SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
PRORROGAÇÃO
REVOGAÇÃO
Sumário

Quanto à prorrogação do prazo de suspensão de execução da pena, nos termos do art. 55º al. d) do Código Penal, cumpre afirmar que o regime previsto nesta disposição legal (art.° 55°) não tem aplicação à circunstância de o condenado praticar crime durante o período de suspensão da pena, tal com resulta do teor literal do normativo, que apenas refere o incumprimento dos deveres ou regras de conduta impostos, ou do plano de reinserção social, ou seja, com referência à situação prevista no art. 56º nº 1 al. a) do CP.
A revogação da suspensão da pena depende sempre da constatação de que as finalidades punitivas visadas com a imposição de pena suspensa se encontram irremediavelmente comprometidas, revelando que os índices de confiança depositados pelo Tribunal no arguido ao condená-lo numa pena de prisão que ficou suspensa na sua execução, ficaram irremediavelmente quebrados com a prática de um novo crime, o que denota um total alheamento pelas mais elementares regras da convivência social e que o juízo de prognose em que assentara a suspensão não se mostra alcançado.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
1. No Processo Sumário, nº 1220/22.2GBLLE, do Juízo Local Criminal de …, Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, por sentença, transitada em julgado, em 16.12.2022, foi o arguido AA, condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão, tendo sido determinado suspender a execução da pena de 3 (três) meses de prisão pelo período de 1 (um) ano.

O período de suspensão iniciou-se em 16-12-2022 e terminou em 16-12-2023.

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2. Em 15 de Abril de 2024 foi, nos mesmos autos, proferida decisão com o seguinte teor:

“Da revogação da suspensão da execução da pena de prisão:

Por sentença proferida nestes autos e transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão, tendo sido determinado suspender a execução da pena de 3 (três) meses de prisão pelo período de 1 (um) ano.

O período de suspensão iniciou-se em 16-12-2022 e terminou em 16-12-2023.

Por sentença proferida no proc. n.º 316/23.8…, transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática, em 15-03-2023, de um crime de desobediência, p. e p. pelos arts. 348.º, n.º 1, al. a), do Código Penal e 152.º, n.º 3 do Código da Estrada, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência a habitação.

Foi realizada a audição do condenado.

Foi junta pela DGRSP a informação em 23-02-2024 para efeitos de aplicação do regime de permanência na habitação.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido da revogação da suspensa da execução da pena de prisão e no cumprimento desta em RPH, com regra de conduta de tratamento.

Notificado, o arguido nada disse.

Cumpre apreciar e decidir.

Como é sabido, a suspensão da execução da pena de prisão tem em vista alcançar as finalidades da punição (preventivas – art. 40.º, n.º 1, do Código Penal), em casos de penas de curta ou média duração, sem que o agente seja submetido ao ambiente criminógeno estigmatizante do sistema prisional,

De acordo com o disposto no art. 56.º, n.º 1, do Código Penal, são dois os fundamentos da revogação da suspensão da pena de prisão: «A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas».

No entanto, o incumprimento culposo das condições de suspensão pode conduzir, em função do respectivo grau, a outras consequências, prevendo-se no art. 55.º do Código Penal que, «Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal: a) Fazer uma solene advertência; b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º».

Pressuposto de ambos os preceitos é a culpa no não cumprimento dos deveres e das regras de conduta ou do plano de reinserção impostos na sentença.

Todavia, a hipótese de revogação apenas pode verificar-se em situações em que a culpa se revele grosseira. Além disso, tem sido entendimento pacífico que, perante um tal incumprimento culposo, o Tribunal deverá ponderar se a revogação é a única forma de lograr a consecução das finalidades da punição, uma vez que a mesma deverá ser um recurso de ultima ratio, visto implicar o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (art. 56.º, n.º 2, do Código Penal).

Neste sentido, «a revogação da suspensão da pena depende sempre da constatação de que as finalidades punitivas visadas com a imposição de pena suspensa se encontram irremediavelmente comprometidas, traduzindo o fracasso, em definitivo, da prognose inicial que determinou a sua aplicação e a infirmação da esperança de por meio daquela pena, manter o delinquente afastado da criminalidade» (Ac. do TRL de 19-06-2019, proc. n.º 593/14.5GCTVD.L1-3, www.dgsi.pt).

