caso esta decisão, fundamentada num sumário que até faz equivaler a obrigação e prestação de alimentos a menores com os dos maiores “ …No demais contexto apurado, entende-se ajustado manter a pensão de alimentos da Autora em valor próximo ao da sua irmã”;
69.Pelo que, salvo melhor opinião que apenas provirá de Vªs Exªs entende o recorrente que a decisão proferida é claramente nula e ilegal por violação do disposto nos artigos 615º nº 1 al) b) c) e d), 989º do CPC e 342º,1880º,1905º,2003º,2004ºe2009 nº1al.c)todosdoCódigoCivil.
Contra-alegou a A. apresentando as seguintes conclusões:
1. O recurso apresentado pelo recorrente não deve ser admitido.
2. O recorrente da revista excecional, ao abrigo do disposto no art. 672.º n.º 1 a) e b), do C.P.C., deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição, nos termos do n.º 2 a) e b),do mesmo preceito, as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e as razões pelas quais os interesses são de particular importância.
3. É fundamental concretizar as razões e argumentos que fundamentam a relevância jurídica e social.
4. O recurso interposto não pode ser admitido porque não cumpre os requisitos do art.672º nº 2 CPC.
5. No presente caso há dupla conforme, pelo que o recurso não pode ser admitido.
6. O acórdão não está ferido de qualquer nulidade ou ilegalidade.
7. O Tribunal da Relação de Coimbra especifica fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
8. Se a recorrida não aufere rendimentos e é a sua mãe que tem providenciado pelo seu sustento é evidente que a mesma carece de alimentos.
9. Ficou provado que a recorrida necessita de alimentos e que o recorrente tem capacidade de prestar esses alimentos.
10. Assim, não se verificou contradição entre os fundamentos e a decisão.
11. Não há nulidade da sentença nos termos do art. 615º, nº 1 al. d) CPC porque o Tribunal da Relação de Coimbra apreciou todas as questões que devia ter tomado conhecimento.
12. Se as contas bancárias da recorrida tinham a quantia global de €. 477,43, verifica-se a carência económica alegada.
13. O facto de o recorrente acreditar (e isto não é uma questão da fé) que a mãe da recorrida tem uma quantia de €. 35.000,00, não faz prova que essa quantia exista.
14. A obrigação do pai prestar alimentos não se relaciona com as contas bancárias da mãe da recorrida.
15. Ficou provado que a mãe da recorrida não trabalha e recorre à ajuda de familiares.
16. Não existe errada interpretação do princípio do ónus da prova porque a recorrida provou a sua carência económica e necessidade de alimentos.
17. A recorrida não aufere qualquer rendimento apenas recebe subsídios socias.
18. O dinheiro resultante da venda de veículo da recorrida não pode ser considerado rendimento.
19. Não existe ilegalidade da sentença porerrada interpretação dos arts.989º CPC e 1880º e 1905º CC.
20. A aplicação das normasobriga a umaconjugaçãodos preceitosprevistosna Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência com o princípio da igualdade (art. 13º CRP).
21. A recorrida tem o direito de exigiralimentosaorecorrente nos termos do art. 2009ºCC.
22. Não tem fundamento qualquer compensação das prestações vencidas e vincendas relativa à pensão de alimentos devida à recorrida.
23. O recorrente tem capacidade financeira para prestar a pensão de alimentos no valor de €.125,00 à recorrida.
Notificado nos termos e para os efeitos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, referiu o recorrente:
1º Foi o recorrente notificado da pretensão do senhor Juiz Conselheiro, de julgar inadmissível a revista intentada, por alegadamente se verificar ausência da sucumbência necessária do requerente.
2º Não concorda o recorrente com tal entendimento devendo a revista considerar-se admissível e legal.
3º Nos presentes autos, e em primeira instância, foi fixada uma prestação a título de alimentos a cargo do requerido e a favor da requerente no montante mensal de 125 euros mensais com efeitos a partir de janeiro de 2018.
4º Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra tendo o requerente interposto este recurso de revista nos termos do disposto nos artigos 629.º n.º 1, 638.º, 672º nº 1 al. a) e b), 675.º n.º 1 e 677.º todos do CPC, por se entender que está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; e ainda porque estão em causa interesses de particular relevância social, tudo nos termos do disposto no artigo 672º nº 1 al. a) e b) do CPC.
5º Como pugnou o recorrente, a decisão colocada em crise, configura uma decisão nula e injusta e ilegal, porque contrária à Lei.
