I – A diferenciação entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço centra-se, essencialmente, em dois elementos distintivos: no objeto do contrato (no contrato de trabalho existe uma obrigação de meios, de prestação de uma atividade intelectual ou manual, e no contrato de prestação de serviço uma obrigação de apresentar um resultado) e no relacionamento entre as partes: com a subordinação jurídica a caracterizar o contrato de trabalho e a autonomia do trabalho a imperar no contrato de prestação de serviço.
II – A existência do contrato de trabalho presume-se desde que se verifiquem algumas das circunstâncias – e bastam duas – elencadas no nº 1, do art.º 12º, do Código de Trabalho de 2009. Presunção em benefício exclusivo do trabalhador, uma vez que, quem tem a seu favor a presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz, por força do estatuído no nº 1 do art.º 350º, do Código Civil.
III – Pode o trabalhador invocar a pluralidade de empregadores, desde que, verificando-se um dos requisitos substanciais previstos no nº 1 do artigo 101º do CT, venha a provar que desempenha funções com sujeição às ordens e direção de todos eles.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra
RELATÓRIO
AA, instaurou a presente ação com processo comum contra:
A..., com sede em ..., ..., ..., Suíça, e
BB, pedindo que:
a) Se considere sem termo o contrato de trabalho celebrado entre a autora e a primeira ré;
b) Se considere ilícito o despedimento verbal operado pela segunda ré;
c) Serem as rés solidariamente condenadas, nos termos do art.º 390º do Cód. do Trabalho, a pagar à autora, até esta data, maio de 2023, a quantia de €3.015,00 e proporcionais referentes aos subsídios de férias e de Natal contabilizados em €365,45, acrescido das retribuições vincendas contabilizadas a partir de maio de 2023, até ao trânsito em julgado da sentença.
d) Ser a primeira ré condenada a reintegrar a autora, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou em substituição, a pagar à autora uma indemnização nos termos do art.º 391º do Cód. do Trabalho, o que perfaz a quantia de €3.015,00.
e) Serem as rés solidariamente condenadas a pagar à autora a quantia de €1.000,00 a título de danos morais;
f) Serem as rés solidariamente condenadas ao pagamento de todos os juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;
g) Serem as rés solidariamente condenadas a regularizarem a situação contributiva da autora perante a Segurança Social.
Alegou para tanto e em síntese:
-A primeira ré é uma sociedade que presta serviços de limpeza e organização, sediada na Suíça, da qual a segunda ré é sócia.
-A segunda ré prometeu à autora a legalização da primeira ré em Portugal, o que ainda não veio a suceder,
-A primeira ré uma sociedade irregular em Portugal, sendo por isso a segunda ré, enquanto sócia, solidariamente responsável pelas obrigações assumidas por ambas.
-Nesse contexto a Autora, em 07-04-2022, celebrou com a primeira ré um contrato de trabalho a termo certo de um ano, com início em 02 de maio de 2022 e termo a 01 de maio de 2023.
-A partir dessa data a autora passou a exercer sob as ordens e fiscalização de ambas as rés, a partir do seu escritório em casa, as funções inerentes à gestão de redes sociais, entre outras, mediante a retribuição mensal ilíquida de €800,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor diário de €4,77, sendo que na prática era a segunda ré que lhe pagava a retribuição por transferência bancária, num total fixo de €1.005,00.
-Tal contrato deverá ser considerado sem termo, por não estarem expostos os motivos concretos da aposição do termo, sendo falso o motivo que lá consta.
-Acresce que em 28-02-2023 a segunda ré despediu-a verbalmente por telefone, informando-a de que já não precisavam dos seus serviços, sendo que a partir dessa data não lhe foi paga qualquer outra retribuição.
-Tal despedimento é ilícito, com as legais consequências e causou à autora danos patrimoniais e não patrimoniais que devem ser ressarcidos pelas rés, sendo-lhe por isso devidas as quantias peticionadas, das quais as rés são solidariamente responsáveis, sendo também responsáveis solidariamente pelo pagamento das contribuições devidas à segurança social.
As rés contestaram, invocando a ilegitimidade passiva da segunda ré e a total improcedência da ação, alegando em síntese que não existiu qualquer contrato de trabalho entre a autora e a primeira ré.
No exercício do contraditório a autora veio pugnar pela legitimidade da segunda ré e reafirmar a existência de um contrato de trabalho nos termos já invocados na petição inicial, tendo juntado documentos.
As rés no exercício do contraditório, para além de invocarem a nulidade do articulado apresentado pela autora pronunciaram-se sobre os documentos juntos pela autora.
Foi proferido despacho saneador, foi admitido o articulado apresentado pela autora no exercício do contraditório, foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade da segunda ré e no mais foi confirmada a regularidade e validade da instância, determinando-se o prosseguimento dos autos para julgamento.
Realizou-se audiência de julgamento, e na sequência da qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Por tudo o exposto e ao abrigo das disposições legais citadas:
1- Julga-se a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência:
a) Declara-se sem termo o contrato de trabalho celebrado entre a Autora AA e a primeira Ré A...;
b) Declara-se ilícito o despedimento operado pela segunda Ré BB;
c) Condenam-se as Rés solidariamente a pagar à Autora a quantia de €365,45 (trezentos e sessenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos a título de proporcionais de subsídios de férias e de Natal, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da cessação do contrato em 28-02-2023 até efectivo e integral pagamento.
d) Condenam-se as Rés solidariamente a pagar o valor que se viera a apurar em incidente de liquidação, das retribuições que a Autora deixou de auferir desde 30-04-2023 (um mês antes da propositura da acção), até ao trânsito em julgado da presente decisão, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data do vencimento das retribuições, até efectivo e integral pagamento. A tais retribuições, terão que ser feitas as deduções previstas no nº 2, al.s a) e c) do art.º 390º do CT, ou seja, ao montante apurado de tais retribuições são deduzidas as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, sendo que o montante do subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador é deduzido na compensação, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.
e) Condena-se a primeira Ré A... a pagar à Autora a quantia de a quantia de €2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros) a título de indemnização em substituição da reintegração, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde 28-02-2023 até integral pagamento.
