LIQUIDAÇÃO DA SOCIEDADE
DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
Sumário

I- Na fase de dissolução e liquidação, a sociedade persiste, continuando a ter personalidade jurídica e judiciária, sendo distinta da dos seus sócios (cf. artºs. 5º e 6º do Código das Sociedades Comerciais).
II- Uma vez dissolvida, a sociedade entra em liquidação, mantendo ainda a sua personalidade jurídica (cf. art.º 146º nºs. 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais).  Os seus administradores passam a ser liquidatários, salvo disposição estatutária ou deliberação noutro sentido (art.º 151º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais), competindo-lhes ultimar os negócios pendentes, cumprir as obrigações da sociedade, cobrar os créditos, reduzir a dinheiro o património residual e propor a partilha dos haveres sociais (art.º 152º nº 3 do Código das Sociedades Comerciais).  Com a proposta respectiva, submetem a deliberação da sociedade um relatório completo da liquidação, acompanhando as contas finais (art.º 157º do Código das Sociedades Comerciais). 
III- Aprovada a deliberação, será requerido o registo do encerramento da liquidação.  É com este registo que, finalmente, a sociedade se considera “extinta, mesmo entre os sócios” e sem prejuízo das acções pendentes ou do passivo ou activo supervenientes (cf. Pinto Furtado, in “Curso de Direito das Sociedades”, 3ª ed., pg. 546).
IV- Com a inscrição no registo do encerramento da liquidação, verifica-se a extinção, que constitui o último acto da complexa “fattispecie” extintiva, sendo a extinção o efeito legal daquele registo (cf. Raul Ventura, in “Dissolução e Liquidação de Sociedades”, pg. 436).
V- Com a extinção, deixa de existir a pessoa colectiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, ainda que não se extingam as relações jurídicas de que a sociedade era titular, como flui do disposto nos artºs. 162º, 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais, mas nos exactos termos neles previstos.
VI- O art.º 163º do Código das Sociedades Comerciais, referindo-se ao passivo superveniente, determina no seu nº 1 que “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto aos sócios de responsabilidade ilimitada”.  E acrescenta o nº 2 do mesmo normativo, acrescenta que “as acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados legais representantes daqueles, para este efeito, incluindo a citação ;  sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles”.
VII- Assim, existindo acções pendentes, verifica-se um regime de substituição da sociedade extinta, “pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários” e apenas para os efeitos do disposto nos artºs 163º nºs. 2, 4 e 5 e 164º nºs. 2 e 5 do Código das Sociedades Comerciais.  Nestes casos, as acções continuam após a extinção da sociedade, a qual se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, sem que haja lugar a suspensão da instância e sem ser necessária a habilitação (como se decidiu no despacho saneador).
VIII- Os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha.  A sua responsabilidade pessoal não excede, pois, as importâncias que hajam recebido em partilha dos bens sociais:  Eles são responsáveis até esse montante.
IX- Verificar-se-á venda de coisa defeituosa quando a mesma:
-Sofra de vício que a desvalorize:  Neste caso, o vício é aferido pela redução ou diminuição do valor da coisa vendida;
-Não possua as qualidades asseguradas pelo vendedor.
-Não possua as qualidades necessárias para a realização do fim a que é destinada ou sofra de vício que a impeça da realização desse fim:  Nesta hipótese, a coisa não dispõe dos atributos necessários para realizar o fim a que se destina.
X- A lei concede ao comprador de coisa defeituosa:
- o direito de anulação fundado em erro ou dolo, observados que sejam os requisitos gerais da anulabilidade (cfr. artºs. 251º a 254º, 905º e 913º do Código Civil);
- o direito à redução do preço, nos casos em que se mostre que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior (art.º 911º do Código Civil “ex vi” art.º 913º nº 1 do Código Civil) ;
- o direito de indemnização complementar à anulação ou à redução, por violação do interesse contratual negativo (dano confiança), nos termos dos artºs. 227º, 908º, 909º e 911º do Código Civil “ex vi” art.º 913º nº 1 do Código Civil;
- o direito de exigir do vendedor a reparação ou, se necessário e possível, a substituição da coisa, como modalidade de execução específica baseada em cumprimento defeituoso, nos termos dos artºs. 914º e 921º do Código Civil.
XI- As consequências da compra e venda de coisas defeituosas determinam-se, ainda, em atenção a um outro aspecto:  Uma vez que se trata de cumprimento defeituoso, encontram também aqui aplicação as regras gerais da responsabilidade contratual. Ou seja, apesar da atribuição (no âmbito do regime especial) de todos os direitos anteriormente elencados, não se mostra excluída a possibilidade de existir também um direito geral de indemnização (adveniente do regime regra do incumprimento), visando ressarcir o comprador dos prejuízos resultantes do cumprimento defeituoso da prestação do vendedor, sendo tal direito residual relativamente aos aludidos direitos de eliminação dos defeitos, de substituição da coisa, de redução do preço e de resolução do contrato, mas podendo ser exercido isoladamente, por exemplo, nos casos de defeitos não eliminados, em que se revele desproporcionada a realização de nova obra e que se traduzam em desconformidades que não reduzem o valor da coisa, nem a tornam inadequada ao fim a que se destina.
XII- No regime da venda de coisa defeituosa, estando em causa um bem imóvel, o prazo para denúncia dos defeitos é de um ano depois de ser conhecido o defeito e até cinco anos após a entrega da coisa (art.º 916º nº 3 do Código Civil);  e o prazo de caducidade do direito de acção é o previsto no art.º 917º do Código Civil para a acção de anulação por simples erro, e, por analogia, para a acção a exigir a reparação ou seja, seis meses após a denúncia dos defeitos, ou, se não tiver havido denúncia, seis meses após o decurso dos prazos fixados no art.º 916º do Código Civil.
XIII- Se a compra e venda tiver por objecto bem imóvel destinado a longa duração, que tenha sido construído, reparado ou modificado pelo vendedor, os prazos de caducidade serão:
- De um ano para fazer a denúncia dos defeitos, prazo que se conta a partir do descobrimento dos mesmos
- De um ano, a partir da denúncia, para pedir a indemnização ou a eliminação dos defeitos nº 2,3 e 4 do art.º 1225 do CC e (3) de cinco anos, a contar da entrega da obra, dentro dos quais terá que ser feita a denúncia e proposta a ação de indemnização ou reparação do imóvel.
XIV- No regime da compra e venda de coisa defeituosa, o direito à eliminação dos defeitos do imóvel vendido que reaparecerem após a realização de obras de reparação por parte do vendedor está sujeito a um novo prazo de caducidade.

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – Relatório
1)  L.Q.J. e C.S.S.J.J. instauraram a presente acção declarativa de condenação, com a forma de Processo Sumária, contra “P. – Promoção Imobiliária, Ldª”, F.C., T.M.A.C. e S.F., pedindo a condenação dos R.R.:
- a executarem os trabalhos necessários para reparar os defeitos de construção da moradia “A”, nº 12, localizada à Rua …, freguesia e concelho de …, descrita na Conservatória de Registo Predial de … sob o número ...-A e inscrita na referida matriz predial sob o artigo …-A, freguesia de …, que os Réus construíram e venderam aos Autores e da qual estes são legítimos proprietários,
ou, em alternativa,
- a pagarem aos A.A. a quantia que estes despenderem para a referida reparação, a qual de acordo com os documentos apresentados se orçamenta no montante de 7.747,61€, a que deverão acrescer os juros de mora a contar da citação, à taxa legal,
e, ainda,
- a pagarem aos A.A. uma indemnização pela privação do uso e gozo de parte do imóvel, em montante não inferior a 2.000€, a que deverão acrescer os juros de mora a contar da citação, à taxa legal.
2- Regularmente citados, vieram os R.R. F.C., T.M.A.C. e S.F. apresentar contestação, invocando a questão prévia de admissibilidade da petição inicial aperfeiçoada (pugnaram pelo indeferimento dessa petição em toda a aparte que exorbita o objecto do suprimento das deficiências) e a excepção de ilegitimidade passiva destes R.R., além de se terem defendido por impugnação.
3- A R. “P. – Promoção Imobiliária, Ldª” contestou por excepção, invocando a sua ilegitimidade.
4- Os A.A. apresentaram articulado de resposta, mantendo a posição defendida na petição inicial.
5- Teve lugar uma audiência prévia onde:
- Foi elaborado o despacho saneador que admitiu a petição inicial aperfeiçoada, com a consequente ampliação do pedido; declarou o R. S.F. parte ilegítima e a R. “P. – Promoção Imobiliária, Ldª” inexistente juridicamente, absolvendo estes R.R. da instância.
- Foi enunciado o objecto do litígio e indicados os temas de prova.
6- Seguiram os autos para julgamento, ao qual se procedeu com observância do legal formalismo.
