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REGISTO PREDIAL
ALTERAÇÃO DE DESCRIÇÃO PREDIAL
Sumário
I – Havendo dúvidas não supridas nos termos do art.º 73.º do Código do Registo Predial, C.R.P., o registo de alteração de uma descrição predial (não sendo caso de recusa) tem de ser lavrado a título provisório, em conformidade ao disposto no art.º 70.º do mesmo Código. II – Ainda que os artigos 28.º a 28.º-C do C.R.P. não façam menção expressa a prédios desanexados, o relevante é que as deficiências do procedimento suscitem dúvidas relativamente à alteração pretendida e que não sejam supridas pelos interessados, sem prejuízo de, efetivamente, se imporem maiores cautelas no caso daqueles prédios – por estarem em causa, também, interesses de terceiros, os titulares do prédio mãe.
Texto Integral
APELAÇÃO N.º 168/23.8T8VLC.P1
SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do C.P.C.):
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Acordam os Juízes na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo
Relator: Jorge Martins Ribeiro;
1.º Adjunto: Manuel Fernandes e
2.º Adjunto: Carlos Gil.
ACÓRDÃO I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de impugnação judicial de decisão proferida na Conservatória do Registo Predial de Vale de Cambra, no dia 27/04/2023, confirmada por sentença, de 21/10/2023, que julgou improcedente o recurso, é requerente e recorrente (R.) AA, titular do N.I.F. ......, residente na Rua ..., n.º ..., 5.º esq., ... Lisboa.
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Procedemos agora a uma síntese do processado relevante para o objeto do presente recurso; assim, e lançando mão da síntese efetuada na sentença recorrida([1]): 1) A R. submeteu, na Conservatória do Registo Predial de Vale de Cambra, aos 04 de abril de 2023, pedido de registo de aquisição do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.º ... da freguesia de Oliveira de Azeméis. 1.1) Para o efeito, instruiu o pedido com cópia do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros n.º ... da Conservatória do Registo Civil de Lisboa, imposto de selo, caderneta predial, planta elaborada por técnico e declaração de todos os titulares do prédio do mesmo não ter sofrido alteração na configuração inicial, nem ter sido anexada qualquer parcela. 1.2) Na apreciação do pedido de registo, a Conservatória do Registo Predial de Vale de Cambra notificou a requerente via e-mail no dia 24 de abril de 2023, dando-lhe conta de que “verificamos pela descrição do prédio que o mesmo já foi desanexado de outro prédio, ou seja, pretende a rectificação da área de uma parcela que foi desanexada de outro prédio. Ora, se foi transmitida uma parcela com a área de 237 m2 a desanexar de um determinado prédio, não se pode invocar erro de medição para dizer que a parcela afinal tinha área diferente, pois parece que se está a pretender uma aquisição não titulada daquela área, situação diferente seria adquirir um prédio, com uma globalidade e verificar um erro quanto à área. Nestes termos, apenas podemos fazer o registo provisório por dúvidas. Pode fazer o pedido de rectificação de áreas nos termos dos artigos 120.º e ss. do C.R.P., com base em documentos, ou outro tipo de prova daquilo que alega. No nosso entender, neste caso não se trata de simples actualização de área. Dispõe de um prazo de 5 dias para declarar o que entender por conveniente, ou desistir se não pretender nestes termos”([2]). 1.3) Decorrido o referido prazo de 5 dias, a Conservatória do Registo Predial de Vale de Cambra proferiu decisão, tendo lavrado o registo como provisório por dúvidas (mediante a AP. ... de 2023/04/04), fundamentando a sua decisão na existência de uma divergência de área, por os artigos 28.º, n.º 1 e n.º 2, e 28.º-A, do Código do Registo Predial, C.R.P., exigirem a harmonização, quanto à área, entre a descrição, o título e a matriz, divergência que no caso é superior a 10 % da área maior, além de o prédio em causa ter sido desanexado de outro, não sendo por isso invocável erro de medição para sustentar que a parcela final tinha uma área diferente (maior).