Absolvem-se as Rés dos restantes pedidos contra elas formulados pela Autora.
Julga-se improcedente o pedido de litigância de má fé da Autora.
Custas por Autora e Rés na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.”
Inconformado com o decidido, as rés A... e BB interpuseram recurso, com as seguintes conclusões:
(…).
A recorrida apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:
(…).
Em cumprimento do disposto no artigo 87.º, n.º 3, do CPT o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Não houve resposta a este parecer.
O recurso foi admitido pelo juiz relator.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635, nº 4 e 639, nº 1 do Código de Processo Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608, nº2, in fine, e 635º, nº5, do Código de Processo Civil).
Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes:
1. Impugnação da decisão de facto.
2. Qualificação errónea do contrato.
3. Responsabilidade solidária nos termos do disposto no art.º 101º do CT.
*
FUNDAMENTOS DE FACTO
Na 1ª instância foi fixada a seguinte matéria de facto:
“Factos provados:
1- A primeira Ré, A..., é uma sociedade comercial que presta serviços de limpeza e organização, sediada na Suíça e era aí que tal empresa prestava a sua actividade.
2- A segunda Ré é sócia da primeira Ré.
3- A primeira Ré tem exclusivamente o seu centro de actividade na Suíça, nunca tendo exercido qualquer actividade em Portugal.
4- A segunda Ré prometeu à Autora a legalização da primeira Ré em Portugal e a criação da empresa em Portugal.
5- Até à presente data a Ré não tem qualquer sucursal ou filial em Portugal, não se encontrando registada em Portugal.
6- A segunda Ré enviou à Autora um documento escrito denominado de “contrato de trabalho a termo certo”, datado de 07 de Abril de 2022, no qual a Autora consta como segunda outorgante e a 1ª Ré A... como primeira outorgante, constando da cláusula primeira de tal documento que “A primeira outorgante admite ao seu serviço a segunda outorgante para exercer as funções de gestão de redes sociais, produção de conteúdo, gestão de marca, planeamento de estratégia de comunicação da marca, design, assistência no desenvolvimento das estratégias de marketing digital e Google, além de outras que se mostrem necessárias.” nos termos constantes do documento nº 1 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7- Na cláusula sétima de tal documento consta além do mais que “O presente contrato terá a duração de um ano, com início no dia 02 de Maio de 2022 e termo a 01 de Maio de 2023 (…)”.
8- No primeiro parágrafo da cláusula segunda consta que “O seu local de trabalho é o seu escritório em casa. Ser-lhe-á atribuído um escritório na empresa para fins administrativos e poder-lhe-á ser pedido que trabalhe a partir das instalações da primeira outorgante.”
9- Por sua vez no primeiro parágrafo da cláusula terceira consta que “Durante a vigência do presente contrato a primeira outorgante facultará à trabalhadora, a titulo de empréstimo gratuito, a utilização dos bens que a empresa considere necessários ao desenvolvimento das suas funções, os quais são propriedade da empresa, e se destinam exclusivamente a ser utilizados pela trabalhadora no âmbito e para os fins profissionais do presente contrato.”
10- Na cláusula quarta do mesmo documento consta “Pelos serviços prestados a segunda outorgante auferirá a remuneração mensal líquida de 800,00€ (oitocentos euros), sujeitas aos descontos legais, que será paga 14 vezes por ano (incluindo subsídio de férias e de Natal), além do subsídio de refeição de 4,77€ (quatro euros e setenta e sete cêntimos) por cada dia completo de trabalho”.
11- Por sua vez na cláusula quinta consta que “§ O período normal de trabalho da segunda outorgante é de 40 horas semanais, distribuídas segundo o horário normal de funcionamento da primeira outorgante. § A primeira outorgante poderá alterar o horário de trabalho da segunda outorgante sempre que tal se mostre necessário ao bom funcionamento da empresa.”
12- Na cláusula sexta consta que “A segunda outorgante tem direito a férias remuneradas, nos termos do artigo 237º e seguintes do Código do Trabalho.”
13- Na cláusula décima consta que “O presente contrato de trabalho é celebrado devido ao acréscimo excecional de trabalho, nos termos do art.º 140, nº 1 e nº 2, alínea f) do Código do Trabalho.”
14- Consta ainda da cláusula décima quarta que “Quanto ao mais aqui não previsto, aplicam-se as normas legais contratuais em vigor, nomeadamente o Código do Trabalho.”
15- E na cláusula décima quinta consta que “Para qualquer litígio emergente deste contrato será exclusivamente competente o foro da Comarca de Viseu.”
16- No referido documento a primeira Ré não indicou o número de pessoa colectiva na Suíça.
17- Desde o referido 02 de Maio de 2022, a Autora sob as orientações e fiscalização das Rés, concretamente da segunda Ré, passou a desempenhar, a partir do seu escritório em casa as funções inerentes à gestão de redes sociais, produção de conteúdo, gestão de marca, planeamento de estratégia de comunicação da marca, design, assistência no desenvolvimento das estratégias de marketing digital e Google, além de outras que se mostrassem necessárias, pelo período de 40 horas semanais, distribuídas de segunda a sexta, das 09:00 às 13:00 e das 14:30 às 18:30.
18- Na prática, sempre foi a segunda Ré, BB, que pagava diretamente à Autora, por transferência bancária, a retribuição acordada e respectivo subsídio de alimentação, bem como o custo de despesas que a Autora efectuava a mando da segunda Ré.
19- A Autora foi contratada para alargar o leque de potenciais clientes através das plataformas digitais e potenciar um acréscimo de atividade da empresa.
20- A 21 de fevereiro de 2023, a segunda Ré mandou à Autora uma mensagem através da aplicação WhatsApp, informando-a de que não precisavam mais dos seus serviços, referindo-lhe que “AA depois de muita reflexão eu quero meter um fim na nossa colaboração no dia 28 de Fevereiro de 2023 (…)” fazendo assim cessar a partir daquela data, o referido contrato.
