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ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
COMUNICAÇÃO
NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA
COMUNICAÇÃO A CADA CÔNJUGE
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
Sumário
1 – No âmbito da forma legal das comunicações entre o senhorio e o inquilino previstas nos artigos 9º e seguintes do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção conferida pelas Leis n.ºs 43/2017, de 14 de Junho e 13/2019, de 12 de Fevereiro, devolvida a primeira carta endereçada pelo senhorio ao inquilino dando conta da sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, por não ter sido levantada no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, pode aquele optar por efectuar, no prazo previsto no n.º 3 do artigo 10º do referido regime, notificação judicial avulsa, em substituição da expedição de nova carta, considerando-se a comunicação efectuada em face da primeira carta expedida, pois que aquela funciona como condição de eficácia da declaração de oposição à renovação do contrato emitida nesta última. 2 – Ainda que a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento, por servir de base ao procedimento especial de despejo, se enquadre nas comunicações previstas na alínea b) do n.º 2 do art.º 10º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, a exigência de que deve ser dirigida a cada um dos cônjuges, dependerá sempre da demonstração do casamento e de que o local arrendado constitui a casa de morada de família.
Texto Integral
Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO A, residente ao Caminho …, nº …, Funchal intentou contra C, residente à Estrada da …, ..., 2º Andar, Funchal, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, formulando os seguintes pedidos:
a) A declaração de que o contrato de arrendamento em discussão nos autos cessou a 25 de Agosto de 2022, por oposição à sua renovação e condenação do réu à entrega imediata do locado, livre de pessoas e bens, após o trânsito em julgado da decisão que ponha termo à causa;
Subsidiariamente,
b) A declaração de resolução do contrato de arrendamento, ao abrigo do disposto no artigo 1083º n.º 2 alínea b) e c) do Código Civil e condenação do réu à entrega imediata do locado, livre de pessoas e bens, após o trânsito em julgado da decisão que ponha termo à causa;
c) A condenação do réu no pagamento ao autor, a título de indemnização pelos danos causados no imóvel arrendado, de quantia a liquidar em execução de sentença.
Alegou, para tanto, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 5036042):
=> Por contrato celebrado em 25 de Agosto de 2008, o autor deu de arrendamento ao réu, pelo período de um ano, renovável, o prédio urbano, destinado exclusivamente à habitação, sito à Estrada da …, …, 2º Andar, freguesia de …, concelho do Funchal, mediante o pagamento de renda mensal;
=> O autor comunicou ao réu a sua oposição à renovação do contrato, com cessação a 25 de Agosto de 2022, por carta dirigida ao locado, que não foi levantada pelo réu, tendo ainda procedido à sua notificação judicial avulsa com idêntico fim;
=> O réu recusa-se a desocupar o imóvel;
=> Acresce que o locado se destinava a habitação e o réu tem vindo a usar o respectivo logradouro para realizar trabalhos de mecânica automóvel e serralharia e utiliza a arrecadação, que não integra o locado, para armazém de ferramentas e material diverso, recebendo ainda carros de outrem naquele logradouro;
=> Por força da actividade de mecânica automóvel ali exercida, o piso do logradouro apresenta manchas de óleo, vários buracos e sulcos;
=> O réu instalou ainda uma ligação clandestina de electricidade a partir da caixa de fornecimento do imóvel, o que tudo constitui fundamento de resolução do contrato.
O réu contestou suscitando a ilegitimidade activa, com fundamento no facto de o autor ter interposto a presente acção desacompanhado do seu cônjuge, sendo caso de litisconsórcio necessário quando das acções pode resultar perda ou oneração de bens que só por ambos possam ser alienados e a ilegitimidade passiva, por o demandado ser casado com D, no regime da comunhão de adquiridos, para além de a acção ter por objecto a casa de morada de família, o que configura uma situação de preterição de litisconsórcio passivo necessário, que deve determinar a absolvição do réu da instância.
Alegou ainda o réu que o autor não respeitou o período de pré-aviso legalmente exigível, pois que o réu foi notificado através de notificação judicial avulsa, na data de 29 de Abril de 2022, dando o autor conhecimento de que se opunha à renovação do contrato de arrendamento, cujo termo ocorreria no dia 25 de Agosto de 2022, pelo que essa notificação não observou a antecedência mínima de 120 dias; além disso, suscita ainda o facto de o autor não ter procedido à notificação do cônjuge do réu, pelo que aquela comunicação é ineficaz, o que deve conduzir à improcedência do pedido.
Mais impugnou a factualidade alegada na petição inicial, referindo ainda que comunicou ao autor, por carta de 11 de Maio de 2022, que entendia que o contrato se havia renovado, tendo o autor aceitado as rendas; além disso, o contrato de arrendamento habitacional celebrado em 25 de Agosto de 2008 é inválido em substância, uma vez que na cláusula sétima é dito que é celebrado ao abrigo do DL nº 321-B/90 de 15 de Outubro, regime à data já revogado, pelo que, devendo reger-se pelas normas imperativamente aplicáveis, e na falta de estipulação, o prazo de duração inicial deve ser tido como de 5 anos, com renovações pelo mesmo prazo; refuta ainda que tenha dado destino diverso ao locado. Conclui pela procedência das excepções e, assim se não entendendo, pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido (cf. Ref. Elect. 5102772).
