I - No presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, pese embora se verifiquem os requisitos formais (artigos 437.º e 438.º do Código de Processo Penal), não estão reunidos os requisitos de ordem substancial de que depende a sua admissibilidade, os quais, segundo a lei e o que tem sido entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça, consistem na i) oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, que devem ter sido proferidos no domínio da mesma legislação; ii) a questão decidida em termos contraditórios deve ter sido objecto de decisão expressa em ambos os acórdãos, tomada a título principal, não bastando que a oposição se deduza de posições implícitas ou de contraposição de fundamentos ou de afirmações; iii) as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico devem ser substancialmente idênticos, por só assim ser possível aferir se para a mesma questão jurídica foram adoptadas soluções opostas e iv) a vexata quaestio, não deve ter sido objecto de anterior fixação de jurisprudência.
Com efeito,
II - Não somente os acórdãos em apreço se basearam-se em diferentes situações de facto, como não ocorre entre eles a oposição de julgamentos sobre a mesma questão, que como vimos tem de ser expressa e não implícita. No acórdão fundamento estava em causa a prescrição do procedimento criminal relativamente a factos integradores do crime de corrupção, não se fazendo referência em parte alguma desse acórdão à matéria da competência em razão da matéria e da hierarquia do tribunal para se aferir da prescrição do procedimento criminal relativamente aos artigos 119.º alínea a), do Código de Processo Penal, 73.º alíneas a) e f), da Lei de Organização do Sistema Judiciário e ao art.º 417.º n.º 6 daquele diploma legal, tal como sucede no acórdão recorrido onde tais normativos constituem a “ratio decidendum”.
5.ª Secção Criminal - RFJ
Acordam na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
1. Relatório
1.1. AA, arguido no proc. 1420/11.0T3AVR-NA.G1, veio nos termos dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do acórdão ali prolatado pelo Tribunal da Relação de Guimarães em ........2023, invocado existir oposição entre o decidido naquele acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, transitado em julgado em ........2023, e no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 27.09.2022, proc. 248/12.5TAELV.E1, consultável https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/9edd9af0cd9289ae802588e500315f14?OpenDocument&Highlight=0,248%2F12.5TAELV.E1 e em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/248-2022-209737775, relativamente à mesma questão de direito.
Alegou, para o efeito, o seguinte:
AA, arguido e recorrente nos presentes autos,
Notificado em ........2023 do Acórdão n.º 679/2023, do Tribunal Constitucional, que decidiu manter a Decisão Sumária proferida, e com isso, não conhecer o objecto do recurso, e que portanto, transitou em julgado 10 dias + 3 dias (de multa) após a sua notificação, vem dizer o seguinte:
Com o trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 679/2023 transita em julgado, também, na mesma data, o acórdão do Tribunal da Relação de ... proferido em ........2023, que declarou uma nulidade insanável, nos termos da alínea e) do art.º 119.º do C.P.P. do despacho recorrido proferido em primeira instância que conheceu da questão da prescrição do procedimento criminal em ........2022, enquanto se encontravam pendentes uns recursos no Tribunal Constitucional (autos de recurso n.º 459/2021, do T.C.) interpostos pelo arguido AA.
Uma vez que o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido nos presentes autos transitou em julgado em ... de ... de 2023 (transitou com o trânsito em julgado do acórdão n.º 679/2023 do T.C.), encontram-se reunidas as condições para a interposição de um recurso extraordinário de fixação de jurisprudência.
O arguido AA tem toda a legitimidade e total interesse em agir.
A este respeito, do interesse em agir, da eficácia (art.º 445.º n.º 1 do C.P.P.) e da utilidade do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, destacamos que o Parecer do Sr. Procurador-Geral do Tribunal da Relação, quando tomou conhecimento do recurso ao despacho de ........2022, declarou que o despacho deveria ser revogado e substituído por outro que declare prescrito por extinção do procedimento criminal os 55 crimes de falsificação de documentos, tal como invocado pelo arguido no seu requerimento de prescrição.
“A decisão que resolver o conflito tem eficácia no processo em que o recurso foi interposto” – prescreve o n.º 1 do art.º 445.º do C.P.P. (negritos e sublinhados nossos).
O prazo de interposição de recurso extraordinário de fixação de jurisprudência nos termos do art.º 438.º, n.º 1 do C.P.P. é de “30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar”.
Como já se referiu, o presente acórdão transitou em julgado em ........2023, contados que sejam 10 dias + 3 de multa sobre a data da notificação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 679/2023, notificado em ........2023.
Cabe recurso extraordinário de fixação de jurisprudência quando, no domínio da mesma legislação, relativamente à mesma questão de direito assentem decisões opostas, e um Tribunal da Relação proferir uma decisão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente Relação.
O presente recurso é interposto no Tribunal da Relação de Guimarães por ter sido este Tribunal da Relação que proferiu a decisão que transitou em último lugar e onde o requerente é arguido.
O presente recurso é tempestivo porque interposto dentro dos 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão proferido nestes autos e deverá ser enviado ao Supremo Tribunal de Justiça, conforme art.º 439.º n.ºs 1 e 2 do C.P.P., prescrevendo o n.º 2 o seguinte (parte final): “se o recurso tiver sido interposto de acórdão da relação, [é] enviado para o Supremo Tribunal de Justiça”.
O acórdão proferido em ........2023, transitado em julgado em ........2023 decidiu, relativamente à mesma questão de direito, de forma contrária ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, proferido em 27.09.2022, no processo 248/12.5TAELV.E1, publicado no site www.dgsi.pt, Relatado pelo Dr. Moreira da Neves, e visível através do seguinte atalho http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/9edd9af0cd928 9ae802588e500315f14?OpenDocument; Ora, a questão que está em oposição em ambos os acórdãos é a seguinte:
Quando os arguidos, recorrentes, têm pendentes recursos no Tribunal Constitucional e é suscitada a prescrição do procedimento criminal, não tendo o Tribunal Constitucional competência para apreciar e declarar prescritos os crimes, qual é o Tribunal competente para apreciar as prescrições suscitadas pelos arguidos?
O arguido BB entende que o Tribunal Competente para apreciar as prescrições é o Tribunal de 1.ª Instância (...).
O Tribunal da Relação de Guimarães, no acórdão aqui recorrido, entendeu que o Tribunal de 1.ª Instância não tinha competência para tal, declarando uma nulidade insanável e, em consequência, declarou ser o próprio Tribunal da Relação o competente para o efeito.
Em resumo, e para enquadramento da questão e para que dúvidas não restem, consta do acórdão de ........2023, do qual se interpõe recurso extraordinário, o seguinte:
“o referido arguido suscitou, na primeira instância, através de requerimento apresentada via Citius, a prescrição do procedimento criminal relativamente a determinados crimes pelos quais havia sido condenado, o qual, por despacho datado de ........2022, foi indeferido.” (…).
Não se conformando com o mencionado despacho de indeferimento da prescrição do procedimento criminal, dele interpôs recurso o arguido, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: (…)
Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador - Geral Adjunto emitiu parecer, no qual concluiu da seguinte forma (transcrição: O despacho em causa errou quando não declarou a prescrição dos crimes de falsificação de documentos p. e p. pelos art.ºs 256º, n.º1, al. c) e d) do CPenal, porquanto desde a data da sua prática já decorreu o prazo previsto no art.º 121, nº3 do mesmo Código – 10 anos e 6 meses, estando já prescritos, pelo que, revogando-se o mesmo se deverá declarar extinta a responsabilidade penal do arguido quanto a eles. (sublinhado nosso)
(…)
A fls. 13 do Acórdão de ........2023 pode ler-se:
9- O recorrente pronunciou-se no sentido de que a competência para apreciação da prescrição cabe ao tribunal da condenação (Tribunal da Comarca de ...) e não a este Tribunal da Relação de Guimarães por o processo se encontrar pendente de recurso no Tribunal Constitucional. E, à cautela, suscitou a inconstitucionalidade do artigo 119ºal. e)do CPP, na interpretação segundo a qual o tribunal da condenação não tem competência para conhecer da prescrição.
(…)
A fls. 15, no primeiro parágrafo:
Conforme se constata no Acórdão proferido pelo TRG em ...-...-2019, o arguido foi condenado pela prática de 97 crimes de falsificação de documento, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 256º, n.º1, al. c) e d), por referência ao art.º n.º 255º, al. a), todos do CP, na pena de 8 anos de prisão.
Mais adiante, a fls. 19,
Com efeito, o processo no momento da decisão não se encontrava no tribunal de primeira instância, tendo sido remetido a outro tribunal, especificamente a este Tribunal da Relação de Guimarães para apreciação de recurso do acórdão final proferido na primeira instância.