6º Veio agora o senhor juiz conselheiro notificar as partes por no seu entender não se verificar a sucumbência necessária para a admissão da revista.
7º Ora, nos termos da Lei, o valor da sucumbência é o valor a mais pretendido em recurso, pois só quanto a este é que a decisão recorrida é desfavorável para a recorrente.
8º Considerou este Tribunal que o valor da sucumbência seria 9750 euros, que corresponde ao valor que o recorrente foi condenado a entregar à requerente, correspondendo à quantia de 125 euros desde maio de 2018 até maio de 2024.
9º Ora, entende o recorrente que tais considerações se encontram erradas.
10º No caso concreto, o valor da sucumbência não pode corresponder às prestações vencidas até à data da prolação da decisão recorrida, porquanto, a decisão recorrida é muito mais extensível do que isso, pois que. a assim considerar-se ter-se-ia necessariamente de considerar que a requerente nada mais podia exigir do recorrente a nível de prestação de alimentos, a não ser esse valor. E assim o fosse, estávamos conversados.
11º Porém, a verdade é que, a decisão recorrida, para além de condenar o recorrente em prestações vencidas, condena-o no pagamento de uma pensão mensal de alimentos vincenda.
12º Como resulta dos autos, o recorrente pugna pela prolação de uma decisão que considere não ser o mesmo devedor de qualquer prestação de alimentos.
13º E assim, sempre se terá de considerar que a sucumbência do recorrente é, para além da condenação nos pagamentos vincendos, a condenação no pagamento das prestações mensais alimentícias futuras ou vincendas.
14º Prestações estas que a ser indetermináveis, sempre justificariam que se lançasse mão do critério geral, atribuindo-se à causa o valor das prestações vencidas, acrescido do valor de 30.000,01 euros o valor das prestações vincendas.
15º É este o valor pretendido neste recurso que se deve considerar para efeitos de sucumbência; que o recorrente fique desonerado do pagamento das prestações vencidas e vincendas reclamadas pela recorrente.
16º Ora, o valor da sucumbência é o valor a mais pretendido em recurso, porquanto este corresponde ao valor inserto na decisão recorrida que é desfavorável para a recorrente.
17º Como se diz no acórdão da Relação do Porto de 15/1/2024, proferido no proc. nº246/23.3T8VLG.P1, relatora Paula Leal de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt “[u]ma coisa é o vencimento, e correspondente decaimento, total ou parcial, da ação e, outra, o seu valor, este correspondente à utilidade económica do ganho e da correspondente perda. E o que está em causa no requisito referido em ii) é o valor da perda, ou seja, o valor correspondente ao prejuízo para o recorrente que resulta da decisão recorrida, quer esse decorra da perda parcial, quer da perda total da ação”.
18º No mesmo sentido, explicita o acórdão do STJ de 8/9/2021, proferido no proc. nº51/17.6T8PVZ.P1.S1, relator Henrique Araújo, disponível em www.dgsi.pt que “o valor da sucumbência, para efeitos de admissibilidade de recurso, reporta-se ao montante do prejuízo que a decisão recorrida importa para o recorrente, o qual é aferido em função do teor da alegação do recurso e da pretensão nele formulada, equivalendo, assim, ao valor do recurso, traduzido na utilidade económica que, através dele, se pretende obter” .
19º E de outra forma se diz também no acórdão do STJ de 13/7/2006 proferido no proc. nº06S895, relator Vasques Dinis, também disponível em www.dgsi.pt, “(…) o valor da sucumbência a atender, para efeito de admissibilidade do recurso, é o da diferença entre o montante fixado na decisão recorrida e o que pretende seja fixado na decisão do recurso - é essa diferença que consubstancia a medida do que na decisão a recorrente passou a considerar que lhe foi desfavorável (…)”
20º Ou seja, voltando ao caso em apreço não pode o Tribunal considerar apenas como valor da causa o valor correspondente ao fixado para as prestações já vencidas, porquanto, tal não abrange o total alcance da consequência jurídica sofrida pelo recorrente, já que, para além deste montante, está o recorrente condenado no pagamento das prestações vincendas, que a serem indetermináveis sempre se teriam de quantificar de acordo com o critério supletivo de 30.000,01 euros.
21º O recorrente nesta ação pretende reverter a decisão no seu todo – prestações vencidas e vincendas – logo o valor da alegada sucumbência terá de incluir tais valores e não de forma limitativa incluir apenas o valor considerado para as prestações vencidas.
