ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIO
RESPONSABILIDADE AGRAVADA
FACTOS NOVOS
CONTRADITÓRIO
Sumário

1 – A introdução de nova factualidade, ainda que a mesma decorra da prova produzida, pressupõe o mecanismo previsto no Artº 72º do CPT, mecanismo que deve ser implementado em 1ª instância.
2 - A responsabilidade agravada prevista no Artº 18º/1 da LAT tem como pressuposto a falta de observação, pelo empregador, de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.
3 – Havendo risco de queda em altura devem ser implementadas medidas de proteção adequadas, ficando a definição de tais medidas concretas ao critério da avaliação em concreto efetuada.
4- Não pode imputar-se ao empregador a violação de regras de segurança se se prova que na montagem de um andaime a partir do qual ocorreu uma queda estiveram envolvidos dois trabalhadores com formação em montagem de andaimes, com formação e informação acerca de segurança na construção civil, dispondo a empregadora dos necessários meios na obra e tendo os trabalhadores envolvidos na montagem considerado desnecessária a colocação de guardas de proteção, o que poderia ter sido realizado utilizando tábuas disponíveis para o efeito.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

XX Unipessoal, Lda.., Ré nos autos à margem melhor referenciados, notificada que foi da sentença e com ela não se conformando, vem interpor recurso de apelação.
Pede a revogação da sentença com condenação da Apelada no pedido.
Formulou as seguintes conclusões:
I. Entende a Recorrente que andou mal o Tribunal a quo aos dar como não provados os factos constantes das alíneas a) a c) e como provados o facto nº 10 ou seja deveria ter sido dado como provado que o sinistro que, infelizmente vitimou mortalmente o trabalhador AA não se deveu a violação de regras de segurança por parte da 1ª Ré mas sim a uma decisão errada dos trabalhadores que se encontrava a executar trabalhos de colocação de vigas no telhado e que, tendo disponíveis os meios de proteção (coletiva e individual) necessários e bastantes) consideraram que os não deveriam utilizar, mesmo tendo instruções da ora Apelante para o fazerem sempre que executassem trabalhos que envolvessem perigo de queda em altura.
II. Os Meios Probatórios que, com todo o devido respeito foram erroneamente apreciados foram os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, a saber, as testemunhas BB, CC e DD constantes do suporte digital.
III. Pelo que a sentença em causa deve ser revogada por conter erro na apreciação da prova produzida e consequentemente, erro na aplicação do Direito à matéria de facto em julgamento.
IV. Isto porque atendendo à prova documental e testemunhal carreada para os autos não pode a ora Recorrente concordar com a decisão da Mma Juiz a quo de dar como não provado os factos constantes das alíneas a) a c)
V. No tocante aos factos das alíneas a) e b) da matéria de facto dada como não provada, a sentença motiva erradamente essa conclusão de não prova em que apesar de da prova produzida resultar que AA e CC tinham a formação referida em 25. dos factos provados, essa formação era para montagem de andaimes “normalizados de acordo com o estabelecido documento normativo UNE –EN 12810-1:2005 (EN 12810 -1:2003), adotado por o comité Europeu de Normalização (C.E.N.) de 9 de Fevereiro de 1988”, o que não seria o caso do andaime que estava a ser utilizado por estes trabalhadores que, conforme resultou provado, não era certificada
VI. Quanto ao facto vertido em b) resultou não provado por insuficiência de prova suscetível de o demonstrar. Diga-se, a este propósito, que a circunstância de ter resultado provada a factualidade vertida em 26. não habilita a concluir que os trabalhadores da Ré (incluindo o falecido) tivessem conhecimento pleno e cabal do teor daquele documento e da avaliação de riscos a que se reporta esse documento.
VII. Ora, tais factos deviam ter sido dados como provados porque:
VIII. No referente à matéria de facto da alínea a) desde logo a mesma é de tal modo genérica que no seu teor fica contraditado pelo facto nº 25 da matéria de facto provada e por outro lado resultou da prova testemunhal que quer a testemunha CC quer o sinistrado AA (quer mesmo a testemunha BB) tinham informação prestada pela ora Recorrente sobre a montagem e utilização de andaimes
IX. E tinham não só informação como formação profissional como vem dado como provado em 25 da matéria de facto e porque da circunstância de o andaime em utilização no momento do sinistro não ser certificado como vem provado em 7 da matéria de facto, não resulta necessariamente que aos trabalhadores em causa não tivesse sido dada informação sobre a «montagem e utilização de andaimes».
X. Mais, como resulta do facto dado como provado em 23. «Aquando da queda de AA o andaime não tombou, nem se mexeu» o acidente de que infelizmente resultou a morte do sinistrado não se deveu a deficiências técnicas ou qualitativas do andaime em uso ou mesmo da sua montagem propriamente dita;
XI. Na verdade, o andaime não caiu, não se desmontou em qualquer das suas peças componentes e/ou estruturais que haviam sido montadas pelos trabalhadores nem em momento algum se mexeu ou (como seria o caso se, por hipótese o guarda-corpos tivesse sido deficientemente colocado/montado e mal apertado ou seguro), aquando da queda do sinistrado, os guarda-corpos se tivessem desmontado ou partido, por exemplo aquando da queda do sinistrado
XII. Pelo que a certificação ou não certificação do andaime só por si é, salvo sempre melhor opinião, irrelevante para a ocorrência do sinistro concreto a e mesmo para se considerar não provado o facto levado à alínea a) da matéria de facto não provado
XIII. Também dos depoimentos das testemunhas BB, CC e DD supra transcritos ficou provado que os trabalhadores tinham formação profissional na montagem e utilização de andaimes, experiência de mais de dez anos ao serviço da ora Recorrente no caso do trabalhador sinistrado (e já agora de mais de 20 no a testemunha CC (e que tinham muita experiência e estavam ”fartos de fazer isto”
XIV. Ficou também demonstrado que em nada contribuiu para a eclosão da queda a montagem (e mesmo a utilização propriamente dita) do andaime que os trabalhadores levaram a cabo pelo que a factualidade da al a) deve ser retirada da matéria de facto dada como não provada aditando-se a mesma à matéria de facto dada como provada aditando-se como facto 37 A XX Unipessoal, Lda. (1.ª Ré) prestou informação aos trabalhadores sobre a montagem e utilização de andaimes;
XV. Também no referente aos factos da alínea b), como supra resulta do depoimento de DD acima referenciado «…em todos os desenvolvimentos que nós temos, temos as regras para trabalhos em altura, não era só neste, que não havia, mas está nos outros de outros trabalhos, está lá sempre e eles tinham muita experiência…» também entende a ora Recorrente que ficou demonstrado que os trabalhadores tinham conhecimento pleno e cabal da “avaliação de riscos” elaborada pela ora Recorrente devendo assim a factualidade dada como não provada passar para a factualidade dada como provada num facto 38 aditado com o seguinte teor: AA e os restantes trabalhadores da Ré tinham conhecimento pleno e cabal da “avaliação de riscos” a que se reporta o documento referido em 34. dos factos provados;
XVI. E, por último no tocante aos factos da alínea c) andou mal o tribunal em dar como provado o facto 10 e como não provada a alínea c) da matéria de facto dada como não provada pois como decorre dos depoimentos supra transcritos das testemunhas presentes no local aquando do sinistro nenhum deles sabe de onde se iniciou a queda do falecido AA
XVII. Mais, e salvo melhor opinião nenhum dos presentes nos seus depoimentos foram totalmente afirmativos acerca do local de onde se iniciou a queda do sinistrado.