No caso sub judice, temos que o arguido no período da suspensão da pena de prisão, voltou a delinquir, mediante a prática de um crime de desobediência (recusa da realização de teste de álcool).

É certo que a comissão de crimes no decurso do período da suspensão da execução da pena não determina automática e imediatamente a revogação da suspensão da execução da pena de prisão. Efectivamente, conforme expressamente consta do art. 56.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, necessário se torna que, para além do cometimento de crime no decurso do período da suspensão, se conclua que as finalidades que estavam na base dessa suspensão, analisadas e ponderadas as particularidades do caso concreto, não lograram êxito, ou seja, cumpre indagar da possibilidade de garantir as finalidades da punição mediante a manutenção da ressocialização do condenado em liberdade, esgotando os meios legais de intervenção penal fora da prisão.

Neste seguimento, «Havendo incumprimento culposo do arguido pelo cometimento de novo crime, o juízo sobre a manutenção do juízo de prognose que motivou a suspensão depende da ponderação conjunta de diferentes factores, onde se incluem o maior ou menor espaço temporal entre a data de início do período de suspensão da execução da pena e a data em que foram praticados os novos factos, a semelhança ou diferença de natureza dos tipos de crime cometidos, a gravidade do novo crime e, com particular relevo, a evolução das condições de vida do condenado até ao presente» (Ac. do TRL de 19-06-2019, proc. n.º 593/14.5GCTVD.L1-3, www.dgsi.pt, sublinhados nossos).

Acrescenta, ainda, este último aresto, que «a jurisprudência tem considerado que, em princípio, “só a condenação em pena efectiva de prisão é reveladora de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas” (…). Conforme se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06-01-2015, “a condenação posterior em pena de multa ou em pena de substituição permitirá sinalizar, em princípio, a manutenção da confiança na ressocialização em liberdade. Conta ainda com a autonomia e liberdade do condenado para, de acordo com a nova sanção aplicada, se adequar ao direito e se ressocializar fora da prisão. Este tribunal (da segunda condenação ou condenação posterior à pena suspensa) não pode deixar de conhecer a anterior decisão de pena suspensa e possui os elementos mais actualizados sobre a personalidade e condições de vida do arguido. Neste contexto, a decisão de renovação da confiança na pessoa do condenado e na eficácia da pena não detentiva não deve, em princípio, ser posta em causa pelo tribunal da primeira condenação, quando vem a decidir das consequências do incumprimento das condições da suspensão da execução da pena que aplicou. Aquela segunda condenação (em pena não detentiva) pode apresentar-se ali como indicador da eficácia da pena suspensa. E uma revogação de suspensão de pena anterior pode então, comprometer a eficácia da pena preventiva.” (proc. 23/08.1GCFAR.E1, Ana Barata de Brito)» (sublinhados nossos; no mesmo sentido, Ac. do TRE de 10-11-2020, proc. n.º 190/16.0PBSTR-A.E1, www.dgsi.pt).

Ora, in casu, há que ponderar que o novo crime pelo qual o arguido foi condenado possui a mesma natureza rodoviária (sendo a condução com álcool estreitamente conexionada com tal crime, posto que a desobediência em causa visa evitar a fiscalização tendente ao apuramento da condução sob influência do álcool).

Ademais, nessa nova condenação o respectivo tribunal não logrou formular um juízo de prognose favorável com a suspensão da execução da pena de prisão que foi aplicada, tendo optado pela execução da pena de prisão, ainda que em regime de permanência na habitação.

Não se ignora que o arguido, se encontra social e profissionalmente inserido.

Todavia, tais elementos não são suficientes para contrabalançar o efeito negativo resultante do cometimento do novo crime, pois que aquela inserção não constituíram factores suficientemente contentores do ímpeto criminoso do condenado.

Sopesando os factores enunciados, entendemos que as finalidades que presidiram à aplicação da pena não detentiva nestes autos se encontram irremediavelmente afastadas.