7- Foi proferida Sentença a julgar a acção procedente, constando da mesma, na parte decisória:
“Face ao supra-exposto, julga-se integralmente Procedente, por provada, a presente Acção e, em consequência, decide-se Condenar solidariamente os Réus F.C. e T.M.A.C., no seguinte:
A) a Executar, no prazo máximo de 1 (um) Mês a contar da data do trânsito em julgado desta Sentença, os Trabalhos necessários à Reparação dos defeitos de construção da moradia “A”, nº 12, localizada à Rua …, freguesia e concelho de …, descrita na Conservatória de Registo Predial de … sob o número …-A e inscrita na referida matriz predial sob o artigo …-A, freguesia de …, que os Réus, na qualidade de sócios da sociedade “P. – Promoção Imobiliária, Ldª”, construíram e venderam aos Autores L.Q.J. e mulher C.S.S.J.J. e da qual estes são legítimos proprietários, ou, em alternativa,
B) a Pagar aos Autores L.Q.J. e mulher C.S.S.J.J. a quantia que estes terão de despender para a referida reparação, a qual, de acordo com o Orçamento constante de fls. 238, se fixa no montante de €7.747,61 (Sete Mil e Setecentos e Quarenta e Sete Euros e sessenta e um cêntimos), à qual acrescem os juros de mora a contar da citação, vencidos até à presente data e vincendos desde a presente data até efectivo e integral pagamento, à(s) respectiva(s) taxa(s) legal( ais) e sem prejuízo das taxas legais que venham sucessivamente a vigorar;
E, ainda,
C) a Pagar aos Autores L.Q.J. e mulher C.S.S.J.J. uma indemnização pela privação do uso e gozo de parte do imóvel em apreço, em montante que se fixa no valor de €2.000,00 (Dois Mil Euros), ao qual acrescem os juros de mora vincendos a contar da data de prolação desta sentença até efectivo e integral pagamento, à(s) respectiva(s) taxa(s) legal(ais) e sem prejuízo das taxas legais que venham sucessivamente a vigorar;
*
D) Custas a cargo dos Réus F.C. e T.M.A.C., solidariamente entre si (artigos 527º/1, lª parte, 2, 3, 529º/2 e 607º/6, todos do Código de Processo Civil – NCPC – com a redacção introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26.6, ex vi do artigo 5º/1 da ora cit. Lei).
*
Notifique.
Registe (artigo 153º/4 do NCPC)”.
8- Desta decisão interpuseram os R.R. condenados (F.C. e T.M.A.C.), recurso de apelação.
9- Os A.A. apresentaram contra-alegações.
10- Subiram os autos em recurso, sendo proferido Acórdão que decidiu:
“Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em anular o processado posterior ao despacho saneador (este incluído na anulação), devendo ser proferido despacho a convidar os A.A. da acção a esclarecerem se foi ou não declarada a existência de qualquer activo social da extinta “P. – Promoção Imobiliária, Ldª” e, em caso afirmativo, como foi esse mesmo activo partilhado entre os sócios, revogando-se, assim, a decisão recorrida.
Custas:  Pelos recorridos (art.º 527º do Código do Processo Civil)”.
11- Regressados os autos à 1ª instância, foi aí proferido o despacho-convite mencionado na decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, tendo os A.A. apresentado articulado de resposta.
12- Os R.R., pessoas singulares, apresentaram articulado de resposta.
13- Foi proferido despacho a solicitar esclarecimentos aos A.A., quanto ao seu novo articulado, tendo estes correspondido ao convite.
14- Foi dispensada a realização de audiência prévia.
15- Foi proferido despacho saneador que:
- Considerou admissível a ampliação do pedido feita na petição inicial aperfeiçoada.
- Absolveu da instância a R. “P. – Promoção Imobiliária, Ldª”, por falta de personalidade judiciária.
- Absolveu da instância o R. S.F., por ser parte ilegítima.
- Julgou os demais R.R. partes legítimas.
- Enunciou o objecto do litígio e indicou os temas de prova.
16- Seguiram os autos para julgamento, ao qual se procedeu com observância do legal formalismo.
17- Posteriormente foi proferida Sentença a julgar a acção procedente, constando da sua parcela decisória:
“Pelo exposto, julgo a presente ação procedente, por provada e, em consequência, condeno os réus F.C. e T.M.A.C. a:
a) Executar os trabalhos necessários para reparar os defeitos de construção da moradia “A”, nº 12, localizada à Rua…, freguesia e concelho de …, descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …-A, e inscrita na matriz predial sob o artigo …-A, freguesia de …, pertencente aos autores, ou;
em alternativa,
b) A pagar aos autores a quantia necessária à reparação de tais defeitos, no montante de €7.467,61 (sete mil setecentos e quarenta e sete euros e sessenta e um cêntimos), a que deverão acrescer os juros de mora, à taxa legal, a contar da citação, e até integral pagamento.
c) A pagar aos autores, a título de indemnização pela privação do uso e gozo de parte do imóvel, a quantia de €2.000,00 (dois mil euros), a que deverão acrescer os juros de mora, à taxa legal, a contar da citação, e até integral pagamento.
*
Custas pelos réus (art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
*
Registe e notifique”.
18- Os R.R. F.C. e T.M.A.C. recorreram de tal decisão, para tanto apresentando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“A) Os Recorridos tentam fazer crer a existência de defeitos validamente denunciados e não reparados, o que não corresponde minimamente à situação fáctica apurada;
B) Os Autores denunciaram/reclamaram em meados do ano de 2007, e a última vez em 13-01-2010, a reparação de quatro defeitos;
C) Tais vícios e defeitos foram reparados pela sociedade construtora, a mando da sociedade vendedora, pelo menos quatro vezes;
D) Esses defeitos voltaram a aparecer em meados de outubro do ano de 2011;
E) O prazo de denúncia e garantia de cinco anos terminou no dia 14-12-2011;
F) As anteriores frustradas tentativas de reparação não exoneram o credor da obrigação de denúncia, dentro do prazo previsto na lei, das subsequentes manifestações desse defeito originário;
G) As cartas registadas com aviso de receção expedidas em 3 e 21 de novembro de 2011 não foram recebidas pelos destinatários, concretamente não foi recebida pela sociedade comercial vendedora, o que torna a declaração ineficaz;
H) Estando extinta a sociedade vendedora – na data da tentativa de interpelação efetuada pelos compradores –, não se pode atribuir culpa à sociedade destinatária pelo facto de não receber oportunamente a missiva;
I) A citação dos RR., com a consequente interpelação judicial da denúncia dos defeitos, só aconteceu depois de esgotado o prazo de denúncia e garantia de cinco anos;
J) O facto do ponto 9 (provado) da decisão sobre a matéria de facto deve ser alterado, não se dando por provada a expressão “…interpelaram …”, mas, ao invés, “enviaram”;
K) Por cautela de patrocínio, apenas podem ser considerados eficazmente denunciados dois defeitos suscetíveis de reparação, que são os expressamente mencionados em tais duas cartas registadas com aviso de receção: “Infiltrações nas paredes e tecto da sala” e “Infiltrações na varanda dos quartos de dormir”;
L) Por requerimento dos AA. (ref.ª: 40330370, de 2021-11-02), estes vieram “… esclarecer que os defeitos que constituem a causa de pedir foram objecto de reparação no seu interior, pelo próprio Autor, (por motivos de condições de habitação), sendo que o exterior se mantém igual.”;
M) Assim, os defeitos denunciados, localizados no interior do imóvel – infiltrações nas paredes e teto da sala –, foram objeto de reparação;
N) A denúncia do defeito que confere ao credor o direito à reparação, para ser juridicamente eficaz, tem de ocorrer em momento anterior à reparação do mesmo, sob pena de ser coartado o direito do devedor eliminar o defeito, não lhe permitindo que sane o vício decorrente de ter cumprido defeituosamente a prestação inicial;
O) Destarte, apenas falta reparar os defeitos localizados no exterior do imóvel, correspondentes às “Infiltrações na varanda dos quartos de dormir”, os quais importam somente em €487,50;
P) Algumas das rubricas constantes no orçamento nunca foram denunciadas ou provêm de vícios denunciados – nem em meados do ano de 2007, nem em 13-01-2010, e muito menos constam sequer enunciados nas duas cartas registadas com aviso de receção datadas de 3 e 21 de novembro de 2011;
Q) Qualquer condenação dos RR. F.C. e mulher – no que não se concede – sempre deveria ser nos seguintes termos:
Executar os trabalhos necessários para reparar o defeito de construção ou vício “Infiltrações na varanda dos quartos de dormir” da moradia …, ou, em alternativa, pagar aos autores a quantia necessária à reparação de tal defeito, no montante de €487,50 …;
R) Para que os sócios possam ser condenados com base no disposto no art.º 163º do CSC é necessário que se alegue e prove que a sociedade tinha bens e que esses bens foram por eles partilhados, sendo que o ónus de alegação e prova desses factos compete ao respetivo credor;
S) Na Prestação de Contas de 2009 (1-1-2009 a 31-12-2009) a empresa apresentava ativo e passivo, designadamente um ativo composto por depósito bancário de€ 30.234,28;
T) No período de 1-1-2010 a 10-3-2010, esta última a data de realização da assembleia geral da P. – Promoção Imobiliária, Ldª onde é tomada a deliberação de dissolução da sociedade e declarada a inexistência de ativo, tal ativo existente em 31-12-2009, composto por depósito bancário, poderia ter-se perdido ou sido aplicado numa miríade de despesas e encargos;
U) Os AA. tinham de fazer prova dos bens e valores que compunham o ativo social em 10-3-2010, data em que se deliberou a dissolução da sociedade vendedora e respetiva extinção;
V) No elenco dos factos provados na decisão da matéria de facto, não existe nenhum que nos confirme concretamente quais eram os bens sociais existentes à data de 10-3-2010;
W) O montante que cada sócio liquidatário recebe na partilha corresponde ao quantum máximo até ao qual esse sócio terá de suportar em caso de procedência da acção;
X) Não ficou provado que qualquer um dos dois sócios tenha recebido bens da extinta sociedade e, muito menos, em que valor concreto;
Y) Os AA. provaram que a sociedade extinta tinha no seu património social um depósito bancário no montante de€ 30.234,28 em 31-12-2009;
Z) Os AA. não provaram que em 10-3-2010 tal depósito bancário subsistisse na conta da sociedade dissolvida ou que, entre 1-1-2010 e 10-3-2010 tal saldo bancário tivesse ingressado nas contas pessoais do(s) sócio(s) /administradores, ou, ainda, que naquele período os sócios tenham procedido ao levantamento do saldo bancário em proveito pessoal;
AA) O registo documental de saída daquele montante de capital e dos respetivos destinatários ou beneficiários era de prova direta, e de modo algum se apresentava com um grau de dificuldade aos AA. que pudesse ser qualificado de prova diabólica.