(…)
Mas a verdade é que, devido às facilidades criadas pelo programa informático de apoio à atividade dos tribunais, foi fisicamente possível ao tribunal de primeira instância proferir o despacho recorrido. Todavia, a lei não lhe permitia conhecer do requerimento apresentado pelo arguido, aqui recorrente, e proferir decisão. Isto porque, o processo havia sido remetido a esta Relação, sendo que o recurso do acórdão final foi admitido com subia imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, como, de resto, a lei determina.
(…)
Assim sendo, apesar de lhe ter sido dirigido, o tribunal de primeira instância (tribunal da condenação) não poderia ter apreciado e decidido a questão da prescrição suscitada pelo arguido, ora recorrente, devendo antes ter remetido o referido requerimento ao respetivo processo. Ou seja, a este Tribunal da Relação de Guimarães, uma vez que é efetivamente neste tribunal que o processo se encontrava, sendo certo que, e não obstante as novas tecnologias, mantém plena atualidade o velho brocardo latino quod non est in processu, non est in mundo (o que não está no processo não está no mundo).
Porém, a fls. 21 do acórdão de ........2023, no 2.º parágrafo, admitiu-se que, de facto, foram interpostos recursos ao Tribunal Constitucional após o acórdão final da Relação (datados de ........2019 e de ........2020), referindo-se o seguinte:
“ o facto de o recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão final ter sido admitido nos próprios autos e com efeito suspensivo”
Contudo, o Tribunal da Relação, para fundamentar o facto de entender ser o Tribunal Competente, ao invés do Tribunal de 1.ª Instância, invocou o seguinte:
“Por outro lado, porque a competência para ordenar a baixa definitiva do processo à primeira instância é apensado Tribunal da Relação, ao qual compete conhecer dos recursos para os quais seja competente, mas também das questões que neles possam influir, como seja a questão decorrente do juízo de inconstitucionalidade que venha eventualmente a ser efetuado pelo Tribunal Constitucional, e a questão da prescrição, entre outras.”
Por outro lado, no Acórdão fundamento, não foi esse o entendimento. Isto é, encontravam-se a decorrer uns autos de recurso no Tribunal Constitucional, o arguido suscitou a prescrição do procedimento criminal, quem apreciou as questões de prescrição foi a Primeira Instância, que as indeferiu, considerando não prescritos.
O arguido, nos mesmos moldes de actuação que o arguido CC, interpôs recurso da decisão que indeferiu a prescrição do procedimento criminal para o Tribunal da Relação de Évora e esta Relação decidiu conhecer o objecto do recurso, não tendo declarado prejudicado o seu conhecimento e não tendo considerado que existia uma nulidade insanável por ter sido o Tribunal de 1.ª Instância a conhecer das prescrições dos crimes enquanto pendia um recurso no Tribunal Constitucional.
Entre o Acórdão proferido em 12.06.2023 no processo 1420/11.0T3AVR-AN.G1 do Tribunal da Relação de Guimarães e o acórdão proferido em 27.09.2022 no processo 248/12.5TAELV.E1, do Tribunal da Relação de Évora verificam-se soluções de direito opostas no que diz respeito à competência do Tribunal para conhecer o requerimento de prescrição do procedimento criminal quando se encontra pendente um recurso no Tribunal Constitucional.
A divergência entre os dois acórdãos é constatável e evidente, pois enquanto no acórdão recorrido declarou-se uma nulidade insanável ao despacho proferido em 1.ª Instância (...) datado de ........2022 que apreciou e conheceu a questão das prescrições, o Tribunal da Relação de Évora apreciou e conheceu a questão das prescrições por despacho proferido em ........2022, em 1.ª Instância (Tribunal ...), que decidiu indeferir o requerimento de prescrição alegada pelo arguido.
Assim, ambos os arguidos, em cada um dos processos, suscitaram as prescrições do procedimento criminal, ambos tinham pendentes à data dessa suscitação recursos no Tribunal Constitucional, ambos os requerimentos de prescrições foram analisados e decididos pelos Tribunais de 1.ª Instância.
No caso do arguido CC, o Tribunal da Relação tinha decidido os recursos finais em ........2019 e ........2020, no caso do arguido do processo que originou o acórdão fundamento o Tribunal da Relação já tinha decidido os recursos finais em ....
Ambos os requerimentos de prescrição do procedimento criminal foram indeferidos pelos Tribunais de Primeira Instância.
Igualmente, ambos os arguidos, em processos distintos, apresentaram recursos aos despachos proferidos em 1.ª Instância. Ambos os recursos aos despachos foram admitidos e ambos foram instruídos aos Tribunais da Relação competentes das suas áreas.
Sucede que, no Tribunal da Relação de Guimarães foi entendido que, a prescrição do procedimento criminal não podia ter sido conhecida pela 1.ª Instância, declarando-se que o Tribunal competente para o efeito seria o próprio Tribunal da Relação de Guimarães, embora se tenha feito constar no acórdão de ........2023 que o acórdão final do processo 1420/11.0T3AVR foi proferido em ........2019 pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que de facto há recursos para o Tribunal Constitucional do acórdão final e que foram admitidos nos próprios autos e com efeito suspensivo, mas justificam que é a Relação de Guimarães a competente com dois argumentos, a saber:
i) Que o processo está na Relação porque não foi enviado por completo ao Tribunal Constitucional (dada a sua enorme extensão) e como o Tribunal Constitucional não pediu o resto do processo, considera-se que o processo está na Relação e que “não está lá guardado”, está no tribunal competente pese embora se encontrem os recursos no Tribunal Constitucional, desde Maio de 2021;
ii) Que a competência é sempre da Relação porque “a competência para ordenar a baixa definitiva do processo à primeira instância é apenas do Tribunal da Relação, ao qual compete conhecer dos recursos para os quais seja competente, mas também das questões que neles possam influir, como seja a questão decorrente do juízo de inconstitucionalidade que venha eventualmente a ser efetuado pelo Tribunal Constitucional, e a questão da prescrição, entre outras”.
No acórdão fundamento, o Tribunal da Relação de Évora apreciou e decidiu o recurso sobre o despacho que tinha analisado as prescrições em 1.ª Instância.
Na verdade, também o Tribunal da Relação de Évora seria o competente para ordenar a baixa definitiva do processo à primeira instância como também a questão decorrente do juízo de inconstitucionalidade que viesse a ser eventualmente proferida pelo Tribunal Constitucional - mas isso não fez com que o Tribunal de Portalegre fosse incompetente para conhecer da prescrição do procedimento criminal. Dito por outras palavras – o Tribunal da Relação de Évora não era o competente para conhecer “a questão da prescrição” – quando os autos processuais estavam no Tribunal Constitucional.
Há divergência nas decisões e no direito aplicado, porquanto num Tribunal da Relação entendeu-se ser o Tribunal de 1.ª Instância a analisar o requerimento de prescrição suscitado pelo arguido quando está pendente um recurso no Tribunal Constitucional, e no outro processo, no acórdão recorrido, já se entendeu não ser o Tribunal de 1.ª Instância a analisar e decidir o requerimento de prescrição do procedimento criminal – tudo quando os arguidos têm pendentes recursos junto do Tribunal Constitucional – tribunal este que não tem competência para apreciar e decidir questões de prescrições.
A oposição entre os acórdãos deve considerar-se verificada e existente e ser ordenada a prossecução do recurso, decretando-se a sua admissibilidade, devendo o arguido ser convidado para apresentar as suas alegações, no prazo de 15 dias, conforme enuncia o art.º 442.º n.º 1 do CPP.
Os recursos extraordinários de fixação de jurisprudência não impõem a apresentação de conclusões no primeiro requerimento de interposição de recurso, é isso que resulta, de forma clara, do art.º 442.º n.º 2 do C.P.P. quando refere que “nas alegações os interessados formulam conclusões e indicam o sentido em que deve fixar-se a jurisprudência”.
Essas alegações só existem, nos termos do n.º 1 do art.º 442.º do C.P.P., depois de a oposição de julgados já ter sido reconhecida, conforme parte final do n.º 1 do art.º 441.º do C.P.P. que refere que “se concluir pela oposição, o recurso prossegue.”
Porém, em relação ao sentido da jurisprudência a ser fixada, desde já se adianta, para boa compreensão da causa recursória, que deve ser fixada no seguinte sentido:
Quando um arguido tem pendente um recurso no Tribunal Constitucional, subido do Tribunal da Relação, e entende que já ocorreram prescrições do procedimento criminal e o suscita em requerimento, não tendo o Tribunal Constitucional competência para declarar prescritos quaisquer crimes, o Tribunal competente para apreciar e decidir o requerimento de prescrição do procedimento criminal é sempre o Tribunal de 1.ª Instância.