Ao suspender a execução da pena de prisão aplicada, o tribunal dispôs-se a correr um risco calculado na manutenção do arguido em liberdade, por ter confiado que a simples censura do facto e a ameaça da prisão o afastavam da criminalidade, realizando-se, desse modo, as finalidades da punição, não obstante o arguido, já anteriormente à condenação imposta nos presentes autos, ter cometido crimes.

Verifica-se, porém, que o condenado não soube aproveitar esta oportunidade, não tendo a referida ameaça constituído advertência suficiente para o afastar do cometimento de novos crime e não o tendo feito adquirir a consciência da ilicitude da sua conduta.

Daqui resulta que as mesmas exigências de prevenção especial e de prevenção geral que justificaram a aplicação da pena de suspensão, impõem, em face da conduta posterior do arguido que fez gorar as expectativas nele depositadas e infirmar de forma definitiva o juízo de prognose favorável efectuado na sentença, a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada, só assim se criando ao arguido a contra motivação suficiente para o dissuadir de continuar na senda criminosa.

Em face do exposto, e ao abrigo do disposto no art. 56.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do Código Penal, decide-se revogar a suspensão da execução da pena de prisão de 3 (três) meses de prisão em que o arguido foi condenado nos presentes autos.

Do regime de permanência na habitação:

O regime de permanência na habitação é um meio de execução da pena de prisão (MARIA JOÃO ANTUNES, ob. cit., p. 94), que consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão (art. 43.º, n.º 2, do Código Penal, e art. 1.º, al. b) da Lei n.º 33/2010, de 02-09).

Como primeiro pressuposto formal deste regime, exige-se o consentimento do condenado (art. 43.º, n.º 1, do Código Penal, e art. 4.º, n.ºs 1 e 7, da Lei n.º 33/2010, de 02-09), bem como das pessoas maiores de 16 anos que com ele coabitem (art. 4.º, n.º 2, da Lei n.º 33/2010, de 02-09).

O segundo pressuposto formal pressupõe a condenação em pena de prisão efectiva não superior a dois anos (art. 43.º, n.º 1, al. a), do Código Penal) ou em pena de prisão efectiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos arts. 80.º a 82.º (art. 3.º, n.º 1, al. b), do Código Penal).

Como pressuposto material, o art. 43.º, n.º 1, do Código Penal exige que o tribunal conclua que «por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão», ou seja, finalidades preventivo-especiais, «no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes», sem prejuízo de satisfazer também exigências de prevenção geral positiva («servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes») (art. 42.º, n.º 1, do Código Penal).

É nítida a preferência concedida pelo legislador ao cumprimento de penas de prisão de curta duração em meio não prisional.

Descendo ao caso dos autos, em termos de pressupostos formais, o arguido (na sua audição) prestou o seu consentimento.

Por outra parte, está em causa a revogação de pena não privativa da liberdade aplicada em substituição de pena de prisão não superior a 2 anos.

Finalmente, a situação do condenado é compatível com as exigências da vigilância electrónica, conforme resulta da informação DGRSP junta.

Em termos materiais, há que considerar que presentemente o arguido se encontra profissionalmente activo e beneficia de apoio familiar, também conforme resulta daquela informação, estado ainda em tratamento à sua problemática aditiva.

Ademais, pese embora os antecedentes criminais que possui, o arguido nunca foi condenado em pena de prisão efectiva por crime desta natureza.

Tendo o legislador concedido preferência ao cumprimento de penas de prisão de curta duração em meio não prisional, não se vislumbra que apenas o cumprimento dessa pena em tal meio pelo arguido satisfaça de forma adequada as necessidades preventivas que o caso reclama. Pelo contrário, o contacto do condenado com o nocivo ambiente do meio prisional será de evitar sempre que, como no caso, não se imponha comunitariamente que o mesmo recolha ao estabelecimento prisional.

Todavia, para fazer face às elevadas necessidades preventivas, o Tribunal socorrer-se-á da possibilidade prevista no art. 43.º, n.º 4, do Código Penal de subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, susceptíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir.