BB) Não o tendo feito, não pode o Tribunal de 1.ª instância dar por provado que “O ativo da sociedade extinta foi partilhado pelos sócios agora réus”.
CC) Em consequência, o Tribunal ad quem deverá eliminar o facto do ponto 31 do elenco dos factos provados, da decisão sobre a matéria de facto;
DD) O Tribunal a quo, ao fixar a indemnização pelo critério da equidade, fê-lo sem fundamentar os pressupostos do arbitramento, ignorando a inexistência de limites quantitativos provados, a ausência de períodos de privação do uso da coisa provados, limitando-se a aderir de forma simplista ao valor pedido;
EE) A indemnização terá de sucumbir em toda a sua extensão, perante a confissão dos AA. exarada no requerimento ref.ª: 40330370, de 2021-11-02, de que “… os defeitos que constituem a causa de pedir foram objecto de reparação no seu interior, pelo próprio Autor …”;
FF) Ao decidir de outro modo a douta sentença recorrida violou os arts. 224º, nº 2, 323º, nº 2, 342º, nº 1, e 916º, nº 3, todos do Cód. Civil, bem como o art.º 163º do Código das Sociedades Comerciais.
GG) Devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra decisão que julgue a acção totalmente improcedente, por não provada.
Conforme é de inteira e boa Justiça”.
19- Os A.A. contra-alegaram, indicando as conclusões que se seguem:
“1. Ao contrário do que é alegado pelos Recorrentes, a douta Sentença em crise não está ferida de vicissitudes, devendo considerar-se provados todos os factos constantes da douta decisão, negando provimento ao Recurso interposto pelos Réus.
2. Os Autores demonstraram, efetivamente, em Tribunal a existência de defeitos, não só através da prova documental (fotografias), da testemunhal, mas também da própria inspecção judicial realizada ao local, em que o Tribunal pôde constatar “in loco” as péssimas condições em que se apresenta a moradia, tudo gerado pela incompetência na reparação dos vícios, acrescida da desresponsabilização dos Recorrentes quanto ao dever de direção e de vigilância que lhes incumbia no decorrer da execução da obra.
3. Os Autores denunciaram tempestivamente, entre 2007 e 2010, a existência de defeitos no imóvel, estando habilitados para tal pois corria o prazo de garantia de 5 anos, tendo esses defeitos sido reparados pela sociedade construtora. Porém, os mesmos reaparecem em Outubro de 2011, ainda dentro do prazo de garantia.
4. Vêm os Recorrentes alegar a ineficácia da denúncia dos defeitos, realizada através de cartas registadas, porquanto as mesmas não foram efetivamente recebidas pela então sociedade comercial, contudo, o facto de não terem sido levantadas as cartas pelos destinatários e, consequentemente, terem sido devolvidas ao remetente, só é elucidativo da má fé dos Recorrentes, que não pode ser aproveitado em seu favor, para não se considerar a declaração efectivamente realizada, pois que de acordo com o nº 2 do art.º 224º do Cód. Civil, consideram-se eficazmente notificados os Réus aquando das interpelações realizadas em 3 de novembro e 21 de novembro de 2011, ainda que por culpa dos Réus não tenham oportunamente recebido as interpelações
5. Ainda que assim não se entendesse, os Autores disponham de 1 ano para efetuarem a denúncia dos defeitos da obra desde que os mesmos fossem verificados dentro do prazo de garantia de 5 anos. Os Autores aperceberam-se de defeitos supervenientes em Outubro de 2011.
O prazo de garantia terminava a 14 de dezembro de 2011, pelo que os Autores tinham 1 ano – até Outubro de 2012 para denunciarem os defeitos conforme explicitado no artigo 1225º do Código Civil e decorre da mais vastíssima Jurisprudência portuguesa nesta matéria.
6. Não menos importante, sempre se diga o seguinte, não podem os Recorrentes, em sede de recurso, chamar esta matéria à colação, por não terem invocado a excepcionalidade desta matéria perante o tribunal de 1ª instância, sendo que caso o Tribunal da Relação atendesse a essa invocação, estaríamos perante um excesso de pronúncia, conforme disposto no artigo 615º alínea d) e artigo 608º, nº 2 do Código de Processo Civil.
7. Face à inércia dos Réus na realização das obras devidas, os Autores repararam alguns danos interiores uma vez que estava em causa a habitabilidade do imóvel, tendo o feito por razões de força maior e nos termos em que é permitido pela lei civil.
8. Mas isto não significa que, é lídimo concluir que apenas falta reparar os defeitos localizados no exterior do imóvel, porquanto, se o exterior não foi objecto de reparação, as infiltrações passam para o interior, que é o que vem sucedendo ao longo do tempo, sendo certo que, tal como foi constatado no local, o apuramento dos danos identificados no orçamento junto aos autos é o que é necessário executar para que se proceda à reparação do imóvel, não merecendo qualquer censura ou reparo a sentença ora em crise, quanto a esta questão.
9. Quanto à existência de bens no ativo da sociedade comercial e a respectiva partilha, conforme explanado no presente articulado e na douta Sentença, a sociedade P. tinha ativo patrimonial, apresentava saldos bancários no montante de 30.234,28€, no final do ano de 2009 e, aquando a liquidação da sociedade, ocorrida no primeiro trimestre de 2010, tinha apenas uma dívida de cerca de 2000€ ao Estado, pelo que ficou ainda com cerca de 28.000€.
10. O ativo existente só poderia ter sido partilhado pelos sócios, e bem andou o Tribunal em assim o entender, pois que, ficou demonstrado que a sociedade tinha liquidez em saldos bancários e, bem como que o sócio F.C. retirava dinheiro da conta bancária P. para utilização própria: “Além de tudo isso, o réu admitiu mesmo o que fez dele (e da ré consorte, pois que para proveito comum de ambos) algum dinheiro de tais contas (que disse ser cerca de 3 a 5 mil euros)”, não podendo deixar de concluir que o activo da sociedade dissolvida foi efetivamente dividido entre os sócios consoante a sua participação social. Esse montante naturalmente existe na esfera patrimonial dos sócios, que respondem passivamente pelas obrigações da sociedade entretanto extinta.
11. Foi dado como factos provados pelo Tribunal de 1ª instância que os Autores durante anos por efeito dos defeitos da sua casa ficaram seriamente prejudicados e privados do uso e gozo do imóvel. Através dos vários elementos de prova deduzidos, como a documental e testemunhal, torna-se inilidível que os Autores devam ser devidamente indemnizados por não poderem usufruir da sua casa como previam aquando da celebração do contrato de compra e venda, não merecendo qualquer censura o montante fixado pelo Tribunal como forma de ressarcir os Autores por toda esta situação.
Nestes termos e nos melhores de direito que os Venerandos Juízes Desembargadores doutamente suprirão, deverá confirmar-se a douta Sentença recorrida, em conformidade com o aqui alegado e fundamentado, condenando-se os Autores nos mesmos termos em que a Sentença recorrida decidiu.
Fazendo-se assim a, criteriosa e judiciosamente, costumada e sã Justiça”.

*  *  *

II – Fundamentação
a)  A matéria de facto dada como provada na 1ª instância é a seguinte:
1- A R. sociedade “P. – Promoção Imobiliária, Lda.”, à data dos factos em discussão, dedicava-se à construção civil, compra e venda de prédios rústicos e urbanos e fracções autónomas para revenda, promoção imobiliária e administração de imóveis.
2- Eram sócios da R. sociedade, os R.R. F.C. e T.M.A.C..
3- Os A.A., por escritura de compra e venda outorgada em 15/12/2006, no extinto Cartório Notarial de …, adquiriram à sociedade R. a fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra “A”, do tipo T-3, inserida no prédio urbano em regime de propriedade horizontal localizado no …, freguesia e concelho de ….
4- A referida fracção encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …-A, daquela freguesia, e está inscrita na referida matriz predial sob o artigo …-A, freguesia de ….
5- Em meados do ano de 2007, os A.A. detectaram infiltrações num dos quartos da sua fracção, nomeadamente o da sua filha, humidades nas paredes da sala, mais concretamente na janela maior situada nas escadas, fissuras no telhado e referida janela e o levantamento do soalho de madeira existente nos quartos de dormir.
6- A partir dessa altura, então e nos anos seguintes, os A.A. interpelaram verbalmente a sociedade R., por várias vezes – a quem também reclamaram por escrito, em 13/1/2010 – bem como a sociedade construtora, “M.M.B. Construções, Ldª”, com vista à reparação dos defeitos supra identificados.
7- As situações referidas foram sendo reparadas pela sociedade construtora todos os anos, entre 2007 e 2010, na sequência das interpelações feitas pelos A.A. por causa das infiltrações e consequentes defeitos, de recorrente aparecimento, já que ocasionados pela própria e deficiente construção do imóvel.
8- Contudo, e apesar das reparações, os defeitos voltaram a aparecer em meados de Outubro do ano de 2011.
9- Como tal, os A.A., mais uma vez, interpelaram a sociedade R. através de cartas registadas com aviso de recepção, expedidas em 3/11/2011 e 21/11/2011, para a sede social e morada dessa R., a solicitar a imediata reparação dos seguintes defeitos:
- infiltrações nas paredes e tecto da sala;
- infiltrações nas varandas dos quartos de dormir.
10- As cartas não foram levantadas pelos destinatários, sendo devolvidas ao remetente.
11- Os defeitos persistiram, pois em consequência das infiltrações, ocorreu o levantamento do soalho nos quartos de dormir.
12- As fissuras/fendas nas paredes.
13- Fissuras na janela maior, a qual dá acesso ao piso superior da moradia, devido ao mau isolamento.
14- Infiltrações na varanda dos quartos de dormir.