XVIII. Muito pelo contrário ambos são claros a afirmar que não sabem onde se iniciou a queda
XIX. Queda essa que, tendo a plataforma de andaime 1,90 cm de altura e tendo o sinistrado a altura de 1,71 (e, já agora, um peso de 83kg, mesmo na tese da queda se ter iniciado na plataforma não deixa de ser estranho que tivesse causado um impacto tão forte que causasse a morte.
XX. Na realidade, embora as tarefas em curso sejam trabalhos em altura,
XXI. Facto é que no caso concreto a altura não era tão elevada que, fosse suficiente para, sem mais investigação se concluir ser a mesma causa adequada à morte do sinistrado e, assim, dar como assente que que a queda se iniciou a essa altura pelo que se lamenta que não tenha sido deferida a prova pericial nesta matéria requerida e que, ao abrigo do princípio do inquisitório não se tivesse realizado diligências de prova suficientemente esclarecedoras que permitissem sem margem para dúvidas esclarecer essa questão de facto.
XXII. Que assim, smo, não devia ter sido dada como provada no artº 10º e como não provado na al c) da matéria de facto (provada e não provada)
XXIII. Por último deve ser aditada à matéria de facto dada como provada desde logo ao abrigo do princípio do inquisitório (artº 72º CPT), devia o tribunal ter dado como provado e levado á matéria de facto como facto nº 39 A 1.ª Ré deu ordens expressas ao trabalhador CC e AA, para colocarem guardas no andaime ou para utilizarem o arnês e que estes, porque o entenderam assim fazer, não os colocaram, desobedecendo àquelas ordens
XXIV. Pois resulta claro da prova testemunhal supra transcrita que as ordens existentes na organização empresarial da Recorrente eram no sentido de tudo ser feito para assegurar a realização dos trabalhos em altura implementando as medidas de segurança necessárias.
XXV. Efetivamente, as ordens existentes eram no sentido de serem utilizados os meios de proteção e os trabalhadores envolvidos nos trabalhos não apenas tinham ordens para utilizar os meios de segurança necessários como tinham formação nesse sentido e experiência de trabalho (nenhum era recente na empresa, muito pelo contrário ambos tinham mais de 10 anos de experiência de trabalho na empresa) para bem saberem que as instruções existentes eram no sentido de usar esses meios de proteção (os guarda corpos e/ou os arneses que tinam disponíveis em obra)
XXVI. Não se pode apenas considerar a existência de ordens numa organização se, em cada tarefa concreta a executar, previamente á mesma são dadas ordens.
XXVII. Os trabalhadores em geral e os concretos colaboradores da ora recorrente no caso, quando exercem a sua atividade devem conformá-la às ordens que lhe são dadas e que bem conhecem, mesmo que, no momento em que executam a tarefa não tenha havido no instante prévio uma ordem concreta num determinado sentido.
XXVIII. E no caso, como resulta da prova testemunhal as ordens que eram transmitidas pelo gerente da ora Recorrente eram SEMPRE, para usarem os equipamentos de segurança.
XXIX. E eram reiteradamente dadas pelo que os trabalhadores CC e AA, ao decidirem como decidiram não os utilizaram bem sabiam que estavam a desobedecer a essas ordens.
XXX. E fizeram-no porque, sendo trabalhadores formados em montagem de andaimes, tendo formação em segurança no trabalho em altura, tendo efetuado a montagem daquele andaime (e de outros) inúmeras vezes no passado, sabendo que tinham instruções para utilizaram os meios de segurança (os guarda-corpos e/ou os arneses) e que os mesmos estavam em obra (aliás estavam ao lado do andaime que montaram encostados à parede) entenderam não os utilizar porque na avaliação concreta do risco que efetuaram consideraram que estavam em segurança devido ao enquadramento do local (baixa altura dos trabalhos, existência da parede e das vigas)
XXXI. Se é verdade que à posteriori e em plano teórico se admite que a avaliação por eles feita foi errada e como muito bem foi referido amplamente em tribunal num “supúnhamos” sempre haveria outra forma de trabalhar que impedisse a queda?
XXXII. A resposta também terá de ser : claro que sim
XXXIII. Mas um julgamento de um acontecimento fáctico não se destina a fazer uma análise retrospetiva das circunstâncias da ocorrência de um acidente (no caso da queda mortal do sinistrado) e de se determinar se haveria forma de evitar o mesmo e daí extrair a responsabilidade, no caso da ora recorrente, na sua verificação…
XXXIV. Na apreciação da matéria de facto tem que se avaliar se o acidente ocorreu por violação das regras de segurança no caso real e, neste caso real, com todo o devido respeito ficou demonstrado que não foi por falta de formação e de instruções e ordens para usar os meios de proteção nem da falta de existência desses meios de proteção que o acidente ocorreu
XXXV. Mas sim porque, os trabalhadores em obra, neste caso real, “resolveram” (mal) não colocar os guarda-corpos ou utilizar os arneses que tinham disponíveis e que sabiam que eram os meios suficientes para se protegeram contra as quedas e que decidiram não utilizar por considerarem que o contexto fáctico da obra (as paredes e as vigas existentes no local eram suficientes para os proteger do risco de queda
XXXVI. Aliás, como admitiram as testemunhas CC e BB ao longo dos seus depoimentos supratranscritos, se o Réu XX estivesse em obra teria forçado a utilização dos meios de proteção.
XXXVII. Pelo que, com todo o devido respeito entende-se que mesmo que se desse como não demonstrado que a queda tivesse tido origem fora do andaime, sempre se deveria ter extraído da prova e levado à matéria de facto provada os factos acima aditados como factos 37 a 39 e daí extrair a conclusão de que, pese embora não tivessem sido cumpridas todas as regras de segurança contra riscos de queda em altura, tal incumprimento não se deveu a uma conduta negligente ou sequer culposa da ora Recorrente mas sim a uma decisão dos trabalhadores CC e AA
XXXVIII. Decisão essa que foi tomada ao arrepio não só da formação que os mesmos tinham mas também das instruções que a Recorrente lhes dava sempre que realizavam trabalhos em altura e dos meios de proteção que a ora Recorrente disponibilizou e que – a terem sido utilizado como os trabalhadores bem sabiam dever ter feito – teriam evitado a queda do sinistrado
XXXIX. Na verdade, se os trabalhadores tivessem colocado os guarda-corpos ou utilizado os arneses que estavam em obra e que sabiam que devia utilizar por nesse sentido terem sido formado e instruídos pela ora recorrente, nenhum outro equipamento seria necessário
XL. Pelo que, se é verdade que, como bem se refere na sentença
XLI. «…Cabia, assim, ao empregador (1.ª Ré) ter instalado um meio de proteção coletiva para proteção do risco de queda em altura, adequado e eficaz, optando por aquele que se mostrasse mais apropriado atendendo aos instrumentos a utilizar, salvaguardando que a sua configuração e resistência permitia evitar ou suster quedas em altura ou, em caso de inviabilidade da instalação desse meio de proteção coletiva, a saber, as proteções (guardas) a que se veio a referir, de resto, o DPSS, meios de proteção individual adequados e eficazes.
XLII. Já não o é que
XLIII. «---terá, assim, que se concluir que a 1.ª Ré (empregadora) não respeitou o dever que lhe era imposto pelos normativos citados.