21- E a Autora não mais recebeu mais nenhuma ordem a partir de tal data.
22- Também não recebeu mais nenhuma actividade.
23- Deixou de ter canais de acesso para exercer as suas funções, mormente por terem sido canceladas por parte das Rés as credenciais de acesso.
24- Vendo a Autora a sua perspetiva de que o seu contrato perduraria pelo menos até 01 de Maio de 2023, defraudada.
25- No site oficial da 1ª Ré (https://A....ch/), com domínio Suíço, é possível verificar que esta opera em: Where we operate” “Vlaud”, “Genève”, “Fribourg” “Valais” e na rede social “Instagram” consta a apresentação e descrição de funções exclusivamente “En Suisse”.
26- O actual cartão de cidadão da segunda Ré tem validade até 03-08-2031.
27- A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 02-05-2022 a quantia líquida de €400,00 com a menção do motivo “salário do mês de abril de 2022”.
28- A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 01-06-2022 a quantia líquida de €800,00 com a menção do motivo “salário do mês de abril de 2022”.
29- A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 08-07-2022 a quantia líquida de €905,00 com a menção do motivo “salário”.
30- A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 22-08-2022 a quantia líquida de €905,00 com a menção do motivo “salário”.
31- A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 28-09-2022 a quantia líquida de €1.705,00 com a menção do motivo “salário agosto e férias”.
32- A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 29-09-2022 a quantia líquida de €905,00 com a menção do motivo “salário setembro”.
33- A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 11-11-2022 a quantia líquida de €905,00 com a menção do motivo “salário outubro”.
34- A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 28-12-2022 a quantia líquida de €1.505,00 com a menção do motivo “salário novembro presente natal 400”.
35- A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 22-02-2023 a quantia líquida de €1.005,00 com a menção do motivo “salário JANEIRO”.
36- A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 22-02-2023 a quantia líquida de €1.004,00 com a menção do motivo “salário”.
37- A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 02-02-2023 a quantia líquida de €1.650,00 com a menção do motivo “salário Dezembro Décimo Terceiro dinheiro calças aluguer paI salário CC”.
38- A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 22-05-2023 a quantia líquida de €1.004,00 com a menção do motivo “salário de Março 2023 Desculpe o atraso”.
39- A Autora respondeu à mensagem aludida no nº 20, nos seguintes termos “De facto não compreendo. O que é que se passou? Despedes-me sem aviso prévio? Ontem tivemos uma reunião a falar sobre objetivos e hoje estas a despedir-me? O que estás a fazer é uma falta de respeito prante tudo aquilo que eu fiz pela empresa ao longo destes 2 anos. Se estavas insatisfeita com o meu trabalho devias ter falado”
40- Os serviços de marketing digital e gestão das redes sociais têm um valor mais caro na Suíça que em Portugal.
41- A segunda Ré mandou a Autora preparar a documentação para constituir a empresa em Portugal, tendo ainda pedido informações para o efeito a contabilista certificado.
42- A segunda Ré pediu ainda à Autora para procurar um espaço para comprar destinado às instalações da empresa em ..., ou em alternativa um espaço para poder ser arrendado em ... para esse efeito.
43- A segunda Ré pediu à Autora para criar programa anunciando a criação da empresa em Portugal.
44- A segunda Ré dava ordens à Autora, tendo sido a mesma que a despediu.
45- Foi a segunda Ré que contactou a Autora para esta exercer funções para as Rés.
46- Foi a segunda Ré que, através de advogado, preparou os termos do contrato aludido nos nºs 6 a 16.
47- Tal contrato depois de ter sido melhorado em resultado do envio prévio à Autora por parte da segunda Ré em 04-03-2022, foi assinado pelo menos pela Autora, em escritório de advogado indicado pela segunda Ré.
48- A Autora, no exercício das suas funções utilizava um computador que a Segunda Ré lhe mandou comprar e que após a cessação do contrato a Autora entregou a pessoa que a segunda Ré indicou à Autora.
49- No exercício das suas funções a Autora utilizava ainda acessórios para equipamentos de trabalho, concretamente aplicações, cabos e programas informáticos, adquiridos a mando da segunda Ré para a Autora poder trabalhar.
50- A Autora no exercício das suas funções utilizava um telemóvel que lhe foi fornecido pela segunda Ré, equipamento que lhe foi determinado que devolvesse depois de ter sido cessado o contrato.
51- A Autora recebeu alguns valores que se prendiam com despesas, relativas a compras que a segunda Ré lhe mandou efectuar.
52- A Autora cumpria o horário acordado, que preenchia designadamente com várias e constantes chamadas telefónicas por parte da segunda Ré, sendo que esta muitas vezes lhe recordava tal horário e fazia questão que a Autora cumprisse.
53- Dirigindo e determinando os trabalhos a realizar, designadamente
- envio de orçamentos;
- gestão de agenda das marcações das limpezas a efectuar;
- controlo dos tempos de trabalho dos restantes trabalhadores;
- controlar os horários dos trabalhadores;
- elaborar plano para a abertura da empresa em Portugal;
- assinar documentos na qualidade de dirigente.
54- Tais tarefas criaram na Autora uma sobrecarga de trabalho.
55- Sendo que a segunda Ré lhe recordava e impunha a hora de entrada e saída.
56- Situação que provocou à Autora ansiedade, dificuldades em dormir e sintomas de Depressão ligeiros, tendo sentido a necessidade de recorrer a acompanhamento psicológico.
57- Horário que em razão das funções sempre crescentes a segunda Ré quis alargar, querendo obrigar a Autora a trabalhar até às horas correspondentes em que na Suíça cessava a jornada de trabalho – diferença de horário de uma hora.
58- A Autora apresentou junto da Autoridade Tributária declaração de início de actividade, com rendimentos profissionais da categoria B em 22-05-2023.