15- Humidades nas paredes e tectos, nomeadamente na sala de jantar.
16- Vindo-se a manter tais defeitos.
17- A reparação dos defeitos que atrás se mencionaram, e que é necessária, foi orçada, já em 2014, no valor de 7.747,61€, orçamento onde se encontra discriminado todo o trabalho necessário para reparar os defeitos em causa.
18- Desde que os A.A. compraram a referida moradia, todos os anos subsequentes têm obras de reparação da mesma, sempre derivadas dos mesmos problemas/defeitos.
19- Toda esta situação torna-se incomportável para os A.A. que compraram a moradia para o bem-estar e conforto da família, os quais nunca chegaram a atingir.
20- Mantêm uma sala de estar que está a ser utilizada parcialmente e muitas poucas vezes, um quarto – da filha do casal – que durante alguns períodos de tempo não é utilizado, fazendo com que esta passe a dormir no quarto das visitas, tudo por causa das infiltrações e consequentes defeitos.
21- S.F., deixou de ser sócio e gerente da “P.” desde 9/3/2007, por cessão de quotas e renúncia de gerência, passando a ser, desde então, únicos sócios de tal sociedade, os R.R. F.C. e T.M.A.C., casados entre si em regime de comunhão geral de bens.
22- A “P.” teve a sua matrícula cancelada em 12/12/2010.
23- Na última assembleia geral da “P.”, datada de 10/3/2010, em cuja acta é mencionada a presença dos dois R.R., seus únicos sócios, é tomada a deliberação de dissolução dessa sociedade e é dito que ela “não tem activo nem passivo”.
24- Na Prestação de Contas Individual do ano de 2010 (1/1/2010 a 11/3/2010), da “P.” os valores discriminados na Demonstração dos Resultados por Naturezas, bem como no Balanço, ou são iguais a zero ou inexistentes.
25- Em tal Prestação de Contas o valor do capital próprio não é descriminado, o mesmo acontecendo quanto aos valores do activo e do passivo.
26-  Na acta da referida assembleia geral, intitulada como “Acta Número Nove”, consta que o 1º ponto da ordem de trabalhos é a deliberação “(…) sobre o relatório de gestão e contas do exercício compreendido entre 2008/01/01 e a data de realização desta Assembleia-Geral”, mas, à frente, escreve-se que se visa, nesse ponto “deliberar sobre o relatório de gestão e contas do exercício compreendido entre 2010/01/01 e a data de realização desta Assembleia-Geral”.
27- Não é apresentada, nessa assembleia, qualquer justificação para a inexistência, declarada, de activo e passivo.
28- Mas na Prestação de Contas de 2009 (até Dezembro de 2009), a empresa apresentava activo e passivo.
29- O activo, de acordo com tal documento, era constituído por:
1º Dívidas de terceiros – curto prazo:
-Outros acionistas (sócios), no valor de 8.550€.
-Outros devedores, no valor de 16.033,89€.
2º Depósitos bancários, no montante de 30.234,28€.
30- Da Prestação Anual de Contas de 2009, apenas consta um passivo, consistente em dívida ao Estado e a outros Entes Públicos, de 2.308,81€.
31- O activo da sociedade extinta foi partilhado pelos sócios, agora R.R..
*
b)  Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Perante as conclusões da alegação dos recorrentes, as questões em recurso são as seguintes:
-Saber se existem razões para alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.
-Saber se a denúncia dos defeitos foi feita tempestivamente.
-Saber se estão verificados os pressupostos para a fixação de uma indemnização a favor dos recorridos e, em caso afirmativo, quais os defeitos a reparar que integrarão o valor essa indemnização.
-Saber se os recorridos têm direito a uma indemnização por danos não patrimoniais e qual o seu montante.
*
c)  Passemos, em primeiro lugar, a verificar se existem motivos para alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.
Ora, de acordo com o disposto no art.º 640º nº 1 do Código de Processo Civil, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, especificar:
-Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
-Quais os concretos meios de probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Há que realçar que as alterações introduzidas no Código de Processo Civil com o Decreto-Lei nº 39/95, de 15/2, com o aditamento do art.º 690º-A (posteriormente art.º 685º-B e, actualmente, art.º 640º) quiseram garantir no sistema processual civil português, um duplo grau de jurisdição.
De qualquer modo, há que não esquecer que continua a vigorar entre nós o sistema da livre apreciação da prova conforme resulta do art.º 607º nº 5 do Código de Processo Civil, o qual dispõe que “o Juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
*
d)  Entendem os recorrentes que o Facto Provado 9. deve ser alterado.
Consta do mesmo:
“9- Como tal, os A.A., mais uma vez, interpelaram a sociedade R. através de cartas registadas com aviso de recepção, expedidas em 3/11/2011 e 21/11/2011, para a sede social e morada dessa R., a solicitar a imediata reparação dos seguintes defeitos (…)”.
Dizem os apelantes que os recorridos “não denunciaram validamente vícios/defeitos porque as cartas registadas com aviso de receção a que alude o facto provado 9 não foram recebidas pelos destinatários, concretamente não foi recebida pela sociedade comercial vendedora, a “P. – Promoções Imobiliárias, Lda”, o que torna a declaração ineficaz”.
Assim sendo, acrescentam, “o facto 9 dado por provado na decisão da matéria de facto não está provado qua tale, conforme melhor se alcança da prova documental dos autos – duas cartas registadas com aviso de receção a fls. 349 e segts. – que o suporta, desde logo porque aquelas cartas não foram rececionadas pela empresa destinatária, vendedora do imóvel em apreço. De sorte, o facto 9 também deve ser necessariamente alterado, não se dando por provada a expressão “… interpelaram …”, mas, ao invés, “enviaram””.
Em bom rigor, assiste-lhes razão.
Com efeito, a indicação da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de Direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica.  Ou seja, devem ter-se como não permitidos os juízos de facto conclusivos que impliquem e apreciem determinados acontecimentos à luz de uma norma jurídica, caso em que tal juízo de facto conclusivo contém em si a resposta a uma questão de direito, ou seja, possui um sentido normativo.
Assim, “in casu”, pretende-se apurar se ocorreu ou não a interpelação da sociedade insolvente.  Mas só se pode concluir pela existência de tal interpelação, se tal for possível através da interpretação de factos objectivos, como sejam os envios de cartas registadas com aviso de recepção, e o seu recebimento.
Deste modo, afigura-se-nos que será de deferir a pretensão dos recorrentes, julgando-se o recurso procedente nesta parte, e, em sede de decisão de Direito, apurar-se-á se está ou não verificada a interpelação.
Pelo exposto, altera-se o Facto Provado 9., que passa a ter a seguinte redacção:
“9- Como tal, os A.A., mais uma vez, enviaram à sociedade R. cartas registadas com aviso de recepção, expedidas em 3/11/2011 e 21/11/2011, para a sede social e morada dessa R., a solicitar a imediata reparação dos seguintes defeitos:
-infiltrações nas paredes e tecto da sala;
-infiltrações nas varandas dos quartos de dormir”.
*
e)  Mais entendem os apelantes que o Facto Provado 31. deve ser considerado como não provado.
O seu teor é o seguinte:
“31- O activo da sociedade extinta foi partilhado pelos sócios, agora R.R.”.
Dizem os recorrentes que “não ficou minimamente provado que qualquer um dos dois sócios tenha recebido bens da extinta sociedade e, muito menos, em que valor concreto”.  Ou seja, “os AA. não provaram que à data da dissolução da sociedade demandada, qualquer bem tenha sido partilhado e ingressado no património do(s) sócio(s) /administradores”.
Admitem os apelantes que está provado “que a sociedade extinta tinha no seu património social um depósito bancário no montante de €30.234,28 em 31/12/2009.  Mas, o que não provaram foi que em 10/3/2010 tal depósito bancário subsistisse na conta da sociedade dissolvida ou que, entre 1/1/2010 e 10/3/2010 tal saldo bancário tivesse ingressado nas contas pessoais dos ora Recorrentes, ou ainda que naquele período os sócios tenham procedido ao levantamento do saldo bancário em proveito pessoal”.
Deste modo, em seu entender, inexistia qualquer activo da sociedade extinta, pelo que nada foi partilhado.
Vejamos:
Provou-se que na última assembleia geral da “P., Ldª”, ocorrida em 10/3/2010, foi deliberada a dissolução da sociedade, tendo os dois sócios (aqui recorrentes) declarado que não havia activo nem passivo.
Porém, tal não significa que não houvesse bens para partilhar nem significa que os sócios não tenham recebido bens.  Na verdade, a referida declaração dos sócios é da mera responsabilidade daqueles, não representando prova plena quanto a esses factos.  Trata-se duma declaração “res inter alios acta”, não vinculativa para os credores da sociedade.  Daí que apenas esteja plenamente provado que os sócios, em sede de assembleia geral, fizeram aquela declaração, não se tendo já por provado que os factos nela referidos sejam verdadeiros.
Ora, “in casu”, para além de tal declaração, também se apurou que, no final do ano de 2009, a “P., Ldª” tinha um activo muito superior ao passivo (ver Factos Provados 28., 29. e 30.), sendo que só em depósitos bancários (esquecendo os créditos que até poderiam ser de difícil cobrança), tinha um montante de 30.234,28€, enquanto o passivo era de 2.308,81€.
Seria muito estranho que sendo detentora de 30.234,28€ em final do ano de 2009, passados três meses (em 10/3/2010) tal valor se tivesse dissipado na totalidade.  Teria servido para liquidar dívidas? O valor do passivo de 2009 (2.308,81€) não justificava que os trinta mil euros se tivessem dissipado em tão curto prazo, não sendo credível que, entretanto, a sociedade tivesse contraído dívidas de cerca de 28.000€.