22º Ao assim se considerar, como parece ser o entendimento vertido no despacho a que se responde, o Tribunal cai numa apreciação redutora e violadora da Lei.
23º A sucumbência, como a Lei indica, corresponde ao valor a mais pretendido em recurso e em recurso, como bem resulta das alegações apresentadas, o recorrente procura uma decisão que o desonere do pagamento das prestações vencidas e ainda das vincendas.
24º A visão do senhor Juiz que proferiu o despacho é assim redutora do direito do recorrente, na medida em que, em caso algum se pode considerar como a “perda” do recorrente apenas a condenação no pagamento das prestações vencidas; a assim ser, ter-se-ia de considerar, necessariamente, que a decisão recorrida não englobou a condenação no pagamento de prestações vincendas!. Será!! Não nos parece. Além da sentença ter sido clara e expressa na sua redação: “IV - DECISÃO Em face do exposto, e ao abrigo das citadas disposições normativas, mostrando-se verificados os requisitos legais, julgo parcialmente procedente, a presente acção e, consequentemente, e condeno o requerido BB a entregar a título de alimentos devidos à sua filha maior AA a importância mensal de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros), a qual será devida a partir de Janeiro de 2018.” não determinando qualquer data de cessação da prestação, verdade é que, numa hipotética execução sempre a Autora pretenderá ver satisfeita a sua pretensão na totalidade, ou seja, pretenderá cobrar as prestações vencidas (todas as passadas, mesmo as que já são posteriores à decisão do Tribunal da Relação), mas também as futuras, sendo impossível ao aqui recorrente, nessa hipótese, opor-se a tal invocando que apenas está condenado a pagar as prestações até á decisão do Tribunal da relação.
25º Assim, entende o recorrente que o valor a fixar à causa e à sucumbência são necessariamente e, pelo menos, de 39.750,01 euros, considerando-se o valor das prestações vencidas e vincendas, pois só assim se decidirá de forma justa.
Pronunciou-se a recorrida no sentido do despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Apreciando liminarmente a admissibilidade da presente revista:
Dispõe o artigo 629º, nº 1, do Código de Processo Civil:
“O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa”.
Ora, o acórdão recorrido - proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 7 de Maio de 2024 - julgou improcedente a apelação interposta pelo requerido, mantendo o decidido em 1ª instância.
Ou seja, manteve a condenação do requerido a entregar, a título de alimentos devidos à sua filha maior AA, a importância mensal de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros), a qual é devida a partir de Janeiro de 2018.
Ora, sendo o valor anual devido de € 1.500,00 (€ 125,00 x 12) e havendo decorrido até à prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - em 7 de Maio de 2024 - 6 (seis) anos e 5 (meses) meses (de Janeiro de 2018 a Maio de 2024), o valor global a entregar pelo requerido à requerente ascende a € 9.750,00 (nove mil, setecentos e cinquenta euros), o qual não é superior a metade do valor da alçada do tribunal de que recorre (€ 15.000,00).
Logo, inexiste a sucumbência necessária por parte do recorrente, não sendo, por isso mesmo, essa decisão judicial impugnável perante o Supremo Tribunal de Justiça.
(Escreve, a este propósito, Rui Pinto in “O Recurso Civil. Uma Teoria Geral”, AAFDL Editora, 2017, a página 202:
“Complementarmente, o valor do prejuízo e da acção devem ser economicamente relevantes, nos termos do artigo 629º, nº1.
Trata-se de um pressuposto processual compósito: não admitem recurso ordinário as decisões proferidas em causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e que não sejam desfavoráveis ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal. Por isso +e que a alçada é o valor dentro do qual um tribunal decide sem admissibilidade de recurso.
Na falta deste pressuposto o requerimento deve ser proferido pelo juiz a quo, nos termos do artigo 641º, nº 2, alínea a), ou o recurso não conhecido nos termos dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 655º, porque a decisão não admite recurso.
Esta é, ainda, uma expressão da função delimitadora do interesse processual, mas que não é estritamente economicista, já que não somente a lei postula que não é economicamente significativo até € 2.500,00, como aceite até € 15.000,00 (valor que não é uma bagatela) possa não haver novo recurso, porque presume que a primeira decisão de recurso – i.e., das Relações -, é, em regra, justa.
Em suma: do ponto de vista do Estado o recorrente obteve a melhor tutela possível com os meios que o Estado colocou à sua disposição. Por isso, não tem “precisão” de nova decisão judicial”.