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2) No dia 28/06/2023 a R. apresentou a sua impugnação judicial. Lançando mão, novamente, da síntese efetuada na sentença proferida([3]), alegou que apresentou pedido de registo de aquisição do prédio suprarreferido, com atualização da descrição e atualização da área do prédio invocando (anterior) erro de medição, dizendo que o mesmo não sofreu qualquer alteração na sua configuração inicial e nem lhe foi anexada qualquer outra parcela, atualização essa prevista no artigo 28.º - C, n.º 2, alíneas b) e i) do C.R.P., sendo que – na perspetiva da impugnante – foi dado integral cumprimento ao referido preceito legal.
Alegou ainda que do suprarreferido preceito legal não resulta que não possa ser efetuada a atualização da descrição de prédios desanexados de outros, quando há erro de medição.
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3) Aos 12/06/2023 a Conservadora do Registo Predial de Vale de Cambra proferiu despacho de sustentação da qualificação do registo como provisório([4]).
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4) No dia 13/09/2023 o Ministério Público emitiu parecer, no âmbito do disposto no art.º 146.º, n.º 1, do C.R.P., no sentido de “que nada há a censurar na posição assumida pela Exma. Sra. Conservadora do Registo Predial de Vale de Cambra, pelo que que é de indeferir a impugnação judicial apresentada por AA”.
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5) Aos 21/10/2023 foi proferida a sentença objeto deste recurso.
Do dispositivo da mesma consta:
“Em face do exposto, julgo improcedente o presente recurso de impugnação judicial e, em consequência: Mantenho a decisão da Conservadora do Registo Predial de Vale de Cambra que qualificou o pedido de registo de aquisição a favor de AA, BB e CC do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis, na freguesia de Oliveira de Azeméis, sob o n.º .../..., como provisório por dúvidas (cf. AP. ... de 2023/04/04 da Conservatória do Registo Predial de Vale de Cambra). Valor: € 94.710,00 (noventa e quatro mil setecentos e dez euros) - cfr. artigo 147.º- A do Código de Registo Predial. Custas a cargo da impugnante. Registe. Notifique a impugnante e a Conservatória do Registo Predial de Vale de Cambra”.
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6) No dia 17/01/2024 a R. interpôs recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:
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7) A Conservadora do Registo Predial, no dia 01/04/2024, respondeu às alegações da R., mantendo o seu entendimento.
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8) Por despacho proferido aos 02/02/2024, o requerimento de interposição de recurso foi corretamente admitido, tendo em conta o regime constante do art.º 147.º, n.º 1 e n.º 3, do C.R.P., como sendo de apelação, com efeito suspensivo e a subir nos autos.
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O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (como expresso nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663, n.º 2, in fine, do C.P.C.).
Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação.
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A questão (e não razões ou argumentos) a decidir é se o registo em questão, lavrado como provisório, poderia ter sido efetuado como definitivo, não obstante tratar-se de um prédio desanexado de um outro e a pretendida retificação da área exceder 10% da área total.
