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AÇÃO ESPECIAL DE RECONHECIMENTO DE CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO LEGAL - ART.º12.º DO CT
Sumário
É de reconhecer a existência de contrato de trabalho quando se verifique a existência de três dos cinco indicadores de laboralidade, elencados na presunção legal do art.º 12.º do CT, que a Ré não afastou, a que acresce o facto da factualidade apurada nos permitir concluir que a autora não só estava integrada na estrutura organizativa da Ré, pois estava inserida numa equipa de trabalho da Ré, como dependia economicamente desta, já que os proveitos que recebia constituíam a sua única fonte de rendimento.
Texto Integral
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães I – Relatório:
Na sequência de acção inspectiva levado a cabo pela Autoridade para as Condições do Trabalho, no âmbito da qual se deparou com indícios de utilização indevida do contrato de prestação de serviço por parte da EMP01..., S.A., relativamente a AA deu entrada no Tribunal da Comarca de ..., Juízo do Trabalho de ..., a respetiva participação.
Após o recebimento de tal participação, o MINISTÉRIO PÚBLICO intentou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos previstos no art.º 186.º-K, n.º 1 do CPT, contra EMP01..., S.A. pedindo que se reconheça a existência de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, com início em 15.01.2021, relativo a AA.
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Citada a Ré apresentou contestação defendendo-se por exceção, que foram apreciadas em sede de despacho saneador (tendo sido julgadas todas improcedentes) e por impugnação sustentando que AA desenvolveu a sua atividade em benefício da requerida ao abrigo de um contrato de prestação de serviços.
A AA foi notificada de que poderia aderir ao articulado apresentado pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir advogado, mas nada veio dizer.
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Procedeu-se à realização de audiência de julgamento e por fim foi proferida sentença da qual consta o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, nos presentes autos de acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, decide-se: a)Reconhecer a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, nos termos supra expostos, celebrado entre EMP01..., S.A. e AA, cujos efeitos se iniciaram em ../../2021 e terminaram em 22/01/2024; b Condenar a ré EMP01..., S.A., no pagamento das custas processuais - cfr. artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C., 12.º, n.º 1, al. e), do R.C.P. e 186.º-Q, n.º 1, do C.P.T.
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Registe, notifique e oportunamente dê cumprimento ao disposto no artigo 186.º-O, n.º 9, do C.P.T.”
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Inconformada com a sentença dela veio a Ré “EMP01..., S.A.” interpor recurso de apelação, pugnando pela sua revogação.
O recurso foi admitido com o modo de subida e efeitos próprios.
Nas alegações apresentadas foram formuladas as seguintes conclusões:
“A. DA IMPUGNAÇÃO DO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO:
1. Analisada a matéria de facto dada como provada, por contraposição com a prova produzida nos autos, designadamente os depoimentos prestados em sede de Audiência de Julgamento e a prova documental junta aos autos, verifica-se que ocorreu erro de julgamento notório e grave, que deverá conduzir, naturaliter, à alteração da matéria de facto, impondo uma decisão diversa da proferida – a improcedência total da ação -, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
• QUANTO AOS FACTOS PROVADOS:
2.Em relação ao facto provado 9., importa que seja acrescentado a tal facto que AA, além de utilizar instrumentos de trabalho propriedade da Recorrente, também utilizava instrumentos de trabalho próprios, como o telemóvel e os auriculares usados nos diretos, como a própria atestou no seu depoimento [Ficheiro áudio Diligencia_2629-23.0T8VRL_2024-02-21_09-55-57, de 21 de fevereiro de 2024, a partir do tempo 00:24:59 até ao tempo 00:25:08, a partir do tempo 00:37:28 até ao tempo 00:38:15, do depoimento de AA], que, quanto a esta matéria, não foi contrariado por qualquer outro meio de prova.
3. Esta alteração ao facto provado 9 revela-se essencial, porquanto o facto de os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencerem à Recorrente é um dos indícios de laboralidade ínsitos no artigo 12.º do Código do Trabalho, pelo que em cumprimento do ónus de impugnação consagrado no artigo 640.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, em face do depoimento de AA [Ficheiro áudio Diligencia_2629-23.0T8VRL_2024-0221_09-55-57, de 21 de fevereiro de 2024, a partir do tempo 00:24:59 até ao tempo 00:25:08, a partir do tempo 00:37:28 até ao tempo 00:38:15, do depoimento de AA], deve o facto provado 9. ser alterado/corrigido para:
“Na sua actividade AA dispunha dos seguintes equipamentos e instrumentos disponibilizados pela ré:
computador portátil (marca ... com o nº interno da ré ...28);
computador desktop (marca ..., com o nº interno da ré ...57);
software “...”, de edição e execução de peças jornalísticas;
impressora;
secretária, cadeira e restante mobiliário da Delegação da EMP01...;
material de escritório;
automóvel (... com a matrícula ..-QN-.., com os logotipos identificativos da ré);
cartão ... (n.º ...78), para abastecimento de combustível;
microfone com os logotipos identificativos da ré; colete ignífugo com os logotipos da ré para acompanhamento de incêndios rurais, sendo que também utilizava instrumentos de trabalho da sua propriedade, como telemóvel e auriculares”, o que expressamente se requer para todos os efeitos legais.