O recorrente, no decurso do seu depoimento de parte prestado na Sessão de dia 17/3/2022 da audiência de discussão e julgamento referiu que, com o activo da empresa, “pagou as dívidas” nomeadamente “ao empreiteiro e ao Banco”, nada ficando para ele e para a recorrente.  No entanto, mais adiante, depois de dizer que “limpou” as contas, afirmou que ficou sem nada.  Mas, perante a insistência do Tribunal acabou por admitir que “é capaz de ter ficado alguma coisinha, não me lembro quanto”. Mais admitiu que durante a existência da sociedade chegou a fazer dele e da recorrente algum dinheiro da conta da empresa, ou seja, “se precisasse de 500 ou 1.000 euros levantava”.
Perante os números acima referidos, alusivos à conta de 2009, e ao depoimento de parte prestado, apenas nos resta concluir que a sociedade, à data da sua extinção, tinha activo e que o mesmo foi partilhado pelos sócios, agora recorrentes.
Assim, o recurso improcede nesta parte.
*
f)  Será, pois, com base na factualidade fixada pelo Tribunal “a quo”, com a alteração acima apontada (e devidamente sublinhada), que importa doravante trabalhar no âmbito da análise das restantes questões trazidas em sede de recurso.
*
g)  Vejamos, agora, se existem defeitos no imóvel vendido e se os mesmos são de reparar pelos apelantes.
Antes de mais, há que apurar da eventual responsabilização dos recorrentes.
A sociedade em causa tem a sua matrícula cancelada por dissolução, encerramento e liquidação desde 11/3/2010.
A acção entrou em juízo em 15/12/2011.
Os sócios da mencionada sociedade, aquando da sua liquidação, eram os agora recorrentes.
Ou seja, é forçoso concluir que, aquando da propositura da presente acção, já a sociedade demandada não existia juridicamente.
Ora, é sabido que o regime de extinção das sociedades é distinto do referente à sua fase de dissolução e liquidação.  
São realidades distintas, sujeitas a regimes igualmente distintos.
Na fase de dissolução e liquidação, a sociedade persiste, continuando a ter personalidade jurídica e judiciária, sendo distinta da dos seus sócios (cf. artºs. 5º e 6º do Código das Sociedades Comerciais).
Uma vez dissolvida, a sociedade entra em liquidação, mantendo ainda a sua personalidade jurídica (cf. art.º 146º nºs. 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais).  Os seus administradores passam a ser liquidatários, salvo disposição estatutária ou deliberação noutro sentido (art.º 151º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais), competindo-lhes ultimar os negócios pendentes, cumprir as obrigações da sociedade, cobrar os créditos, reduzir a dinheiro o património residual e propor a partilha dos haveres sociais (art.º 152º nº 3 do Código das Sociedades Comerciais).  Com a proposta respectiva, submetem a deliberação da sociedade um relatório completo da liquidação, acompanhando as contas finais (art.º 157º do Código das Sociedades Comerciais).  
Aprovada a deliberação, será requerido o registo do encerramento da liquidação.  É com este registo que, finalmente, a sociedade se considera “extinta, mesmo entre os sócios” e sem prejuízo das acções pendentes ou do passivo ou activo supervenientes (cf. Pinto Furtado, in “Curso de Direito das Sociedades”, 3ª ed., pg. 546).
Com a inscrição no registo do encerramento da liquidação, verifica-se a extinção, que constitui o último acto da complexa “fattispecie” extintiva, sendo a extinção o efeito legal daquele registo (cf. Raul Ventura, in “Dissolução e Liquidação de Sociedades”, pg. 436).
Tal encontra consagração legal no art.º 160º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais, que preceitua que “a sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162º a 164º, pelo registo do encerramento da liquidação”.
Com a extinção, deixa de existir a pessoa colectiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, ainda que não se extingam as relações jurídicas de que a sociedade era titular, como flui do disposto nos artºs. 162º, 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais, mas nos exactos termos neles previstos.
Estes normativos tratam de matérias conexas, todas derivadas da subsistência de relações jurídicas depois de extinta a sociedade.
O art.º 162º do Código das Sociedades Comerciais estipula:
“1 – As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163º, nºs. 2, 4 e 5 e 164º, nºs. 2 e 5.
2 – A instância não se suspende nem é necessária habilitação”.
O art.º 163º do Código das Sociedades Comerciais, referindo-se ao passivo superveniente, determina no seu nº 1 que “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto aos sócios de responsabilidade ilimitada”.  E acrescenta o nº 2 do mesmo normativo, acrescenta que “as acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados legais representantes daqueles, para este efeito, incluindo a citação ;  sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles”.
Por sua vez, o art.º 164º do Código das Sociedades Comerciais reporta-se ao activo superveniente, sendo irrelevante para o caso em apreço.
Tal como decorre do citado art.º 162º do Código das Sociedades Comerciais, existindo acções pendentes, verifica-se um regime de substituição da sociedade extinta, “pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários” e apenas para os efeitos do disposto nos artºs 163º nºs. 2, 4 e 5 e 164º nºs. 2 e 5 do Código das Sociedades Comerciais.
Nestes casos, as acções continuam após a extinção da sociedade, a qual se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, sem que haja lugar a suspensão da instância e sem ser necessária a habilitação (como se decidiu no despacho saneador).
Contudo, importa ter presente que, nos termos da lei, a sociedade se considera substituída pela generalidade dos sócios:  são estes que passam a ser parte na lide.
E os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha.
A sua responsabilidade pessoal não excede, pois, as importâncias que hajam recebido em partilha dos bens sociais:  Eles são responsáveis até esse montante.
Das disposições legais acima referidas decorre inequivocamente, segundo cremos, que as relações jurídicas em que a sociedade extinta era parte se mantêm depois da sua extinção e que aquela passa a ser substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, quer do lado activo quer passivo.
E, no que toca ao passivo social, a responsabilidade pelo seu pagamento recai sobre a generalidade dos sócios, embora a responsabilidade destes seja limitada ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.
*
h)  Ora, “in casu”, o Tribunal, em sede de despacho saneador, aplicou os supracitados preceitos e afastou a legitimidade da sociedade demandada, absolvendo-a da instância.
Mais declarou os apelantes partes legítimas, por serem os únicos sócios da sociedade, aquando da sua liquidação.
O facto de eles terem a sua responsabilidade limitada ao montante que receberam na partilha não tem que ver com a sua legitimidade, mas unicamente com o “quantum” que cada um terá de suportar em caso de procedência da acção. 
Com efeito, das disposições legais acima referidas (nomeadamente do art.º 163º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais:  “1-  Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.”) decorre inequivocamente que as relações jurídicas em que a sociedade extinta era parte se mantêm depois da sua extinção e que aquela passa a ser substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, quer do lado activo quer passivo.
E, no que toca ao passivo social, como já salientámos, a responsabilidade pelo seu pagamento recai sobre a generalidade dos sócios, embora a responsabilidade destes seja limitada ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.
Todavia, para que os sócios possam ser condenados com base no disposto no art.º 163º do Código das Sociedades Comerciais (e dentro dos limites por este estabelecidos) é necessário que se alegue e prove que a sociedade tinha bens e que esses bens foram por eles partilhados, sendo que o ónus de alegação e prova desses factos compete ao respectivo credor, por se tratar de factos constitutivos do correspondente direito (cf. art.º 342º nº 1 do Código Civil).
O S.T.J. tem-se pronunciado, de forma reiterada, neste sentido.
Assim, no Acórdão do S.T.J. de 23/4/2008 (Procº 07S4745, Relator Sousa Peixoto, consultado na “internet” em www.dgsi.pt) pode ler-se:
“Por sua vez, no que toca ao chamado passivo superveniente, o art.º 163º determina no seu nº 1, que “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto aos sócios de responsabilidade ilimitada”.  E, no seu nº 2, acrescenta que “as acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados legais representantes daqueles, para este efeito, incluindo a citação”.  E, na segunda parte daquele nº 2, o art.º 163º acrescenta ainda que “sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles””.
“Por outro lado, no que concerne ao activo superveniente, o art.º 164º estipula que, “verificando-se, depois de encerrada a liquidação e extinta a sociedade, a existência de bens não partilhados, compete aos liquidatários propor a partilha adicional pelos antigos sócios, reduzindo os bens a dinheiro, se não for acordada unanimemente a partilha em espécie” (nº 1), que as acções para cobrança de créditos da sociedade abrangidos pelo disposto no número anterior podem ser propostas pelos liquidatários, que, para o efeito, são considerados representantes legais da generalidade dos sócios, podendo, contudo, qualquer destes propor acção limitada ao seu interesse (nº 2) e que a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado para cada um deles, podendo ser individualmente executada, na medida dos respectivos interesses (nº 3)”.
“Das disposições legais referidas decorre inequivocamente que as relações jurídicas em que a sociedade extinta era parte se mantêm depois da extinção da sociedade, passando esta, em regra, a ser substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários”.
“E, no que toca ao passivo social, a responsabilidade pelo seu pagamento recai sobre a generalidade dos sócios, embora a responsabilidade destes seja limitada ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada”.
“No caso em apreço, a 1ª ré era uma sociedade por quotas e, nos termos do art.º 197º do CSC, este tipo de sociedades reveste as seguintes características: o capital social está dividido em quotas ;  os sócios são solidariamente responsáveis por todas as entradas convencionadas no contrato social, mas não são obrigados a outras prestações, excepto quando a lei ou o contrato, autorizado por lei, assim o estabeleçam ;  só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade, embora seja lícito estipular no contrato que um ou mais sócios, além de responderem nos termos referidos, respondem também perante os credores sociais até determinado montante”.
“Ora, como do contrato social junto a fls. 201 a 204 dos autos se constata, a sociedade em questão tinha um capital social de €5.000 que estava dividido em duas quotas iguais, pertencendo uma ao réu CC e a outra ao réu DD e no aludido contrato nada se estipulou acerca do agravamento da responsabilidade dos sócios relativamente aos credores sociais”.