II – FUNDAMENTAÇÃO Os factos provados relevantes para a decisão tal como decidido na sentença sob recurso (cujo teor integral damos por reproduzido)([5]) ([6]): 1. AA, em 04 de Abril de 2023, submeteu pedido de registo de aquisição a seu favor, bem como de BB e de CC do prédio urbano sito na freguesia de Oliveira de Azeméis, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.º ..., pedido anotado no livro diário da Conservatória do Registo Predial de Vale de Cambra, em 04 de Abril de 2023, pela apresentação nº ... (cf. certidão predial junta aos autos a fls. 1 e requerimento de registo junto a fls. 4 a 7). 2. No suprarreferido pedido de registo, a Requerente e BB e de CC no campo “Outras Declarações” declararam que “O prédio tem a área de 302 m2, devendo-se a divergência a erro de medição, não tendo sofrido alteração na configuração inicial, nem anexada qualquer parcela. Tendo o prédio sido desanexado do n.º ..., -... anteriormente à sua actualização e extratação”. 3. A instruir o pedido de registo foi junto levantamento topográfico realizado por DD, Arquitecto inscrito na Ordem dos Arquitectos, no qual o mesmo declara que «o levantamento topográfico realizado ao prédio urbano sito na Rua ..., ... da freguesia e concelho de Oliveira de Azeméis, verifica-se que a área e os limites actuais do terreno são os que se encontram delimitados na presente planta. Artigo urbano- n.º ... Oliveira de Azeméis Descrição – n.º ... Oliveira de Azeméis. Área total do terreno – 302.00 m2». 4. Foi igualmente junto Procedimento Simplificado de Habilitação n.º ..., acompanhado do imposto de selo, bem como caderneta predial urbana do artigo matricial ... sito na Rua ..., do qual consta a seguinte descrição «Bloco formado por cinco compartimentos, ou seja, cave ampla servindo de garagens com 222 m2; rés-do-chão amplo destinado a comércio com 212 m2; primeiro, segundo e terceiro andares com duas habitações em cada andar» e com a epígrafe Áreas (em m2) «Área total do terreno: 302,00 m2; Área de implantação do edifício: 302,00 m2; Área bruta privativa total: 1.150.000 m2». 5. Da caderneta predial urbana consta ainda a seguinte menção «Teve origem nos artigos(…) Artigo: ... Fracção: 3E». 6. A Conservatória do Registo Predial de Vale de Cambra notificou a requerente via e-mail, no dia 24 de Abril de 2023, dando-lhe conta de que «(…) verificamos pela descrição do prédio que o mesmo já foi desanexado de outro prédio, ou seja, pretende a rectificação da área de uma parcela que foi desanexada de outro prédio. Ora, se foi transmitida uma parcela com a área de 237 m2 a desanexar de um determinado prédio, não se pode invocar erro de medição para dizer que a parcela afinal tinha área diferente, pois parece que se está a pretender uma aquisição não titulada daquela área, situação diferente seria adquirir um prédio, com uma globalidade e verificar um erro quanto à área. Nestes termos, apenas podemos fazer o registo provisório por dúvidas. Pode fazer o pedido de rectificação de áreas nos termos dos artigos 120.º e ss. do C.R.P., com base em documentos, ou outro tipo de prova daquilo que alega. No nosso entender, neste caso não se trata de simples actualização de área. Dispõe de um prazo de 5 dias para declarar o que entender por conveniente, ou desistir se não pretender nestes termos». 7. Decorrido o prazo de 5 dias, a Conservatória do Registo Predial de Vale de Cambra lavrou o registo e qualificou-o como provisório por dúvidas, fundamentando a sua decisão nos seguintes termos «Há uma divergência de áreas que viola os artigos 28.º, n.º 2 e 1 e 28.º-A do C.R.P. que exigem a harmonização, quanto à área entre a descrição, e o título e a matriz. Pretende o registo de aquisição, contudo o mesmo não pode ser qualificado com a natureza de definitivo (…) divergência excede a diferença permitida pelo referido artigo 28.º-A, que é de 10% da área maior. Acontece que, pretende utilizar a faculdade de actualização de área prevista no n.º 1 do artigo 28.º-B do Código de Registo Predial. Mas verificamos pela descrição do prédio que o mesmo já foi desanexado de outro prédio (…) não se pode invocar erro de medição para dizer que a parcela afinal tinha uma área diferente (…) situação diferente seria adquirir um prédio, como uma globalidade e verificar um erro de medição quanto à área. No nosso entender, neste caso, não se trata de simples actualização de área» 8. O prédio em causa encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.º ..., constando do mesmo a seguinte descrição «URBANO SITUADO EM: ...; ÁREA TOTAL: 237 m2; ÁREA COBERTA: 237 m2; MATRIZ: ...; NATUREZA: Urbana; COMPOSIÇÃO E CONFRONTAÇÕES: Bloco formado por 5 compartimentos, de cave ampla para garagens, rés-do-chão amplo para comércio; 1.º, 2.º e 3.º andares com 2 habitações por piso(…) O solo desanexado do n.º ..., fls. 85, -.... Cedidos 53 m2 ao domínio público». 9. Sobre o prédio referido no número anterior incidem as seguintes inscrições:
Ap. ... de 2006/09/14 – AQUISIÇÃO – Compra – SUJEITO(S) ACTIVO(S): EE/a com AA no regime de comunhão geral
AP. ... de 2023/04/04 – Aquisição PROVISÓRIO POR DÚVIDAS – Dissolução da Comunhão Conjugal e Sucessão Hereditária - SUJEITO(S) ACTIVO(S): AA; BB; CC (AQ. EM COMUM E SEM DETERMINAÇÃO DE PARTE OU DIREITO). 10. Da descrição em livro do prédio n.º ..., constante de fls. 85, B- 54, consta a seguinte menção «(…) Desanexado o n.º .../... que fazia parte desta descrição anteriormente ao AV. ...». 11. A escritura que serviu de base à Ap. ... de 2006/09/14 referida no ponto (9) foi uma escritura de compra, lavrada em 29/01/1961, no Cartório Notarial de Oliveira de Azeméis”.