***
Factos não provados
Da petição inicial não se provou a demais matéria dos artºs 8º, 9º, 19º, 28º, 30º, 40º, 48º, 49º, 50º e 51º que não consta dos factos provados, sendo que a demais matéria dos artºs 10º, 11º, 12º, 13º, 20º, 21º, 22º, 23º, 25º, 26º, 27º, 29º, 34º, 35º, 36º, 37º, 39º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 52º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 63º, 64º e 65º é apenas matéria conclusiva ou de direito.
Da contestação da Ré não se provou a demais matéria dos artºs 6º, 8º, 26º, 27º, 28º, al. ii), 29º, 30º, 31º, 32º, 34º, 37º, 46º, 47º, 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 63º, 64º, 65º, 71º, 73º, 74º, 75º, 77º, 78º, 79º e 92º, que não consta dos factos provados, sendo que a demais matéria dos artºs 1º, 2º, 3º, 7º, 9º, 10º, 11º, 12º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 28º, iii), iv), v), vi), 35º, 36º (demais matéria que não consta dos factos provados), 38º, 39º, 40º, 43º, 44º, 45º, 55º, 66º, 67º, 68º, 69º, 70º, 72º, 76º, 80º, 81º, 82º, 83º, 84º, 85º, 86º, 87º, 88º, 89º, 90º, 91º, 93º, 94º, 95º, 96º, 97º, 98º, 99º, 100º, 101º, 102º e 103º que não consta dos factos provados, é apenas matéria de impugnação, conclusiva ou de direito.
Do requerimento no uso do contraditório referente à resposta à contestação não se provou a demais matéria dos artºs 6º, 12º, 14º, 15º, 16º, 17º, 24º, 25º, 26º, 28º, 37º, 38º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º e 56º que não consta dos factos provados, sendo que a demais matéria dos artºs 1º, 2º, 10º, 13º, 18º, 19º, 20º, 30º, 31º, 32º, 39º, 53º e 55º que não consta dos factos provados,
Da resposta das Rés a tal requerimento não se provou a demais matéria dos artºs 26º i) e ii), 28º, 29º, 30º, 33º, 34º, 48º, 49º, 50º, 64º, 65º, 66º e 76º sendo que a matéria dos restantes artigos que não consta dos factos provados é apenas matéria de impugnação, conclusiva ou de direito.
*
Motivação
(…).
*
FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Alteração da decisão de facto.
(…).
17- Desde o referido 02 de Maio de 2022, a autora sob as orientações e fiscalização das Rés, concretamente da segunda Ré, passou a desempenhar, a partir do seu escritório em casa as funções inerentes à gestão de redes sociais, produção de conteúdo, gestão de marca, planeamento de estratégia de comunicação da marca, design, assistência no desenvolvimento das estratégias de marketing digital e Google, além de outras que se mostrassem necessárias, pelo período de 40 horas semanais, distribuídas de segunda a sexta, das 09:00 às 13:00 e das 14:30 às 18:30.
Esta factualidade deve manter-se provada com base no documento nº 1 junto com a petição inicial e nos depoimentos das testemunhas DD e EE, com o esclarecimento de que o escritório onde a autora exercia as suas funções ficava na empresa do seu pai.
A 1ª testemunha declarou em síntese que a autora trabalhava num escritório da sua empresa e que iniciava o trabalho diariamente pelas 9h00, sob as ordens da 2ª ré.
A 2ª testemunha declarou em síntese que a autora era diretora do departamento de comunicação e fazia a gestão de marketing e comunicação da 1ª ré. A autora cumpria horário fixo e recebia ordens da 2ª ré através do WhatsApp. Trabalhavam no escritório do pai da autora.
Assim sendo, o ponto 17 passa a ter a seguinte redação:
Desde o referido 02 de Maio de 2022, a autora sob as orientações e fiscalização das rés, concretamente da segunda ré, passou a desempenhar, a partir do escritório da empresa do seu pai as funções inerentes à gestão de redes sociais, produção de conteúdo, gestão de marca, planeamento de estratégia de comunicação da marca, design, assistência no desenvolvimento das estratégias de marketing digital e Google, além de outras que se mostrassem necessárias, pelo período de 40 horas semanais, distribuídas de segunda a sexta, das 09:00 às 13:00 e das 14:30 às 18:30.
(…).
*
2. Qualificação errónea do contrato.
Na sentença recorrida entendeu-se que a situação em causa nos autos se harmoniza com a configuração de um contrato de trabalho.
Sustentam os recorrentes que no sentido da qualificação da situação sub judice como uma relação de trabalho autónomo verifica-se que:
a) O local de execução e os equipamentos e instrumentos utilizados (no escritório do Pai, assim como, água, luz, internet, limpeza, renda, não estavam ao encargo da 1ª Recorrente), pelo que são impostos pela natureza dos serviços contratados e da própria atividade da Autora, não sendo, portanto, tradução da heterodeterminação da atividade contratada;
b) A Autora não está sujeita a um horário de trabalho definido e imposto pela 1ª Recorrente, sendo os parâmetros temporais de execução acordados pelas partes, em função dos serviços a executar;
c) A Autora não estava inserida na estrutura organizacional da 1ª Recorrente nem sujeito a relações de reporte hierárquico ou chefia no âmbito das quais são exercidos os poderes de direção e autoridade característicos do trabalho subordinado;
d) Não cabe à 1ª Recorrente fiscalizar a execução dos serviços contratados, mas apenas verificar se se o resultado final dos mesmos corresponde ao serviço que a Autora se obrigou a prestar;
e) A 1ª Recorrente não dispõe de poderes de autoridade sobre a Autora e, por isso mesmo, nunca esta foi sujeita, como não podia ser.
f) A Autora não está sujeito aos deveres de assiduidade e pontualidade típicos do trabalho subordinado;
g) Não se aplicam à Autora os regimes laborais de férias e de faltas ao trabalho;
h) A Autora não se vinculou a qualquer dever de exclusividade do serviço prestado à 1ª Recorrente, nem esta tal lhe exigiu, não estando também aquele obrigado a informar a 1ª Recorrente do desempenho de outras atividades, como sucede com os trabalhadores da 1ª Recorrente;
i) A Autora recebia em função dos serviços efetivamente prestados;
j) Aos rendimentos auferidos pela Autora, esta nunca se preocupou em posicionar-me como trabalhador por conta de outrem, ao invés preferiu simplesmente não declarar nenhum rendimento, situação própria das situações de trabalho independente ou autónomo.
l) E as partes também nunca aplicaram o regime de acidentes de trabalho próprio dos trabalhadores subordinados.