XLIV. Pois a ora Recorrente disponibilizou meios de proteção adequados aos trabalhadores, dava instruções e ordens expressas reiteradamente a estes no sentido de os utilizarem, assegurando-se que os trabalhadores envolvidos nos trabalhos em altura tinham formação não apenas em segurança no trabalho em altura mas inclusive em montagem de andaimes
XLV. E foram estes que infelizmente, no caso concreto avaliaram erradamente o risco que existia em concreto no local dos trabalhos e porque se sentiam seguros no enquadramento da parede e das vigas bem como da baixa altura a que desenvolviam os trabalhos, decidiram não os colocar.
XLVI. Pelo que o acidente ocorrido e de que infelizmente resultou a morte de um trabalhador se ficou a dever no caso concreto a uma errada avaliação dos riscos por estes que, como referiu a testemunha CC se sentiam seguros dada a baixa altura a que se desenrolavam os trabalhos de colocação das ripas e da existência da parede e das vigas.
XLVII. E não a qualquer violação de regras de segurança por parte da ora Apelante que tudo fez (ministrando formação profissional e dando ordens e instruções para utilização dos meios de proteção que disponibilizava aos trabalhadores)
XLVIII. Devendo consequentemente a sentença ser revogada e julgada não provada e, por isso e assim, improcedente a ação, absolvendo-se a 1ª Ré ora Apelante.
GENERALI SEGUROS, S.A., Ré nos autos à margem referenciados, notificada do requerimento de interposição de recurso e respetivas de Alegações da R. XX Unipessoal, Lda., veio apresentar as suas Contra-Alegações, pugnando pela manutenção integral da sentença.
FF, Autora no processo à margem referenciado, apresentou as suas contra-alegações debatendo-se pela improcedência do recurso.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido do bem fundado da sentença e consequente improcedência do recurso.
*
Apresentamos, seguidamente, um resumo dos autos para cabal compreensão:
FF intentou a presente ação, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra XX Unipessoal, Lda. (1.ª Ré) e Generali Seguros, S.A. (2.ªRé), pedindo que, julgando-se procedente a presente ação:
“ a) Seja considerado que estamos perante um acidente de trabalho que resultou na morte do sinistrado;
b) Seja considerado que houve atuação culposa pelo empregador, pela infração de regras de segurança;
c) Seja considerado que a retribuição anual do trabalhador não corresponde à constante nos recibos de remunerações, mas corresponde outrossim ao valor de 17930,10 €, incluindo os subsídios de refeições, férias e natal.
d) Seja atribuída à beneficiária uma pensão por morte vitalícia no valor da totalidade da retribuição do sinistrado, sendo:
• Ambos os RR. condenados a pagar solidariamente 30% da totalidade da retribuição até que a beneficiária perfaça a idade de reforma ou contraia doença que a incapacite de trabalhar, e a partir daí 40% da totalidade da retribuição, tudo nos termos da alínea a) do n.1 do artigo 59º da LAT;
• O 1º R. condenado ao pagamento do remanescente da pensão até perfazer a totalidade do valor da retribuição do sinistrado, ou seja, 70% até que a beneficiária perfaça a idade de reforma ou contraia doença que a incapacite de trabalhar, e a partir daí, 40%, nos termos da aliena a) do n. 4 do artigo 18º da LAT.
e) Sejam os RR. condenados a pagar à beneficiária o subsídio por morte no valor de 5792,28 €, calculado nos termos do n. 2 do artigo 65º da LAT. f) Sejam os RR. condenados a pagar à beneficiária o subsídio por despesas no funeral no valor máximo previsto no artigo 66º da LAT, que é de 1930,76 €.
g) Seja o 1º R. condenado a pagar o remanescente das despesas de funeral no valor de 1034,24 €, nos termos no n.1 do artigo 495º do CC, por remissão do n.1 e n.4 do artigo 18º da LAT, por ter havido atuação culposa do empregador.
h) Seja o 1º R condenado a pagar à beneficiária, a título de danos não patrimoniais pela perda do direito à vida e sofrimento causado à beneficiária pela perda do marido, uma indemnização no valor de 60.000,00 €, nos termos do artigo 496º do CC.
i) Seja o 1º R condenado a pagar à beneficiária, a título de danos não patrimoniais pelo sofrimento e dor física do sinistrado com o acidente e no processo da morte, uma indemnização no valor de 5.000,00 €, nos termos do artigo 496º do CC.
j) Mais requer que todos os valores peticionados sejam acrescidos de juros à taxa legal em vigor, desde o momento do acidente.”
Alegou, para o efeito, em síntese, na parte que (agora) releva, que a Ré XX Unipessoal, Lda. celebrou com AA, em 1 de Fevereiro de 2010, um contrato de trabalho, tendo este a categoria profissional de trabalhador não qualificado de construção de edifícios. Esta Ré tinha a responsabilidade sinistral transferida para a Ré Gerenali Seguros, S.A. mediante contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º .... No exercício das suas funções para a Ré XX Unipessoal, Lda., dentro do seu horário normal de trabalho e no local de trabalho (obra que estava a ser executada por esta Ré, sua entidade empregadora), AA sofreu uma queda, que descreveu, de cima de um andaime, de que resultaram lesões que lhe causaram a morte. Mais sustentou que à data do acidente não existia plano de segurança (que apenas foi elaborado no dia seguinte) e que esta Ré não assegurou que o andaime de onde caiu AA garantisse a segurança dos trabalhadores, não tomou quaisquer medidas aptas a minimizar os riscos existentes, nem assegurou que o andaime fosse seguro para a utilização pelos trabalhadores, concluindo ter ocorrido violação de regras de segurança pela Ré XX Unipessoal, Lda., nos termos que descreveu, que a terem sido observadas (designadamente no que concerne à colocação das guardas triplas previstas no plano de segurança que veio a ser elaborado posteriormente) teriam evitado a queda de que resultou a morte de AA. Concluiu que AA sofreu um acidente de trabalho, que resultou da falta de observação pela Ré XX Unipessoal, Lda. das regras de segurança no trabalho, pelo que lhe assiste o direito às prestações que reclama. Foi ordenada a citação das Rés para contestarem, querendo.
Devidamente citadas, ambas as Rés apresentaram contestação.
A Ré XX Unipessoal, Lda. pugnou pela (sua) absolvição dos pedidos. Reconhecendo a existência do contrato de trabalho com AA, que à data do acidente alegou ter a categoria profissional de servente, e que no momento em que ocorreu o acidente aquele se encontrava no exercício das suas funções para a Ré, a realizar os trabalhos que descreveu, alegou que existia plano de segurança e saúde elaborado pelo dono da obra, que o andaime foi montado pelos trabalhadores (a saber, por AA e CC, que com ele se encontrava a trabalhar no andaime), que apesar de terem formação profissional sobre montagem de andaimes, informação e instruções expressas para utilizar os meios de proteção que estavam disponíveis em obra, a saber as tábuas laterais (guardas) e os arneses, entenderam não colocar a proteção coletiva porque o ripado já montado, no entender daqueles, impossibilitava a sua colocação, sendo que o arnês, dada a baixa altura da plataforma, não seria eficaz em caso de queda. Mais invocou que, no momento da queda, AA não estaria em cima do andaime, mas que, contra as ordens expressas desta Ré e ao arrepio dos ensinamentos que lhe haviam sido transmitidos em sede de formação profissional e das informações ministradas, teria subido ao ripado (vigotas).