4.Sobre o facto provado 16., quando questionados os Srs. Inspetores da ACT, que levaram a cabo a visita inspetiva que originou os presentes autos, BB e CC, sobre por que é que afirmavam que a colega de ... desenvolvia o mesmo trabalho que AA, estes asseveraram que não tinham falado sequer com essa colega de ... e que, sobre esta matéria, apenas havia sido consultado o Relatório Único
[Ficheiro áudio Diligencia_2629-23.0T8VRL_2024-02-07_11-26-50, de 07 de fevereiro de 2024, a partir do tempo 00:11:50 até ao tempo 00:12:55, do depoimento da testemunha BB e do depoimento da testemunha CC].
5. O Relatório Único da Recorrente não prova que AA e a colega que exerce funções no distrito ... exercem a sua atividade nos mesmos termos. Apenas a análise da realidade prática poderia permitir concluir se a colega de ... e AA exerciam ou não a sua atividade em termos equiparáveis, sendo que os senhores inspetores da ACT nem sequer falaram com aquela.
6. Não existe qualquer meio de prova nos presentes autos que permita dar como provado o facto provado 16, razão pela qual, em cumprimento do ónus de impugnação consagrado no artigo 640.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, em face do depoimento da testemunha BB e do depoimento da testemunha CC [Ficheiro áudio Diligencia_2629-23.0T8VRL_2024-02-07_11-26-50, de 07 de fevereiro de 2024, a partir do tempo 00:11:50 até ao tempo 00:12:55, do depoimento da testemunha BB e do depoimento da testemunha CC], e da ausência de prova que sustente tal facto, deve o facto provado 16. ser dado como não provado, o que expressamente se requer para todos os efeitos legais.
B. DA IMPUGNAÇÃO DE DIREITO:
7. O legislador consagrou no artigo 12.º do Código do Trabalho uma presunção de laboralidade, ao abrigo da qual se dispensa o trabalhador do ónus da prova de todos os elementos que caraterizam o Contrato de Trabalho, tal como definido no artigo 11.º desse normativo legal.
8. Na aplicação do método indiciário deve ter-se em conta que, em determinadas situações, como é o dos presentes autos, os indícios de subordinação – como por exemplo o local e o período da prestação de atividade e os instrumentos de trabalho - são construídos com base nas circunstâncias e modalidades de desenvolvimento da prestação contratada. Esses indícios só podem, assim, assumir alguma relevância em matéria de qualificação do contrato quando não sejam essenciais à própria atividade em si mesma.
9. O trabalho autónomo é, muitas vezes, compatível - diga-se cada vez mais compatível nos tempos modernos – com estruturas que se caracterizam pela complexidade das organizações, com a orientação e fiscalização alheias, sendo amiúdes vezes organizado no espaço e temporalmente definidos pela entidade contratante.
No caso sub judice,
10. o Tribunal entendeu que estamos perante um contrato de trabalho entre a Recorrente e AA com fundamento no facto de esta: i) carecer de estar sujeita a uma organização de serviço, que envolvia a definição dos dias em que deveria estar disponível e era-lhe pedido que estivesse disponível para qualquer solicitação, a qualquer hora dos dias em que estava previsto desenvolver a sua atividade; ii) necessitar de organizar as suas férias e outros períodos de ausência, e de coordenar as ausências com outros colegas; iii) dispor de dias de descanso quando trabalhava em dias feriados; iv) receber uma remuneração fixa e que lhe era paga mensalmente, conforme fls. 17 da Sentença.
11.A definição dos dias em que AA deveria estar disponível prende-se com a organização do trabalho, sendo que dada a natureza dos serviços contratados – executar peças jornalísticas, escrevendo, editando, dando voz e imagem, nomeadamente, entre outros, para o ..., ..., ..., da EMP01... e para os vários espaços informativos da RTP3, entrando em directo, quando jornalisticamente justificável, conforme facto provado 8 - não revela estranheza que a Recorrente necessitasse de saber em que dias é que AA estaria disponível, pois se não fosse esta a desempenhar tais serviços, sempre teria que ser outra pessoa (conforme facto provado 13 – “e modo a que as equipas das duas Delegações não se ausentem simultaneamente e que pelo menos uma delas pudesse assegurar a actividade da outra Delegação”).
12. O mesmo raciocínio se aplica quanto às ausências de AA. Em suma, a Recorrente precisava de ter conhecimento dos períodos em que esta permanecia disponível para prestar serviços, de forma a conseguir aferir que serviços conseguia assegurar, pois os que não fossem possíveis de garantir teriam que ser alocados a outra pessoa, conforme facto provado 13.
13.Em relação ao facto de AA ter que estar disponível para qualquer solicitação, a qualquer hora dos dias em que estava previsto desenvolver a sua atividade, tal é caraterístico de um Contrato de Prestação de Serviços e não de um Contrato de Trabalho, porquanto é naquele tipo contratual que a prestação do trabalho ocorre mediante solicitação, e não num horário pré-definido.
14.Quanto à circunstância de supostamente AA dispor de dias de descanso quando trabalhava em dia feriado, tal não representa qualquer subordinação jurídica. É conhecida a especial penosidade de prestar serviço em dia feriado, pelo que se justifica que exista uma compensação por essa circunstância, quer se trate de trabalho dependente ou independente.