Assim, de modo a garantir a preparação do arguido para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes, ao abrigo do disposto no art. 43.º, n.º 4, al. c), do Código Penal, subordina-se o regime de permanência na habitação ao cumprimento, até ao termo da pena, da obrigação de manutenção do tratamento à sua problemática aditiva ao álcool.

Nestes termos, em nome das premissas básicas imanentes a um sistema de reacções penais claramente vocacionado para a ressocialização do agente e a sua sensibilização para os comandos ético-normativos, no sentido de o recuperar para o Direito, afigura-se-nos ser possível realizar, neste particular, um juízo de prognose favorável quanto à conduta futura do arguido e concluir que, servindo de incentivo para o efeito, a privação de liberdade em regime de permanência na habitação afastá-lo-á da prática criminosa.

Quer dizer, julga-se que a ressocialização do arguido será ainda possível se se mantiver junto da sua família e mediante o cumprimento das regras de conduta supra referidas, evitando-se o carácter estigmatizante da prisão em meio prisional, mas restringindo-o na sua liberdade e fazendo-o sentir a reprovação do crime praticado em razão do seu confinamento à habitação.

Conclui-se, assim, que se encontram reunidos todos os requisitos legais para o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com meios de fiscalização de controlo à distância (art. 43.º, n.º1, al. a) do Código Penal, e arts. 1.º, al. b), 4.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 7.º, n.ºs 1, 2 e 7, da Lei n.º 33/2010, de 02 de Setembro).

Por outro lado, nos termos do art. 43.º, n.º 3, «O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para actividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado», no mesmo sentido dispondo o art. 11.º, n.º 1, da Lei n.º 33/2010, de 02 de Setembro.

Para além de o exercício profissional permitir ao arguido a angariação de meios de subsistência, a mesma contribuirá para a sua ressocialização, evitando a sua mera ociosidade, pelo que se autorizarão as ausências necessárias para o efeito no horário constante da informação da DGRSP, incluindo o tempo para as respectivas deslocações.

Ademais, autoriza-se o condenado a ausentar-se da sua residência pelo tempo estritamente necessário, incluindo deslocações, para comparecer nas consultas necessárias ao tratamento da dependência de álcool, nas datas e horários que vierem a ser definidos pela instituição responsável, mediante prévia comunicação com a DGRSP que deverá verificar se os pedidos de saída visam aquela finalidade.

Em face do exposto, decide-se:

a) Determinar o cumprimento da pena de (3) três meses prisão em REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO, sita no …., com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, SUBORDINADO À OBRIGAÇÃO de o arguido manter o tratamento ao consumo abusivo ou dependência do álcool, regra de conduta que vigorará até ao termo da pena, competindo à DGRSP o necessário apoio e fiscalização, nos termos do art. 43.º, n.ºs 1, al. a), e 4, al. c), do Código Penal.

b) Autorizar as AUSÊNCIAS do condenado, todos os dias com excepção de quarta-feira, das 12h00 às 24h00 para exercício de actividade profissional, acrescidas do tempo estritamente necessário para a deslocação de e para o local de trabalho (30 min para cada), nos termos do art. 43.º, n.º 3, do Código Penal.

c) Autorizar as AUSÊNCIAS do condenado pelo tempo estritamente necessário, incluindo deslocações, para comparecer no tratamento da dependência de álcool, nas datas e horários que vierem a ser definidos pela instituição responsável, mediante prévia comunicação com a DGRSP que deverá verificar se os pedidos de saída visam aquela finalidade.

Após trânsito em julgado: Remetam-se boletins à Direcção dos Serviços de Identificação Criminal (art. 6.º, alínea a), da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, e art. 374.º, n.º 3, al. d), do Código de Processo Penal). Comunique à DGRSP, ao TEP e ao proc. 316/23.8… deste J…, solicitando o oportunamente ligamento do condenado aos presentes autos.

Notifique.”