Vejamos.
De acordo com o art.º 11º do CT, o contrato de trabalho aparece definido como aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou a outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.
Por sua vez a noção legal de contrato de prestação de serviço mostra-se consagrada no art.º 1154º do CC, que o densifica como sendo aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
A diferenciação entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço centra-se, essencialmente, em dois elementos distintivos: no objeto do contrato (no contrato de trabalho existe uma obrigação de meios, de prestação de uma atividade intelectual ou manual, e no contrato de prestação de serviço uma obrigação de apresentar um resultado) e no relacionamento entre as partes: com a subordinação jurídica a caracterizar o contrato de trabalho e a autonomia do trabalho a imperar no contrato de prestação de serviço.
A existência do contrato de trabalho presume-se desde que se verifiquem algumas das circunstâncias – e bastam duas – elencadas no nº 1, do art.º 12º, do Código de Trabalho de 2009. Presunção em benefício exclusivo do trabalhador, uma vez que, quem tem a seu favor a presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz, por força do estatuído no nº 1 do art.º 350º, do Código Civil.
Tratando-se, porém, de uma presunção iuris tantum admite prova em contrário, nos termos do nº 2, do art.º 350º, do Código Civil. Prova a cargo do empregador, se pretender ilidir a presunção. Caso em que lhe caberá provar que a situação em causa não constitui um contrato de trabalho, antes reveste as características de um contrato de prestação de serviço, dada a autonomia com que é exercida.
De acordo com o citado artigo 12º, nº 1, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem alguma das seguintes circunstâncias:
a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
c) O prestador de atividade observe horas de início e termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade como contrapartida da mesma;
e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
Vejamos então em que medida, no caso sub judice, se mostram preenchidos, ou não, os requisitos inseridos nas alíneas do nº 1 do art.º 12º, do CT de 2009, normativo que estabelece a presunção de laboralidade.
Resultou provado que no exercício das suas funções a autora utilizava um computador que a 2ª ré lhe mandou comprar e que após a cessação do contrato a autora entregou a pessoa que a 2ª ré indicou à autora; a autora utilizava ainda acessórios para equipamentos de trabalho, concretamente aplicações, cabos e programas informáticos, adquiridos a mando da segunda ré para a autora poder trabalhar e que a autora no exercício das suas funções utilizava um telemóvel que lhe foi fornecido pela 2ª ré, equipamento que lhe foi determinado que devolvesse depois de ter sido cessado o contrato.
Verifica-se a circunstância ínsita na alínea b), do nº 1, do art.º 12º do CT.
Resultou ainda provado que a autora cumpria o horário acordado, que preenchia designadamente com várias e constantes chamadas telefónicas por parte da segunda ré, sendo que esta muitas vezes lhe recordava tal horário e fazia questão que a autora cumprisse; dirigindo e determinando os trabalhos a realizar, designadamente:- envio de orçamentos; - gestão de agenda das marcações das limpezas a efetuar; - controlo dos tempos de trabalho dos restantes trabalhadores; - controlar os horários dos trabalhadores; - elaborar plano para a abertura da empresa em Portugal; - assinar documentos na qualidade de dirigente; sendo que a 2ª ré lhe recordava e impunha a hora de entrada e saída; horário que em razão das funções sempre crescentes a segunda ré quis alargar, querendo obrigar a autora a trabalhar até às horas correspondentes em que na Suíça cessava a jornada de trabalho – diferença de horário de uma hora.
Verifica-se também a circunstância aludida na alínea c) do nº 1, do art.º 12º do CT.
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Resultou igualmente provado que “Na cláusula quarta do mesmo documento consta “Pelos serviços prestados a segunda outorgante auferirá a remuneração mensal líquida de 800,00€ (oitocentos euros), sujeitas aos descontos legais, que será paga 14 vezes por ano (incluindo subsídio de férias e de Natal), além do subsídio de refeição de 4,77€ (quatro euros e setenta e sete cêntimos) por cada dia completo de trabalho”; A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 02-05-2022 a quantia líquida de €400,00 com a menção do motivo “salário do mês de abril de 2022”; “A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 01-06-2022 a quantia líquida de €800,00 com a menção do motivo “salário do mês de abril de 2022”; “A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 08-07-2022 a quantia líquida de €905,00 com a menção do motivo “salário”; “A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 22-08-2022 a quantia líquida de €905,00 com a menção do motivo “salário”; “A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 28-09-2022 a quantia líquida de €1.705,00 com a menção do motivo “salário agosto e férias”; “A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 29-09-2022 a quantia líquida de €905,00 com a menção do motivo “salário setembro”; “A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 11-11-2022 a quantia líquida de €905,00 com a menção do motivo “salário outubro”; “A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 28-12-2022 a quantia líquida de €1.505,00 com a menção do motivo “salário novembro presente natal 400”; “A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 22-02-2023 a quantia líquida de €1.005,00 com a menção do motivo “salário JANEIRO”; “A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 22-02-2023 a quantia líquida de €1.004,00 com a menção do motivo “salário”; “A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 02-02-2023 a quantia líquida de €1.650,00 com a menção do motivo “salário Dezembro Décimo Terceiro dinheiro calças aluguer paI salário CC”; “A segunda Ré pagou à Autora por transferência bancária em 22-05-2023 a quantia líquida de €1.004,00 com a menção do motivo “salário de Março 2023 Desculpe o atraso”.
Verifica-se também a circunstância aludida na alínea d) do nº 1, do art.º 12º do CT.