Contudo, por razões de exactidão e contextualização e demonstração da idêntica matéria em ambos os acórdãos e que tiveram desfechos jurídicos opostos, importa esclarecer o seguinte:
a) Quando um arguido é condenado em 1.ª Instância e decide interpor recurso ao Tribunal da Relação, a partir do momento em que o recurso é admitido, como foi em ambos os casos, a competência passa para o Tribunal da Relação;
b) Quando o Tribunal da Relação decide os recursos às condenações de 1.ª Instância, e decide posteriormente os eventuais pedidos de nulidade que sobre o acórdão da Relação sejam apresentados, a partir do momento em que sejam interpostos recursos ao Tribunal Constitucional e esses recursos sejam admitidos e mandados subir, esgota-se o poder jurisdicional do Tribunal da Relação – depois, claro está, de os recursos ao T.C. terem sido admitidos e mandados subir;
c) A partir do momento em que os recorrentes tenham os recursos pendentes no Tribunal Constitucional, como era o caso de ambos os recorrentes dos acórdãos opostos, a saber:
i) quanto ao arguido AA, por despacho judicial proferido em ........2021 processo 1420/11.0... foram admitidos, com efeito suspensivo, dois recursos interpostos em ........2020 e ........2021 ao Tribunal Constitucional, dando origem aos autos de recurso n.º 459/2021, acessível em www.tribunalconstitucional.pt, tendo sido declarado o trânsito em julgado do acórdão do T.C. com referência a ........2023, através do acórdão n.º 171/2023, que declarou com efeitos à data de ........2023 o trânsito em julgado do acórdão n.º 663/2022;
ii) já quanto ao recorrente do acórdão fundamento no processo n.º 248/12.5..., datado de ........2022, Relator Moreira das Neves, do Tribunal da Relação de Évora, foi condenado em 1.ª Instância, interpôs recurso ao Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de ... de ... de 2021 negou provimento ao recurso, tendo suscitado nulidade desse acórdão, que o manteve e apresentou um recurso ao Tribunal Constitucional, que deu origem aos autos de recurso n.º 174/2022, com o primeiro acórdão no T.C. n.º 63/2023, acessível em www.tribunalconstitucional.pt;
iii) Entretanto, ainda não tinha transitado em julgado o acórdão do T.C. e o arguido suscitou a prescrição do procedimento criminal, que foi analisado e decidido pela 1.ª Instância;
iv) Da decisão da 1.ª Instância que indeferiu a prescrição requerida, interpôs recurso ao Tribunal da Relação Évora, que decidiu conhecer o objecto do recurso e, pese embora o tenha indeferido, o que é certo é que analisou o recurso interposto ao despacho de prescrição proferido em 1.ª Instância, considerando que a competência para conhecer da prescrição é a 1.ª Instância. Proferido o acórdão datado de ........2022 (acórdão em oposição com o nosso do 1420/11.0T3AVR-AN.G1), o arguido interpôs recurso ao Tribunal Constitucional, que deu origem ao acórdão n.º 370/2023 do T.C., acessível em www.tribunalconstitucional.pt. - é sempre da competência da 1.ª Instância a apreciação dos requerimentos da prescrição.
A oposição de julgados entre os acórdãos proferidos entre o Tribunal da Relação de Guimarães, datado de ........2023 e o do Tribunal da Relação de Évora datado de ........2022 têm em comum, por coincidente, os seguintes pontos, provenientes de requerimentos para o apuramento da prescrição do procedimento criminal:
I- Os 2 acórdãos existem porque ambos os arguidos suscitaram a prescrição do procedimento criminal enquanto tinham pendentes recursos no Tribunal Constitucional, ou seja esses recursos no Tribunal Constitucional foram admitidos pelos Tribunais da Relação e mandados subir;
II- A partir do momento em que os recursos sobem ao Tribunal Constitucional, subidos dos Tribunais da Relação, esgota-se o poder jurisdicional do Tribunal da Relação;
III- Não tendo o Tribunal Constitucional, nos termos da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as devidas actualizações, qualquer competência para declarar prescritos quaisquer crimes, o tribunal competente para o fazer é do de 1.ª Instância;
IV- Em ambos os processos foi a 1.ª Instância que conheceu as prescrições suscitadas e em ambos os processos a 1.ª Instância decidiu indeferir/declarar não prescritos os crimes, no processo 120/11.0... o despacho é datado de ........2022 e no processo 248/12.5... o despacho é datado de ........2022 – tudo, portanto, no ano de 2022;
V- Ambos os arguidos, em cada um dos processos, apresentaram recurso ao Tribunal da Relação (Guimarães no 1420, Évora no 248) e sucedeu-se o seguinte em cada uma das Relações (divergência evidente pela confrontação dos acórdãos):
a) O Tribunal da Relação de Guimarães no processo 1420/11.0T3AVR-AN.G1, por acórdão de ........2023 decidiu que a primeira instância enquanto tribunal da condenação, não tem competência em razão da matéria e da hierarquia do tribunal de primeira instância para proferir o despacho recorrido, declarando nulidade insanável de todo o processado; mais declarou que o tribunal competente é o Tribunal da Relação de Guimarães;
b) Por sua vez, o Tribunal da Relação de Évora, porque entendeu que o despacho recorrido proferido em 1.ª Instância tinha competência para apreciar a prescrição, analisou e decidiu o recurso sobre o despacho – não existindo nenhuma declaração de nulidade insanável. Isto mesmo é também verificável no Acórdão n.º 370/2023 do Tribunal Constitucional, Processo 174/22 do T.C. (com origem no processo 248/12.5..., acórdão de ........2022), onde consta, no ponto n.º 3, o seguinte:
“Antes de transitada em julgado esta decisão (porque pendente recurso para o Tribunal Constitucional, que veio a ser rejeitado pela decisão sumária n.º 712/..., confirmada pelo Acórdão do TC n.º 63/2023), A. apresentou incidente suscitando a extinção do procedimento criminal por esgotamento do respetivo prazo de prescrição.
O Juízo Central Cível e Criminal de Portalegre (Juiz 1), do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, indeferiu o requerido, considerando preservada a regularidade da ação penal em curso.
Desta decisão A. Recorreu para o Tribunal da Relação de Évora que, pelo acórdão de ... de ... de 2022 ora recorrido, lhe negou provimento”
Face a todo o exposto, verificamos que há divergência entre os acórdãos enunciados, ou seja, entre o nosso acórdão de ........2022 e o acórdão de ........2022, devendo ser fixada jurisprudência no Supremo Tribunal de Justiça nos moldes acima invocados, que se repete:
Quando um arguido tem pendente um (ou mais) recurso(s) no Tribunal Constitucional, subidos anteriormente dos Tribunais da Relação, e entende que já ocorreram prescrições do procedimento criminal e o suscita em requerimento, não tendo o Tribunal Constitucional, nos termos da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as devidas actualizações, qualquer competência para declarar prescritos quaisquer crimes, o Tribunal competente para apreciar e decidir o requerimento de prescrição do procedimento criminal é sempre o Tribunal de 1.ª Instância, para que, caso lhe seja indeferida a prescrição requerida, o arguido tenha sempre a possibilidade de exercer um grau de recurso, não sendo competente o Tribunal da Relação para decidir qualquer prescrição depois dos autos já terem subido ao Tribunal Constitucional em datas anteriores (no caso do arguido CC tinham subido ao T.C. em ........2021, dando origem aos autos de recurso n.º 459/2021 daquele T.C.).
Por todos os motivos, deve o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência ser admitido, porque é tempestivo, o arguido tem legitimidade e interesse em agir, e o acórdão que se invoca como contrário ao seu no que a esta matéria diz respeito é o AC. N.º 248/12.5..., datado de ........2022 do Tribunal da Relação de Évora, publicado no site www.dgsi.pt,através do seguinte atalho directo:
Importa ainda esclarecer que, como já mencionado, nos termos do Capítulo dos recursos extraordinários de fixação de jurisprudência, bem como de um Acórdão de uniformização de jurisprudência já proferido sobre esta matéria, quando um arguido apresenta um recurso extraordinário para fixação de jurisprudência:
I) Não tem de indicar já a jurisprudência que entende que deve ser fixada;
II) Não tem que apresentar já quaisquer alegações/conclusões, porquanto essas Alegações e Conclusões só serão apresentadas após o Supremo Tribunal de Justiça, após exame do Relator concluir pela admissibilidade ordenar, então, o cumprimento do art.º 442.º n.ºs 1 e 2 do C.P.P. onde se refere expressamente o seguinte:
“1) Se o recurso prosseguir, os sujeitos processuais interessados são notificados para apresentarem, por escrito, no prazo de 15 dias, as suas alegações;
2) Nas alegações os interessados formulam conclusões em que indicam o sentido em que deve fixar-se a jurisprudência.”