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Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “[n]a enunciação da matéria de facto na sentença, sem embargo da atendibilidade da prova plena que resulte dos autos, o juiz deve verter o que emergir da apreciação crítica e livre dos demais elementos probatórios e usar, se for o caso, as presunções judiciais que as circunstâncias justificarem, designadamente a partir dos factos instrumentais (arts. 607.º, n.º 4, e 5.º, n.º 2, al.a))”([7]).
Nos termos do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do C.P.C., cuja epígrafe é “[m]odificabilidade da decisão de facto”, “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Importa manter presente que o disposto no art.º 607.º, n.º 4 (e o n.º 5), do C.P.C., aplica-se igualmente a esta instância, tanto mais que a anulação de uma sentença deve confinar-se aos casos em que, como previsto no art.º 662.º, n.º 2, al. c), do C.P.C., “não constando do processo todos os elementos, que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto”.
Fazemos estas referências porquanto afigura-se-nos pertinente([8]) aditar três factos:
O facto n.º 4A com a seguinte redação:
“4A) Da caderneta predial urbana do artigo matricial ... sito na Rua ..., antes referido em 4, consta igualmente o seguinte: «área de terreno integrantes das frações: 0,0000 m.2» e, quanto ao r/c «área do terreno integrante: 0,0000 m.2; área bruta privativa: 238,0000 m.2»”.
O facto 11A com a seguinte redação:
“11A) Por e-mail de 06/06/2023 enviado da Conservatória do Registo Predial de Vale de Cambra para A de Oliveira de Azeméis foi perguntado, entre o mais, «onde foi lavrada a escritura que serviu de base à Ap. ... de 2006/09/14 – prédio ... freguesia de Oliveira de Azeméis»”.
O facto 11B com a seguinte redação:
“11B)Por e-mail de 06/06/2023 a Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis informou A de Vale de Cambra que «a escritura que serviu de base à Ap. ... de 2006/09/14, foi uma escritura de compra, lavrada em 29/01/1961, a fls. 97 v., Livro ..., do Cartório Notarial de Oliveira de Azeméis»”.
Trata-se de factos que resultam do teor da inscrição predial (o 4A) e do teor dos demais documentos que integram o processo, mormente do suporte físico a p. 15 (doc. n.º 5); de referir ainda que, apesar de no procedimento simplificado de habilitação de herdeiros ter sido junta a relação de bens, não houve o cuidado de identificar qual a verba respeitante ao referido artigo matricial ... – que, após análise, concluímos tratar-se da verba n.º 24…, atinente aos factos n.º 4 e n.º 4A.
Constatamos ainda que, não obstante o teor do processado na Conservatória (e, depois, em sede judicial), nunca foi junta a certidão da escritura pública de compra e venda da parcela, outorgada aos 29/01/1961 no Cartório Notarial de Oliveira de Azeméis.
De igual modo, não é conhecido nos autos o teor da descrição([9]) e da inscrição do prédio mãe (...-B ...), antes e depois da desanexação do aqui em discussão.