Concluiu não ter existido, por parte da mesma, violação de regras de segurança, nem atuação culposa.
A Ré Generali Seguros, S.A., por sua vez, mantendo a posição assumida na tentativa de conciliação, de reconhecer a existência do acidente e a sua configuração como de trabalho e, bem assim, a existência de um contrato de seguro pelo qual se encontrava para si transferida a responsabilidade por acidentes de trabalho sofridos por AA, com base na retribuição total anual de € 11.351,22, sustentou que o evento decorreu exclusivamente da violação por parte da 1.ª Ré das regras de segurança e saúde no trabalho, pelo que apenas aceita responder perante a Autora, e sem prejuízo do direito de regresso sobre a 1.ª Ré, pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido atuação culposa da 1.ª Ré. Para o efeito, sustentou que o acidente que vitimou AA ocorreu quando este e um colega, CC, se encontravam a executar trabalhos numa obra (moradia) adjudicada à 1.ª Ré, concretamente quando colocavam ripas sobre as vigas do telhado para suportar as telhas, na zona da cumeeira, utilizando para o efeito como plataforma de trabalho um nível de andaime, com as características que descreveu. AA e CC trabalhavam em cima do andaime, um de cada lado, e no meio da plataforma eram colocadas as ripas e a estância com massa de cimento pelo terceiro trabalhador presente, tendo aqueles que se baixar para levantar as ripas e ir buscar a massa, de modo a colocá-las no telhado, tendo sido, a determinado momento no decurso desta tarefa, que AA se desequilibrou e caiu de costas da plataforma para o pavimento. Mais alegou que o andaime em questão não dispunha de qualquer proteção lateral (travessas, guarda corpos ou rodapés instalados), nem os trabalhadores dispunham de qualquer proteção individual contra o risco de queda, que era naquelas circunstâncias iminente, sendo que as vigas e a parede de cumeeira não podiam servir como medida de proteção ou segurança, nem substituir tais medidas, tanto mais que quando se baixavam (e tinham que o fazer para levantar as ripas e ir buscar a massa) os trabalhadores ficavam, nesse momento, sem qualquer proteção das ripas. Acrescentou, ainda, que à data do acidente não existia qualquer avaliação dos riscos associados à execução da obra, pelo que não estavam definidas as respetivas medidas de proteção, nem a 1.ª Ré tinha elaborado o plano de segurança e saúde em obra, que veio a ser elaborado apenas no dia seguinte ao acidente.
Concluiu ter existido uma má planificação do trabalho, que não foram consideradas as características do local para adequação do andaime à tarefa que AA executava, de modo a garantir a existência de guarda corpos e de plataformas estáveis, como era obrigatório, que para a correta montagem do andaime deveria ter sido feito o prolongamento dos prumos e a colocação de travessas e de guarda corpos à altura regulamentar ou, caso isso não fosse, possível, deveria a 1.ª Ré assegurar que AA se encontrava preso a uma linha de vida, com arnês de segurança, medidas que se tivessem sido implementadas, e não o foram, teriam evitado a queda e o acidente em causa nos autos, tendo a 1.ª Ré, com a sua conduta omissiva violado as disposições que identifica, ficando a ocorrência do acidente a dever-se tão-só ao incumprimento por parte desta Ré das obrigações que sobre a mesma recaiam em matéria de segurança e saúde no trabalho.
Notificada da contestação apresentada pela Ré XX Unipessoal, Lda., a Ré Generali Seguros, S.A. manteve a posição assumida na sua contestação, reiterando que o acidente em causa nestes autos decorreu, exclusivamente, da violação das regras de segurança por parte da 1.ª Ré, no entanto, a provar-se a versão do acidente alegada pela 1.ª Ré, ter-se-ia que concluir que AA praticou um ato temerário em alto e elevado grau, de modo grosseiramente negligente, impondo-se, nesse caso, a verificação de uma causa de descaracterização do acidente, que determina a inexistência do direito à reparação e a total absolvição da Generali Seguros, S.A. do pedido.
A Autora, por sua vez, pronunciou-se quanto ao alegado pela Ré XX Unipessoal, Lda. na sua contestação, recusando que AA tenha saltado do andaime para a cobertura da construção e daí tenha caído, negando qualquer responsabilidade de AA na produção do evento, reiterando que a responsabilidade pela verificação das regras de segurança na montagem do andaime era desta Ré e negando que AA tenha desobedecido expressamente a alguma ordem direta.
Com os fundamentos vertidos no despacho de fls. 447, 447 verso e 448 do suporte físico dos autos (na parte que releva), a Ré Generali Seguros, S.A. foi notificada para clarificar se aceitava, efetivamente, estar para si transferida a responsabilidade com base na retribuição anual de € 11.351,22 (assumindo, assim, que estava transferida a responsabilidade com base numa retribuição superior à que havia indicado em sede de tentativa de conciliação), tendo, em resposta, esclarecido aceitar o referido montante.
Mediante requerimento junto a fls. 695 verso do suporte físico dos autos, com o acordo da Ré XX Unipessoal, Lda., a Autora veio aceitar e reconhecer que a retribuição anual auferida por AA era de € 11.351,22 e desistir dos pedidos deduzidos sob as alíneas c), h) e i), acordando a Autora e a Ré XX Unipessoal, Lda. quanto às custas “nestas matérias”.
Por despacho de fls. 699 e 699 verso do suporte físico dos autos, atenta a posição assumida pela Autora e pela Ré XX Unipessoal, Lda. foi considerado admitido, por acordo, que o Sinistrado/Falecido auferia, à data do evento, a retribuição anual de € 11.351,22, correspondente a € 700,00 x 14 meses (retribuição base) + € 141,02 x 11 meses (subsídio de refeição) e, com a fundamentação ali vertida, homologada a desistência dos pedidos deduzidos pela Autora sob as alíneas h) e i) (a saber, dos pedidos de condenação da Ré XX Unipessoal, Lda. no pagamento à Autora “a título de danos não patrimoniais pela perda do direito à vida e sofrimento causado à beneficiária pela perda do marido, uma indemnização no valor de 60.000,00 €” e “ a título de danos não patrimoniais pelo sofrimento e dor física do sinistrado com o acidente e no processo da morte, uma indemnização no valor de 5.000,00”).
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, vindo a ser proferida sentença que decide:
1. Reconhecer que AA sofreu, no dia 29 de Setembro de 2020, um acidente de trabalho, de que resultou a sua morte em 30 de Setembro de 2020;
2. Considerar verificados os pressupostos de que depende a responsabilidade agravada da 1.ª Ré, XX Unipessoal, Lda., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18º, n.º 1 da L.A.T.; E em consequência:
3. Condenar a 1.ª Ré, XX Unipessoal, Lda., a pagar à Autora, FF:
a) uma pensão anual, vitalícia e atualizável, no montante de € 11.351,22 (onze mil, trezentos e cinquenta e um euros e vinte e dois cêntimos), devida a partir de 1 de Outubro de 2020, atualizada para € 11.474,73 (onze mil, quatrocentos e setenta e quatro euros e setenta e três cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2022, para € 12.438,61 (doze mil, quatrocentos e trinta e oito euros e sessenta e um cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2023, e para € 13.184,93 (treze mil, cento e oitenta e quatro euros e noventa e três cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2024, a ser paga adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação 1/14 da pensão anual, sendo que nos meses de Junho e Novembro deverão acrescer mais 1/14, a título, respetivamente, de subsídio de férias e de Natal, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada prestação até integral pagamento;
b) a quantia de € 1.034,24 (mil e trinta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos), a título de reparação por despesas de funeral, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde a data da citação desta Ré até integral e efetivo pagamento;
c) a quantia de € 1.930,76, a título de subsídio por despesas de funeral, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde 1 de Outubro de 2020 até integral e efetivo pagamento;
d) a quantia de € 5.792,28 (cinco mil, setecentos e noventa e dois euros e vinte e oito cêntimos), a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde 1 de Outubro de 2020 até integral e efetivo pagamento.