“Deste modo, a responsabilidade dos sócios relativamente aos créditos da autora é restrita ao montante que receberam na partilha”.
“Acontece, porém, que na escritura de dissolução da sociedade os sócios declararam que não havia activo nem passivo e que, por isso, consideravam a sociedade liquidada.  Tal significa que a sociedade não foi objecto de liquidação nos termos previstos na lei (artigos 146º e seguintes do CSC), mas, como bem diz a Relação, tal não significa que não houvesse bens para partilhar e, acrescentamos nós, tal não significa que os sócios não tenham recebido bens”.
“Todavia, para que os sócios pudessem ser condenados com base no disposto no art.º 163º era necessário que se tivesse provado que a sociedade tinha bens e que esses bens foram por eles partilhados.  E no contexto da acção, a prova desses factos incumbia à autora, por se tratar de factos constitutivos do direito à reparação que contra eles peticionou (art.º 342º, nº 1, do C.C.).  Não tendo essa prova sido feita, é óbvio que os sócios da 1ª ré não podem ser condenados ao abrigo do daquele normativo legal”.
Por seu turno, o Acórdão do S.T.J. de 26/6/2008 (Procº 08B1184, Relator Santos Bernardino, consultado na “internet” em www.dgsi.pt) salienta:
“Com a extinção, deixa de existir a pessoa colectiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como flui do disposto nos arts. 162º, 163º e 164º”.
“Estes normativos tratam de matérias conexas, todas elas derivadas da subsistência de relações jurídicas depois de extinta a sociedade”.
“Assim, no tocante às acções pendentes em que a sociedade seja parte, elas continuam após a extinção desta, que se considera substituída – sem que haja lugar a suspensão da instância, uma vez que não é necessária habilitação – pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários”.
“Foi o que aconteceu no caso em apreço”.
“Repare-se que, nos termos da lei, a sociedade se considera substituída pela generalidade dos sócios: são estes que passam a ser parte na lide, representados pelos liquidatários.  Os liquidatários, que já funcionavam no processo como representantes da própria sociedade, passam a ser considerados como representantes legais da generalidade (ou seja, da totalidade) dos sócios.  A lei comete-lhes o encargo de defender interesses alheios, em continuação de uma função que, relativamente à sociedade, já vinham exercendo”.
“E os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha.  A sua responsabilidade pessoal (falamos de sócios de sociedades de responsabilidade limitada) não excede, pois, as importâncias que hajam recebido em partilha dos bens sociais: eles são responsáveis até esse montante”.
“O nº 1 do art.º 163º pressupõe que a liquidação esteja encerrada e extinta a sociedade – só neste caso é que se verifica a substituição da sociedade pela generalidade dos sócios”.
“No caso em apreciação, a ré era uma sociedade por quotas, tinha um capital social de €5.000,00, dividido em duas quotas iguais, pertencendo uma a CC e outra a DD, já acima referenciados e que tiveram intervenção na escritura dita de dissolução e liquidação da sociedade”.
“Nessa escritura, declararam que não havia activo nem passivo e que, por isso, davam a sociedade por liquidada”.
“O que leva a concluir que não houve uma verdadeira fase de liquidação, tal como esta vem desenhada nos arts. 146º e seguintes, e cujos trâmites se deixaram acima referidos”.
“Isto, porém, não significa, como acentua a Relação, que não houvesse bens para partilhar, e que os dois sócios, que fizeram aquela declaração, não tenham recebido bens do património da sociedade.  Na verdade, tal declaração é da mera responsabilidade daqueles, não representando a escritura prova plena quanto a esses factos.  Trata-se duma declaração res inter alios acta, não vinculativa para os credores sociais, porque não coberta pela força probatória material que, no art.º 371º do CC, é reconhecida aos documentos autênticos.  Daí que apenas esteja plenamente provado que os sócios, outorgantes na escritura, fizeram aquela declaração, não se tendo já por provado que os factos nela referidos sejam verdadeiros. Podiam, consequentemente, tais factos ser impugnados pela autora, por não estarem cobertos pela força probatória plena do documento”.
“Todavia, esta – que foi quem apresentou o documento e que dele se valeu para fazer prosseguir a acção – não o fez, não provou (nem sequer alegou) que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados entre os sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito”.
“E, no contexto da acção, operada a substituição da sociedade pelos sócios, e estando a responsabilidade destes legalmente definida, cumpria à autora, quando requereu a substituição, alegar e provar aqueles factos, que se apresentam como constitutivos do seu direito a obter deles o montante do seu crédito, até ao montante que receberam na partilha”.
Além disso, o Acórdão do S.T.J. de 7/2/2013 (Procº 9787/03.8TVLSB.L1.S1, Relator Bettencourt de Faria consultado na “internet” em www.dgsi.pt) refere:
“2. A questão de fundo é a de saber se, dizendo o art.º 163º do C. S. Comerciais que os sócios da sociedade extinta respondem pelo passivo da sociedade extinta até ao montante do que receberam na partilha, compete ao credor alegar e provar essa partilha, ou então, se compete aos sócios demandados alegar e provar que a mesma partilha não teve lugar”.
“No Tribunal da Relação entendeu-se que tratava-se de matéria de excepção e, portanto, o ónus da prova competia ao réu”.
“Salvo o devido respeito, não temos esse entendimento”.
“O art.º 163º nº 1 é claro: o direito do credor sobre o sócio depende do facto deste ter partilhado. Assim, a existência de partilha é um facto constitutivo desse direito, não um facto que, provado, seja modificativo, impeditivo ou extintivo do direito em questão. Logo, estamos perante um facto constitutivo do direito e que, portanto, deve ser alegado e provado pelo autor – cf. art.º 342º do C. Civil nºs 1 e 2”.
“No caso dos autos, a autora não alegou, nem provou esse facto. Assim, não demonstrou o seu direito contra os réus sócios da primitiva ré sociedade”.
Por sua vez no sumário do já citado Acórdão do S.T.J. de 26/6/2008 (Procº 08B1184, Relator Santos Bernardino consultado na “internet” em www.dgsi.pt) consignou-se:  “Em acção pendente contra a sociedade, uma vez operada, em consequência da sua extinção devidamente registada, a substituição pelos dois sócios, impende sobre a autora – para lograr a responsabilidade destes, nos termos descritos nos nºs 4 e 5 – o ónus de alegar e provar que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados entre os sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito”.
Por fim, no Acórdão do S.T.J. de 25/10/2018 (Procº 3275/15.7 T8MAI-A.P1.S2, Relatora Graça Trigo, consultado na “internet” em www.dgsi.pt) consta do seu sumário:  “Em acção pendente contra a sociedade que veio a ser liquidada e extinta, compete ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens na partilha da sociedade executada para efeitos de prosseguimento da acção contra os mesmos sócios nos termos do artigo 163º, nº 1, do CSC”.
*
i)  Considera-se não existirem razões para nos desviarmos desta orientação da jurisprudência unânime do S.T.J..
Assim sendo, no caso destes autos, entendemos que seriam os recorridos a ter que alegar e provar a existência de bens da sociedade e a sua partilha entre os sócios para os poder responsabilizar.
E tal resulta provado (ver Factos Provados 26. a 31.), uma vez que se apurou que a sociedade extinta, à data da sua extinção, tinha activo e o mesmo foi partilhado pelos recorrentes.
*
j) Finalmente, quanto à indemnização pela privação do uso e gozo de parte do imóvel.
Vejamos.
Há que salientar que o objecto da presente acção se inscreve no âmbito de um contrato de compra e venda (art.º 874º do Código Civil), em cuja execução, consequentemente, a coisa entregue pelo vendedor deve estar isenta de vícios físicos, defeitos intrínsecos inerentes ao seu estado material, que estejam em desconformidade com o contratualmente estabelecido ou em desconformidade com o que, legitimamente, for esperado pelo comprador.
 Pretendem, assim, os recorridos a condenação dos recorrentes na eliminação dos defeitos por si apontados, bem como no pagamento de uma indemnização, a título de ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.
Deste modo, a questão em apreço inscreve-se na problemática da venda de coisas defeituosas, que o Código Civil contempla, nuclearmente, nos artºs. 913º e ss. (regime especial estabelecido a propósito da compra e venda de coisas defeituosas).
Para tal efeito, o nº 1 do referido art.º 913º do Código Civil define coisa defeituosa, em sentido amplo, como sendo aquela que “sofre de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim”, esclarecendo o nº 2 do mesmo normativo que, “quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria”.
Desta noção legal ressalta, desde logo, a equiparação entre vício e falta de qualidade da coisa vendida e, especialmente, a acentuação do seu carácter funcional reportado, em primeira linha, ao destino contratualizado e, a título supletivo, à função normal aferível pela categoria das coisas em que se inclui.
Assim, verificar-se-á venda de coisa defeituosa quando a mesma:
- Sofra de vício que a desvalorize:  Neste caso, o vício é aferido pela redução ou diminuição do valor da coisa vendida;
- Não possua as qualidades asseguradas pelo vendedor: “A não correspondência com o que foi assegurado pelo vendedor ocorre sempre que este tenha certificado ao comprador a existência de certas qualidades na coisa e esta certificação não corresponda à realidade” (cf. Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, Vol. III, 3ª ed., pg. 120);
- Não possua as qualidades necessárias para a realização do fim a que é destinada ou sofra de vício que a impeça da realização desse fim:  Nesta hipótese, a coisa não dispõe dos atributos necessários para realizar o fim a que se destina.
E se não sofre, actualmente, dúvida a caracterização de coisa defeituosa, o mesmo se não dirá no que toca ao regime aplicável.