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3. Não se conformando com o teor de tal decisão, dela recorreu o arguido extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões:

“1. Por despacho de 15-05-2024 foi revogada a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido e foi determinado que o mesmo cumprisse a pena de (3) três meses prisão em REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, SUBORDINADO À OBRIGAÇÃO de o arguido manter o tratamento ao consumo abusivo ou dependência do álcool, regra de conduta que vigorará até ao termo da pena, competindo à DGRSP o necessário apoio e fiscalização, nos termos do art. 43.º, n.ºs 1, al. a), e 4, al. c), do Código Penal.

2. Foram autorizadas as AUSÊNCIAS do condenado, todos os dias com excepção de quarta-feira, das 12h00 às 24h00 para exercício de actividade profissional, acrescidas do tempo estritamente necessário para a deslocação de e para o local de trabalho (30 min para cada), nos termos do art. 43.º, n.º 3, do Código Penal.

3. E autorizadas as AUSÊNCIAS do condenado pelo tempo estritamente necessário, incluindo deslocações, para comparecer no tratamento da dependência de álcool, nas datas e horários que vierem a ser definidos pela instituição responsável, mediante prévia comunicação com a DGRSP que deverá verificar se os pedidos de saída visam aquela finalidade.

4. Entende o Recorrente, que o despacho ora posto em crise procedeu a uma incorreta interpretação e aplicação das normas contidas nos artigos 40º, nº 1, 55º e 56º do Código Penal, pois que, em virtude da situação pessoal do recorrente deveria ter concluído que as finalidades que estiveram na base da decisão de suspensão da execução da pena de prisão não estão comprometidas, as quais, podem ser alcançadas por meio de outras medidas, de acordo com as possibilidades do art.º 55.º, do Código Penal.

5. Entende o recorrente que o Tribunal a quo devia ter apreciado a situação do arguido no momento em que toma a decisão de revogação e não no momento em que o recorrente cometeu o crime.

6. E que a circunstância do recorrente se encontrar a cumprir pena de prisão em regime da permanência na habitação antes da prolação do despacho recorrido, não foi devidamente ponderada.

7. O comportamento do condenado e a sua consciencialização do comportamento antijurídico, é necessariamente diferente quando sobre ele paira uma ameaça de pena, de quando cumpre efetivamente a pena.

8. Sendo certo que, o recorrente não denota incidentes no cumprimento da pena, mantém o apoio familiar e está inserido social e laboralmente.

9. O processo de consciencialização do arguido é também evidenciado pelo facto de, por mote próprio, ter iniciado tratamento à problemática do álcool.

10. Assim, devia o tribunal a quo ter considerado que, quer do ponto de vista da prevenção geral quer do ponto de vista da prevenção especial, ainda é possível efectuar um juízo de prognose favorável no que respeita à ameaça de prisão.

11. Sendo que, em alternativa à revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve aquela ser prorrogada.

12. Prorrogação da suspensão da pena está alicerçada na condição do recorrente manter o acompanhamento médico à problemática do álcool, com supervisão e acompanhamento da DGRSP.

13. Esta solução implicará uma maior responsabilização do recorrente e permitirá aprofundar a consciencialização para o problema aditivo, já que terá, obrigatoriamente um acompanhamento médico mais prolongado.

14. Por outro lado, permitirá ao Tribunal um controlo mais acentuado e prolongado do comportamento do recorrente.

15. A prorrogação da suspensão da pena de prisão com a condição de continuar com o tratamento médico, assegura, de forma mais eficaz, a reintegração do recorrente do que a decidida pela Tribunal a quo, que, comparativamente, é mais punitiva do que reintegradora.

Nestes termos e demais que V.Exas doutamente suprirão.

Deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que prorrogue a suspensão da pena de prisão de três meses, sob condição do recorrente manter tratamento médico adequado à problemática do álcool e aceitar o acompanhamento da DGRSP.”

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4. O recurso foi admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo, ao mesmo tendo respondido o Digno Magistrado do Ministério Público, junto do tribunal de 1ª instância, sustentando que a decisão recorrida não é passível de censura e que deverá ser mantida.

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5. Subidos os autos a este tribunal, nele o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado Parecer, nos termos do qual considerou que deve ser negado provimento ao recurso apresentado pelo arguido e mantido o despacho recorrido.

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6. Cumpridos os vistos, realizou-se a competente conferência.