Face ao exposto, concluímos no sentido de que se mostram preenchidos os pressupostos subjacentes à presunção de laboralidade, prevista nas alíneas b), c) e d), do no nº 1, do art.º 12º, do CT de 2009, e, bem assim, que a matéria de facto dada como provada, na sua globalidade, revela a existência de indícios de subordinação jurídica.
Encontra-se assim provado o contrato de trabalho.
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3- Responsabilidade solidária nos termos do disposto no art.º 101º do CT.
Na sentença recorrida considerou-se: “O contrato com pluralidade de empregadores encontra-se previsto no art.º 101º do CT, o qual para ser válido implica a observância de requisitos de forma previstos no nº 2, sendo que nesse caso os empregadores são solidariamente responsáveis pelo cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho, cujo credor seja o trabalhador ou terceiro., como estabelece o número 3 de tal normativo.
No entanto, entendemos que a responsabilidade solidária dos empregadores também existe quando não estão preenchidos todos os requisitos legais de tal modalidade de contrato.
Desta forma, no caso em apreço, dos factos provados, exercendo a Autora funções para ambas as Rés, pese embora não tenha sido formalizado qualquer contrato de pluralidade de empregadores, assumindo ambas as Rés a posição de empregadores, são ambas responsáveis solidárias pelas obrigações decorrentes do contrato de trabalho celebrado com a Autora”.
Vejamos:
Pretendendo a autora que a pluralidade de empregadores seja declarada, compete-lhe alegar e provar tal situação.
Estabelece o art.º 101º do Código do Trabalho:
«Pluralidade de empregadores
1- O trabalhador pode obrigar-se a prestar trabalho a vários empregadores entre os quais exista uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou que tenham estruturas organizativas comuns.
2- O contrato de trabalho com pluralidade de empregadores está sujeito a forma escrita e deve conter:
a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
b) Indicação da atividade do trabalhador, do local e do período normal de trabalho;
c) Indicação do empregador que representa os demais no cumprimento dos deveres e no exercício dos direitos emergentes do contrato de trabalho.
3- Os empregadores são solidariamente responsáveis pelo cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho, cujo credor seja o trabalhador ou terceiro.
4- Cessando a situação referida no n.º 1, considera-se que o trabalhador fica apenas vinculado ao empregador a que se refere a alínea c) do n.º 2, salvo acordo em contrário.
5- A violação de requisitos indicados nos nºs 1 ou 2 confere ao trabalhador o direito de optar pelo empregador ao qual fica vinculado.
6- Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos nºs 1 ou 2, sendo responsáveis pela mesma todos os empregadores, os quais são representados para este efeito por aquele a que se refere a alínea c) do n.º 2.”
“A génese da solução em análise localiza-se, como referido, na estrutura plural atividade económica moderna. Por isso, fica reservada para as sociedades coligadas (artigo 482º do CSC), com exceção das em relação de simples participação, em parcial coincidência com o âmbito subjetivo da cedência ocasional (artigo 289º, nº 1, alínea b)) acompanhando outros casos de delimitação subjetiva previstos para domínios específica relação laboral (cfr., v.g., artigo 334º).
Admite-se, porém, a extensão do regime jurídico da pluralidade de empregadores a outras formas de agrupamento empresarial não recondutíveis às estruturas intersocietárias previstas no Código das Sociedades Comerciais (v.g., consórcio) ou em que participem outras entidades (clínica médica em que exercem atividade profissionais de diversas especialidades, por exemplo), dada a semelhança de necessidades e de interesses a tutelar.
Neste último caso, a expressão legal - “estruturas organizativas comuns” – exige que empregadores partilhem mais do que a posição jurídica de credor da prestação de trabalho. A atividade económica que prosseguem tem de se servir de instalações (escritório, estaleiro de obra), equipamentos (telefónicos, informáticos, de diagnóstico) ou recursos (biblioteca, serviços de segurança ou de atendimento telefónico) que sendo característicos da atividade desenvolvida, estão à disposição de todos.”[1].
“A referência a estruturas organizativas comuns permite abranger situações em que os empregadores funcionam conjuntamente, independentemente da formalização de qualquer vínculo entre ambos. É, por exemplo, o caso dos advogados que partilham o mesmo escritório, arranjando uma funcionária comum. Para além disso, realidades como o consórcio, a associação em participação (D.L. 231/81, de 28 de Julho) e o agrupamento complementar de empresas (Lei 4/73, de 4 de Junho e D.L. 430/73, de 25 de Agosto) também se inserirão naturalmente nesta disposição Cfr. Luís Miguel Monteiro, em Pedro Romano Martinez / Luís Miguel Monteiro / Joana Vasconcelos / Pedro Madeira de Brito / Guilherme Dray / Luís Gonçalves da Silva, Código do Trabalho Anotado, sub art.º 101º, IV, p. 280-281 e José Andrade Mesquita, Direito do Trabalho, p. 100”. Cf. Luís Menezes Leitão, Direito do Trabalho, 2023. p. 241.
“Em essência, o preceito prevê a possibilidade de um trabalhador prestar o seu trabalho a vários empregadores, ao abrigo do mesmo vínculo laboral, pressupondo que existe subordinação jurídica em relação a vários empregadores e que entre esses empregadores existe uma de duas relações: i) uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou ii) que tenham estruturas organizativas comuns.”[2]
Como nota Catarina Carvalho[3] “com a instituição do regime do artigo 101º, a lei veio impedir a constituição de outras formas de titularidade coletiva da posição do empregador: a pluralidade só é admitida na medida em que se subsuma às regras deste preceito.
Quando não seja utilizada a solução nele prevista, o princípio geral é o da singularidade: apenas um empregador pode exigir do trabalhador o cumprimento da prestação laboral. A constatação é válida tanto para a prestação de trabalho no âmbito de grupos societários ou empresariais, como para a oferecida fora dele. No nosso sistema jurídico, a personalidade e a autonomia jurídica e patrimonial são, ainda, os instrumentos básicos de análise e de explicação da realidade. A afirmação não pode ignorar, porém, as diversas situações em que a prestação de trabalho surge associada, por fatores diversos, a vários beneficiários.