15.Também o facto de ser paga uma remuneração certa mensal não é suficiente para se considerar que está em causa um contrato de trabalho. Trata-se de um elemento bastante equívoco, já que o contrato de prestação de serviços pode ser retribuído em condições similares ao contrato de trabalho – tal como decidido na Sentença proferida no processo n.º 5800/17...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo do Trabalho de Coimbra – Juiz ....
16. Efetivamente, sendo a Recorrente uma entidade pública, por uma questão de organização e definição prévia de custos, revelava-se mais benéfico estipular-se previamente um valor global, do que pagar os serviços à peça.
Por outro lado, abandonando claramente no sentido de que o vínculo existente entre a Recorrente e AA era um Contrato de Prestação de Serviço e não um Contrato de Trabalho:
17. Não existia indicação da Recorrente sobre o local onde AA devia prestar os seus serviços, sem prejuízo dos pontos de reportagem e cobertura (conforme facto provado 15). Aliás, alguns dos serviços por si prestados podiam, inclusive, ser desenvolvidos no seu domicílio (conforme facto provado 14)
18. AA dispunha de autonomia na forma como realizava as peças e intervenções jornalísticos, bem como na escolha de alguns temas a cobrir (facto provado 28).
19.Quanto às coordenadas estabelecidas pela Recorrente, a verdade é que AA prestava serviços que exigiam uma conexão com outros profissionais (facto provado 34), motivo pelo qual sempre a Recorrente tinha que conferir algumas coordenadas quanto ao serviço a prestar, de forma que todos estivessem em consonância e que os objetivos pretendidos fossem alcançados.
20. No entanto, tal não representa qualquer subordinação jurídica. Tanto a doutrina como a jurisprudência sustentam, por unanimidade, que num contrato de prestação de serviços nada impede que possam existir ordens ou instruções da parte do beneficiário do serviço, dirigidas ao objeto do resultado e não à forma de o cumprir, sem que isso signifique, de forma alguma, subordinação jurídica.
21.AA não dispunha de um horário de trabalho fixo (facto provado 30) e não se encontrava sujeita a um controlo de pontualidade (facto provado 35).
22. A Recorrente nunca exerceu poder disciplinar sobre AA (facto provado 34).
23. A Recorrente não pagou subsídios de férias ou Natal a AA (facto provado 32).
24. AA não está inscrita no regime da Segurança Social como trabalhadora por conta de outrem da Recorrente, tendo desenvolvido a sua atividade encontrando-se coletada no Serviço de Finanças como trabalhadora independente (facto provado 33).
25. E se o nomen juris que as partes dão ao Contrato não pode ser o elemento determinante para a aferição da sua natureza, não deixa de ser um elemento que deve ser tido em conta pelo Julgador. E, in casu, está assente que as partes celebraram um instrumento contratual denominado por “Contrato de Prestação de Serviço”, o que deve se tido, naturaliter, em consideração.
26.A própria AA referiu no seu depoimento ter consciência da natureza do contrato a que se vinculou com a Recorrente. Afirmou que era trabalhadora da ... e escolheu, conscientemente, passar a ser prestadora de serviços da Recorrente [Ficheiro áudio Diligencia_2629-23.0T8VRL_2024-02-07_12-01-29, de 07 de fevereiro de 2024, a partir do tempo 00:01:47 até ao tempo 00:02:32 do depoimento de AA]. E voltou a reiterar a consciência sobre a natureza do seu vínculo na comunicação que enviou à Recorrente, cessando o seu vínculo, junta com a referência Citius 393 719 61, na qual faz menção à denúncia do contrato de prestação de serviços.
Por todas as razões aqui elencadas,
27. é irrefutável que não existe entre a Recorrente e AA qualquer relação de trabalho subordinado, mas sim um típico Contrato de Prestação de Serviços, motivo pelo qual sempre deverá aquela ser absolvida do pedido.
28. Ao decidir como decidiu, o Tribunal de 1.ª instância violou, entre outras normas, o disposto nos artigos 12.º do Código do Trabalho e 1152.º do Código Civil, pelo que deve a Sentença recorrida ser substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente, absolvendo a Recorrente da totalidade do pedido.
O Ministério Público veio responder ao recurso concluindo pela sua total improcedência com a consequente manutenção da decisão recorrida.
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
II – Do Objecto do Recurso
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que as questões a decidir consistem no seguinte:
1- Da impugnação da matéria de facto provada;
2 - Da qualificação do contrato.
III – Fundamentação de Facto
FACTOS PROVADOS:
1. A ré possui como objecto social:
“prestação dos serviços públicos de rádio e de televisão, nos termos das Leis da Rádio e da Televisão e dos respectivos contratos de concessão; A sociedade pode prosseguir quaisquer actividades, industriais ou comerciais, relacionadas com a actividade de rádio e de televisão, na medida em que não comprometam ou afectem a prossecução do serviço público de rádio e de televisão, designadamente as seguintes: a) exploração da actividade publicitária, nos termos dos respectivos contratos de concessão; b) produção e disponibilização ao público de bens relacionados com a actividade de rádio ou de televisão, nomeadamente programas e publicações; c) prestação de serviços de consultoria técnica e de formação profissional e cooperação com outras entidades, nacionais ou estrangeiras, especialmente com entidades congéneres dos países de expressão portuguesa; d) participação em investimentos na produção de obras cinematográficas e audiovisuais (…)”
2. No dia 17/08/2023, pelas 16 horas, a A.C.T. realizou visita inspectiva às instalações da ré da Delegação ..., localizadas no “Campus” da ..., pavilhão 2, sala ...4, ... ..., as quais dispõem de logotipo identificativo da ré na entrada.