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7. O objecto do recurso versa a apreciação das seguintes questões:

- Da possibilidade de prorrogação da suspensão da execução da pena, nos termos do art. 55º al. d) do Código Penal;

- Da não revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

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8. Apreciando:

O recorrente veio requerer a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que determine a aplicação de decisão mais adequada ao caso em apreço, plasmada no art. 55º al. d) do CP, ou seja, a prorrogação do período de suspensão.

Vejamos:

Perscrutados os autos apura-se que o recorrente foi, nestes autos, condenado por sentença, transitada em julgado em 16.12.2022, por um crime de condução de veículo em estado de embriagues, p. e p. pelo art. 292º nº 1 do CP, na pena 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.

Durante o referido período de suspensão da execução da pena, aferiu-se que cometeu novos factos típicos ilícitos, ou seja:

- No Processo n.º 316/23.8.. foi condenado pela prática, a 15.03.2023, de um crime de desobediência (recusa da realização de teste de álcool), p. e p. pelo art. 348º nº 1 al a) do CP e 152º nº 3 do Código da Estrada, na pena de 5 meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação.

E foi com o fundamento de as finalidade que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão, aplicada nestes autos, não terem sido alcançadas por meio desta, tendo a expectativa prognóstica positiva na prevenção da reincidência sido irreparavelmente frustrada, ao ser cometido outro crime, que a suspensão da execução da pena visava impedir, que a decisão recorrida determinou, nos termos permitidos no art. 56º nº 1 al. b) do CP, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada e, consequentemente, o cumprimento, por parte do arguido, da pena de 3 meses de prisão, fixada na sentença proferida nos autos.

Assim, e quanto à pretensão de prorrogação do prazo de suspensão de execução da pena, nos termos do art. 55º al. d) do Código Penal, cumpre afirmar que o regime previsto nesta disposição legal (art.° 55°), cuja aplicação foi pugnada pelo arguido, não tem aplicação à circunstância do condenado praticar crime durante o período de suspensão da pena [como o que aqui ocorreu e foi fundamento para a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão], tal com resulta do teor literal do normativo, que apenas refere o incumprimento dos deveres ou regras de conduta impostos, ou do plano de reinserção social, ou seja, com referência à situação prevista no art. 56º nº 1 al. a) do CP, o que, como já vimos, não foi o que sucedeu no caso em apreciação nos autos, não tendo, por isso, aqui aplicação o disposto no art. 55º al. d) do C.P., nesta parte improcedendo, por isso, o recurso.

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Passemos, então, à questão se saber se o tribunal a quo violou o disposto no art. 56º nº 1 al. b) do CP ao revogar a suspensão da execução da pena de prisão que havia aplicado.

Assente que está a prática, pelo arguido, no decurso do prazo de suspensão, de um crime de desobediência, pelo qual veio a ser condenado na pena de 5 meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, mostra-se preenchido o pressuposto material de revogação da suspensão a que se refere a alínea b) do n.° 1 do art. 56.° do Código Penal: praticou crime doloso pelo qual veio a ser condenado, saliente-se em pena de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação.

Importa, agora, indagar se a prática deste crime revela que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Vejamos:

O crime de desobediência pelo qual o arguido foi, entretanto, condenado é da mesma natureza [crimes rodoviários] do crime aqui em causa – crime de condução de veículo em estado de embriagues –, o que deixa transparecer que a condenação que o recorrente sofreu neste processo e a confiança que lhe foi depositada com o tal juízo de prognose favorável não surtiram qualquer efeito.

O segundo crime cometido no período de suspensão da execução da pena de prisão, iniciada em 16.12.2022, foi cometido em 15.03.2023, ou seja, menos de três meses, passados do trânsito em julgado da decisão condenatória dos autos.

Resulta, assim, claro que a conduta do arguido, logo no início do período de suspensão da execução da sua pena, se caracterizou por um total desrespeito pelo mais básico dos deveres de que depende o juízo que permite a suspensão de uma pena e que é, desde logo e seguramente, a abstenção de novos comportamentos criminosos.