Dir-se-á, ainda, a propósito do alegado pelo recorrente aquando da sua notificação nos termos e para os efeitos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil:
1º - O valor correspondente à sucumbência ascende efectivamente ao montante de € 9.750,00 (nove mil, setecentos e cinquenta euros) sendo o único que poderá ser considerado para estes efeitos, não fazendo sentido conjecturar hipóteses de pagamentos futuros que serão (ou não) suportados pelo ora recorrente.
2º - Recorda-se ainda, a este propósito, que o valor objectivo que resulta do critério que se extrai do artigo 298º, nº 3, do Código do Processo Civil (o quíntuplo da anuidade) conduziria ao montante de € 7.5000, bem inferior àquele que, para estes efeitos, foi considerado (por correspondente à efectiva condenação do Réu que resulta do acórdão recorrido).
3º - Para o valor das prestações alimentares vir a fixar-se em montante superior a € 15.000,00 (habilitando a interposição do recurso de revista), seria necessário tomar em conta os pagamentos vincendos que viessem a ocorrer em Fevereiro de 2028 (o que teria a ver com o total de mais de 10 anos de pagamento mensal da verba de € 125,00), sendo que nessa data será altamente previsível que já se tenha completado a formação profissional da alimentanda (na data da petição a A. tinha 19 anos e iniciara a formação em...; à data da sentença a mesma A, contava vinte cinco anos de idade; em Janeiro de 2028 – daqui a três anos e meio sensivelmente - contará idade superior a 29 anos (mais dez anos após a entrada da acção em juízo).
Note-se outrossim que a admissibilidade da revista excepcional, como recurso de revista que é, exige, em qualquer circunstância, a prévia verificação de todos os pressupostos gerais de recorribilidade, mormente o da impugnabilidade do acórdão recorrido para o Supremo Tribunal de Justiça.
(Neste sentido, vide, entre outros:
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 2023 (relatora Catarina Serra), proferido no processo nº 3370/22.6T8SNT-A.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2024 (relatora Clara Sottomayor), proferido no processo nº 371/23.0YLPRT.L1-A.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 2015 (relator Melo Lima), proferido no processo nº 944/13.0T4AVR.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 2023 (relatora António Magalhães), proferido no processo nº 6457/20.6T8STB-A.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Fevereiro de 2024 (relator Nuno Pinto de Oliveira), proferido no processo nº 4768/10.8TBLRA-B.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt).
Não há assim lugar ao conhecimento do objecto do recurso (por ausência da sucumbência necessária do recorrente), o qual, nessa medida, se julga findo, nos termos gerais do artigo 652º, nº 1, alínea b), e do artigo 679º do Código de Processo Civil”.
Apresentou a recorrente reclamação (que apelidou erradamente de reclamação apresentada ao abrigo do artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil) para a Conferência nos seguintes termos:
1º - Foi o recorrente notificado do decidido pelo senhor Juiz Conselheiro Relator, que decidiu indeferir a apreciação do recurso e consequente conhecimento do seu objecto por considerar verificar-se ausência da sucumbência necessária para que o requerente recorra, assim feito consignar expressamente da decisão: “ Não há assim lugar ao conhecimento do objecto do recurso (por ausência da sucumbência necessária do recorrente) o qual, nessa medida, se julga findo, nos termos gerais do artigo 652º nº 1 alínea b) e do artigo 679º do Código de Processo Civil”.
2º Não concorda o recorrente com tal entendimento, entendendo que a revista é admissível, devendo ser apreciada, como pugnado nesta reclamação.
3º Nos presentes autos, e em primeira instância, foi fixada uma prestação a título de alimentos a cargo do requerido e a favor da requerente no montante mensal de 125 euros mensais, com efeitos a partir de janeiro de 2018.
4º Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra tendo o requerente interposto este recurso de revista nos termos do disposto nos artigos 629.º n.º 1, 638.º, 672º nº 1 al. a) e b), 675.º n.º 1 e 677.º todos do CPC, por se entender que está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; e ainda porque estão em causa interesses de particular relevância social, tudo nos termos do disposto no artigo 672º nº 1 al. a) e b) do CPC.
5º Como pugnou o recorrente, a decisão colocada em crise, configura uma decisão nula, injusta e ilegal, porque contrária à Lei e nessa medida apresentou o recurso de revista devidamente fundamentado e instruído.