Perante a singeleza da alteração da matéria de facto, consideramos despicienda nova reprodução integral da mesma.
O Direito aplicável aos factos:
Começamos esta parte com a citação de um brocardo: “da mihi factum dabo tibi ius”, ou seja, dá-me os factos e dar-te-ei o Direito.
A realidade factual descrita implica que mantenhamos presente, entre o demais, que o registo em causa reporta-se ao prédio descrito na competente C.R.P. sob o n.º ..., com as áreas total e coberta de 237 m.2, inscrito na matriz predial de Oliveira de Azeméis como sendo o prédio U.... e que da inscrição matricial respeitante ao prédio n.º ... constam: por um lado, as áreas total do terreno e de implantação do edifício de 302 m.2, sendo a área de terreno integrante das frações 0,0 m.2 e, por outro, que o rés do chão tem a área bruta privativa de 238 m.2 e a do terreno integrante 0,0. m.2. De reter, igualmente, que foram cedidos 53 m.2 ao domínio público, pelo que a soma (total, por assim dizer) seriam ou 290 m.2 ou 291 m.2.
Se é certo que uma cave pode ter uma dimensão inferior ou igual à do rés do chão, o que é igualmente exato é que, ao nível do rés do chão, em qualquer das hipóteses não há terreno integrante do prédio e de modo algum temos área de construção superior ou a 237m.2 ou a 238.º m.2, nunca a área total de 302 m.2 pretendida pela recorrente.
Desde logo por aqui, e aos olhos de um cidadão comum, surge a questão: se o terreno não cresce – exceto nos casos de acessão natural, como previstos nos artigos 1327.º a 1332.º do Código Civil, C.C. –, então ao aumentar-se a área de um prédio estar-se-á a diminuir a de um confinante.
Ademais, perante tal, seria contrário ao sentimento de Justiça em vigor na comunidade que a pretendida operação de retificação de área (e sem prejuízo do que antes referimos quanto aos elementos documentais em falta) pudesse ser definitivamente registada sem que outros interessados (mormente os atuais titulares do prédio mãe) tivessem, sequer, a possibilidade de se pronunciarem.
Como observado pela Ex.ma Conservadora do Registo Predial (e pelo tribunal a quo), não se trata de um caso em que se pretende retificar a área de um qualquer prédio mas sim de um que tem a sua origem numa desanexação.
Acresce, tal como notado pela Mesma, que a área em questão excede em 10% a área maior, pois trate-se de 237 m.2, trate-se de 238 m.2, a área defendida pela recorrente é a de 302 m.2, maior assim em 65 m.2 ou em 64 m.2.
A evolução tecnológica nas últimas décadas, em todos os domínios, é um facto notório, pelo que também os elementos de medição evoluíram, permitindo que a topografia([10]) seja agora mais exata que há décadas.
Esta realidade, entre outros fundamentos, permite justificar a solução legislativa constante do Código do Registo Predial([11]) no art.º 28.º-A e no art.º 28.º-B, n.º1, do C.R.P.
Vejamos agora as normas invocadas e aplicáveis – na parte relevante para a decisão da questão decidenda, com as interpolações devidamente assinaladas, sendo que transcreveremos em nota o teor integral das mesmas.
De acordo com o disposto no art.º 28.º([12]) do C.R.P., “1 – [s]em prejuízo do disposto no número seguinte, deve haver harmonização [quanto] à [área] entre a descrição e a inscrição matricial ou o pedido de retificação ou alteração desta. 2 - Na descrição dos prédios [urbanos] a exigência de harmonização é [limitada] à área dos prédios”.
Segundo o art.º 28.º-A([13]) do C.R.P., “[c]aso exista diferença, quanto à área, entre a descrição e a inscrição [matricial], é dispensada a harmonização se a diferença não exceder, em relação à área [maior]: c) 10 %, nos prédios [urbanos]”.
Desta norma extrai-se que, dada a diferença de áreas em causa, teria de haver um procedimento de harmonização – que, naturalmente, não forçosamente termina num deferimento.