Na verdade, diverge a doutrina portuguesa na questão de saber se os vícios redibitórios relevam do erro na declaração de vontade determinativo da anulação do negócio (teoria da garantia) ou se, diversamente, se projectam no plano da falta de cumprimento, mormente do cumprimento defeituoso (teoria do cumprimento ou do dever de prestar).
De qualquer modo, parece ser largamente dominante o entendimento de que o Código Civil, na remissão feita pelo art.º 913º nº 1, para o prescrito quanto à venda de bens onerados (artºs. 905º e ss.), arquitectou a tutela do comprador de coisas defeituosas na base de uma solução de compromisso configurada não só no regime do erro, mas ainda no cumprimento defeituoso.
É assim que a lei concede ao comprador:
- o direito de anulação fundado em erro ou dolo, observados que sejam os requisitos gerais da anulabilidade (cfr. artºs. 251º a 254º, 905º e 913º do Código Civil);
- o direito à redução do preço, nos casos em que se mostre que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior (art.º 911º do Código Civil “ex vi” art.º 913º nº 1 do Código Civil);
- o direito de indemnização complementar à anulação ou à redução, por violação do interesse contratual negativo (dano confiança), nos termos dos artºs. 227º, 908º, 909º e 911º do Código Civil “ex vi” art.º 913º nº 1 do Código Civil;
- o direito de exigir do vendedor a reparação ou, se necessário e possível, a substituição da coisa, como modalidade de execução específica baseada em cumprimento defeituoso, nos termos dos artºs. 914º e 921º do Código Civil.
Discute-se, por último, se afora esta panóplia de meios de tutela, o comprador poderá ainda lançar mão da acção de incumprimento nos termos gerais previstos nos artºs. 801º e 808º do Código Civil, ou seja, se lhe é lícito resolver o contrato em caso de incumprimento definitivo da obrigação com fundamento na falta da qualidade da coisa que lhe tenha sido assegurada pelo vendedor.
E vem-se admitindo esta via do cumprimento defeituoso quando estão em causa qualidades da coisa vendida que integram o conteúdo vinculativo do contrato, já que se trata de uma questão de falta de cumprimento do dever de prestar nos parâmetros contratualmente assumidos.
Acresce que, na venda de coisas defeituosas, o legislador privilegiou a perfeição e validade do contrato, não só consagrando a sua convalidação automática, ressalvadas as excepções, logo que desaparecido o vício que inquine o negócio (artºs. 895º, 896º, 906º nºs. 1 e 2 e 913º do Código Civil), como também faz impender sobre o vendedor a obrigação de proceder à respectiva convalidação (cfr. artºs. 897º, 907º e 914º do Código Civil).
No que concerne ao exercício de tais direitos, sustenta Romano Martinez (in “Direito das Obrigações (Parte Especial) – Contratos”, 2000, pg. 130) que “os diversos meios jurídicos facultados ao comprador em caso de defeito da coisa vendida não podem ser exercidos em alternativa.  Há uma espécie de sequência lógica:  em primeiro lugar, o vendedor está adstrito a eliminar o defeito da coisa e, não sendo possível ou apresentando-se como demasiado onerosa a eliminação do defeito, a substituir a coisa vendida ;  frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço, mas não sendo este meio satisfatório, cabe ao comprador pedir a resolução do contrato”, explicitando, ainda, que “a indemnização cumula-se com qualquer uma das pretensões, com vista a cobrir os danos não ressarcíveis por estes meios”.
Todavia, as consequências da compra e venda de coisas defeituosas determinam-se, ainda, em atenção a um outro aspecto:  Uma vez que se trata de cumprimento defeituoso, encontram também aqui aplicação as regras gerais da responsabilidade contratual.  Ou seja, apesar da atribuição (no âmbito do regime especial) de todos os direitos anteriormente elencados, não se mostra excluída a possibilidade de existir também um direito geral de indemnização (adveniente do regime regra do incumprimento), visando ressarcir o comprador dos prejuízos resultantes do cumprimento defeituoso da prestação do vendedor, sendo tal direito residual relativamente aos aludidos direitos de eliminação dos defeitos, de substituição da coisa, de redução do preço e de resolução do contrato, mas podendo ser exercido isoladamente, por exemplo, nos casos de defeitos não eliminados, em que se revele desproporcionada a realização de nova obra e que se traduzam em desconformidades que não reduzem o valor da coisa, nem a tornam inadequada ao fim a que se destina.
Conforme refere Calvão da Silva (in “Compra e Venda de Coisas Defeituosas (Conformidade e Segurança)”, 2002, pg. 72), “o comprador pode escolher e exercer autonomamente a acção de responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo decorrente do incumprimento defeituoso ou inexacto, presumidamente imputável ao vendedor (artigos 798º e 799º, art.º 801º, nº 1), sem fazer valer outros remédios, sem pedir a resolução do contrato ou a redução do preço nem a reparação ou substituição da coisa, portanto”.
Por fim, em sede de consequências da compra e venda de coisas defeituosas, importa, ainda, reter, no que para o caso “sub judice” releva, as particularidades estabelecidas no art.º 914º do Código Civil.
Consagra o mencionado preceito o direito do comprador ao cumprimento pontual do contrato (cfr. art.º 406º nº 1 do Código Civil), o direito à prestação originária, isenta de vícios, que lhe é devida.
E, optando o comprador por exercer o seu direito de exigir do vendedor a reparação da coisa nos termos daquele normativo, o vendedor só pode libertar-se da sua obrigação de reparar os defeitos se provar que os desconhecia sem culpa, conforme se dispõe na sua 2ª parte.
Caberá, então, ao comprador provar que os defeitos são originários da coisa e que se encontravam ocultos no momento da compra e venda, enquanto ao vendedor incumbirá provar que desconhecia sem culpa a existência de tais defeitos (cf. as regras do ónus da prova consagradas no art.º 342º do Código Civil).
Provando-se a existência dos defeitos e não conseguindo o vendedor ilidir a presunção de culpa que sobre ele impende, então só não há lugar à reparação e substituição se estas forem excessivamente onerosas para o vendedor e objectivamente desproporcionadas em relação ao proveito delas decorrente para o comprador (cfr. artºs. 566º nº 1, “in fine”, 829º nº 2 e 1221º nº 2 do Código Civil), bem como se forem irrealizáveis, insusceptíveis de satisfazer o fim essencial das partes dentro dos parâmetros da boa fé.
Nestas hipóteses, haverá, então, lugar à aplicação das regras gerais do incumprimento das obrigações, designadamente, assistirá ao comprador o direito à redução do preço ou à própria resolução do contrato.
Por outro lado, do incumprimento dos deveres de eliminação dos defeitos ou de substituição da coisa deriva para o vendedor responsabilidade contratual determinada nos termos do art.º 910º do Código Civil aplicável “ex vi” art.º 913º do Código Civil.  Tal indemnização prevista no aludido art.º 910º do Código Civil é a indemnização pelo incumprimento de fazer convalescer o contrato, ou seja, de o cumprir pontualmente, reparando ou substituindo a coisa (referida no art.º 914º do Código Civil), não se confundindo com a indemnização pela venda de coisa defeituosa, antes se cumulando com ela, salvo na parte em que o prejuízo for comum, como refere o nº 1 do mesmo preceito.
*
k)  Na sentença recorrida, provou-se que os recorridos, cerca de meio ano após a aquisição do imóvel detectaram infiltrações num dos quartos da sua fracção, nomeadamente o da sua filha, humidade nas paredes da sala, mais concretamente na janela maior situada nas escadas, fissuras no telhado e referida janela e o levantamento do soalho de madeira existente nos quartos de dormir.
Os apelados interpelaram verbalmente, por várias vezes, e por escrito, uma vez, a sociedade vendedora, com vista à imediata reparação de tais defeitos. Igualmente interpelaram, para esse efeito, a sociedade construtora, “M.M.B. Construções, Ldª”.
Essas situações, ocasionados pela própria e deficiente construção do imóvel, foram objecto de reparação por parte da sociedade construtora todos os anos, entre 2007 e 2010, na sequência das referidas interpelações.
Porém, em meados de Outubro de 2011, os defeitos voltaram a aparecer, tendo os apelados interpelado a “P., Ldª” (à atenção do apelante), bem como o próprio apelante, por meio de cartas registadas com aviso de recepção expedidas em 3/11/2011 e 21/11/201, a solicitar a imediata reparação das infiltrações nas paredes e tecto da sala e infiltrações nas varandas dos quartos de dormir.
Essas cartas, apesar de não levantadas, foram enviadas para a morada da sociedade e para a morada dos apelantes.
E aqui suscitam os recorrentes a questão de as referidas cartas registadas enviadas à sociedade terem sido devolvidas, defendendo que as mesmas não podem ser consideradas como uma interpelação.
Porém, a verdade é que (cf. Docs. juntos com o requerimento inicial) as cartas foram expedidas para a morada indicada como sendo a sede da “P., Ldª”, sedo que a morada indicada como sendo a residência dos recorrentes (e onde foram citados) é a mesma da sede social da referida pessoa coletiva.
Vejamos:
A declaração de denúncia dos defeitos da coisa vendida é uma declaração unilateral receptícia, não sujeita a forma especial para ser emitida, mediante a qual se comunica ao vendedor os defeitos de que a coisa padece.  Como declaração receptícia, é eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida (cf. art.º 224º nº 1 do Código Civil).
Essa declaração ganha eficácia se chegar à esfera de disponibilidade material ou de acção do vendedor, ou se chegar ao seu conhecimento.