6º Veio agora o senhor Juiz Conselheiro Relator decidir não conhecer o objecto do recurso por considerar não se verificar a sucumbência necessária do recorrente.
7º Não se concorda com este entendimento de Vª Exª, razão pela qual se apresenta reclamação nos termos da Lei.
8º Como resulta da Lei e dúvidas não parecem existir, o valor da sucumbência é o valor a mais pretendido em recurso, pois só quanto a este é que a decisão recorrida é desfavorável para o recorrente.
9º Considera, no entanto, Vª Exª, Ilustre Conselheiro, que o valor da sucumbência será de apenas 9750 euros, que corresponde ao valor a que o recorrente “está condenado” a entregar à requerente, correspondendo à quantia de 125 euros desde maio de 2018 até maio de 2024.
10º Entende o recorrente que fixar assim o valor da sucumbência é errado.
11º No caso concreto, o valor da sucumbência não pode corresponder às prestações vencidas até à data da prolação da decisão recorrida, porquanto, a decisão recorrida é muito mais extensível do que isso, pois que a assim considerar-se ter-se-ia necessariamente de considerar que a requerente nada mais podia exigir do recorrente a nível de prestação de alimentos, a não ser esse valor (Se assim o fosse, nada mais diríamos, o recorrente pagava e nada mais tinha de pagar, porque a nada mais estava condenado, mas, infelizmente, parece-nos que o não é).
12º Veja-se que a decisão recorrida, para além de condenar o recorrente em prestações vencidas, condena-o no pagamento de uma pensão mensal de alimentos vincenda.
13º Como resulta dos autos, o recorrente pugna pela prolação de uma decisão que considere não ser o mesmo devedor de qualquer prestação de alimentos.
13º E assim, sempre se terá de considerar que a sucumbência do recorrente é, para além da condenação nos pagamentos vencidos, a condenação no pagamento das prestações mensais alimentícias futuras ou vincendas.
14º Prestações estas que a ser indetermináveis, sempre justificariam que se lançasse mão do critério geral, atribuindo-se à causa o valor das prestações vencidas, acrescido do valor de 30.000,01 euros o valor das prestações vincendas.
15º É este o valor pretendido neste recurso que se deve considerar para efeitos de sucumbência, contrariamente ao entendimento do Exmº Senhor Juiz Relator que, a nosso ver de forma restritiva e ilegal, considera o valor da sucumbência apenas o das prestações alimentícias vencidas.
16º Ora, o valor da sucumbência é o valor a mais pretendido em recurso, porquanto este corresponde ao valor inserto na decisão recorrida que é desfavorável para a recorrente.
17º Este nosso entendimento, contrariamente ao de Vª Exª, tem assento em várias decisões judiciais, veja-se a este propósito e a título de exemplo:
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/1/2024, proferido no proc. nº246/23.3T8VLG.P1, relatora Paula Leal de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt “[u]ma coisa é o vencimento, e correspondente decaimento, total ou parcial, da ação e, outra, o seu valor, este correspondente à utilidade económica do ganho e da correspondente perda. E o que está em causa no requisito referido em ii) é o valor da perda, ou seja, o valor correspondente ao prejuízo para o recorrente que resulta da decisão recorrida, quer esse decorra da perda parcial, quer da perda total da ação”.
- Acórdão do STJ de 8/9/2021, proferido no proc. nº51/17.6T8PVZ.P1.S1, relator Henrique Araújo, disponível em www.dgsi.pt que “o valor da sucumbência, para efeitos de admissibilidade de recurso, reporta-se ao montante do prejuízo que a decisão recorrida importa para o recorrente, o qual é aferido em função do teor da alegação do recurso e da pretensão nele formulada, equivalendo, assim, ao valor do recurso, traduzido na utilidade económica que, através dele, se pretende obter” .
18º E de outra forma se diz também no acórdão do STJ de 13/7/2006 proferido no proc. nº06S895, relator Vasques Dinis, também disponível em www.dgsi.pt, “(…) o valor da sucumbência a atender, para efeito de admissibilidade do recurso, é o da diferença entre o montante fixado na decisão recorrida e o que pretende seja fixado na decisão do recurso - é essa diferença que consubstancia a medida do que na decisão a recorrente passou a considerar que lhe foi desfavorável (…)”
19º Ou seja, voltando ao caso em apreço, pensamos que não pode o Senhor Juiz Conselheiro Relator considerar apenas como valor da causa o valor correspondente à soma das prestações já vencidas, porquanto, tal não abrange o total alcance da consequência jurídica sofrida pelo recorrente, já que, para além deste montante, “está o recorrente condenado” no pagamento das prestações vincendas, que a serem indetermináveis sempre se terão de quantificar, por baixo, de acordo com o critério supletivo de 30.000,01 euros.
