INVENTÁRIO
PROVA DA PROPRIEDADE DE IMÓVEL
Sumário

I - A propriedade dos imóveis adquire-se nos termos do art.º 1316º do Cód.Civil por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei, podendo incluir-se os atos judiciais e ou atos administrativos.
II - A confissão das partes no processo de inventário não é modo legal de demonstração da propriedade se não se encontra alegada/documentada uma causa legal da sua aquisição.
III - A declaração matricial emitida pela AT em relação a um imóvel tem fins exclusivamente fiscais pelo que não é meio idóneo de prova da aquisição da propriedade pelo que nada valem para tais efeitos de prova do direito, as certidões matriciais juntas ao processo.

Texto Integral

Processo: 1225/21.0T8AVR-C.P1

Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
………………………………
………………………………
………………………………

ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

Nos presentes autos de inventário facultativo para partilha de bens comuns do casal, em que é cabeça de casal AA e interessada BB, veio esta a seu tempo, reclamar da relação de bens.
Percorrida tramitação legal foi produzida prova à matéria da reclamação tendo sido proferida a seguinte decisão:
a) seja eliminada a verba 1 e relacionar o IMI no passivo com indicação do valor que o cabeça de casal pagou;
b) seja eliminado da relação de bens - as verbas 6, 13 e 22;
c)- seja aditado:
- o quinhão hereditário, adquirido pelo ex-casal, com o valor da aquisição que consta na escritura;
-2 tapetes brancos de pelo, 2 tapetes castanhos com feitio e a carpete da sala,
-1 mala com roupa de cama (lençóis, edredons e cobertores),
-1 mala com tecido para cortinas,
-2 faqueiros em inox,
-1 serviço de porcelana fina de jantar (72 peças-faltava um prato),
- copos de vidro,
- 1 tacho grande de cobre para cozinha,
- alguns talheres em prata;
d) seja aditado a relação de bens o saldo na conta do Banco 1... nº ... em 04/10/2013, se o Banco informar que a conta tinha saldo nessa data.
e)Remete-se as partes para os meios comuns, quanto a verba nº 31 que consta da relação de bens, nos termos do artigo 1093º do Código de Processo Civil.

*
Notifica-se o cabeça de casal e a interessada BB, para no prazo de quinze dias, indicarem por acordo o valor que atribuem aos bens móveis que foram aditados.
Se não chegarem a acordo, quanto ao valor destes bens, será ordenada uma perícia pelo Tribunal.
Notifique o Banco 1... com cópia de folhas 98 para informar o valor do saldo da conta ... em 04/10/2013, no prazo de dez dias.
Notifique o cabeça de casal, para no prazo de 30 dias: -apresentar nova relação de bens nos termos decididos.
*
Assentou a decisão no direito aplicado à seguinte matéria de facto:
FACTOS PROVADOS
1- A requerente e o requerido casaram no dia 2 de fevereiro de 1969, sem convenção antenupcial
2- A ação de divórcio entrou no Tribunal em 4 de outubro de 2013.
3-Existia na casa de morada de família que o casal construiu e adquiriu na constância do matrimónio:
- 2 tapetes brancos de pelo, 2 tapetes castanhos com feitio e a carpete da sala,
-1 mala com roupa de cama (lençóis, edredons e cobertores),
-1 mala com tecido para cortinas,
- 2 faqueiros em inox,
-1 serviço de porcelana fina de jantar (72 peças-faltava um prato),
- copos de vidro,
- 1 tacho grande de cobre para cozinha,
- alguns talheres em prata.
4-A verba 6 da relação de bens, uma mobília de quarto de solteiro pertence ao filho do ex-casal.
5- A verba 13 da relação de bens, o fogão da cozinha- placa está encastrado na cozinha.
6-A verba 22 da relação de bens, o exaustor está encastrado na cozinha.
7- No dia dezanove de março de dois mil e doze foi celebrada escritura de cessão de quinhão hereditário, no cartório notarial, em Aveiro entre o primeiro outorgante CC casado com DD, sob o regime de comunhão de adquiridos e o segundo outorgante AA casado com BB, em que pelo primeiro outorgante foi dito que:
- Que pela presente escritura, vende ao segundo outorgante, pelo preço de cinquenta mil euros, o seguinte:
- o quinhão hereditário a que tem direito na herança ilíquida e indivisa abertas por óbito de seu pai EE, falecido em dois de Novembro de dois mil e nove (..)