3. A área de actuação jornalística da Delegação ... corresponde ao distrito ... e à parte norte do distrito ... (...).
4. Aquando da visita inspectiva, AA encontrava-se a desenvolver a sua actividade de jornalista, sendo que nessa Delegação não existia outra jornalista.
5. AA dispunha da chave das instalações da Delegação ....
6. AA desenvolvia a sua actividade de acordo com uma escala mensal (remetida por email pela coordenação de informação do ... da ré), e, nos dias em que estava definido que iria trabalhar deveria estar disponível para executar os serviços que se revelassem necessários de acordo com as orientações da ré.
7. AA recebia indicações da coordenação de informação do ... da ré por telemóvel e email, incluindo para a execução e acompanhamento de notícias urgentes, como os casos de incêndios rurais.
8. AA desenvolvia a sua actividade executando peças jornalísticas, escrevendo, editando, dando voz e imagem, nomeadamente, entre outros, para o ..., ..., ..., da EMP01... e para os vários espaços informativos da RTP3, entrando em directo, quando jornalisticamente justificável.
9. Na sua actividade AA dispunha dos seguintes equipamentos e instrumentos disponibilizados pela ré: computador portátil (marca ... com o nº interno da ré ...28); computador desktop (marca ..., com o nº interno da ré ...57); software “...”, de edição e execução de peças jornalísticas; impressora; secretária, cadeira e restante mobiliário da Delegação da EMP01...; material de escritório; automóvel (... com a matrícula ..-QN-.., com os logotipos identificativos da ré); cartão ... (n.º ...78), para abastecimento de combustível; microfone com os logotipos identificativos da ré; colete ignífugo com os logotipos da ré para acompanhamento de incêndios rurais, sendo certo que o telemóvel e os auriculares que também utilizava, eram de sua propriedade. (alterado em conformidade com o decidido em IV.1)
10. AA tinha atribuído pela ré o email ..........@......
11. A título de contrapartida pela actividade desenvolvida em benefício da ré, AA recebia a quantia de € 1.700,00, paga doze meses por ano.
12. Era solicitado a AA que procedesse à marcação do seu período de férias e que comunicasse nos dias em que tivesse de faltar.
13. Os períodos de ausência de AA, nomeadamente, para gozo de férias, eram coordenados entre as Delegações ... e ..., de modo a que as equipas das duas Delegações não se ausentem simultaneamente e que pelo menos uma delas pudesse assegurar a actividade da outra Delegação.
14. AA desenvolvia a sua actividade nas instalações da Delegação ... ou nos locais que se justificava para proceder a coberturas e reportagens em benefício da ré, mas algumas das suas funções poderiam ser asseguradas noutros sítios, como o seu domicílio.
15. Não existia indicação da ré sobre o local onde AA deveria prestar a sua actividade, com ressalva dos pontos de reportagem e cobertura, mas a realização de alguns trabalhos por AA envolvia de forma necessária a utilização dos recursos técnicos existentes na Delegação ..., para que o produto final atingisse o nível de qualidade esperado para a ré. 16. AA desenvolvia a sua actividade em termos equiparáveis à colega da Delegação ..., a qual integra o quadro de efectivos da ré. (eliminado em conformidade com o decidido em IV.1)
17. AA dispunha de um dia de descanso adicional quando trabalhava num dia feriado.
18. Em ../../2021 AA e a ré outorgaram um documento escrito, através do qual aquela aceitou prestar a favor desta, no período de dois anos, com início em ../../2021, “(…) serviços de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem e som, destinados a divulgação informativa em programas de informação, a serem radiodifundidos e comunicados ao público através dos serviços de programas e plataformas de distribuição” da ré, mediante o pagamento de uma contrapartida no valor global de € 40.800,00, a liquidar em 24 prestações mensais e sucessivas, no montante idêntico de € 1.700,00 (e nos demais termos que decorrem do documento, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
19. Em 17/01/2023 AA e a ré outorgaram um documento escrito, mediante o qual convencionaram prorrogar até ../../2025 o contrato celebrado em ../../2021 (e nos demais termos que decorrem do documento, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
20. Em 28/12/2023 AA comunicou à ré a cessação do contrato, com efeitos reportados a 22/01/2024, mediante denúncia.
21. AA prestou a sua actividade em benefício da ré entre ../../2021 e ../../2024.
22. Actualmente AA encontra-se emigrada em ..., devido a um novo projecto profissional.
23. Os proveitos pagos pela ré a AA constituíam a sua única fonte de rendimento.
24. Havia correspondência da Delegação ... dirigida a AA.
25. Em 2020 a ré reactivou a Delegação ....
26. Dispondo da chave de acesso da Delegação ... AA podia em qualquer horário e em qualquer dia deslocar-se àquelas instalações, sem dependência de terceiros.