No entanto, o procedimento de atualização previsto no art.º 28.º-B([14]) do C.R.P. não pode ser utilizado no presente caso, dados os limites do seu âmbito de aplicação previstos no n.º1: “[a] área constante da descrição predial pode ser atualizada, no limite das percentagens fixadas no artigo 28.º-A, se o proprietário inscrito declarar que a área correta é a que consta da matriz”.
Assim sendo, restaria o procedimento previsto no art.º 28.º-C([15]), n.º 1 e n.º 2, do C.R.P.: “1 – [q]uando exista divergência de área, entre a descrição e o título, no limite das percentagens previstas no artigo [28.º-A], a atualização da descrição pode ser efetuada se o proprietário inscrito esclarecer que a divergência provém de simples erro de medição. 2 - Quando exista divergência de área, entre a descrição e o título, em percentagens superiores às previstas no artigo 28.º-A, a atualização da descrição é feita nos seguintes [termos]: b) Na matriz não cadastral, o erro a que se refere a alínea anterior é comprovado pela apresentação dos seguintes documentos:
i) Planta do prédio elaborada por técnico habilitado e declaração do titular de que não ocorreu alteração na configuração do prédio; ou
ii) Planta do prédio e declaração dos confinantes de que não ocorreu alteração na configuração do prédio.
3 - A assinatura de qualquer proprietário confinante pode ser suprida pela sua notificação judicial, desde que não seja deduzida oposição no prazo de 15 dias.
4 - A oposição referida no número anterior é anotada à descrição”.
Como é patente, a R. optou pela previsão da al. b) i) – contudo, tendo em conta o disposto na al. b) ii), torna-se mais clara a razão de ser da observação que antes fizemos, a de que “[a]demais, perante tal, seria contrário ao sentimento de Justiça em vigor na comunidade que a pretendida operação de retificação de área (e sem prejuízo do que antes referimos quanto aos elementos documentais em falta) pudesse ser definitivamente registada sem que outros interessados (mormente os atuais titulares do prédio mãe) tivessem, sequer, a possibilidade de se pronunciarem”.
Aqui chegados, importa referirmos que é verdade o que a R. refere, ao dizer que a norma não exclui do âmbito de aplicação os prédios que tenham sido desanexados; contudo, o relevante não é se o prédio foi, ou não, desanexado, pois o que interessa é se o procedimento tem deficiências, se suscita dúvidas que as partes não esclareçam. Assim, nada obsta à validade, à pertinência, dos juízos de valor tecidos pela Ex.ma Conservadora e reiterados pelo tribunal a quo – cuja fundamentação de Direito é escorreita.
Logo no início desta parte chamámos a atenção para o facto de as áreas nem sequer baterem certo, desde logo (e já para não nos atermos à área de 53 m.2 cedidos ao domínio público) por a área de terreno da parcela ser de 0,0 m.2, por contraposição à área edificada e à constante da descrição predial. Acresce que nos termos do art.º 28.º-A, al. c), o limite máximo da retificação tendo por referência a área maior (302 m.2) seria o de 30,20 m.2 e não os 64 m.2 ou os 65 m.2 que já mencionámos e aqui em causa.
De todo o modo, atente-se também – como referimos antes – que em momento algum foi junta aos autos a escritura de compra e venda de 29/01/1961, a fim de se saber a área desanexada na alienação, sendo que a Ex.ma Conservadora concedeu o prazo de 5 dias, previsto no art.º 73.º, n.º 2,([16]) do C.RP., para a requerente se pronunciar relativamente ao seu projeto de decisão, remetendo a questão para o procedimento de retificação previsto no art.º 120.º e seguintes do C.R.P., qualificando-se, no ínterim, o registo como provisório por dúvidas.
Na verdade, o artigo 70.º do C.R.P. prevê que “[s]e as deficiências do processo de registo não forem sanadas nos termos do artigo 73.º, o registo deve ser feito provisoriamente por dúvidas quando existam motivos que obstem ao registo do ato tal como é pedido e que não sejam fundamento de recusa”.