-- Que o direito ora transmitido corresponde a três/trinta e dois avos da referida herança, a qual possui bens imóveis, cujo valor patrimonial IMT, correspondente à dita fracção é de € 26.864,57.
-Que do preço ajustado, já recebeu neste acto a quantia de vinte mil euros, devendo o restante, no valor de trinta mil euros ser-lhe pago aquando da outorga da escritura de partilha.
Declarou o segundo outorgante:
- Que, aceita a presente venda, nos termos exarados”
8- O interessado AA tinha conta/depósito a prazo no Banco 1... que foi encerrada em 31/10/2013; conta rendimento encerrada em 25/09/2013 e depósito a prazo no valor de € 50.000,00 encerrado em 14/09/2013.
9- Existia dinheiro em nome de AA na conta da Banco 2... nº ... que foi levantado em 20/09/2013.
*
FACTOS NÃO PROVADOS
I)A verba 3 –um sofá de três lugares no valor de € 150,00- não pertence ao ex-casal.
II)A verba 7 um guarda fatos no valor de € 100,00 não pertence ao ex-casal.
III)A verba 9 uma cama de casal no valor de € 50,00 00 não pertence ao ex-casal.
IV) A verba 12-a máquina de lavar louça no valor de € 300,00 00 não pertence ao ex-casal.
V)A verba 15- dois aquecedores de água (cilindros) no valor de € 300,00 não pertence ao ex-casal.
VI) A verba 26 A, um arrancador de batatas está encastrado na cozinha.
VII) O interessado AA adquiriu o quinhão referido em 7), com dinheiro próprio.
DESTA DECISÃO APELOU O CABEÇA DE CASAL TENDO FORMULADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
I.Não se encontra provado que a mobília relacionada sob o nº 6 da relação de bens foi doada ao filho do casal, pelo que não subsiste prova da transmissão válida daquela, devendo manter-se a relacionação.
II. Os móveis encastrados não fazem parte do imóvel com caráter de permanência, podendo ser retirados sem deterioração, pelo que deve manter-se a relação das verbas 13 e 22.
III.A prova produzida foi insuficiente para ordenar o relacionamento dos bens móveis indicados, nomeadamente não se sabendo de forma completa e satisfatória a composição e localização de tais bens.
IV.O quinhão hereditário adquirido pelo CC a CC, sendo bem comum, deve ser relacionado com o valor que tiverem os prédios que o compõem.
V O prédio relacionado sob a verba nº 31 deve ser mantido, por se tratar de bem comum, natureza que nunca lhe foi negada, antes confessada documentalmente na relação dos bens comuns e posteriormente. Ou se, assim se não entender, deverá proceder-se a uma avaliação para apurar qual dos bens tem maior valor: se o imóvel construído, se o terreno onde foi implantado, á data de1982.
VI Não deve ser relacionado o IMI de um prédio, como dívida do casal, se o prédio correspondente não constar da relação de bens comuns
TERMOS EM QUE:
Deve a douta decisão sob censura ser revogada e substituída por douto acórdão que mantenha o relacionamento dos bens, conforme antecede.
Não houve resposta.
Nada obsta ao mérito.
OBJETO DO RECURSO:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Atentas as conclusões da recorrente as questões a decidir são as seguintes saber se deve manter-se a decisão recorrida quanto aos bens referidos em I, II e III.
Se deve manter-se a decisão recorrida quanto ao valor a atribuir ao quinhão hereditário de CC
Se deve manter-se a decisão que remeteu para os meios comuns a discussão quanto à verba nº 31
Se deve manter-se a decisão quanto ao IMI
O MÉRITO DO RECURSO:
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Não está em discussão que o presente inventário se destina à partilha dos bens comuns dos interessados, como impresso no artigo 1082º alínea d) do CPC e com a tramitação da normas legais subsequentes.
No caso dos autos os interessados contraíram casamento entre si em 1969, sem convenção antenupcial, pelo que o regime de bens é o regime supletivo da comunhão de adquiridos (art.º 1717º do Cód. Civil)
O regime da comunhão de adquiridos caracteriza-se pela possibilidade da existência de bens comuns e bens próprios de cada um dos cônjuges (art.ºs 1722º e 1724º do Cód. Civil) Cfr. Antunes Varela, Direito da Família, 1982, pág. 372, e Francisco Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Vol. I, 2ª edição, pág. 505..