27. Alguns dos equipamentos utilizados por AA, como o microfone, são cedidos pela ré devido à natureza da actividade desenvolvida por um jornalista televisivo, que exige aparelhos de qualidade contrastada, cujo custo não consegue ser suportado pelos jornalistas.
28. AA dispunha de autonomia na forma como realiza as peças e intervenções jornalísticos, bem como na escolha de alguns temas a cobrir, mas deveria agir de acordo com as coordenadas estabelecidas pela ré.
29. A atribuição de um email institucional a AA justifica-se por uma questão de segurança, tendo em conta a natureza sensível da correspondência trocada nos emails.
30. AA não dispunha de um horário de trabalho fixo, devendo estar disponível para os horários dos programas televisivos da ré ou dos eventos em que comparecia para realizar coberturas ou reportagens.
31. A ré nunca exerceu poder disciplinar sobre AA.
32. A ré não pagou subsídio de férias ou de Natal a AA.
33. AA não está inscrita no regime da Segurança Social como trabalhadora por conta de outrem da ré, tendo desenvolvido a sua actividade encontrando-se colectada no Serviço de Finanças como trabalhadora independente.
34. AA carecia de receber coordenadas quanto à sua actividade, por se encontrar inserida numa equipa de trabalho da ré.
35. AA não se encontrava sujeita a um controlo de pontualidade.
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FACTOS NÃO PROVADOS:
1. A Delegação ... não apresenta um volume de actividade jornalística que justifique a contratação a tempo inteiro de um jornalista.
2. AA podia-se fazer substituir por outra pessoa se estivesse impedida de prestar a sua actividade num dos dias acordados com a ré.
IV – Fundamentação de Direito
1- Da impugnação da matéria de facto provada
A Recorrente/Apelante impugna a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, no que respeita aos pontos de facto provados 9.º e 16.º, defendendo a alteração da redação do primeiro e pugnando para que o segundo seja dado como não provado, uma vez que resultou suficientemente provado que a AA utilizava também os seus próprios instrumentos de trabalho e não foi realizada qualquer prova da qual permitisse concluir que as funções da colega de ... eram idênticas às funções desempenhadas pela AA.
Indica como meios de prova para fundamentar a sua pretensão essencialmente os depoimentos prestados pela AA e pelos inspetores do trabalho, testemunhas apresentadas pelo recorrido e inquiridas em audiência de julgamento.
Vejamos:
Os Tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.
Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por seu turno, resulta do artigo 640.º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto” que quando se impugne a decisão proferida quanto à matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, bem como, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Importa ainda referir que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no artigo no n.º 5 do artigo 607.º do CPC, segundo tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial.
No que respeita à prova testemunhal mostra-se consagrado no artigo 396.º do CC, o princípio da livre apreciação da prova testemunhal, segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador, ao dispor o citado preceito legal que a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.
Relacionado com este princípio estão os princípios da oralidade e da imediação.
O primeiro exige que a produção de prova e a discussão na audiência de julgamento se realizem oralmente, para que as provas, excepto aquela cuja natureza o não permite, sejam apreendidas pelo julgador por forma auditiva. O segundo diz respeito à proximidade que o julgador tem com o participante ou intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova através de uma perceção directa ou formal. Esta perceção imediata oferece maiores possibilidades de certeza e da exacta compreensão dos elementos levados ao conhecimento do tribunal.
Defende o Prof. Manuel de Andrade, em “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 386, que estes princípios possibilitam o indispensável contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova. Só eles permitem fazer uma avaliação, o mais corretamente possível, da credibilidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas.
Todavia importa ter presente para além do princípio da liberdade do julgador na apreciação da prova, que toda a apreciação da prova pelo tribunal da 1ª instância tem a seu favor o princípio da imediação, que não pode ser esquecido no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos.
Sobre a reapreciação da prova impõe-se toda a cautela para não desvirtuar os mencionados princípios, sem esquecer que não está em causa proceder-se a novo julgamento, mas apenas examinar a decisão da primeira instância e respectivos fundamentos, analisar as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, a fim de averiguar se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.
Em suma, o uso dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de manifesta desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos impugnados, acrescendo dizer que estando em causa a análise de prova gravada só se deve abalar a convicção criada pelo juiz a quo, em casos pontuais e excepcionais, ou seja quando não estando em causa a confissão ou qualquer facto só susceptível de prova documental, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer suporte nos elementos de prova trazidos aos autos ou estão em manifesta contradição com a prova produzida, ou não têm qualquer fundamento perante a prova constante dos autos.
Cabe assim ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria de facto controvertida em face dos elementos a que teve acesso, de forma a verificar ou não um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas, aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento, que possa vir a impor decisão diversa.
Ora, depois de termos ouvido todos os depoimentos prestados na audiência de julgamento e analisada a prova documental junta aos autos, passamos à apreciação da impugnação da matéria de facto, uma vez que se mostram cumpridos os ónus de impugnação previstos no citado art.º 640.º do CPC.
Pretende a Recorrente que se proceda à alteração da redação do ponto 9 dos pontos de facto provados, acrescentando a este ponto o facto da AA também utilizar os seus próprios instrumentos de trabalho para desenvolver a sua atividade.