É manifesto que a conduta do arguido, evidenciada nos autos, é reveladora de que os índices de confiança depositados pelo Tribunal no mesmo, ao condená-lo numa pena de prisão que ficou suspensa na sua execução, ficaram irremediavelmente quebrados com a prática de um novo crime, de idêntica natureza do crime pelo qual foi condenado no âmbito dos presentes autos, o que denota um total alheamento pelas mais elementares regras da convivência social e que o juízo de prognose em que assentara a suspensão não se mostra alcançado.

Por outro lado, é elemento essencial e praticamente fundador da possibilidade de uma formulação e manutenção de um juízo de prognose favorável a forma como o condenado encara e analisa a sua actuação, o juízo crítico, realista e objectivo que sobre a mesma consegue realizar, bem como a determinação de impor a si próprio uma efectiva mudança de comportamentos.

Tal reflexão crítica e decisão de mudança comportamental mostra-se, no caso dos autos, por realizar, pelo arguido, considerando o desinteresse, a falta de cuidado e de empenho e a irreflexão sobre a sua passagem pelo sistema judicial, a forma clara como ignorou a advertência ínsita na condenação em pena com execução suspensa, bem espelhadas pelo desinvestimento que demonstra, face à renovação de comportamento delituoso.

Saliente-se, também, que, o processo em que foi condenado em pena de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, na pendência da suspensão da pena de prisão destes autos, é bem demonstrativo que, no âmbito dos mesmos, não foi possível à justiça efectuar um juízo de prognose positivo, quanto à reincidência daquele na prática de novos factos ilícitos e culposos.

Cabia, pois, ao arguido, no período durante o qual decorria a suspensão, demonstrar que o voto de confiança que o sistema em si depositou se mostrava merecido, revelando a sua efectiva vontade de mudança, através de actos que a comprovassem, isto é, atestando que o juízo de prognose anteriormente realizado se mostrava correcto e adequado ao seu caso, o que não sucedeu, pois durante toda a sua conduta no tempo em que a pena esteve suspensa, em nenhum momento o arguido teve uma conduta de ressocialização em liberdade, bem, pelo contrário, continuou a sua prática criminosa, com nova condenação, que, como já vimos, porcrime de idêntica natureza a dos destes autos, não assumindo vontade de mudar de vida ou de assumir uma conduta de acordo com as normas e padrões de convivência social, que regem a vida em sociedade.

Nestes termos, entendemos, à semelhança da decisão recorrida, que a finalidade que esteve na base da decisão que suspendeu ao arguido a execução da pena de prisão, nestes autos, foi, totalmente, frustrada.

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No que concerne à decisão de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com meios de fiscalização de controlo à distância (art. 43.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, à semelhança do que foi decidido na decisão proferida no processo nº 316/23.8…, que, também, afastou a suspensão da execução da pena e optou por idêntica medida, nenhuma censura nos merece.

Com efeito, e tal como se refere na decisão recorrida:

“(…) Quer dizer, julga-se que a ressocialização do arguido será ainda possível se se mantiver junto da sua família e mediante o cumprimento das regras de conduta supra referidas, evitando-se o carácter estigmatizante da prisão em meio prisional, mas restringindo-o na sua liberdade e fazendo-o sentir a reprovação do crime praticado em razão do seu confinamento à habitação.

Conclui-se, assim, que se encontram reunidos todos os requisitos legais para o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com meios de fiscalização de controlo à distância (art. 43.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, e arts. 1.º, al. b), 4.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 7.º, n.ºs 1, 2 e 7, da Lei n.º 33/2010, de 02 de Setembro).”

Por quanto ficou exposto, a decisão recorrida não merece qualquer censura ou reparo, não se verificando qualquer violação do disposto nos invocados arts. 40º nº 1, 55º e 56º do Código Penal, o que dita a total improcedência do recurso.

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- Decisão:

Em conformidade, com o exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Subsecção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e confirmar a douta decisão recorrida.

O arguido recorrente vai condenado em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) Ucs.

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(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)

Évora, aos 24 de Setembro de 2024

Os Juízes Desembargadores

Anabela Simões Cardoso

Laura Goulart Maurício

Moreira das Neves