De modo muito comum e como já se referiu, isso acontece na falta de coincidência entre empregador formal e empregador material, ou seja, quem, de facto tem interesse na prestação e a dirige. Ocasiões haverá, todavia, em que o trabalho é prestado por conta de vários sujeitos, todos eles exercendo sobre o trabalhador os poderes típicos do empregador. São situações especiais, as mais das vezes caracterizadas pela circunstância de atividade económica unitária ser prosseguida por estrutura jurídica plural, num contexto de relações de interferência mútua particularmente intensas. Estas relações afirmam-se perante o exterior, através da utilização de imagem unitária, e no interior da organização, designadamente pela existência de administração e quadros de pessoal comuns, pela confusão de patrimónios (bens, equipamentos e instalações) e pela prestação indistinta de funções para pessoas jurídicas diferentes. Nestes casos de “empregador plural” não há que hesitar na afirmação da responsabilidade solidária de todos os empregadores pelos créditos do trabalhador”.
Conforme ensina António Monteiro Fernandes[4] “Em todo o caso, quer na doutrina, quer na jurisprudência, parece estabilizado um entendimento mais funcional da pluralidade de empregadores: basta que, ocorrendo um dos requisitos do nº 1 (relação societária entre vários empregadores ou existência de estruturas organizativas comuns), naturalmente necessário para conferir o carácter de “conjunto” à “pluralidade”, se prove que o trabalhador presta, em regime de subordinação, serviço a todos ou vários dos empregadores envolvidos, e independentemente da formalização imposta pelo nº 2, para que o regime do art.º 101º seja aplicável”.
Resultou provado que:
-A primeira ré, A..., é uma sociedade comercial que presta serviços de limpeza e organização, sediada na Suíça e era aí que tal empresa prestava a sua atividade (facto provado 1).
-A segunda ré é sócia da primeira ré (facto provado 2).
-A primeira ré tem exclusivamente o seu centro de atividade na Suíça, nunca tendo exercido qualquer atividade em Portugal (facto provado 3).
-Até à presente data a ré não tem qualquer sucursal ou filial em Portugal, não se encontrando registada em Portugal (facto provado 5).
-A segunda ré enviou à autora um documento escrito denominado de “contrato de trabalho a termo certo”, datado de 07 de Abril de 2022, no qual a autora consta como segunda outorgante e a 1ª ré A... como primeira outorgante, constando da cláusula primeira de tal documento que “A primeira outorgante admite ao seu serviço a segunda outorgante para exercer as funções de gestão de redes sociais, produção de conteúdo, gestão de marca, planeamento de estratégia de comunicação da marca, design, assistência no desenvolvimento das estratégias de marketing digital e Google, além de outras que se mostrem necessárias.” nos termos constantes do documento nº 1 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (facto provado 6).
-No primeiro parágrafo da cláusula terceira consta que “Durante a vigência do presente contrato a primeira outorgante facultará à trabalhadora, a titulo de empréstimo gratuito, a utilização dos bens que a empresa considere necessários ao desenvolvimento das suas funções, os quais são propriedade da empresa, e se destinam exclusivamente a ser utilizados pela trabalhadora no âmbito e para os fins profissionais do presente contrato.” (facto provado 9).
-Na cláusula quinta consta que “§ O período normal de trabalho da segunda outorgante é de 40 horas semanais, distribuídas segundo o horário normal de funcionamento da primeira outorgante. § A primeira outorgante poderá alterar o horário de trabalho da segunda outorgante sempre que tal se mostre necessário ao bom funcionamento da empresa.” (facto provado 11).
-Desde o referido 02 de Maio de 2022, a autora sob as orientações e fiscalização das rés, concretamente da segunda ré, passou a desempenhar, a partir do seu escritório em casa as funções inerentes à gestão de redes sociais, produção de conteúdo, gestão de marca, planeamento de estratégia de comunicação da marca, design, assistência no desenvolvimento das estratégias de marketing digital e Google, além de outras que se mostrassem necessárias, pelo período de 40 horas semanais, distribuídas de segunda a sexta, das 09:00 às 13:00 e das 14:30 às 18:30 (facto provado 17).
-Na prática, sempre foi a segunda ré, BB, que pagava diretamente à autora, por transferência bancária, a retribuição acordada e respetivo subsídio de alimentação, bem como o custo de despesas que a autora efetuava a mando da segunda ré (facto provado 18).
-A segunda ré pagou à autora por transferência bancária em 02-05-2022 a quantia líquida de €400,00 com a menção do motivo “salário do mês de abril de 2022” (facto provado 27).
- A segunda ré pagou à autora por transferência bancária em 01-06-2022 a quantia líquida de €800,00 com a menção do motivo “salário do mês de abril de 2022” (facto provado 28).
-A segunda ré pagou à autora por transferência bancária em 08-07-2022 a quantia líquida de €905,00 com a menção do motivo “salário” (facto provado 29).
-A segunda ré pagou à autora por transferência bancária em 22-08-2022 a quantia líquida de €905,00 com a menção do motivo “salário” (facto provado 30).
-A segunda ré pagou à autora por transferência bancária em 28-09-2022 a quantia líquida de €1.705,00 com a menção do motivo “salário agosto e férias” (facto provado 31).
-A segunda ré pagou à autora por transferência bancária em 29-09-2022 a quantia líquida de €905,00 com a menção do motivo “salário setembro” (facto provado 32).
-A segunda ré pagou à autora por transferência bancária em 11-11-2022 a quantia líquida de €905,00 com a menção do motivo “salário outubro” (facto provado 33).
- A segunda ré pagou à autora por transferência bancária em 28-12-2022 a quantia líquida de €1.505,00 com a menção do motivo “salário novembro presente natal 400” (facto provado 34).
-A segunda ré pagou à autora por transferência bancária em 22-02-2023 a quantia líquida de €1.005,00 com a menção do motivo “salário JANEIRO” (facto provado 35).