4. Condenar a 2.ª Ré, Generali Seguros, S.A., solidariamente com a 1.ª Ré, ficando com direito de regresso sobre esta caso proceda ao pagamento, no pagamento à Autora FF das prestações referidas em 3., com exceção da referida em b), até aos seguintes limites:
a) Uma pensão anual, vitalícia e atualizável, correspondente a 30% da retribuição de AA, no montante de € 3.405,37 (três mil, quatrocentos e cinco euros e trinta e sete cêntimos) devida a partir de 1 de Outubro de 2020, atualizada para € 3.439,42 (três mil, quatrocentos e trinta e nove euros e quarenta e dois cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2022, para € 3.728,33 (três mil, setecentos e vinte e oito euros e trinta e três cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2023, e para € 3.952,04 (três mil, novecentos e cinquenta e dois euros e quatro cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2024, a ser paga adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação 1/14 da pensão anual, sendo que nos meses de Junho e Novembro deverão acrescer mais 1/14, a título, respetivamente, de subsídio de férias e de Natal, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada prestação até integral pagamento, até perfazer a idade da reforma por velhice, e correspondente 40% da retribuição de AA (€ 4.540,49 - quatro mil, quinhentos e quarenta euros e quarenta e nove cêntimos), atualizável, a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho;
b) A quantia de € 1.930,76, a título de subsídio por despesas de funeral, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde 1 de Outubro de 2020 até integral e efetivo pagamento;
c) A quantia de € 5.792,28 (cinco mil, setecentos e noventa e dois euros e vinte e oito cêntimos), a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde 1 de Outubro de 2020 até integral e efetivo pagamento.
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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
2ª – O acidente ocorrido não se deveu a qualquer violação de regras de segurança por parte da Apelante?
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FUNDAMENTAÇÃO:
Comecemos, então, a análise a partir da 1ª questão que supra elencámos – o erro de julgamento da matéria de facto.
Entende a Recorrente que andou mal o Tribunal a quo ao dar como não provados os factos constantes das alíneas a) a c) e como provado o facto nº 10.
Indica como meios de prova a reapreciar os depoimentos das testemunhas BB, CC e DD.
Pede a inversão da decisão no tocante aos factos tidos como não provados, bem como quanto ao ponto 10., e a adição de um novo facto.
A Apelada Seguradora entende que o Tribunal recorrido procedeu a uma adequada apreciação da prova.
A Apelada Cremilda contrapõe com distinta apreciação da prova, coincidente com a efetuada na sentença.
Os pontos a) a c) do acervo não provado têm o seguinte conteúdo:
a. A XX Unipessoal, Lda. (1ª R.) não prestou informação aos trabalhadores sobre a montagem e utilização de andaimes;
b. AA e os restantes trabalhadores da R,. tinham conhecimento pleno e cabal da avaliação de riscos a que se reporta o documento referido em 34. dos factos provados;
c. AA decidiu sair do andaime e subir às vigotas para aí executar alguma tarefa, bem sabendo que não o podia fazer, o que fez à revelia e contra ordens expressas da XX Unipessoal, Lda. (1ª R.).
E do ponto 10. consta:
10. No momento que precedeu a queda, AA e CC encontravam-se em cima do andaime referido em 7., um de cada lado e no meio eram colocadas, pelo trabalhador BB, as ripas e a estância com a massa de cimento.
Antes de entrarmos na análise de fundo, cumpre desde já deixar explícito que, contrariamente ao que parece vir assumido pela Apelante, a inversão da resposta de não provado para provado relativamente ao ponto a) não permite o resultado pretendido, ou seja, que fique provado o facto positivo que o contraria. Resultaria mesmo prejudicial aos seus interesses uma reapreciação na sequência da qual aquela matéria viesse a ter-se como provada, o que, certamente, não deseja. Assim, desde já afastamos a reapreciação em causa.
Centrar-nos-emos, pois, nos pontos b) e c).
Consta de 34. do acervo provado que a XX Unipessoal, Lda. (1.ª Ré) dispunha de documento de “Identificação de Perigos e Avaliação de Riscos”, com ultima revisão, à data do evento referido em 4., de 9 de Abril de 2020, nos termos constantes de fls. 325 verso a 434 do suporte físico dos autos.
Pretende a Apelante que o sinistrado e demais trabalhadores tinham pleno conhecimento desta avaliação (ponto b)).
Indica o depoimento de DD.
Contudo, não vemos, da transcrição efetuada, que a mesma tenha deposto em sentido que permita responder provado a esta matéria. O seu depoimento é genérico, nada mencionando de concreto a propósito do que ali se trata.
Improcede, pois, a impugnação.
Que dizer quanto ao não provado ponto c)/facto provado 10?
Indica o depoimento de CC e o de BB.
Porém, nenhum dos depoentes afirma algo de onde se possa extrair uma resposta de provado a esta matéria. Aliás, ambos revelam desconhecimento, sendo que a própria Apelante alega que “como resultou dos depoimentos das testemunhas presentes no local aquando do sinistro nenhum deles sabe de onde se iniciou a queda”. Assim sendo, como pode reclamar uma resposta de provado que o falecido decidiu sair do andaime e subir às vigotas para aí executar alguma tarefa?
No concernente ao ponto 10., dúvidas não restam acerca do acerto da decisão, o que resulta claramente do invocado depoimento de CC. E, bem assim, da matéria que integra o ponto 22.
Termos em que, também nesta parte, improcede a impugnação.
Pretende ainda a Apelante aditar ao acervo, com fundamento no Artº 72º do CPT, um ponto de facto com o seguinte teor:
- A R. deu ordens expressas aos trabalhadores CC e AA para colocarem guardas no andaime ou para utilizarem o arnês e que estes, porque o entenderam assim fazer, não os colocaram, desobedecendo àquelas ordens.
A adição ao acervo fático de matéria relevante, tendo por base o disposto no Artº 72º do CPT, pressupõe a implementação, em 1ª instância, do mecanismo ali previsto, de que se destaca, não só a enunciação dos factos, como também – e muito relevante – a possibilidade de indicação de provas pelas partes (nº 2).
Não compete à Relação, em sede de reapreciação da decisão que contém matéria de facto, a introdução de novos factos com base neste dispositivo. Desde lodo porque à Relação compete reapreciar as decisões de 1ª instância.
Como temos vindo a consignar em diversos arestos, em presença de factos resultantes apenas da discussão, ou seja, factos não alegados mas relevantes para a discussão, sem prévia implementação na 1ª instância do mecanismo previsto no Artº 72º/1 do CPT, está vedada à Relação a atividade propugnada, ou seja, a definição ex novo de factualidade eventualmente relevante para a decisão final.