Desde já diremos que assiste razão à recorrente
Na verdade, no decurso do depoimento prestado por AA esta de forma espontânea e desinteressada confirmou que o telemóvel que utilizava era seu, tal como os fones que usava nos diretos, “pois fazem diretos a partir da chamada”. Do seu depoimento, o qual não foi contrariado por qualquer outra prova, resultou claro que, apesar da preponderância dos instrumentos de trabalho utilizados pela AA serem fornecidos pela EMP01..., o certo é que o telemóvel e os fones que utilizava eram de sua pertença.
Procede nesta parte a impugnação, passando a constar, no local próprio, do ponto 9 dos factos provados o seguinte: “Na sua actividade AA dispunha dos seguintes equipamentos e instrumentos disponibilizados pela ré: computador portátil (marca ... com o nº interno da ré ...28); computador desktop (marca ..., com o nº interno da ré ...57); software “...”, de edição e execução de peças jornalísticas; impressora; secretária, cadeira e restante mobiliário da Delegação da EMP01...; material de escritório; automóvel (... com a matrícula ..-QN-.., com os logotipos identificativos da ré); cartão ... (n.º ...78), para abastecimento de combustível; microfone com os logotipos identificativos da ré; colete ignífugo com os logotipos da ré para acompanhamento de incêndios rurais, sendo certo que o telemóvel e os auriculares que também utilizava, eram de sua propriedade.”
Por fim, pretende a recorrente que o ponto 16 dos pontos de facto provados passe a constar dos pontos de facto não provados, por não ter sido realizada qualquer prova sobre este facto.
Neste conspecto também assiste razão à recorrente pois para além do caracter conclusivo da factualidade que se fez constar do ponto 16 dos pontos de facto provados, o certo é que quer a prova testemunhal, designadamente os depoimentos prestados pelos inspetores do Trabalho, BB e CC, quer a prova documental, se revelam de manifestamente insuficientes para se poder concluir que pelo facto de existir na Delegação ... uma colega jornalista pertencente ao quadro da EMP01..., a mesma desenvolvia a sua atividade em termos equiparáveis à colega da Delegação ....
Acresce ainda dizer que tal factualidade nos termos em que foi dada como provada revelou não ter qualquer interesse para a boa decisão da causa, aliás como resulta da fundamentação da decisão recorrida, ao não ter sido utilizada tal factualidade para sustentar a decisão de direito.
Assim, quer pela prova produzida se revelar de insuficiente, quer porque tal factualidade se revela desprovida de interesse para a boa decisão da causa decide-se eliminar a mesmo dos factos provados, fazendo constar tal menção no local próprio.
Procede na sua totalidade a impugnação da matéria de facto.
2.Da qualificação do contrato
Cumpre agora proceder à análise da questão de direito que respeita à qualificação jurídica da relação contratual estabelecida entre a Recorrente e a AA no período compreendido entre 15 de Janeiro de 2021 até ../../2024, designadamente apurar se a relação contratual é de trabalho subordinado.
Consigna-se que para apreciação do pleito iremos convocar apenas as normas da Código do Trabalho de revisto aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (doravante CT.), e do Código Civil, atenta a data de início da relação contratual estabelecida entre as partes.
Cabe-nos desde já dizer que a alteração da matéria de facto apurada pouco ou nada interfere com a questão a decidir, que aliás em nosso entender foi devidamente apreciada. Como bem observa a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta no parecer junto aos autos “A circunstância de alguns instrumentos de trabalho – o telemóvel e os auriculares – serem disponibilizados por AA surge como praticamente insignificante em face do rol e da importância daqueles outros – computadores, software de edição, veículo, mobiliário etc… - que eram fornecido pela ré, não sendo seguramente por causa daqueles poucos utensílios – aliás, de utilidade originariamente pessoal e doméstica – que AA passa a poder ser vista como verdadeira e própria organizadora de uma qualquer suposta empresa de prestação de serviços jornalísticos.” E nós acrescentamos, que tal como resulta da decisão recorrida, a utilização dos equipamentos da Ré, no caso, atenta a especificidade da atividade, não se nos afigura ser um fator decisivo na qualificação do contrato.
Mas, vejamos.
Estabelece o artigo 11.º do CT, indo de encontro ao disposto no artigo 1152.º do Código Civil, que o contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.
Por seu turno prescreve o artigo 1154.º do Código Civil, que contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Destes conceitos resulta que o contrato de trabalho tem por objecto a prestação de uma actividade e o contrato de prestação de serviço a obtenção de um certo resultado proveniente do trabalho prestado por outrem, sendo certo que apenas o primeiro é necessariamente oneroso.
Quer a doutrina, quer a jurisprudência têm vindo ao longo dos anos a salientar, que o que verdadeiramente distingue o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços é a chamada subordinação jurídica de uma das partes em relação à outra, subordinação essa que só no contrato de trabalho existe. Tenha-se presente que a subordinação jurídica atualmente não está apenas associada à sujeição de ordens e instruções, pois as atuais formas de organização laboral que premeiam a autonomia técnica dos trabalhadores, levam a que a subordinação jurídica signifique que o prestador esteja inserido num ciclo de trabalho produtivo alheio, estando vinculado à observação dos parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário da actividade.