Antes referimos a audição dos interessados titulares do prédio mãe. O procedimento de retificação de registos previsto no art.º 120.º e seguintes do C.R.P. – em linha, aliás, com o disposto no art.º 28.º-C, n.º 2, ii) [declaração dos confinantes] –, prevê no art.º 129.º([17]), n.º 1 (entre outros), o seguinte: “[o]s interessados não requerentes são notificados para, no prazo de 10 dias, deduzirem oposição à retificação, devendo juntar os elementos de prova e pagar os emolumentos devidos”.
A propósito do procedimento de retificação do registo e da tutela de terceiros, citamos Mouteira Guerreiro, “[d]e acordo com o art.º 120.º o processo pode iniciar-se por iniciativa do [conservador] ou a pedido de qualquer interessado – segundo o princípio da instância. [E] aqui uma de duas: ou não há qualquer [prejuízo] ou poderá haver e, então, é necessário obter o consentimento de todos os interessados. E que interessados são estes? [São] todos aqueles que possam vir a ser afectados abrangendo este termo também os que eventualmente não tenham um prejuízo concreto, mas possam ver o seu direito alterado”([18]).
Por tudo quanto expusemos, o recurso será julgado improcedente.
III – DECISÃO
Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas na primeira instância e da apelação pela recorrente, por ter decaído, nos termos do art.º 527.º, n.º 1, e n.º 2, do C.P.C.
Porto, 23/09/2024.
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Este acórdão é assinado eletronicamente pelos respetivos:
Jorge Martins Ribeiro;
Manuel Domingos Fernandes
Carlos Gil
___________________ [1] Sem prejuízo de introduzirmos pequenas alterações no texto. [2] Itálico e aspas no original. [3] Agora como antes com ligeiras alterações no texto. [4] Cf. p. 31 dos documentos juntos com a impugnação judicial. [5] Aspas, itálico, reticências e maiúsculas no original. [6] Damos por reproduzida a motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida. [7] Cf. António Santos Abrantes GERALDES, Paulo PIMENTA e Luís Filipe Pires de SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2023, p. 30. [8] Tendo nós presente que, tratando-se de um juízo (de valor), é naturalmente subjetivo; ou seja, a primeira instância – sem que tal possa considerar-se uma falha ou, pior, um erro – pode ter ajuizado não se tratar de factos relevantes para a boa decisão da causa. [9] Sem prejuízo de, a propósito – e no âmbito do alcance da presunção constante do art.º 7.º do C.R.P. –, citarmos o ponto IV do sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido aos 07/03/2023, no processo n.º 1628/18.8T8VCT.G1.S1, relatado por Tibério Nunes da Silva: “IV. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido constante na afirmação de que a presunção resultante da inscrição do direito de propriedade no registo predial não abrange a área, limites ou confrontações dos prédios descritos”. O acórdão está acessível em: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cca50a490d6177858025896c00447504?OpenDocument [(negrito nosso) 10/09/2023]. [10] A topografia “[t]em a importância de determinar analiticamente as medidas de área e perímetro, localização, orientação, variações no relevo e ainda representá-las graficamente em cartas (ou plantas) topográficas”; cf. Wikipédia, acessível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Topografia [10/09/2023]. [11] Na redação em vigor, conferida pelo D.L. n.º 90/2023, de 11/10. [12] “Artigo 28.º Harmonização 1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, deve haver harmonização quanto à localização, à área e ao artigo da matriz, entre a descrição e a inscrição matricial ou o pedido de retificação ou alteração desta. 2 - Na descrição dos prédios urbanos e dos prédios rústicos ainda não submetidos ao cadastro geométrico a exigência de harmonização é limitada aos artigos matriciais e à área dos prédios. 3 - Nos títulos respeitantes a factos sujeitos a registo deve haver harmonização com a matriz, nos termos dos n.os 1 e 2, e com a respetiva descrição, salvo se quanto a esta os interessados esclarecerem que a divergência resulta de alteração superveniente ou de simples erro de medição”. [13] “Artigo 28.