Sendo certo que o regime processual laboral permite a adição de factos não alegados tidos como relevantes para a boa decisão da causa, também o é que tal adição pressupõe que seja impulsionado o mecanismo previsto no Artº 72º do CPT, o que não ocorreu.
Efetivamente, se no decorrer da produção de prova surgirem factos que, não tendo sido alegados, se tenham como relevantes para a boa decisão da causa, o tribunal pode tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto.
Contudo, não poderão adquirir-se factos relativamente aos quais o procedimento ali consignado não tenha sido observado, ou seja, a aquisição pressupõe a enunciação dos ditos factos pelo julgador e a observância do contraditório.
Este mecanismo, à semelhança do que já ocorria no âmbito da anterior versão do Código de Processo de Trabalho, tem que ser levado a cabo durante a audiência de discussão e julgamento, estando vedado à Relação, em sede de recurso, pô-lo em marcha. Neste sentido, para além dos nossos Ac. proferidos nos Proc.º 5837/20.1T8LSB, 3957/16.6T8FNC, 2485/17.7T8CSC e 2210/13.1TTLSB-A, também o Ac. da RP de 16/01/2017, Proc.º 2311/14.9T8MAI. E ainda os Acórdãos do STJ de 18-04-2018, Proc.º 205/12.1TTGRD, da RLx de 16-03-2016, Proc.º 37/13.0TBHRT e de 07-10-2019, Proc.º 3633/17.2T8VFR, da RE de 26-04-2018, Proc.º 491/17.0T8EVR e da RC de 28-04-2017, Proc.º 2282/16.7T8LRA.
Em artigo publicado na Revista da FDUL Miguel Teixeira de Sousa, é claro na afirmação de que se o tribunal de 1ª instância não assinalou a matéria como relevante para a decisão e não a aproveitou na sua decisão, considerando que o recurso é de uma decisão, “nada há a controlar pela Relação”. Regime que mostra a importância que o controle das partes sobre aquele procedimento revela – se “nenhuma das partes solicitar o aproveitamento de um facto adquirido “no decurso da produção de prova”, a sentença do tribunal que não tenha considerado esse facto não padece de nenhum vício e nenhuma das partes a pode impugnar por tal circunstância (Poderes do juiz no processo de trabalho: algumas notas, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2023, Nº 1, Tomo 3, pg. 1700).
Dito de outro modo, por um lado há que fazer funcionar o princípio da autorresponsabilidade das partes; por outro, a norma que consigna que o recurso é de decisões judiciais (Artº 627º/1 do CPC).
Improcede, deste modo, a questão em apreciação.
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OS FACTOS:
1. AA nasceu no dia 10 de Dezembro de 1968;
2. Faleceu em 30 de Setembro de 2020, no estado de casado com FF, nascida em 13 de Maio de 1965;
3. AA tinha 1,71 metros de altura e pesava 83 kg.;
4. No dia 29 de Setembro de 2020, pelas 18 horas, AA sofreu uma queda em altura, quando trabalhava, como ..., sob as ordens, direção, autoridade e fiscalização de XX Unipessoal, Lda. (1.ª Ré), numa obra de construção de uma moradia unifamiliar, sita na ...;
5. Tal obra foi adjudicada a XX Unipessoal, Lda. (1.ª Ré), na qualidade de “empreiteiro”, por meio de “contrato de empreitada de obra particular”, por GG, na qualidade de “dono de obra”;
6. Na data referida em 4., AA e CC, colegas de trabalho, encontravam-se a proceder à colocação de ripas sobre as vigotas na zona da cumeeira;
7. Para o efeito, utilizavam como plataforma de trabalho um nível de andaime com 1,90 metros de altura, 2,15 metros de comprimento e 0,90 metros de largura;
8. O andaime era composto de dois painéis laterais de aproximadamente 2,20 metros e de duas cruzetas;
9. A parede cumeeira media 3,10 metros de altura;
10. No momento que precedeu a queda, AA e CC encontravam-se em cima do andaime referido em 7., um de cada lado e no meio eram colocadas, pelo trabalhador BB, as ripas e a estância com a massa de cimento;
11. Para execução do trabalho referido em 6., AA e CC tinham que se baixar, em cima do andaime, para levantar as ripas e ir buscar a massa;
12. O andaime referido em 7. foi montada, no dia em que ocorreu o evento referido em 4., por AA e CC;
13. No andaime não foram colocadas guardas de proteção;
14. AA e CC, quando montaram o andaime, entenderam não ser de colocar guardas de proteção, por considerarem que não havia espaço para o efeito;
15. O andaime não estava preso à construção, nem ao solo, mas apenas apoiado no solo;
16. Nenhuma das laterais do andaime encostava a uma parede;
17. Na obra existiam tábuas laterais, para instalação de guardas, e arneses disponibilizados pela XX Unipessoal, Lda. (1.ª Ré);
18. A XX Unipessoal, Lda. (1.ª Ré) não procedeu à verificação ao andaime, antes do início da sua utilização por AA e CC;
19. Quando estavam de pé em cima do andaime, AA e CC ficavam a uma altura superior às vigas que ficavam em seu redor, quando se baixavam nos termos referidos em 11. ficavam abaixo da altura dessas vigas;
20. AA não usava arnês e não havia linha de vida;
21. AA usava capacete, luvas e botas de segurança;
22. AA caiu do andaime referido em 7. para o pavimento, para o lado da parede da cumeeira;
23. Aquando da queda de AA o andaime não tombou, nem se mexeu;
24. Como consequência da queda, AA sofreu as lesões descritas no relatório de autopsia, cuja cópia se encontra junta ao processo eletrónico a 19 de Maio de 2022 (referência n.º 18844738) e ao suporte físico dos autos a fls. 140 a 144, que aqui se dá por integralmente reproduzido, que lhe determinaram a morte;
25. AA e CC tinham formação técnica para montagem de andaimes “normalizados de acordo com o estabelecido documento normativo UNE –EN 12810-1:2005 (EN 12810 -1:2003), adotado por o comité Europeu de Normalização (C.E.N.) de 9 de Fevereiro de 1988”;
26. AA e HH receberam formação e informação sobre segurança na construção civil, nos termos constantes dos documentos juntos a fls. 83 verso a 89, 310, 310 verso, 321 verso a 325, prestada pela YY, Lda. entidade que presta serviços de segurança e saúde no trabalho à XX Unipessoal, Lda. (1.ªa Ré);
27. Aquando da visita dos inspetores da Autoridade para as Condições do Trabalho ao local do acidente, melhor identificado em 4., já havia sido desmontado o andaime mencionada em 7.;
28. No dia 29 de Setembro de 2020, encontrava-se em vigor um contrato de seguro, do ramo de acidente de trabalho, celebrado entre XX Unipessoal, Lda. (1.ª Ré) e a Seguradoras Unidas, S.A. (atualmente Generali Seguros, S.A.) (2.ª Ré), titulado pela apólice n.º ..., na modalidade de prémio variável, nos termos do qual a primeira transferiu para a segunda a responsabilidade sinistral decorrente de acidentes de trabalho, sendo AA uma das pessoas seguras, com base na retribuição total anual de € 11.351,22, correspondente ao salário base de € 700,00 x 14 meses, acrescido do subsídio de alimentação de € 141,02 x 11 meses;
29. À referida data, AA auferia a retribuição anual de € 11.351,22, correspondente a € 700,00 x 14 meses (salário base) + € 141,02 x 11 meses (subsídio de alimentação);
30. As despesas com o funeral de AA foram suportadas por FF e cifram-se na quantia de € 2.965,00;
31. A solicitação de GG, dono da obra, foi elaborado, em Maio de 2019, o plano de segurança e saúde (em fase de projeto) cuja cópia se encontra junta ao suporte físico dos autos a fls. 313 verso a 319;