Com este recurso deve subir ao S.T.J. o apenso completo do processo “AN”, o que se requer desde já, uma vez que contém, entre tudo o mais, os acórdãos finais do Tribunal da Relação de Guimarães datados de ........2019 e de ........2020 (este que manteve o de ........2019), para se poder aferir e verificar que, na data em que a 1.ª Instância (...) apreciou a questão da prescrição (em ........2022), há muito tempo que o Tribunal da Relação de Guimarães tinha proferido os acórdãos finais e em ... passaram para o Tribunal Constitucional que deu origem aos autos de recurso n.º 459/..., e também está incluído no apenso as provas documentais em como o processo subiu ao T.C. em ..., e ainda o despacho do Sr. Juiz Relator datado de ... onde referiu que o processo seria remetido ao Tribunal Constitucional mas que atendendo à sua enorme extensão, mais de 200 volumes, grande parte deles sobre arrestos, escutas, entre tudo o mais, seria desnecessário a remessa de todos os volumes.
Contudo, o facto de o Tribunal da Relação ter ficado a guardar os volumes não enviados para o T.C. não o torna competente para decidir a questão das prescrições quando estão em curso recursos no T.C.
Igualmente o facto de ser o Tribunal da Relação, um dia, a ordenar a baixa definitiva do processo à 1.ª Instância, também não lhe dá competência para se declarar competente para decidir as questões das prescrições enquanto pendem recursos no T.C. e por fim, o último argumento usado foi o de que, quando o Tribunal Constitucional declara juízos de inconstitucionalidade, cabe ao Tribunal da Relação reformular a decisão e por isso considerou também, por essa razão, a incompetência do Tribunal da Condenação (1.ª Instância) para apreciar e decidir a questão da extinção do procedimento criminal.
Como se referiu, no Acórdão do processo n.º 248/12.5..., do T.R. Évora, não foi isso que aconteceu.
Os acontecimentos jurídicos são os mesmos, a questão de direito é a mesma, existem decisões opostas”.
1.2. Foi cumprido o art.º 439.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
1.3. O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Guimarães apresentou resposta, no sentido da legitimidade do recorrente e tempestividade do recurso. Entendeu, no entanto, inexistir “plena coincidência decisória relativamente à questão de direito – “oposição de julgamentos relativamente à mesma questão de direito”, pois que não há entre os acórdãos um sincronismo normativo e fáctico”, tendo-se pronunciado pela rejeição do recurso face à não verificação dos requisitos substanciais previstos no art.º 437.º n.º 1 do CPP.
2. Neste Supremo Tribunal de Justiça o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo nos seguintes termos:
3.1. Ainda que interposto por quem tem legitimidade e interesse em agir, o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência não respeita os ónus formais quanto à certificação de trânsito em julgado dos acórdãos recorrido e fundamento, nem apresenta conclusões recursivas; deficiências formais que, a entenderem–se verificadas, deverão suscitar eventual convite à respetiva correção, nos termos e com os fundamentos acima invocados.
3.2. Tais aspetos formais podem ser, eventualmente, desconsiderados, face à verificação de mais importantes razões para não admitir o recurso ou para o julgar improcedente.
3.3. Efetivamente, tendo em conta a data de prolação do acórdão recorrido e ausência de conhecimento e alegação de que sobre ele recaiu reclamação, recurso para o TC ou outro incidente que impedisse o seu trânsito, o recurso é intempestivo, pois foi interposto após decurso dos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado do acórdão recorrido, no pressuposto de que o processo não era de natureza urgente, pois no caso de o ser, a conclusão seria a mesma.
3.3.1. Na verdade, tendo o acórdão recorrido sido proferido em ...–...–2023, e tendo sido notificado ao ora recorrente e ao Ministério Público por via eletrónica em ...–...–2023 (cf. certidão – ref.ª citius 238294), presume–se a notificação efetuada em ...–...–2023 (cf. artigos 138.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 104.º do Código de Processo Penal e artigo 113.º, n.º 11 e n.º 12, também do Código de Processo Penal).
3.3.2.Pelo que, considerando que a decisão em causa não admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, visto o disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, contando o prazo de 10 dias para qualquer reclamação ou arguição de nulidade ou recurso para o Tribunal Constitucional, o acórdão terá, nestes pressupostos, transitado em julgado passados esses 10 dias, pelo que decorridos 30 dias desde o trânsito em julgado, o último dia do prazo para interposição do recurso para fixação de jurisprudência seria o dia ...–...–2023 (ou ...–...–2023, com multa e não sendo alegado justo impedimento), pelo que na data em que o presente recurso foi interposto (...–...–2023) já o prazo de 30 dias se deverá ter por excedido.
3.3.3.Esta questão é tanto mais relevante quanto, independentemente da alegada existência de recursos para o TC “…reclamações, recursos e incidentes vários (incluindo a questão da prescrição do procedimento criminal) suscitados pelo aqui recorrente…”, como é referido no acórdão recorrido, o trânsito em julgado deste acórdão, que o recorrente invoca como pressuposto do recurso extraordinário que apresentou para o confrontar com o acórdão fundamento, não foi objeto (demonstrado) de reclamação, recurso ou outro incidente que sustasse o decurso do prazo de trânsito, e é esse prazo que importa considerar para aferir os pressupostos exigidos pelos artigos 437.º e 438.º, do Código de Processo Penal, ou seja, conta–se o prazo de 30 dias do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, pelo que a apreciação desta questão tem efetiva relevância no caso, como se vem de referir, por implicar a inadmissibilidade do recurso.
3.4. Sem prejuízo, e se assim não for entendido, a apreciação dos pressupostos substanciais, se a tal se chegar, deve levar à rejeição do recurso por inexistência desses pressupostos e, por decorrência, à improcedência do recurso.
3.5. É de evidente constatação que as decisões alegadamente opostas não se pronunciam sobre a mesma questão de Direito, a saber, se na pendência de recurso é competente – para apreciar requerimento que invoca prescrição do procedimento criminal apresentado pelo arguido – o tribunal de recurso ou o tribunal recorrido.
3.5.1.Relevante para aferir da existência de julgamentos (soluções de interpretação ou aplicação explícitas) opostos da mesma questão de direito penal ou processual penal, entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, é a identificação da respetiva ratio decidendi, a qual se reporta, pois, à razão de decidir ou fundamento legal central das decisões judiciais em oposição, seja com base em princípio(s) jurídico(s), seja em norma jurídica; representando o raciocínio principal que justifica ou dá a razão ou as razões para a resolução do caso; enquanto os obiter dictum não passam de comentários incidentais, observações ou opiniões não essenciais ou apenas secundárias para a resolução do caso.
3.5.2. Nestes termos, o que vemos entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento é um total vazio de coincidência das razões da decisão, num e noutro caso.
3.5.3. Assim, no acórdão fundamento não há pronúncia sequer sobre o regime normativo da competência em razão da matéria e da hierarquia para apreciar a prescrição do procedimento criminal, nem sobre os precisos artigos 119.º, al. e) do Código de Processo Penal, ou os artigos artigo 73º als. a) e f) da Lei da Organização do Sistema Judiciário e do artigo 417.º, n.º 6 do Código de Processo Penal, que no acórdão recorrido são invocados, interpretados e aplicados para sustentar a razão da decisão.
3.5.4. Portanto:
3.5.4.1. Não há interpretação divergente sobre o mesmo regime normativo ou sobre as mesmas regras (princípios ou normas).
3.5.4.2. As situações materiais litigiosas só são análogas a montante (apreciação da prescrição), mas são totalmente alheias na fundamentação e no núcleo decisório em confronto, que se apoiam em regimes normativos materialmente diferenciados.
3.5.4.3. Não havendo divergência de soluções decisórias sobre o mesmo regime normativo convocado, interpretado e aplicado, não há divergência quanto à mesma ratio decidendi.
3.5.5. Em suma, não existe oposição de julgamentos sobre a mesma questão de Direito, estando dado por certo que é o mesmo o quadro legislativo em vigor aquando das decisões em análise, pelo que inexiste o pressuposto material em apreciação, devendo assim improceder o recurso.