O património comum do casal assume a natureza de propriedade coletiva, também designada por propriedade de mão comum (zur gesamten hand) Cfr. Antunes Varela, obra citada, págs. 374/375., e corresponde a «uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afetação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela» Cfr. Francisco Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, obra citada, pág. 506, e ac. do STJ de 14 de Dezembro de 1995, BMJ 452, pág. 442.. É constituído pelo conjunto de bens adquiridos, na vigência do casamento, «como produto da atividade conjunta de ambos os cônjuges ou graças ao apoio, estímulo e assistência que um deles preste à iniciativa, ao esforço e à capacidade realizadora do outro» Cfr. Antunes Varela, obra citada, pág. 371.
Os restantes bens que qualquer dos cônjuges eventualmente leve para o casamento ou adquira a título gratuito, por não resultarem do esforço conjunto do casal, não entram nessa comunhão e são considerados próprios (art.º 1722º do Cód. Civil), conservando igualmente essa qualidade os sub-rogados direta ou indiretamente no lugar daqueles (art.º 1723º do Cód. Civil) Cfr., neste sentido, Antunes Varela, obra citada, pág. 378, e Francisco Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, obra citada, págs. 514/515.
II
As relações patrimoniais entre os cônjuges cessam, pois, pela dissolução do casamento ou pela separação judicial de pessoas e bens (artºs 1688º e 1795º-A do Código Civil), pelo que dá-se pelo divórcio a cessação da generalidade das relações patrimoniais entre os ex-cônjuges, o que implica a partilha do casal, na qual, em princípio, cada um dos cônjuges recebe os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns, se os houver conferindo previamente o que dever a esse património (artº 1689º, nº 1 do Código Civil). A composição do património comum é aquela que existia na data da proposição da ação, salvo se outra for a data da separação de facto e esta for fixada na sentença (artigo 1789º do CC) pelo que só os bens existentes nesse momento - mas todos esses bens - devem ser objeto de partilha.
Nesta fase da liquidação da comunhão cada um dos cônjuges deve conferir ao património comum tudo o que lhe deve. O cônjuge devedor deverá compensar nesse momento o património comum pelo enriquecimento obtido no seu património próprio à custa do património comum.
Uma vez apurada a existência de compensação a efetuar à comunhão, procede-se ao seu pagamento através da imputação do seu valor atualizado na meação do cônjuge devedor, que assim receberá menos nos bens comuns, ou, na falta destes, mediante bens próprios do cônjuge devedor de forma a completar a massa comum.
São devidas compensações quando as dívidas comuns dos cônjuges forem pagas com bens próprios de um dos cônjuges ou quando as dívidas de um só dos cônjuges sejam pagas com bens comuns (artigo 1697.º nºs 1 e 2 do Código Civil).
O processo especial de inventário em consequência do divórcio é, em princípio, o meio adequado para se conhecer e decidir dos chamados “créditos de compensação “entre os cônjuges, devendo aí ser relacionados (artigo 1697º nº 1 do CC).
III
É a luz de tais critérios normativos que se impõe apreciar o recurso sub iudice, (não sem antes se consignar, que não tendo a Recorrente impugnado a matéria de facto provada, nos termos do disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil e não sendo caso de alteração oficiosa da mesma é em face dos factos assentes na decisão recorrida que o recurso deve ser apreciado).
III.1
Isto posto, pretende a Recorrente que se reverta a decisão no segmento em que eliminou da relação de bens as verbas nº 6, 13 e 22.
Vejamos, no que respeita à verba nº 6 está provado que se trata de “uma mobília de quarto de solteiro pertence ao filho do ex-casal”. daqui a manifesta improcedência do recurso nesta parte uma vez que da decisão factual referida decorre que não se trata de bem comum
Já no que respeita às verbas 13 “o fogão da cozinha- placa está encastrado na cozinha.
e a verba 22 “exaustor encastrado na cozinha” não resulta da fundamentação de facto que tais bens são parte integrante do imóvel ou que não possam ser retirados e ter uma outra aplicação.
Daí que não estando em causa que não são bens comuns entendemos que devem ser relacionados procedendo aqui a reclamação
III.2
O recurso apresentado quanto aos demais bens móveis que a decisão mandou relacionar carece de total fundamento pois se trata de bens móveis que à luz do regime legal supre referido por serem comuns têm de ser relacionados.
IV
A Recorrente discorda da decisão recorrida na parte em que fixa o valor a atribuir ao quinhão hereditário defendendo que este deve ser o que resultar do valor que tiverem os prédios que o compõem
Ora bem.