Ora, o contrato de trabalho tem assim como objecto a prestação de uma actividade e como elemento que o distingue dos demais a subordinação jurídica, que se traduz não só no poder que o empregador tem de através de ordens, instruções e directivas, conformar a prestação a que o trabalhador se obrigou, mas também que o prestador do trabalho esteja integrado na estrutura organizativa do beneficiário da actividade.
Por seu turno, o contrato de prestação de serviço visa, apenas, a obtenção de um determinado resultado que a parte sujeita a tal obrigação obterá por si, em regime de autonomia, não sendo este trabalho dominado e organizado pelo beneficiário da actividade (que apenas controla o produto final), mas sim por quem o fornece. Em suma não está sujeita ao poder de direcção e de fiscalização da outra parte.
Nem sempre é fácil distinguir estas duas figuras contratuais, por em diversas situações ser difícil de perceber o que ficou estabelecido e o que era pretendido – se a actividade em si ou se o seu resultado, razão pela qual a subordinação jurídica é, pois, o elemento fundamental e diferenciador do contrato de trabalho e traduz-se numa posição de supremacia do credor da prestação de trabalho (o empregador) e na correspondente sujeição do prestador da actividade (o trabalhador), cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
Podemos assim concluir que o contrato de trabalho se caracteriza essencialmente pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade empregadora e que resulta da circunstância do trabalhador se encontrar inserido na organização produtiva do empregador e submetido à autoridade e direcção deste, enquanto na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da actividade.
Importa salientar que em termos de repartição do ónus da prova, cabe ao trabalhador fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, isto é, demonstrar que presta uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Contudo, atualmente o Código do Trabalho consagra no seu artigo 12.º a presunção de laboralidade, vindo assim a inverter o ónus da prova da existência do contrato de trabalho nos termos do art.º 350.º do Código Civil, dai decorrendo que na presença dos indícios enunciados no citado art.º 12.º do CT, fica-se dispensado de demonstrar, nos termos gerais do artigo 342.º do Código Civil, que a actividade desenvolvida para o empregador mediante o pagamento de uma importância monetária é prestada numa posição de subordinação (no caso, estando o Ministério Público colocado na posição do trabalhador, beneficia da presunção de laboralidade se ficar demonstrada a respetiva factualidade). Naturalmente esta qualificação pode ser afastada se o empregador lograr provar a autonomia do trabalhador ou a falta de qualquer outro elemento essencial do contrato de trabalho.
Assim, decorre do disposto no art.º 12.º do CT, que se presume a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos seguintes indícios:
- o local de trabalho coincidir com instalações do beneficiário da actividade ou por ele controladas (al. a) do n.º 1);
- a pertença ao beneficiário da actividade dos equipamentos e instrumentos de trabalho (al.b) do n.º 1);
- a existência de horário de trabalho (al.c) do n.º 1);
- o carácter periódico da retribuição paga como contrapartida da actividade (al. d) do n.º 1);
- o desempenho de funções de direcção ou chefia na empresa pela prestador da actividade (al.e) do n.º 1 do art.º 12.º).
Tendo estes indícios natureza meramente exemplificativa, teoricamente basta que se verifiquem dois destes indícios para que se possa presumir a existência de um contrato de trabalho.
Neste mesmo sentido de que basta de dois dos indícios enumerados para que se considere que o trabalhador beneficia da presunção de existência de contrato de trabalho, passando a competir ao empregador a prova do contrário, vejam-se António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, Almedina, 2012, pp. 126-127), João Leal Amado (Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 2009, pp. 76-77), Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, Almedina, 2013, p. 307) e, ainda que de forma mitigada, Bernardo da Gama Lobo Xavier (Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2014, pp. 366 e ss.).
A presunção legal do citado artigo 12.º do CT é uma presunção juris tantum, que importa a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a parte adversa a prova do contrário do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido.
No caso em apreço, não temos dúvidas em afirmar que a factualidade apurada é suficiente para o preenchimento da presunção, já que nos permite concluir que a AA estava não só inserida na estrutura organizativa do beneficiário da actividade, como exercia a sua atividade de jornalista, sob as ordens e direção da Ré.
Analisemos a factualidade provada.
Quanto ao local de trabalho constatamos que desde do início da prestação da actividade a AA desempenhou as suas funções de jornalista, em instalações da delegação da Ré em ... ou em local indicado pela Ré, pois apesar de ter resultado provado que não existia indicação da ré sobre o local de trabalho onde a AA devia de prestar a sua actividade, com ressalva dos pontos de reportagem e cobertura, o certo é que também se provou que a realização de alguns trabalhos por AA envolvia de forma necessária a utilização dos recurso técnicos existentes na Delegação ..., por isso, podemos concluir que a AA para esse efeito tinha que se deslocar para exercer a sua atividade às instalações da Ré, sendo assim este também o seu local de trabalho.
Quanto aos instrumentos e equipamentos de trabalho, a AA no exercício das suas funções utilizava preponderantemente os equipamentos e os instrumentos de trabalho disponibilizados/fornecidos pela Ré, com exceção do telemóvel e dos auriculares que eram de sua pertença. Como já havíamos referido este indicio não se nos afigura de determinante para a qualificação do contrato, pois atenta a especificidade das funções desempenhadas de jornalista/repórter da EMP01... e os custos dos equipamentos em causa, afigura-se-nos de compreensível que tenha de ser a Ré a fornecê-los.