3.6. Ora, além de o acórdão fundamento e o acórdão recorrido não assentarem em soluções opostas sobre a mesma questão de Direito, de modo expresso, também não partem de situações de facto idênticas, pressupondo o entendimento de que a questão de Direito e a situação de facto estão mutuamente condicionadas, pois os fundamentos da decisão só tem efetiva justificação se dedutivamente se basear em premissas normativas e fáticas que, para as exigências rigorosas do regime legal do presente recurso extraordinário, têm de ser idênticas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento
3.7. Se bem que concluindo que as soluções jurídicas opostas não partem da mesma questão de Direito e que, portanto, logicamente, fica prejudicada a verificação da existência de identidade de situações de facto, ainda assim, no caso, há divergência manifesta das situações de facto consideradas, o que, com risco de redundância, se constatam no seguinte:
3.7.1. No acórdão fundamento foi apreciada a prescrição do procedimento criminal, mas no acórdão recorrido essa questão não foi apreciada, porque prejudicada, ainda que a mesma questão já tivesse sido objeto de apreciação e de decisão de improcedência em prévio acórdão, objeto de ulterior recurso para o TC.
3.7.2. O objeto da decisão no acórdão fundamento consistiu na apreciação da violação do princípio in dubio pro reo, na consumação dos crimes de corrupção e prescrição do procedimento nos ilícitos de corrupção ativa, e na violação do princípio da legalidade criminal; enquanto no acórdão recorrido o objeto da decisão oficiosamente apreciada foi a competência material e hierárquica para apreciar a prescrição do procedimento criminal em fase de recurso.
3.7.3. No acórdão recorrido foi decidido “declarar nulo, por ferido de nulidade insanável, o despacho recorrido, proferido pelo tribunal de primeira instância, em ........2022, por violação das regras da competência do tribunal em razão da matéria e da hierarquia, em conformidade com o disposto no artigo 119.º al. e) do CPP, sendo este Tribunal da Relação de Guimarães o tribunal competente para o efeito”, enquanto no acórdão recorrido foi decidido negar provimento ao recurso interposto depois de discutido o objeto que foi fixado e a que atrás se aludiu.
3.7.4. A questão da competência material e hierárquica para apreciar a prescrição do procedimento criminal na pendência de recurso na 2.ª instância não foi apreciada no acórdão fundamento, nem a requerimento, nem oficiosamente, ao contrário do que sucedeu no acórdão recorrido, pelo que são totalmente diferentes as situações de facto pressupostas nas decisões alegadamente opostas.
3.8. As situações de facto só são idênticas ou similares (sem necessidade de serem iguais, i.e., podendo negligenciar–se alguns dados de facto em função do fim) e merecem tratamento de assimilação correlativo, se o que se afirma, descreve ou avalia numa delas for equivalente ao que se afirma, descreve ou avalia em relação à outra, pelo que só então é legítimo invocar a regra formal de justiça, que subjaz como justificação ao recurso extraordinário de fixação de jurisprudência.
3.9. Não é, manifestamente, o caso nestes autos. Em conformidade, pronunciamo-nos pela inexistência de pressupostos formais e substantivos exigidos à admissibilidade do presente recurso extraordinário, devendo o recurso ser rejeitado, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
3. Notificado o recorrente do aludido parecer, para efeitos de contraditório, o mesmo nada disse.
4. Procedeu-se ao exame preliminar a que alude o artigo 440.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, colheram-se os vistos legais e teve lugar a conferência
Cumpre apreciar e decidir
5. Fundamentação
Como é sabido, para além dos recursos ordinários, contempla o Código de Processo Penal como recurso extraordinário, entre outros, o recurso de fixação de jurisprudência, que se mostra regulado, para o que ora releva, nomeadamente, nos artigos 437.º e 438.º. Aí se dispõe o seguinte:
Artigo 437.º - Fundamento do recurso
“1 - Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.
2 - É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
3 - Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
4 - Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.
5 - O recurso previsto nos n.os 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público”.
Artigo 438.º - Interposição e efeito
“1 - O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.
2 - No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.
3 - O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo.”
É também sabido que através do recurso de fixação de jurisprudência pretende-se a uniformização dos critérios interpretativos de modo a garantir a unidade do ordenamento jurídico penal ou processual penal, os princípios de segurança, previsibilidade e certeza das decisões judiciais e com isso a realização do interesse público através da garantia da igualdade dos cidadãos perante a lei.
Trata-se, pois, de harmonizar a certeza do direito com o respeito pela justiça.
Como ensinava o Prof. Alberto do Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pág. 233 -234, cuja doutrina se mantém actual e transponível para o presente caso, o princípio da liberdade de interpretação da lei de que gozam os tribunais pode conduzir a resultados indesejáveis, dando origem a interpretações divergentes e a diverso tratamento jurídico em casos particulares, perfeitamente idênticos. E assim, nas palavras do referido autor, “o princípio da igualdade perante a lei torna-se uma ficção e um mito. A máxima constitucional – a lei é igual para todos – fica reduzida a fórmula vã, se em consequência da liberdade de interpretação jurisdicional a casos concretos rigorosamente iguais corresponderem soluções jurídicas antagónicas ou divergentes. O que importa essencialmente, para efeitos práticos, é a actuação concreta da lei e não a sua formulação abstracta. Sente-se, pois, a necessidade de conciliar o princípio da liberdade de interpretação da lei com o princípio da igualdade da lei para todos os indivíduos. Quer dizer, reconhece-se a conveniência de tomar providências tendentes a assegurar, quanto possível, a uniformidade da jurisprudência.”
Acresce que, sendo o recurso de fixação de jurisprudência um recurso extraordinário (através do qual se pretende a anulação do caso julgado), a sua utilização depende de um conjunto estrito de requisitos de ordem formal e substancial.
De acordo com os referidos normativos legais, são requisitos formais do recurso de fixação de jurisprudência, os seguintes:
1. Os acórdãos em conflito serem de tribunais superiores, ambos do STJ, ambos de tribunal da Relação, ou um – o acórdão recorrido – de Relação, mas de que não seja admissível recurso ordinário, e o outro – o acórdão-fundamento – do STJ;
2. O trânsito em julgado dos dois acórdãos;
3. A interposição do recurso em 30 dias contados do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido).
4. A identificação do aresto com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição (acórdão-fundamento).
5. A indicação, caso se encontre publicado, do lugar de publicação do acórdão-fundamento.
6. A indicação de apenas um acórdão-fundamento.
7. A legitimidade do recorrente, restrita ao Ministério Público, ao arguido, ao assistente e às partes civis.
8. A justificação/fundamentação da oposição.
Constitui requisito de ordem substancial a oposição de julgados entre os acórdãos em questão, que devem ter sido proferidos no domínio da mesma legislação.
Acresce ainda, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que a questão decidida em termos contraditórios deve ter sido objecto de decisão expressa em ambos os acórdãos, tomada a título principal, não bastando que a oposição se deduza de posições implícitas ou de contraposição de fundamentos ou de afirmações. Por outro lado, as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico devem outrossim ser substancialmente idênticos, por só assim ser possível aferir se para a mesma questão jurídica foram adoptadas soluções opostas. E a vexata quaestio não deve ter sido objecto de anterior fixação de jurisprudência (Vd. Ac. do STJ de 24.02.2022, proc. 42/16.4GDCTX.L1-A.S1, in www.dgsi.pt).
A esse respeito fez-se também constar no Ac. do STJ, de 20-10-2011, proc.1455/09.3TABRR.L1-A.S1 (sumário), disponível no mesmo local, «IV - A exigência de oposição de julgados, de que não se pode prescindir na verificação dos pressupostos legais de admissão do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do art.º 437.º, n.º 1, do CPP, é de considerar-se preenchida quando, nos acórdãos em confronto, manifestamente de modo expresso, sobre a mesma questão fundamental de direito, se acolhem soluções opostas, no domínio da mesma legislação.
V - A estes requisitos legais, o STJ, de forma pacífica, aditou a incontornável necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito. E, sendo o recurso em causa um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, é entendimento comum do STJ que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso se deve fazer com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) a essa excepcionalidade”. (Itálicos e sublinhados nossos).
Relativamente aos requisitos formais, é inequívoco que o arguido tem legitimidade e interesse em agir para interpor o presente recurso de fixação de jurisprudência, tendo identificado o acórdão fundamento através do local da sua publicação, embora sem referir a data do trânsito.
Para além disso, uma vez que nos termos do citado art.º 438.º n.º 1, do CPP, o recurso de fixação de jurisprudência “É interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar”, importa aquilatar da sua tempestividade. A este respeito o Supremo Tribunal de Justiça tem densificado em vários arestos a noção de trânsito em julgado para efeitos da admissibilidade do recurso de fixação de jurisprudência (Vd., entre outros, os Acórdãos de 22.09.2016, proc. 43/10.6PRT.D.S1 e de 12.01.2023, proc. 159/18.OGCPBL.C2.B.S1, ambos da 3.ª Secção).