O quinhão hereditário é uma quota ideal da herança, realidade jurídica de bens e direitos, abstratamente considerados do que decorre que tem um conteúdo patrimonial incerto já que só com a partilha é que a comunhão hereditária (que é uma comunhão de mão comum ou património coletivo) é desfeita dando lugar ao concreto preenchimento do quinhão com a investidura do herdeiro na titularidade dos respetivos direitos.
Daí que não seja de acolher a pretensão da Recorrente quando sustenta que o valor a atribuir a este direito é o dos bens que o compõem porque enquanto tais bens não estiverem determinados não se pode falar senão em quota ideal.
Tendo sido adquirido este direito por um preço estipulado em escritura de compra e venda, não se pode falar em valor que não é possível apurar para efeitos do disposto no artigo 1098º alínea c) do Código de Processo Civil, norma que estabelece as regras que regem a atribuição do valor às verbas que compõem a relação de bens, pelo que deve ser esse montante o atribuído a esse referido direito na relação de bens, sem prejuízo sendo caso disso de posterior avaliação sendo caso disso e observado o que se dispõe designadamente no artigo 1114º do Código de Processo Civil
Improcede também este segmento do recurso, pois.
V
Vem a Recorrente defender que a verba nº 31 deve manter-se, na relação de bens uma vez que não é discutido nos autos que se trata de casa de morada de família construída pelos interessados.
Apreciemos a disputa que incide sobre esta verba.
A verba em causa está descrita na Relação de Bens pela seguinte forma:
“Verba nº 31
Prédio urbano, composto por casa para habitação, constituído por R/C, e andar e anexos, sito em ..., freguesia ..., Concelho de Aveiro, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ..., e não descrito na Conservatória do Registo Predial, com o valor patrimonial de 250.000,00 € (duzentos e cinquenta mil euros)”;
Foi junta caderneta predial urbana em nome do Cabeça de Casal emitida pela AT.
Na reclamação à relação de bens a Interessada vem articular, quanto a esta verba que:
(…) “O imóvel da verba nº 31, não poderia ser como tal relacionado, pois que o prédio urbano em questão, que corresponde àquela que foi a casa de morada de família do dissolvido casal em Portugal foi erigido sobre terreno alheio, e portanto, haverá de relacionar-se como Direito de Crédito (Benfeitorias realizadas quando não se podem separar do outro prédio) tudo nos termos do art. 1098º nº 6 do CPC
“Na verdade, o prédio urbano relacionado como tal correspondente à construção de uma casa para habitação que foi erigido sobre um terreno propriedade, metade da herança de EE (pai da Requerente) e a outra metade dividida em oitavos, pertença de todos os filhos dos pais da Requerente (assim tendo ficado decidido em sede de inventário orfanológico por óbito da mãe da requerente em 10/12/1973).
Tal prédio rústico, onde se encontra implantada a casa de habitação, está inscrito na matriz predial urbana com o número ... e corresponde exatamente à Rua ..., sendo que é composto de Terreno para Construção – cfr. Doc 2 (que se junta e se dá por integralmente reproduzido).
Assim, a verba nº 31, (…) deverá ser relacionada como um Direito de Crédito, como acima se explanou, atribuindo-se-lhe o valor patrimonial da casa que é de € 120.003,45 (cento e vinte mil e três euros e quarenta e cinco cêntimos), e não pelo valor aleatório de € 250.000,00 como fez o cabeça de casal.
No despacho recorrido ponderou-se na remessa desta questão para os meios comuns e passamos a citar: “nestes autos não foi junto nenhum documento relativo ao terreno onde a casa foi construída e da casa apenas foi junta a caderneta predial. Os elementos que constam dos autos não permitem ao Tribunal em sede de incidente tomar uma posição, se esse bem deve ser relacionado como um bem comum por acessão ou como uma benfeitoria.
APRECIANDO.
Antes do mais, convém fixar que a propriedade dos imóveis se adquire nos termos do art.º 1316º do CC por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei, podendo incluir-se os atos judiciais e ou atos administrativos.
A confissão das partes num determinado processo, máxime no processo de inventário é que não é modo legal de aquisição da propriedade se não se encontra alegada/documentada uma das formas legais de aquisição deste direito.
E aqui também cabe desde logo referir que o documento como a declaração matricial emitida pela AT em relação a um imóvel não é idóneo prova da sua aquisição, pelo que nada valem para estes efeitos as certidões matriciais juntas ao processo.