20º O recorrente nesta ação pretende reverter a decisão no seu todo – prestações vencidas e vincendas – logo o valor da alegada sucumbência terá de incluir tais valores e não de forma limitativa incluir apenas o valor considerado para as prestações vencidas.
21º A decisão de não admissão do recurso configura uma apreciação ilegal, redutora e violadora da Lei.
22º A sucumbência, como a Lei indica, corresponde ao valor a mais pretendido em recurso e em recurso, como bem resulta das alegações apresentadas, o recorrente procura uma decisão que o desonere do pagamento das prestações vencidas e ainda das vincendas.
23º A visão do Senhor Juiz Conselheiro Relator que proferiu a decisão de que se reclama é por isso redutora do direito do recorrente, na medida em que, em caso algum se pode considerar como a “perda” do recorrente apenas a condenação no pagamento das prestações vencidas; a assim ser, ter-se-ia de considerar, necessariamente, que a decisão recorrida não englobou a condenação no pagamento de prestações vincendas!
24º Veja-se que a sentença (apesar de não se concordar com ela) foi o clara e expressa na sua redação que aqui se transcreve: “IV - DECISÃO Em face do exposto, e ao abrigo das citadas disposições normativas, mostrando-se verificados os requisitos legais, julgo parcialmente procedente, a presente acção e, consequentemente, e condeno o requerido BB a entregar a título de alimentos devidos à sua filha maior AA a importância mensal de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros), a qual será devida a partir de Janeiro de 2018.”
25º Ou seja, a mesma não determinou qualquer data de cessação da prestação, e numa hipotética execução sempre a Autora pretenderá ver satisfeita a sua pretensão na totalidade, ou seja, pretenderá cobrar as prestações vencidas (todas as passadas, mesmo as que já são posteriores à decisão do Tribunal da Relação), mas também as futuras, sendo impossível ao aqui recorrente, nessa hipótese, opor-se a tal invocando que apenas está condenado a pagar as prestações até á decisão do Tribunal da Relação.
26º E por isso o decidido configura um verdadeiro contrassenso na medida em que se pretende impedir o recorrente de ver apreciado o seu recurso com base num valor diminuído, mas ao mesmo tempo a decisão recorrida configura uma verdadeira condenação num valor muitíssimo superior.
27º Assim contrariamente ao decidido o valor a fixar à causa e à sucumbência teriam de ser necessariamente e, pelo menos, de 39.750,01 euros, considerando-se o valor das prestações vencidas e vincendas, pois só assim se consideraria de forma justa.
28º Consequentemente, a decisão do Senhor Juiz Conselheiro Relator, de não admitir o recurso por considerar não se verificar a sucumbência necessária, é uma decisão errada e ilegal, razão pela qual se reclama da mesma, esperando-se de vª Exª a alteração da mesma, através e desde já do deferimento da presente reclamação e/ou, se necessário, mais tarde, através da devida impugnação para a conferência.
Apreciando do mérito da reclamação apresentada nos termos do artigo 653º, nº 3, do Código de Processo Civil:
Não assiste razão ao reclamante, pelos motivos desenvolvidos na decisão singular.
De resto, na reclamação apresentada (erradamente qualificada como tendo sido ao abrigo do disposto no artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil, quando o reclamante quereria certamente referir-se ao artigo 652º, nº 3, do mesmo diploma legal – operando-se portanto a competente convolação ao abrigo do artigo 193º, nº 3, do Código de Processo Civil -) o reclamante limita-se a repetir, sem qualquer verdadeira novidade, o argumentário já antes exposto, aquando da sua notificação nos termos e para os efeitos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Nada há, portanto, a acrescentar ao que antes foi dito pelo relator do processo.
Concorda-se, assim e inteiramente, com o despacho reclamado, para cujos fundamentos se remete.
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) em indeferir a reclamação apresentada, mantendo-se a decisão singular reclamada que decidiu o não conhecimento do objecto do recurso, nos termos dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs.
Lisboa, 1 de Outubro de 2024.
Luís Espírito Santo (Relator)
Ricardo Costa
Rosário Gonçalves
V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.