Assim, para o que ora releva, considerou-se no Acórdão do STJ de 11.03.2021, 3.ª Secção, “ (…) no caso em que o recurso não é admissível para o STJ, a decisão transita a partir do momento em que já não é possível reagir processualmente à mesma, estabilizando-se o decidido, pelo que, no caso de decisões que não admitam recurso, o trânsito verifica-se findo o prazo para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de correcção (arts. 379.º, 380.º e 425.º, n.º 4, do CPP), ou seja, o prazo-regra de 10 dias fixado no n.º 1 do art. 105.º do CPP, em caso de não arguição ou de não apresentação de pedido de correcção” e, em caso de arguição, após o trânsito da decisão que conhece da arguição, data a partir do qual se inicia a contagem do prazo dos recursos extraordinários que pressupõe o trânsito em julgado. Deste modo, impede-se a abertura de uma nova via para prolongar, ou seja, alterar, os prazos legalmente estabelecidos”.
Este entendimento é, contudo, ressalvado em caso de recurso para o Tribunal Constitucional.
Isto é, nos casos em que não é admissível recurso (ordinário) para o Supremo Tribunal de Justiça, um dos meios de reacção do acórdão é a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional no prazo de 10 dias (artigos 105.º, do CPP, e 75.º, n.º 1, da Lei 28/82, de 15 de Novembro).
Destarte, como se referiu no mencionado acórdão, “(…) não sendo questionado o recurso tempestivo para o TC, é posição do ac. STJ, não se pode considerar a existência de um trânsito em julgado. E isso, independentemente de, por Decisão Sumária, o TC não tomar conhecimento objecto do recurso já que, atenta a Lei n.º 28/82 (Lei do TC), tal não significa que se deva atender, para efeito de trânsito em julgado da decisão recorrida, à data em que o recurso foi rejeitado no Tribunal Superior (da Relação ou STJ). Pelo contrário, o trânsito em julgado de uma Decisão Sumária, que não conhece do objecto do processo, conforme resulta do artigo 75.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82 (Lei do TC), é a data a partir do qual se reiniciam os prazos para interposição de outros recursos, “que porventura caibam da decisão, os quais só podem ser interpostos depois de cessada a interrupção”. O que, note-se, emerge igualmente do artigo 80.º, n.º 4, parte final, da Lei n.º 28/82 (Lei do TC), referindo que transitada em julgado decisão que não admita recurso ou lhe negue provimento, começam a correr os prazos para os recursos ordinários, se não estiverem esgotados. E essa mesma norma, refere expressamente que transitada em julgado “a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento, transita também a decisão recorrida, se estiverem esgotados os recursos ordinários. O que é o caso dos autos. Ou seja, a data do trânsito em julgado da decisão recorrida coincide com o trânsito em julgado da Decisão Sumária que não conheceu do objecto do recurso. Assim, verifica-se o trânsito em julgado da decisão recorrida, estando, como se disse no ponto imediatamente anterior, esgotada a possibilidade de recurso ordinário”. (Negritos e sublinhados nossos).
Tendo em consideração o referido entendimento, que se subscreve, analisando os autos deles resulta o seguinte:
- O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (Acórdão recorrido) foi proferido em 12.06.2023, tendo sido notificado aos sujeitos processuais na mesma data.
- Esse acórdão não era recorrível para o Supremo nos termos do art.º 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
- Desse acórdão interpôs o arguido, tempestivamente, recurso para o Tribunal Constitucional em 22.06.2023.
- Por decisão sumária datada de 18.07.2023, o Tribunal Constitucional foi decidido não conhecer do objecto do recurso interposto pelo arguido.
- Dessa decisão reclamou o arguido para a conferencia, tendo o Tribunal Constitucional proferido acórdão em 12.10.2023, indeferindo essa reclamação.
- O acórdão do Tribunal Constitucional transitou em julgado em 26.10.2023 (fls. 207).
Assim, uma vez que na presente situação se deve considerar, à luz da referida jurisprudência, que a data do trânsito do acórdão recorrido corresponde à data do transito do acórdão do Tribunal Constitucional, tendo o presente recurso de fixação de jurisprudência sido interposto, como se disse, em 16.11.2023, é o mesmo perfeitamente tempestivo.
Sucede, que ainda que assim não fosse, sempre seria de rejeitar o presente recurso por não verificação dos requisitos de ordem substancial acima descritos, como resulta do teor dos acórdãos em confronto.
Com efeito,
No acórdão fundamento foi consignado o seguinte no que respeita à competência para apreciar a extinção do procedimento criminal por prescrição:
“[…]1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer. Verificamos que as questões aportadas ao conhecimento desta instância de recurso são as seguintes: ⎯ in dubio pro reo; ⎯ consumação dos crimes de corrupção e prescrição do procedimento nos ilícitos de corrupção ativa; ⎯ violação do princípio da legalidade criminal;
2. O despacho recorrido tem o seguinte teor: «Vem o arguido AA requerer que se declare prescrito o procedimento criminal contra si pendente. Para tal, invoca, em síntese, que o decurso do prazo de prescrição, de dez anos, iniciou-se com a formulação do acordo corruptivo, algures no segundo semestre de 2006, antes do mês de maio de 2006, sendo que a constituição de arguido ocorreu a ... de ... de 2017. O Ministério Público pronunciou-se nos termos constantes da promoção que antecede, pugnando pelo indeferimento do requerido. Cumpre apreciar.
[…]
Também sob este prisma, se impõe a conclusão de que o procedimento não se encontra prescrito. Em face do exposto, o procedimento criminal pendente contra o arguido AA ainda não prescreveu, o que se declara, indeferindo-se o requerido. Notifique. Oportunamente, devolva os autos à instância de recurso para apreciação do recurso pendente.» […]
3.2 Da consumação dos crimes de corrupção e prescrição do procedimento criminal O decurso do tempo tem reflexos nomeadamente ao nível da prescrição do procedimento criminal. Consistindo a prescrição num pressuposto negativo da punição, a qual tem por efeito justamente a extinção do procedimento criminal, em virtude do decurso de certo período de tempo. Uma condenação decretada e (mesmo) confirmada por tribunal superior, se o for em procedimento prescrito, extingue a responsabilidade criminal. E este é o móbil deste incidente por apenso. Diga-se já, de introito, que a decisão proferida pelo tribunal a quo, é rigorosa quanto aos seus pressupostos de facto (materializados na confirmação deles feita pelo acórdão deste Tribunal, de ... de ... de 2021; e mostra-se igualmente acertada relativamente à solução de direito (nos termos melhor concretizados adiante). Alega o recorrente que o momento relevante para o início da contagem do prazo prescricional do ilícito de corrupção ativa é o do acordo corruptivo e que este terá ocorrido «no segundo trimestre de ...», quando os arguidos BB e CC aceitaram uma determinada vantagem para implementar o modelo de contratação de Parceria Público Privada Municipal. Ora, conforme já se deixou dito, os factos não são já controversos, estando já fixados por referência ao acórdão da primeira instância, que foi confirmado (nessa parte integralmente) pelo acórdão deste Tribunal da Relação (acórdão de ... de ... de 2021). Essa matéria de facto, concretamente a conjugação dos factos 25.º, 28.º, 32.º e 43.º não permitem concluir que o pacto corruptivo tenha ocorrido em momento anterior a ..., conforme bem considerou a decisão recorrida. Os crimes cometidos pelo arguido recorrente estão previstos no artigo 18.º, § 1.º, em articulação com os artigos 1.º, 2.º e 3.º, § 1.º, al. i), da Lei n.º 34/87, de 16 de julho (na redação introduzida pela Lei 108/2001, de ... (crime de corrupção ativa de titular de cargo político); e artigo 374.º, § 1.º do Código Penal, por referência ao artigo 386.º, § 2.º do mesmo código (corrupção ativa). Com referência à data da prática dos factos e ao máximo das respetivas molduras legais e em conformidade com o disposto no artigo 118.º, § 1.º, al.) do Código Penal (CP), o prazo de prescrição do procedimento criminal é de dez anos, correndo desde o dia em que o facto se tiver consumado (artigo 119.º, § 1.