Quanto ao horário de trabalho, apesar de a AA não cumprir horário de trabalho fixo, a factualidade apurada permite-nos concluir que efetivamente cumpria um horário determinado pela Ré, pois esta mensalmente enviava uma escala, que a AA tinha de observar e nos dias definidos que iria trabalhar deveria estar disponível para executar os serviços que se revelassem de necessários de acordo com as orientações da Ré, devendo estar disponível para os horários dos programas televisivos da ré ou dos eventos em que comparecia para realizar coberturas ou reportagem. Por outro lado, quando trabalhava em dia feriado dispunha de dia de descanso adicional, tinha de proceder à marcação de férias e tinha de comunicar os dias em que tivesse de faltar. Assim, não só, não era a AA, quem estabelecia as horas em que desenvolvia a sua atividade, como estava obrigada a manter a sua disponibilidade total para executar os serviços que se revelassem necessários de acordo com as orientações da Ré.
De tudo isto resulta o assumir do cumprimento de horários e nessa medida da disponibilidade para o que fosse necessário, o que a impedia de poder até exercer uma outra atividade. Tal revela-se incompatível com a auto-organização do tempo, quer com a ideia que a Ré pretender passar de que se prendia com a organização do trabalho e com a natureza dos serviços contratados. Com efeito a AA não tinha um horário fixo, mas tinha uma escala de trabalho mensal, que estava obrigada a cumprir e a guardar total disponibilidade.
Quanto ao pagamento periódico de contrapartida pela prestação das funções contratadas, resultou provado que a AA pela atividade desenvolvida em beneficio da Ré, recebia €1.700,00, que eram liquidados 12 meses por ano, o que incluía o pagamento do período em que estivesse no gozo de férias.
Está assim também verificado o requisito da periodicidade no recebimento da contrapartida, mensal e certa, pois era calculada em função do tempo de actividade e não em função do resultado.
Em suma, para além de considerarmos que está verificada a presunção legal da existência do contrato de trabalho, pois verifica-se a existência de três dos cinco indicadores de laboralidade, elencados na presunção legal do art.º 12.º do CT, que a Ré não afastou, os factos provados permitem-nos concluir que a autora não só estava integrada na estrutura organizativa da Ré, pois estava inserida numa equipa de trabalho da Ré, sendo certo que nos períodos de ausência da colega de ... era a AA quem assegurava a atividade daquela, não permitindo a ré que as duas se ausentassem em simultaneamente. Por outro lado, a AA dependia economicamente da Ré já que os proveitos que recebia da Ré constituíam a sua única fonte de rendimento.
Ao invés a Ré não logrou provar que a prestação da actividade tivesse sido exercida de modo autónomo, como é característico da prestação de serviço, já que os aparentes sinais de autonomia e independência, não correspondem, na realidade, a relações contratuais efetivamente exercidas com autonomia e independência.
Em suma, ao ter-se apurado que a AA esteve inserida na estrutura organizativa do empregador, exercendo a sua atividade de jornalista, recebendo como contrapartida uma quantia mensal certa, recebendo constantemente orientações do empregador, fácil será de concluir estarmos perante um contrato de trabalho.[1]
Uma última nota apenas para dizer que apesar das partes terem acordado que entre si vigoraria um contrato de prestação de serviços, o certo é que a qualificação jurídica de um negócio jurídico, não depende da qualificação atribuída pelas partes, mas sim, da definição das condições do exercício da atividade acordadas entre as partes e da forma como foi efetivamente executado.
Assim sendo, analisando todos os índices de subordinação jurídica acima referidos com a vontade das partes na conclusão do contrato, que tem sempre um papel decisivo na qualificação do negócio, pois tratando-se de um negócio de natureza consensual tem de se atender à vontade real das partes, que não se basta apenas com a qualificação que atribuíram ao contrato e tendo presente o disposto no art.º 236.º do Código Civil, obrigará a não atender ao nome titulado ao contrato, “prestação de serviços”, quando, como no caso, os indícios relevantes apontem para a subordinação do trabalhador, sendo certo que da factualidade provada não resulta que a AA tivesse pretendido celebrar um contrato de prestação de serviços.
Ora, tendo a AA desenvolvido a sua atividade com sujeição aos poderes laborais, o facto da AA dispor de autonomia na forma como realizava as pelas e as intervenções jornalísticas, bem como na escolha de alguns temas a cobrir, o facto de não dispor de um horário fixo, nem se encontrar sujeita a um controlo de pontualidade, o facto de nunca ter recebido subsídios de férias e de natal e por fim o facto de se encontrar coletada no serviço de finanças como trabalhadora independente são tudo índices a considerar de irrelevantes na qualificação do contrato.
Em face do exposto mais não resta do que julgar o recurso improcedente, sendo de manter a decisão recorrida, na qual se fez a correta aplicação do direito aos factos apurados.
V– Decisão
Pelo exposto e nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por EMP01..., S.A.
Custas a cargo da Recorrente
Notifique.
Vera Maria Sottomayor (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Maria Leonor Barroso
[1] Neste sentido ver Ac. RE de 12.07.2018, proc.º n.º 1149/17.6T8PTG.E1 (relatora Paula Paço), consultável em www.dgsi.pt.