Portanto a admissibilidade da partilha deste imóvel como bem comum supõe a prova nos autos de que o imóvel existe e pertence a ambos que o adquiriram por uma das formas legais admitidas em direito.
Segue-se que na aquisição originária, (em que se inclui a ocupação, acessão ou usucapião) o direito de propriedade é um direito autónomo, um direito independente do direito de propriedade anterior.
Na aquisição derivada (não se discutindo o direito) à prova da sua aquisição basta uma certidão do registo predial, já que o registo definitivo que constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define (art.º 7º do CRPredial).
Ora, não está demonstrada, por presunção resultante do registo nos termos do artigo 7º do CRP a titularidade do direito de propriedade sobre a casa em discussão, sendo certo que se alega mas também não existem quaisquer documentos nos autos que atestem a titularidade do terreno em que a mesma está implantada, estando ambos os interessados de acordo que se trata bem de terceiro.
Torna-se indispensável à partilha, pois, antes do mais, efetuar tal prova de propriedade relativamente à casa que, a ocorrer e de acordo com a posição dos interessados no inventário será uma forma de aquisição originária fundada na acessão o que implica a demanda do terceiro titular do terreno onde a mesma está implantada.
Naturalmente que essa prova pela sua complexidade e pelos próprios titulares da relação material controvertida não se pode fazer no inventário que não é o processo próprio para o reconhecimento da propriedade.
Por outro lado e numa outra linha de abordagem que seria aquela em que a casa constituiria uma benfeitoria e não um direito de propriedade a decisão também não pode ser diversa uma vez que tratando-se de benfeitoria em terreno alheio, antes do mais, há que declarar/reconhecer essa benfeitoria/direito de crédito no confronto com o titular do terreno e nesse caso constitui em primeiro mão um crédito sobre esse terceiro e nessa medida o valor deste direito a partilhar entre os cônjuges.
Trata-se também aqui questão que não pode ser resolvida neste inventário desde logo pela necessidade de intervenção de terceiro enquanto parte na relação material controvertida.
Resumindo, o direito do casal (real/propriedade por acessão ou de crédito/ benfeitoria no terreno alheio ) que aqui está em causa é um direito que só pode ser partilhado depois de definido no confronto com o(s) terceiro(s) titular(es) do direito de propriedade em que a construção está implantada, matéria essa que claramente não cabe no âmbito deste inventário que se destina à partilha dos bens comuns devidamente identificados, pelo que sendo fora de duvida que à tramitação dos incidentes do processo de inventário, não especialmente regulados na lei, é aplicável, por força do disposto no nº1, do art. 1091º, o disposto nos artigos 292.º a 295.º todos do Código de Processo Civil,. e não dispondo os autos nos termos expostos dos elementos factuais que permitam definir, com segurança, a questão em apreço, e sendo inadequada a tramitação do processo de inventário para assegurar as garantias dos interessados, dada ainda no caso concreto a impropriedade deste meio processual para a definição do direito questionado, impõe-se a decisão da remessa dos interessados para os meios comuns.
VI
Vem a Recorrente sustentar a inconcludência de tendo sido negada a partilha nos autos do imóvel como bem comum ser admitido o relacionamento do direito à compensação pelo cabeça de casal pelo pagamento do IMI referente à moradia.
Neste segmento do recurso facilmente concluímos pela razão da Recorrente
As compensações como supra se referiu são admitidas quando as dívidas comuns dos cônjuges forem pagas com bens próprios de um dos cônjuges ou quando as dívidas de um só dos cônjuges sejam pagas com bens comuns (artigo 1697.º nºs 1 e 2 do Código Civil).
Esse não é o caso presente, em que o pagamento do IMI inscrito em nome do Interessado não corresponde a uma declarada divida comum enquanto se não definir a titularidade da construção (enquanto imóvel).
Concedendo razão à Recorrente é de eliminar a verba do IMI da relação de bens, pois.
SEGUE DELIBERAÇÃO.
Provido parcialmente o recurso.
Revoga-se em parte a decisão recorrida substituindo-se o decidido no seguinte:
As verbas nº 13 e 22 são aditadas à Relação de Bens.
A verba do IMI é eliminada da Relação de Bens.
No mais vai confirmada a Decisão.
Custas pela Recorrente e Recorrido na proporção do decaimento.

Porto, 26 de setembro, de 2024
Isoleta de Almeida Costa
Francisca Mota Vieira´
Carlos Portela