º CP). Nos crimes corruptivos ativos, como é o que aqui o caso, apurando-se a prática de factos de promessa de vantagem a consumação formal do ilícito dá-se logo com a prática de qualquer dos atos típicos. E havendo reiteração de atos da mesma espécie, haverá uma renovação da consumação, que cessará na data da última promessa. «Quando, por seu turno, se demonstre que o agente público recebeu e aceitou a vantagem, depois de a ter solicitado ou de ter aceitado a sua promessa; e/ou que o corruptor entregou a vantagem ao agente público e este tomou conhecimento do seu recebimento, depois de a ter prometido, então é nos momentos da perceção do suborno e da sua disponibilização que os factos de corrupção passiva e ativa se deverão ter por (materialmente) consumados. Se se comprovar que houve um faseamento do fornecimento da vantagem o termo da consumação material convergirá com a derradeira entrega.» (2) Esta conceção respeitante à contraposição entre consumação formal e consumação material (ou terminação) não constitui novidade na doutrina, nomeadamente na mais qualificada. (3) Sendo essa a que, no essencial para o que agora releva, a que foi sufragada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 735/03.4TOPRT.P2.S1 (4), cujo sentido se mostra, aliás, alinhado com a doutrina e a jurisprudência dos altos Tribunais dos países civilizados do nosso entorno cultural. (5) Efetivamente, os crimes de corrupção ativa e passiva, em qualquer das suas modalidades são crimes instantâneos, isto é, a prática de qualquer dos atos típicos constitui imediata realização do facto ilícito típico (consumação formal). Mas isso não impede a prática sucessiva dos mesmos ou de outros atos típicos do mesmo tipo de ilícito. Ora, a realização plúrima desses atos não é irrelevante para efeitos da consumação do ilícito. «O mandado de esgotante apreciação e relevo penal de todo o desvalor que esse facto, globalmente considerado, comporta implica o repúdio de eventuais pretensões de um seu espartilhamento que passe por dividir as diversas partes que o compõem e ignorar as que dão corpo à consumação material.» (6) Os sucessivos atos corruptivos típicos, por integrarem uma mesma realidade ontológica, agregam uma certa «unidade de sentido» da atuação ilícita, evidenciando também uma mais intensa ofensa ao bem jurídico. Todos são pertinentes e confluem no «mercadejar do cargo», sendo a entrega e recebimento da peita, no culminar da atuação anterior, o seu expoente máximo. Donde, comprovando-se que para além da realização de atos que formalmente integram o tipo de ilícito corruptivo (neste caso do crime de corrupção ativa) e que nessa dimensão (formal) o consumam, ao comprovar-se (também) a peita, através de uma ou de uma sequência de atos de entrega e recebimento, verifica-se a sua consumação material, cuja data da última entrega nos dará o dies a quo do prazo prescricional do procedimento criminal. Ora, no presente caso temos provados que os pactos corruptivos firmados entre o recorrente e os coarguidos CC e BB, terão ocorrido por volta (mas em data não anterior) a ... (factos 25.º, 28.º, 32.º e 43.º), pactos esses que preenchem factos típicos dos ilícitos em referência, ocorrendo, com isso, a sua consumação formal. Mas tendo-se-lhes sucedido atos de consumação material (entrega e recebimento da peita por CC em frações entre .../.../2007 e .../.../2009 - data da última entrega) - facto 220 - o crime consumou-se materialmente nesta última data. O mesmo sucedendo relativamente a BB, com entregas e recebimentos relativas à peita iniciadas em .../.../2008 até .../.../2009 (data da última entrega) – facto 221 – consumando-se materialmente o crime nesta última data. Correndo o prazo de prescrição do procedimento criminal a partir da data em que o facto ilícito se considera consumado (artigo 119.º, § 1.º CP), sendo para aqui relevantes, nos termos sobreditos, as datas de .../.../2009 e .../.../2009, e tendo o recorrente sido constituído arguido a .../.../2017, não tinham nesta data decorrido os dez anos previstos na lei (artigo 118.º, § 1.º, al. d) CP), relativamente aos crimes por si praticados. E com a aludida constituição de arguido, o prazo de prescrição interrompeu-se, iniciando-se a contagem de novo prazo de 10 anos. Com o que fica demonstrada a sem razão do recorrente”.
Por seu turno, no acórdão recorrido foi considerado o seguinte, no que à alegada oposição diz respeito, ou seja, a do tribunal competente para apreciar a extinção, por prescrição, do procedimento criminal.
“1. Encontrando-se o processo nº 1420/11.0T3AVR ainda pendente neste Tribunal da Relação de ... em consequência de recurso do acórdão final proferido em primeira instância, no qual o arguido BB, para além de outros arguidos, foi condenado – recurso que, por ser de acórdão final condenatório, foi naturalmente admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo do processo – o referido arguido suscitou, na primeira instância, através de requerimento apresentada via Citius, a prescrição do procedimento criminal relativamente a determinados crimes pelos quais havia sido condenado, o qual, por despacho datado de ........2022, foi indeferido. 2. Não se conformando com o mencionado despacho de indeferimento da prescrição do procedimento criminal, dele interpôs recurso o arguido, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: […] Assim, e vistas as conclusões do recurso, a questão essencial a decidir consiste em saber se o procedimento criminal quanto aos crimes de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256º, nº 1 do CP imputados ao arguido, aqui recorrente, se encontra ou não prescrito. Antes, porém, importa decidir se o tribunal de primeira instância podia ter conhecido da prescrição do procedimento criminal, tendo em conta que o processo, no momento proferiu a sua decisão, se encontrava em fase recurso Acerca desta questão foi concedida ao recorrente e ao M.P. a oportunidade de, querendo, se pronunciarem, o que eles efetivamente fizerem, assim tendo sido cumprido, por forma plena, o contraditório. Por isso, ao contrário do defendido pelo recorrente, não existe fundamento para que lhes seja concedido novo prazo para se pronunciarem sobre o que o cada um deles disse nos requerimentos que apresentaram. A não ser assim, o processo iria enredar-se em notificações sem qualquer efeito útil, a pretexto do cumprimento do contraditório anteriormente cumprido. Posto isto, importa desde já salientar que somente foi possível ao arguido, aqui recorrente, suscitar a prescrição do procedimento criminal na primeira instância e ao respetivo tribunal conhecer de tal requerimento, proferindo o despacho recorrido, porque o programa informático de apoio à atividade dos tribunais (Citius) o permitiu. É que sem o referido programa informático não teria sido sequer fisicamente possível ao tribunal de primeira instância ter proferido qualquer decisão, por uma razão óbvia, ou seja, porque não tinha processo. Com efeito, o processo no momento da decisão não se encontrava no tribunal de primeira instância, tendo sido remetido a outro tribunal, especificamente a este Tribunal da Relação de Guimarães para apreciação de recurso do acórdão final proferido na primeira instância. Neste particular, e ao contrário do referido pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, importa salientar que o despacho recorrido não foi proferido no apenso criado relativamente aos arguidos em relação aos quais foi considerado ter ocorrido transito em julgado do acórdão final e que baixou à primeira instância para cumprimento do julgado, mas antes no processo principal. Mas a verdade é que, devido às facilidades criadas pelo programa informático de apoio à atividade dos tribunais, foi fisicamente possível ao tribunal de primeira instância proferir o despacho recorrido. Todavia, a lei não lhe permitia conhecer do requerimento apresentado pelo arguido, aqui recorrente, e proferir decisão. Isto porque, o processo havia sido remetido a esta Relação, sendo que o recurso do acórdão final foi admitido com subia imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, como, de resto, a lei determina. Aliás, importa corrigir o despacho que admitiu o presente recurso, porque por se tratar de recurso de despacho posterior ao acórdão final, que pôs termo à causa, deveria ter sido admitido, como foi, com subida imediata, mas, por forma diversa do decidido, em separado e sem efeito suspensivo, ou seja, efeito meramente devolutivo, cfr. artigos 406º, nº 2, 407º, nº 2 al. b), 408º, este a contrario, e 414º, nº 3, todos do CPP, o que aqui se determina. Por estarmos perante um processo da Competência do Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Central Cível e Criminal de ... – J4, competia ao referido juízo central criminal proferir despachos nos termos dos artigos 311.º a 313.º do Código do Processo Penal, e proceder ao julgamento e aos termos subsequentes do processo, cfr. artigo 118º, nº 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26.08. No sobredito contexto, após a subida do processo a este Tribunal da Relação, a competência para conhecer do requerimento apresentado era deste Tribunal da Relação, cfr. artigo 73º al.s a) e f) da citada Lei da Organização do Sistema Judiciário e artigo 417º, nº 6 do CPP. Assim sendo, apesar de lhe ter sido dirigido, o tribunal de primeira instância (tribunal da condenação) não poderia ter apreciado e decidido a questão da prescrição suscitada pelo arguido, ora recorrente, devendo antes ter remetido o referido requerimento ao respetivo processo. Ou seja, a este Tribunal da Relação de Guimarães, uma vez que é efetivamente neste tribunal que o processo se encontrava, sendo certo que, e não obstante as novas tecnologias, mantém plena atualidade o velho brocardo latino quod non est in processu, non est in mundo (o que não está no processo não está no mundo). Acresce dizer que é incompreensível a posição defendida pelo arguido, aqui recorrente, no sentido de atribuir competência à primeira instância para conhecer da prescrição do procedimento criminal, quando anteriormente já havia suscitado a prescrição do procedimento criminal no processo, isto é, neste Tribunal da Relação, o qual dela conheceu, não lhe dando razão, o que até motivou, para além do mais, recurso da sua parte para o Tribunal Constitucional. Ou seja, as