º-A Dispensa de harmonização Caso exista diferença, quanto à área, entre a descrição e a inscrição matricial ou, tratando-se de prédio não descrito, entre o título e a inscrição matricial, é dispensada a harmonização se a diferença não exceder, em relação à área maior: a) 20 %, nos prédios rústicos não submetidos ao cadastro geométrico; b) 5 %, nos prédios rústicos submetidos ao cadastro geométrico; c) 10 %, nos prédios urbanos ou terrenos para construção”. [14] “Artigo 28.º-B Abertura ou atualização da descrição 1 - A área constante da descrição predial pode ser atualizada, no limite das percentagens fixadas no artigo 28.º-A, se o proprietário inscrito declarar que a área correta é a que consta da matriz. 2 - Se estiver em causa um prédio não descrito, aplica-se o disposto no número anterior, descrevendo-se o prédio com a área constante da matriz, se o interessado declarar que é essa a área correta. 3 - O recurso à faculdade para proceder à atualização da descrição ou à sua abertura, prevista nos números anteriores, apenas pode ser efetuado uma única vez. 4 - O exercício da faculdade prevista no número anterior deve ser mencionado na descrição”. [15] “Artigo 28.º-C Erro de medição 1 - Quando exista divergência de área, entre a descrição e o título, no limite das percentagens previstas no artigo 28.º-A, e não tenha havido recurso à faculdade prevista no artigo anterior, a atualização da descrição pode ser efetuada se o proprietário inscrito esclarecer que a divergência provém de simples erro de medição. 2 - Quando exista divergência de área, entre a descrição e o título, em percentagens superiores às previstas no artigo 28.º-A, a atualização da descrição é feita nos seguintes termos: a) Na matriz cadastral, o erro de medição é comprovado com base na informação da inscrição matricial donde conste a retificação da área e em declaração que confirme que a configuração geométrica do prédio não sofreu alteração; b) Na matriz não cadastral, o erro a que se refere a alínea anterior é comprovado pela apresentação dos seguintes documentos: i) Planta do prédio elaborada por técnico habilitado e declaração do titular de que não ocorreu alteração na configuração do prédio; ou ii) Planta do prédio e declaração dos confinantes de que não ocorreu alteração na configuração do prédio. 3 - A assinatura de qualquer proprietário confinante pode ser suprida pela sua notificação judicial, desde que não seja deduzida oposição no prazo de 15 dias. 4 - A oposição referida no número anterior é anotada à descrição”. [16] “2 - Não sendo possível o suprimento das deficiências nos termos previstos no número anterior e tratando-se de deficiência que não envolva novo pedido de registo nem constitua motivo de recusa nos termos das alíneas c) a e) do n.º 1 do artigo 69.º, o serviço de registo comunica este facto ao interessado por escrito, por correio eletrónico ou sob registo postal, para que, no prazo de cinco dias, proceda a tal suprimento, sob pena de o registo ser lavrado como provisório ou recusado” (itálico nosso). [17] “Artigo 129.º Notificação dos interessados não requerentes 1 - Os interessados não requerentes são notificados para, no prazo de 10 dias, deduzirem oposição à retificação, devendo juntar os elementos de prova e pagar os emolumentos devidos. 2 - Se os interessados forem incertos, deve ser notificado o Ministério Público nos termos previstos no número anterior. 3 - As notificações são feitas nos termos gerais da lei processual civil, aplicada com as necessárias adaptações. 4 - [Revogado]. 5 - [Revogado]. 6 - As notificações editais são feitas pela simples afixação de editais, pelo prazo de 30 dias, no serviço de registo da situação do prédio, na sede da junta de freguesia da situação do prédio e, quando se justifique, na sede da junta de freguesia da última residência conhecida do ausente ou do falecido. 7 - As notificações editais, referidas no número anterior, são igualmente publicadas em sítio na Internet, em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”. [18] Cf. J.A. Mouteira GUERREIRO, Noções de Direito Registral (Predial e Comercial), Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 259 (itálico no original e interpolação nossa).