-A segunda ré pagou à autora por transferência bancária em 22-02-2023 a quantia líquida de €1.004,00 com a menção do motivo “salário” (facto provado 36).
-A segunda ré pagou à autora por transferência bancária em 02-02-2023 a quantia líquida de €1.650,00 com a menção do motivo “salário Dezembro Décimo Terceiro dinheiro calças aluguer paI salário CC” (facto provado 37).
-A segunda ré pagou à autora por transferência bancária em 22-05-2023 a quantia líquida de €1.004,00 com a menção do motivo “salário de Março 2023 Desculpe o atraso” (facto provado 38).
A segunda ré mandou a autora preparar a documentação para constituir a empresa em Portugal, tendo ainda pedido informações para o efeito a contabilista certificado (facto provado 41).
-A segunda ré pediu ainda à autora para procurar um espaço para comprar destinado às instalações da empresa em ..., ou em alternativa um espaço para poder ser arrendado em ... para esse efeito (facto provado 42).
-A segunda Ré pediu à autora para criar programa anunciando a criação da empresa em Portugal (facto provado 43).
-A segunda ré dava ordens à autora, tendo sido a mesma que a despediu (facto provado 44).
-Foi a segunda ré que contactou a autora para esta exercer funções para as rés (facto provado 45).
-Foi a segunda ré que, através de advogado, preparou os termos do contrato aludido nos nºs 6 a 16 (facto provado 46).
-A autora, no exercício das suas funções utilizava um computador que a segunda ré lhe mandou comprar e que após a cessação do contrato a autora entregou a pessoa que a segunda ré indicou à autora (facto provado 48).
-No exercício das suas funções a autora utilizava ainda acessórios para equipamentos de trabalho, concretamente aplicações, cabos e programas informáticos, adquiridos a mando da segunda ré para a autora poder trabalhar (facto provado 49).
50- A autora no exercício das suas funções utilizava um telemóvel que lhe foi fornecido pela segunda ré, equipamento que lhe foi determinado que devolvesse depois de ter sido cessado o contrato (facto provado 50).
- A autora recebeu alguns valores que se prendiam com despesas, relativas a compras que a segunda ré lhe mandou efetuar (facto provado 51).
- A autora cumpria o horário acordado, que preenchia designadamente com várias e constantes chamadas telefónicas por parte da segunda ré, sendo que esta muitas vezes lhe recordava tal horário e fazia questão que a autora cumprisse (facto provado 52).
- Dirigindo e determinando os trabalhos a realizar, designadamente
- envio de orçamentos;
- gestão de agenda das marcações das limpezas a efetuar;
- controlo dos tempos de trabalho dos restantes trabalhadores;
- controlar os horários dos trabalhadores;
- elaborar plano para a abertura da empresa em Portugal;
- assinar documentos na qualidade de dirigente (facto provado 53).
-Sendo que a segunda ré lhe recordava e impunha a hora de entrada e saída (facto provado 55).
-Horário que em razão das funções sempre crescentes a segunda ré quis alargar, querendo obrigar a autora a trabalhar até às horas correspondentes em que na Suíça cessava a jornada de trabalho diferença de horário de uma hora (facto provado 57).
Em face desta factualidade provada, entendemos que não existem factos que permitam aplicar o mecanismo da pluralidade de empregadores nos termos previsto do artigo 101º do CT, porque não se verifica nenhum dos requisitos do nº 1 do artigo 101º do CT, designadamente existência duma estrutura organizativa comum[5].
Assim sendo, a 1ª ré, ora recorrente, é a única responsável pelo pagamento das quantias a que a autora tem direito por ter sido ilicitamente despedida.
Importa, pois, concluir pela inexistência de responsabilidade solidária da 2ª ré pelo pagamento daquelas quantias.
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Em suma, procede parcialmente apelação, com a consequente revogação parcial das alíneas c) e d) do dispositivo, limitando-se a condenação à 1ª ré.
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DECISÃO
Com fundamento no atrás exposto:
1) Julga-se parcialmente procedente apelação, com a consequente, revogação parcial das alíneas c) e d) do dispositivo, que se substituem pelos seguintes segmentos decisórios:
c) Condena-se a 1ª ré a pagar à autora a quantia de 365,45 (trezentos e sessenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos a título de proporcionais de subsídios de férias e de Natal, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da cessação do contrato em 28-02-2023 até efetivo e integral pagamento.
d) Condena-se a 1ª ré a pagar à autora o valor que se vier a apurar em incidente de liquidação, das retribuições que a Autora deixou de auferir desde 30-04-2023 (um mês antes da propositura da ação), até ao trânsito em julgado da presente decisão, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data do vencimento das retribuições, até efetivo e integral pagamento. A tais retribuições, terão que ser feitas as deduções previstas no nº 2, als a) e c) do art.º 390º do CT, ou seja, ao montante apurado de tais retribuições são deduzidas as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, sendo que o montante do subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador é deduzido na compensação, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.
2. Absolve-se a 2ª ré do pedido formulado na alínea c).
3. No mais, mantém-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelas apelantes e apelada, na proporção de ½, para cada uma das partes- artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do CPC.
Coimbra, 13 de setembro de 2024
Mário Rodrigues da Silva- relator
Paula Maria Roberto
Felizardo Paiva
*
Sumário (artigo 663º, nº 7, do CPC):
(…).
Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original
([1]) Luís Miguel Monteiro, em anotação ao artigo 101º do CT in Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez, 13ª edição, p. 263.
([2]) Ac. do TRL, de 18-12-2019, proc. 1240/16.6T8FNC-E.L1-1, relator Fátima Reis Silva, www.dgsi.pt.
([3]) Algumas questões sobre a empresa e o Direito do Trabalho no novo Código do Trabalho, A Reforma do Código do Trabalho, 2004, p. 441.
([4]) Direito do Trabalho, 2022, p. 240.
([5]) Cf. Ac. do STJ, de 29-02-2012, proc. 163/09.0TTMTS.P1.S1, relator Gonçalves Rocha, www.dgsi.pt.