duas posições assumidas pelo arguido, ora recorrente, relativamente à competência para conhecer da questão da prescrição (uma implícita e outra expressa) não são conciliáveis. Do mesmo modo é incompreensível a afirmação do arguido, aqui recorrente, segundo a qual o tribunal competente para analisar e decidir a prescrição é o Tribunal Judicial da Comarca de ... (tribunal da condenação) porque o arguido CC, aqui recorrente, tem pendentes recursos no Tribunal Constitucional. Na verdade, como ele próprio refere, a Lei nº 28/82, de 15 de novembro, com as devidas atualizações, não atribui competências ao Tribunal Constitucional para declarar prescritos quaisquer crimes. Outrossim, o facto de o recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão final ter sido admitido nos próprios autos e com efeito suspensivo, mas devido à enorme dimensão do processo (número de volumes) ter sido ordenado que permanecesse neste Tribunal da Relação, sem prejuízo de o Tribunal Constitucional decidir de forma diversa, em nada interfere na questão em apreço. Isto porque o Tribunal Constitucional não ordenou que todo o processo fosse a ele remetido. Por outro lado, porque a competência para ordenar a baixa definitiva do processo à primeira instância é apenas do Tribunal da Relação, ao qual compete conhecer dos recursos para os quais seja competente, mas também das questões que neles possam influir, como seja a questão decorrente do juízo de inconstitucionalidade que venha eventualmente a ser efetuado pelo Tribunal Constitucional, e a questão da prescrição, entre outras. Ora, como é sabido, a prescrição do procedimento criminal constitui um facto jurídico que pode ocorrer a qualquer momento da pendência do processo, que poderá contender com direitos fundamentais, como seja o direito à liberdade, pelo que deve ser conhecida, mesmo oficiosamente, a qualquer altura. Por isso, no caso vertente, ao tribunal de primeira instância, enquanto tribunal da condenação, que não dispunha sequer de processo para poder decidir, carecia de competência para proferir o despacho recorrido, que conheceu da prescrição do procedimento criminal, sendo competente para o efeito, repete-se, este Tribunal da Relação. Ora, constitui nulidade insanável, a qual dever ser declarada oficiosamente pelo tribunal em qualquer fase do procedimento, a violação das regras da competência do tribunal, sem prejuízo do nº 2 do artigo 32º, nos termos do disposto no artigo 119º al. e) do CPP. No caso vertente, estando em causa incompetência em razão da matéria e da hierarquia do tribunal de primeira instância para proferir o despacho recorrido, foi cometida a aludida nulidade insanável, a qual importa, pois, declarar, em conformidade com o disposto no artigo 122º do CPP. Por conseguinte, declara-se nulo o despacho recorrido, não produzindo mesmo, pois, quaisquer efeitos, pelo que se julga prejudicado o conhecimento do presente recurso. À cautela, ou seja, prevendo a hipótese de vir a ser entendido verificar-se a nulidade insanável indicada do artigo 119º e) do CPP, por se considerar ser este Tribunal da Relação o tribunal competente para conhecer da prescrição do procedimento criminal – o que é o caso - o recorrente suscita a inconstitucionalidade na referida norma legal “ na interpretação segundo a qual o Tribunal de condenação não tem competência territorial/funcional/material para decidir uma questão de prescrição do procedimento criminal enquanto o arguido requerente dessa prescrição aguarda uns autos de recurso pendentes num tribunal não penal - o Tribunal Constitucional, é inconstitucional por violação do princípio do juiz natural e Tribunal competente em razão da matéria, ínsitos nos art.º 32.º n.º 9, 202.º e 211.º n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa” (sic). Porém, não vislumbramos que a interpretação que fizemos do artigo 119º al. e) do CPP padeça da indicada inconstitucionalidade, pois que tal interpretação decorre das normas de organização judiciária e das normas que disciplinam os recursos. Aliás, a invocação, por parte do recorrente, da referida inconstitucionalidade com fundamento em que se encontra pendente no processo principal um recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional é contrária e inconciliável com a posição por ele próprio assumida no processo principal. Na verdade, o recurso para o Tribunal Constitucional a que alude o recorrente, deriva de decisão proferida por este Tribunal da Relação que, a requerimento do ora recorrente, decidiu não ocorrer prescrição do procedimento criminal. Ou seja, e como decorre do exposto, o recorrente ora defende, ao menos implicitamente, ser competente para conhecer da prescrição o Tribunal da Relação, pois que a suscitou perante este tribunal, e não se conformou com o decidido, tanto mais que até recorreu para o Tribunal Constitucional, como defende ser competente o tribunal da primeira instância, na qualidade de tribunal da condenação, para conhecer da referida questão. III- DECISÃO: Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal deste Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: 1) Corrigir o despacho que admitiu o presente recurso, determinando que o recurso tem subida imediata, em separado e com efeito não suspensivo ou meramente devolutivo, cfr. artigos 406.º, n.º 2, 407.º, n.º 2 al. b), 408º, este a contrario, e 414.º, n.º 3, todos do CPP; 2) Em declarar nulo, por ferido de nulidade insanável, o despacho recorrido, proferido pelo tribunal de primeira instância, em ........2022, por violação das regras da competência do tribunal em razão da matéria e da hierarquia, em conformidade com o disposto no artigo 119.º al. e), do CPP, sendo este Tribunal da Relação de Guimarães o tribunal competente para o efeito. 3) Em consequência do assim decidido, julgar prejudicado o conhecimento do presente recurso. Sem custas.”
Posto isto, conforme resulta com clareza dos acórdãos em questão, e bem refere o Exmo. Senhor Procurador – Geral Adjunto no seu douto parecer, tais acórdãos não se pronunciaram sobre a mesma questão de direito - a de saber se na pendencia de recurso, é competente para conhecer da prescrição do procedimento criminal o tribunal recorrido ou o tribunal de recurso.
Efectivamente, como tem vindo a ser entendido por este Supremo Tribunal de Justiça, para se aferir da existência de oposição entre soluções para a mesma questão de direito, há que atender à parte determinante da fundamentação do acórdão e não ao seu dispositivo, normalmente de cariz sintético e de conteúdo negativo ou positivo. Tão pouco relevando para efeitos de oposição, os meros argumentos ou razões de direito que não fundamentam, por si, a solução de direito adoptada, em particular os argumentos laterais e os “obiter dicta” que embora possam robustecer a fundamentação não assumem carácter essencial para a solução jurídica adoptada (Vd. o Ac. do STJ de 11.05.2023, proc. 5259/19.7T9CBR.C1-A. S1).
Com base no exposto, facilmente se constata que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento não assentam em idênticas razões de decisão. Na realidade, em parte alguma do acórdão fundamento se faz sequer referência à matéria da competência em razão da matéria e da hierarquia para se aferir da prescrição do procedimento criminal relativamente aos artigos 119.º alínea a) do Código de Processo Penal, 73.º alíneas a) e f) da Lei de Organização do Sistema Judiciário e ao art.º 417.º n.º 6 daquele diploma legal, tal como sucede no acórdão recorrido onde tais normativos constituem a “ratio decidendum”.
Destarte, pese embora proferidos no domínio da mesma legislação, não se verifica no presente caso, a oposição de julgamentos sobre a mesma questão, que como vimos acima tem de ser expressa e não implícita (como parece entender o recorrente).
Acresce ainda que as decisões em apreço se basearam em diversas situações de facto, reportando-se o acórdão fundamento à prescrição do procedimento criminal relativamente a factos integradores do crime de corrupção, o que não sucede no acórdão recorrido no qual foi apreciada a questão da competência material e hierárquica do tribunal para efeitos de apreciação da prescrição do procedimento criminal.
Verifica-se, pois, que objetivamente não existem soluções de direito antagónicas, contraposição de fundamentos ou afirmações entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, nem identidade de situações de facto. O que nos reconduz, como vimos, à rejeição do presente recurso.
6. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção do Supremo Tribunal de Justiça em:
a) Rejeitar o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto nos termos do disposto no artigo 441.º, n.º 1, do CPP; e
b) Condenar o recorrente, DD, nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (artigos 513.º, n.ºs 1 e 3 do CPP e 8.º, n.º 9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais), a que acresce, ao abrigo do disposto no artigo 420.º, n.º 3, do CPP, aplicável “ex vi” do art.º 448.º, do mesmo diploma, a condenação do mesmo no pagamento da importância de 4 (quatro) UC.
Lisboa, STJ, 2024.09.19
(Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pela relatora e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3, do CPP)
Albertina Pereira (Relatora)
Jorge Gonçalves (1.º Adjunto)
Agostinho Torres (2.º Adjunto)