32. À data referida em 4. não existia plano de segurança e saúde desenvolvido e especificado para a fase da obra - Desenvolvimento do Plano de Segurança e Saúde em obra (DPSS) -, que apenas foi elaborado posteriormente, nos termos do documento junto ao suporte físico dos autos a fls. 101 a 116 verso, datado de 30 de Setembro de 2020;
33. O DPSS referido no número na “Identificação de Perigos e Avaliação de Riscos”, identifica na “Atividade” “Executar Cobertura”, como “Perigo” “Improvisar plataformas de trabalho”, como “Risco” “Queda com Desnível”, indicando como “Medidas de Controlo” “Utilizar apenas plataformas de trabalho e andaimes com proteções superiores, laterais e de topo a 1 metro da plataforma, proteções intermédias laterais e de topo a 47 cm da plataforma e rodapé lateral e de topo com altura de 15 cm. Garantir acessos seguros aos andaimes e plataformas de trabalho optando sempre por escada interior. Assegurar plataformas de trabalho fixas, completamente assoalhadas e com largura mínima de 80 cm. Repartir a carga uniformemente pela plataforma de trabalho. Não sobrecarregar os andaimes e plataformas de trabalho. Não montar, nem utilizar, andaimes desnivelados. Usar escadas e escadotes apenas como meios de acesso, nunca como plataforma de trabalho. Sempre que os andaimes e plataformas de trabalho não ofereçam condições de segurança usar arnês de segurança com corda de amarração e, se necessário, linha de vida, presa a ponto de amarração com resistência suficiente para suportar o impacto da queda”;
34. A XX Unipessoal, Lda. (1.ª Ré) dispunha de documento de “Identificação de Perigos e Avaliação de Riscos”, com ultima revisão, à data do evento referido em 4., de 9 de Abril de 2020, nos termos constantes de fls. 325 verso a 434 do suporte físico dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
35. A XX Unipessoal, Lda. (1.ª Ré) era preocupada com a segurança dos seus trabalhadores, que alertava para a necessidade de uso dos equipamentos de segurança.
36. O andaime referido em 7. não era certificado.
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O DIREITO:
Cumpre, agora, responder à 2ª questão que enunciámos – o acidente não se deveu a violação de regras de segurança por parte da Apelante?
A sentença recorrida, depois de afastar a argumentação que constituía a base da defesa da R. Empregadora – descaracterização do acidente com base no disposto no Artº 14º/1-a) e b) da Lei 98/2009 de 4/09 -, questão cuja solução consideramos transitada em julgado, visto que nenhuma das partes se insurge contra a decisão nesse conspecto, deteve-se sobre a responsabilidade da R. Empregadora na produção do evento. E, tendo chamado à colação as pertinentes normas legais – Artº 18º/1 da LAT, 281º do CT, 3º do DL 50/2005 de 25/02, 15º da Lei 102/2009 de 10/09, todas elas de carater geral, também o DL 273/2003 de 29/10 e a Portaria 101/96 de 3/04, estas mais específicas – deteve-se na ponderação sobre se a queda se deveu à inexistência de guarda corpos e de arnês de segurança no andaime em que o sinistrado prestava a sua atividade, porquanto se provou que no andaime não foram colocadas guardas de proteção e que o falecido não usava arnês e não havia linha de vida.
Valendo-se do disposto nos Artº 36º, 37º e 42º do DL 50/2005 de 25/02, veio a concluir que “da leitura destes preceitos resulta não existir imposição de um determinado meio de segurança específico, o que se obriga é à utilização do equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras, afirmando-se o dever de ser dada primazia aos meios de proteção coletiva, atendendo ao tipo e características dos equipamentos de trabalho a utilizar e impondo-se, ainda, o dever de os meios de segurança terem a configuração e resistência que, sempre que a avaliação do risco considere necessária, permitam evitar ou suster quedas em altura”. Neste pressuposto, declarou-se ali que cabia “ao empregador (1ª R.) ter instalado um meio de proteção coletiva para proteção do risco de queda em altura, adequado e eficaz, optando por aquele que se mostrasse mais apropriado atendendo aos instrumentos a utilizar, salvaguardando que a sua configuração e resistência permitia evitar ou suster quedas em altura ou, em caso de inviabilidade da instalação desse meio de proteção coletiva… meios de proteção individual adequados e eficazes”.
Defende a Apelante que as ordens existentes eram para que fossem utilizados meios de proteção e os trabalhadores envolvidos nos trabalhos não apenas tinham ordens para utilizar os meios de segurança necessários, como tinham formação nesse sentido e experiência de trabalho para saberem que as instruções existentes eram nesse sentido e que só os não usaram porque, sendo trabalhadores formados em montagem de andaimes, tendo formação em segurança no trabalho em altura, tendo efetuado a montagem daquele andaime inúmeras vezes no passado, sabendo as instruções e que os guarda corpos e arneses estavam em obra, entenderam não os utilizar porque na concreta avaliação de riscos que efetuaram consideraram que estavam em segurança.
Que dizer?
Do Artº 18º/1 da LAT decorre que, resultando o acidente da inobservância de regras de segurança pelo empregador, será o mesmo responsável pelas consequências daquele.
A responsabilidade, principal e agravada, do empregador pode ter dois fundamentos autónomos: um comportamento culposo da sua parte; a violação, pelo mesmo empregador, de preceitos legais ou regulamentares ou de diretrizes sobre higiene e segurança no trabalho.
Tal como dito no Ac. do STJ de 3/02/2010 (Procº 304/07.1TTSNT.L1.S1), a diferença existente entre ambos reside na prova da culpa, que é indispensável no primeiro caso e desnecessária no segundo. Decorre tal asserção da circunstância de, estando em causa a violação de preceitos legais ou regulamentares sobre higiene e segurança no trabalho, tal violação constituir fundamento autónomo bastante para o postulado agravamento e, bem assim, de a mencionada violação consubstanciar, por si mesma, a omissão concreta de um especial dever de cuidado imposto por lei.
Do que se não prescinde, tanto num caso, como noutro, é da prova do nexo causal entre o ato ou a omissão – que os corporizam – e o acidente que veio a ocorrer.
Como pressupostos de aplicação deste normativo temos, pois, invocada que está a violação de regras de segurança, por um lado, a inobservância por parte do empregador de alguma regra sobre segurança, higiene e saúde e, bem assim, o nexo causal entre esta e o acidente. Ou seja, não basta que ocorra tal inobservância, impõe-se que ela seja determinante na produção do evento. Neste sentido o Ac. do STJ de 3/11/2023, Proc.º 151/21.8T8OAZ. Donde, estar afastada a possibilidade de enquadramento neste título de responsabilidade de todas e quaisquer violações de princípios ou normas sobre segurança se de tal violação não resultar o evento.
A lei exige, pois, nesta matéria, que a violação ou inobservância de regras de segurança seja determinante do acidente, pelo que a primeira operação de subsunção do caso à lei aplicável consiste na determinação da norma de segurança violada.