A chegada à esfera de disponibilidade material ou de acção integra a cognoscibilidade (possibilidade ou susceptibilidade de conhecimento) da declaração pelo destinatário, independentemente do conhecimento efectivo, esfera essa aferida de acordo com as circunstâncias normais que envolvem o destinatário e correndo contra si os riscos que, de forma previsível e antecipada, impossibilitam (“sibi imputet”) que a cognoscibilidade se converta em conhecimento efectivo, desde que essa esfera esteja sob o controlo do destinatário (cf. Acórdão do S.T.J. de 16/12/2021, Procº 4679/19.1 T8CBR-C.L1, Relator Ricardo Costa, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
Ao declarante incumbe o ónus de alegação e prova da expedição da declaração e de aquela ter sido feita para o destino a que corresponde a esfera de acção e recepção do destinatário-declaratário.  Por outro lado, incumbe ao declaratário-destinatário a contra-prova da falta de concretização da expedição (isto é, a recepção) no destino ou, se for o caso, do conhecimento efectivo, ou ainda a impossibilidade de conhecimento.
De salientar ainda que, nos termos do art.º 224º nº 2 do Código Civil, “é também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida”.
Essa culpa, como se salienta no Acórdão do S.T.J. acima indicado, “traduz um juízo de censura subjectiva para a falta de diligência devida, isto é, aquela que, de entre os cenários existentes em concreto após a expedição adequada da declaração, o levariam a actuar de maneira diferente – como se exigiria a um “bom pai de família”: art.º 487º, 2, CCiv. – e não o fez, merecendo que não possa opor-se à eficácia da declaração a si dirigida e não consumada por causa (dolosa ou negligente) que apenas a si é imputável no contexto das circunstâncias relevantes”.
“In casu”, provado que está que as cartas registadas com aviso de recepção foram remetidas para a morada da sociedade e que essas não foram recebidas por o destinatário as não ter reclamado, , opera o disposto no citado art.º 224º nº 2 do Código Civil, considerando-se eficaz a interpelação, visto a respetiva declaração receptícia só não ter sido recebida por culpa do destinatário (sendo que, curiosamente, a morada é a mesma dos ex-sócios, aqui recorrentes).
Aliás, há ainda que referir que, nos termos do disposto no art.º 4º nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 129/98, de 13/5, as sociedades comerciais são entidades obrigadas a inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas, estando sujeitas a inscrição as respetivas constituição e alteração da sede ou endereço postal (art.º 6º, als. a) e d) do referido Decreto-Lei). 
As cartas em causa foram enviadas para a morada que no registo comercial consta como sendo a sede da “P., Ldª”, pelo que, se esta não as recebeu, outra coisa não se pode concluir que não seja a de considerar a não recepção por facto que lhe é imputável uma vez que é sobre ela que recai “o ónus de garantir a correspondência entre o local inscrito como sendo a sua sede e aquele em que esta se situa de facto, atualizando-o com presteza, a fim de evitar que à sua citação se venha a proceder em local correspondente a uma sede anterior” (cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 17/11/2015, Relatora Rosa Ribeiro Coelho, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
Deste modo, temos de concluir pela verificação da interpelação da sociedade insolvente.
*
l)  Mas pese embora ter ocorrido esse interpelação, os recorrentes não procederam a qualquer reparação.
Ainda persistem os defeitos tendo ocorrido o levantamento do soalho nos quartos de dormir, mantendo-se as fissuras e fendas nas paredes; as fissuras na janela maior, a qual dá acesso ao piso superior da moradia, devido ao mau isolamento; as infiltrações na varanda dos quartos de dormir; as humidades nas paredes e tectos, nomeadamente, na sala de jantar.
Ou seja, há que concluir que as reparações anteriormente efectuadas não foram realizadas em condições adequadas nem de forma diligente, visto que os defeitos ainda se mantêm.
E, assim sendo, foram os defeitos denunciados dentro do prazo legal de caducidade previsto no art.º 916º nºs. 2 e 3 do Código Civil, porque tal foi feito antes de decorridos cinco anos do conhecimento inicial (venda em 15/12/2006 e denúncia em meados do ano de 2007) e de um ano a contar do conhecimento dos defeitos pós-reparações (conhecimento em Outubro de 2011 e denúncia em Outubro de 2011), até porque, “no regime da compra e venda de coisa defeituosa, o direito à eliminação dos defeitos do imóvel vendido que reaparecerem após a realização de obras de reparação por parte do vendedor está sujeito a um novo prazo de caducidade” (cf. Acórdão da Relação de Guimarães de 2/11/2017, Relator João Peres Coelho, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
*
m)  Outra questão suscitada, é a de saber que defeitos devem ser reparados.
A nosso ver, serão todos aqueles que ainda se mantêm.
Defendem os recorrentes que os defeitos foram reparados pela sociedade construtora, pelo menos, quatro vezes, entre 2007 e 2010.  Contudo, e apesar das reparações, os defeitos voltaram a aparecer em meados de Outubro do ano de 2011.
No entanto, ainda segundo os apelantes, por requerimento dos recorridos (Refª 40330370, de 2/11/2021), estes vieram esclarecer que os defeitos que constituem a causa de pedir foram objecto de reparação no seu interior, pelo próprio Autor, (por motivos de condições de habitação), sendo que o exterior se mantém igual;  assim, os defeitos denunciados, localizados no interior do imóvel (infiltrações nas paredes e tecto da sala), foram objecto de reparação.
E, concluem os recorrentes: “Pelo que vem de se referir, é lídimo concluir que apenas falta reparar os defeitos localizados no exterior do imóvel, correspondentes às “Infiltrações na varanda dos quartos de dormir””.
No entanto, de forma breve, diremos que, como resulta dos factos provados, os apelados lograram fazer prova total da existência, no imóvel, de deficiências ou vícios de construção e… de deficiências da reparação efectuada pelos apelantes na referida fracção.
Com efeito, se é certo que os recorrentes procederam a reparações no interior, a verdade é que os defeitos ali reparados sobrevieram em consequência dos defeitos no exterior (isolamento defeituoso que permite a entrada de humidades).
Ou seja, em nosso entender, os defeitos a reparar serão todos aqueles que ainda se mantêm, a saber:  o levantamento do soalho nos quartos de dormir, bem como as fissuras e fendas nas paredes ;  as fissuras na janela maior, a qual dá acesso ao piso superior da moradia, devido ao mau isolamento ;  as infiltrações na varanda dos quartos de dormir ;  as humidades nas paredes e tectos, nomeadamente, na sala de jantar.
*
m)  O montante necessário à reparação desses defeitos ascende a 7.747,61€.
Os recorridos mantêm uma sala de estar que está a ser utilizada parcialmente e que tem muito pouco uso devido às infiltrações, sendo que o quarto da filha do casal, também derivado do mesmo problema, durante algum tempo não foi utilizado e a referida filha dos apelados passou, nesse período, a dormir no quarto de visitas.
Toda esta situação provocou nos recorrentes angústia, sendo para eles uma situação incomportável, pois compraram a moradia pensando no bem-estar e conforto da família, o que nunca chegaram a atingir.
*
o)  Assim, e em resumo, diremos que estamos perante um incumprimento da sociedade “P. – Promoções Imobiliárias, Ldª”, que não entregou aos recorridos o imóvel sem vícios.
Esses vícios podem ser reparados e deverão sê-lo pelos actuais responsáveis, os sócios da referida sociedade, aquando da sua liquidação (os recorrentes).
O valor das reparações encontra-se determinado (7.747,61€).
Sofreram os recorridos incómodos pela privação do uso e gozo de parte do imóvel.
Estes incómodos, atenta a expectativa que os apelados tinham de adquirirem um bem para melhorar o seu bem-estar e conforto, são causadores de danos não patrimoniais que pela sua gravidade merecem a tutela do direito (cf. artºs. 483º e 496º do Código Civil).
O montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixado de forma equitativa, tendo em conta as circunstâncias enunciadas no art.º 494º do Código Civil, conforme impõe art.º 496º nº 3 do Código Civil.
Neste caso, ficou demonstrada a existência de uma actuação da sociedade vendedora que deixou prolongar a situação do imóvel por vários anos.
É certo que a sociedade ainda procedeu a algumas reparações, mas os defeitos (nomeadamente infiltrações) voltaram a surgir.
Haverá, portanto, que ponderar a culpa do agente e as referidas circunstâncias envolventes da sua actuação, devendo a medida da reparação ser fixada segundo o prudente arbítrio do julgador.
A reparação dos danos não patrimoniais não configura uma genuína indemnização, mas sim uma compensação atribuída ao lesado tendente a proporcionar-lhe alguma satisfação em contrapartida do sofrimento ou do vexame que o facto danoso lhe tenha infligido.  Em rigor, os danos morais são insusceptíveis de serem apagados ou reparados de forma exactamente quantificada, em espécie ou em equivalente pecuniário, mas podem ser compensados, sem que isso seja imoral, com a satisfação, o bem-estar ou a utilidade que o dinheiro possibilita (cf. Jorge Leite Areias Ribeiro de Faria, in “Direito das Obrigações”, Vol. 1º, 1990, pgs. 489 e 490, e Vaz Serra, in Rev. Leg. Jur., Ano 113º, pg. 104).
O valor peticionado (2.000€) a título de indemnização por danos não patrimoniais a favor dos recorridos, em face do acima exposto, não se afigura exagerado (quando muito até poderá pecar por defeito, mas o Tribunal, nos termos do art.º 609º nº 1 do Código de Processo Civil, não pode condenar em quantidade superior ao pedido).
Assim sendo, não vislumbramos para, nesta parte, alterar a Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”.
*
p)  Deste modo, conclui-se que a apelação deduzida não merece provimento, sendo de manter a Sentença recorrida.

*  *  *
III – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em:
1º- Alterar a matéria de facto conforme acima fica dito.
2º- Negar provimento ao recurso confirmando na íntegra a decisão recorrida.
Custas:  Pelos recorrentes (art.º 527º do Código do Processo Civil).

Processado em computador e revisto pelo relator

Lisboa, 1 de Outubro de 2024
Pedro Brighton
Teresa Sousa Henriques
Isabel Fonseca