A este propósito cabe, desde já, salientar que a lei não se basta com a violação de um qualquer dever de cuidado ou de alguma genérica obrigação de segurança. Tais violações inserem-se nos riscos próprios da atividade e são absorvidas pela responsabilidade geral (objetiva) decorrente de acidentes de trabalho. Neste sentido o Ac. do STJ de 13/10/2016, Proc.º 443/13.0TTVNF.
O que no Artº 18º da LAT se prevê é a responsabilidade decorrente da concreta violação de uma específica regra de segurança, causal do acidente.
No caso em apreciação estavam a ser executados trabalhos em altura, utilizando-se como plataforma de trabalho um andaime com 1,90m de altura, exigindo os trabalhos em desenvolvimento que os trabalhadores ali colocados se baixassem para levantar ripas e pegar na massa. Este andaime, montado também pela própria vítima, não comportava guardas de proteção. E não as comportava porque os trabalhadores envolvidos na montagem entenderam não ser de colocar guardas de proteção por considerarem que havia espaço para o efeito, muito embora na obra existissem tábuas laterais para instalação de guardas, e também arneses.
Ou seja, na avaliação de riscos que efetuaram, estes trabalhadores, entre os quais a infeliz vítima, consideraram desnecessária a colocação de guardas de proteção.
Não obstante terem formação técnica para montagem de andaimes (de certa categoria) e formação sobre segurança na construção civil.
Porém, um deles veio a cair do andaime para o pavimento, do que resultou a sua morte.
Sendo também verdade que a Apelante não procedeu à verificação do andaime antes do início da sua utilização, poderemos concluir que a mesma violou as regras de segurança vigentes no ordenamento jurídico nacional?
Do Artº 11º da Portaria 101/96 de 3/04 decorre que sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de proteção coletiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável.
Tal como se disse na sentença não decorre da lei a obrigatoriedade de utilizar este ou aquele meio de proteção. Antes a mesma permite uma avaliação de riscos e, a partir dela, que se utilizem os meios tidos como mais adequados. Isto resulta muito claramente de quanto se dispõe, quer no Artº 37º do DL 50/2005 de 25/02, quer ainda no Artº 11º da Portaria 101/96.
Da leitura que fazemos das normas aplicáveis havendo risco de queda em altura devem tomar-se medidas de proteção coletiva ou individual, conforme as circunstâncias. Quais as medidas, depende da avaliação a efetuar em cada momento concreto.
No circunstancialismo supra mencionado, sabendo-se que havia formação adequada à montagem de andaimes – muito embora aquele a partir do qual ocorreu a queda não seja certificado, como aqueles sobre os quais foi ministrada a formação -, sabendo-se que os trabalhadores envolvidos receberam formação e informação sobre segurança na construção civil, sabendo-se que a empregadora dispunha dos necessários meios na obra, sabendo-se que os trabalhadores envolvidos na montagem consideraram desnecessária a colocação de guardas de proteção – o que poderia ter sido realizado utilizando as tábuas que ali estavam disponíveis- não vemos como imputar à Empregadora a violação de alguma concreta norma de segurança.
Um empregador preocupado em dar formação aos seus trabalhadores – como revelam os autos – e que disponibiliza em obra os meios adequados à respetiva proteção, pode legitimamente contar com a avaliação que os seus trabalhadores, titulares de formação especialmente aplicável ao caso, façam.
Muito embora não traduza uma situação igual, aquela que foi objeto de apreciação pelo STJ no Ac. de 11/05/2017, Procº 1205/10.1TTLSB.L1.S1, conforta a conclusão de acordo com a qual o empregador pode confiar no comportamento dos seus trabalhadores se lhe disponibiliza os meios de proteção e se vela pela respetiva utilização, porquanto se ponderou ali, muito concretamente que “A iniciativa dos trabalhadores, à revelia das instruções do empregador, de executarem trabalhos em zona diferente da indicada por aquele, é suscetível, atenta a natureza da obra, trabalhos numa coluna de elevadores que se desenrolava em vários pisos, de impedir, em caso de acidente, a imputação ao empregador de falta de observação das regras sobre segurança relativamente a essa parte da obra”.
Não se subscreve, pois, a conclusão ínsita na sentença de acordo com a qual a R. não respeitou o dever que lhe era imposto pelos normativos citados e sufraga-se a tese subscrita pela Apelante no sentido de o acidente se dever a uma errada avaliação de riscos por parte dos trabalhadores envolvidos no processo. Circunstância que potenciou o acidente, e que nos remete para as palavras de Júlio Gomes1 – “os erros, as distrações, fazem parte da normalidade do trabalho humano, porque o trabalho, como as pessoas que o fazem, não é perfeito – é obra de seres humanos”.
Por outro lado, da circunstância de não existir plano de segurança não decorreu o acidente.
Termos em que procede a apelação.
A procedência da apelação acarreta a revogação da sentença nos segmentos 2 e 3 do decisório e a sua alteração no segmento 4, relativamente ao qual apenas não se mantém o proémio relativo ao direito de regresso.
<>
As custas da apelação são da responsabilidade de ambas as Apeladas (Artº 527º do CPC).
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, alterar a sentença revogando os segmentos 2 e 3 do decisório e modificando o segmento 4, que passa a ter a seguinte redação:
- Condena-se a 2.ª Ré, Generali Seguros, S.A. no pagamento à Autora FF das seguintes prestações:
a) Uma pensão anual, vitalícia e atualizável, correspondente a 30% da retribuição de AA, no montante de € 3.405,37 (três mil, quatrocentos e cinco euros e trinta e sete cêntimos) devida a partir de 1 de Outubro de 2020, atualizada para € 3.439,42 (três mil, quatrocentos e trinta e nove euros e quarenta e dois cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2022, para € 3.728,33 (três mil, setecentos e vinte e oito euros e trinta e três cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2023, e para € 3.952,04 (três mil, novecentos e cinquenta e dois euros e quatro cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2024, a ser paga adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação 1/14 da pensão anual, sendo que nos meses de Junho e Novembro deverão acrescer mais 1/14, a título, respetivamente, de subsídio de férias e de Natal, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada prestação até integral pagamento, até perfazer a idade da reforma por velhice, e correspondente 40% da retribuição de AA (€ 4.540,49 - quatro mil, quinhentos e quarenta euros e quarenta e nove cêntimos), atualizável, a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho;
b) A quantia de € 1.930,76, a título de subsídio por despesas de funeral, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde 1 de Outubro de 2020 até integral e efetivo pagamento;
c) A quantia de € 5.792,28 (cinco mil, setecentos e noventa e dois euros e vinte e oito cêntimos), a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde 1 de Outubro de 2020 até integral e efetivo pagamento.
Custas por ambas as Apeladas, na proporção de ½ para cada uma.
Notifique.

Lisboa, 25/09/2024
MANUELA FIALHO
ALDA MARTINS
FRANCISCA MENDES
(Concordo com a decisão, mas entendo que da conjugação do art. 72º do CPT com o art. 662º, nº2 c) do CPC resulta que na jurisdição laboral pode ser ampliada a decisão referente à matéria de facto. No caso concreto os factos assentes são suficientes para a resolução da questão controvertida.)

1. O Acidente de Trabalho, Coimbra Editora, 215↩︎
2. Da autoria da Relatora↩︎