Convidado a pronunciar-se sobre as excepções deduzidas, o autor veio fazê-lo, por requerimento de 20 de Março de 2023, deduzindo, por um lado, a intervenção principal provocada do seu cônjuge, B, e, quanto à ilegitimidade passiva alegou não ter conhecimento, nem dever ter, do estado civil do réu e que este nunca lhe comunicou, de forma verbal ou por escrito, esse facto, mas, à cautela, requereu a intervenção de D; quanto ao mais referiu que nunca lhe foi comunicado que o imóvel constituía a casa de morada de família do réu, sendo ónus do arrendatário essa comunicação ao senhorio, requerendo que este demonstre a data em que casou; quanto ao prazo do pré-aviso, referiu que a carta expedida a 11 de Março de 2022 foi depositada no domicílio do réu, que não procedeu ao seu levantamento para evitar a notificação, tendo procedido à notificação judicial avulsa, actuando o réu em abuso de direito ao não levantar a carta e agora pretender beneficiar da notificação de 29 de Agosto de 2022, a que deu azo.
Em 23 de Março de 2023 foi proferido despacho que admitiu intervenção principal provocada de B, como autora e na qualidade de cônjuge do autor A e de D, como ré e na qualidade de cônjuge do réu C e agendou a realização de audiência prévia (cf. Ref. Elect. 53319657).
Por requerimento de 29 de Maio de 2023, a interveniente B declarou aderir aos articulados apresentados pelo autor (cf. Ref. Elect. 5266266).
Em 11 de Outubro de 2023, foi efectuado o saneamento dos autos, tendo-se considerado as excepções de ilegitimidade sanadas pela intervenção de terceiros, sendo aferidos positivamente os pressupostos processuais relevantes. Foi fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova (cf. Ref. Elect. 54183057).
Realizada a audiência de julgamento, em 1 de Fevereiro de 2024 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo (cf. Ref. Elect. 54816336). “A) Declaro a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre o Autor A e o C relativo ao imóvel sito à Estrada da …, …, 2º Andar - …, freguesia de …, concelho do Funchal, inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo …, onde também reside a Ré D com efeitos a 25 de Agosto de 2022. B) Condeno os Réus C e D ao despejo e entrega do imóvel livre de pessoas e bens. C) Condeno os Autores A e B ao pagamento de 50% das custas processuais. D) Condeno os Réus C e D ao pagamento de 50% das custas processuais.”
Inconformados com esta decisão, dela vieram o réu e a interveniente principal passiva interpor o presente recurso, cuja motivação concluíram do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 5672700):
A) Com o presente recurso visam, os Recorrentes, questionar sobre matéria de direito, normas jurídicas interpretadas e aplicadas, a cuja apreciação feita do que resultará ser posta em crise a douta decisão na parte respeitante aos Recorridos, visando, ver reapreciados e alterada a decisão.
B) Foi celebrado entre A e C um contrato de arrendamento em 25 de Agosto de 2008, nas respectivas qualidades de proprietária/senhoria e arrendatário, com destino a habitação.
C) Foi celebrado por documento particular A e C para a habitação deste e seu agregado familiar, estabelecendo o local arrendado casa de morada de família.
D) A oposição à renovação do contrato de arrendamento do prédio por parte dos senhorios, não foi observado o nº 1 do artigo 9º, nº 2 da alínea c) do artigo 10º e nº 1 do artigo 12º, todos do NRAU, sem prejuízo do artigo 1097.º do Código Civil.
E) A comunicação por carta registada com aviso de recepção, dirigida pelo Senhorio A, é ineficaz, por a mesma não ter sido dirigida a cada um dos cônjuges.
F) A notificação judicial avulsa à oposição da renovação do contrato, somente dirigida ao Recorrente, não foi a mesma notificada ao cônjuge mulher Recorrente.
G) Tendo-se renovado automaticamente o contrato de arrendamento.
H) Os Recorrentes residem no arrendado desde 25 de Agosto de 2008, local arrendado que constitui casa de morada de família.
I) A douta sentença recorrida, interpretou e aplicou em sentido diverso, no entender do Recorrente, o disposto nos artigos, 224º, nº 1, alínea b), 1097º, 1079º e 1081.º, todos do Código Civil, omitindo a aplicação do nº 1 do artigo 12º, nº 2 do artigo 10º e nº 1 do artigo 9º, todos do NRAU, devendo ser revogada.
J) É de conhecimento do Tribunal e feita a prova, de que não houve cessação do contrato de arrendamento entre A, na qualidade de Senhorio e C e mulher D, ora Recorrentes, pelo que o contrato de arrendamento não caducou, por consequência, mantendo-se o mesmo válido e em vigor.
Pedem que, na procedência do recurso, a decisão recorrida seja alterada nos termos apontados.
Não foram apresentadas contra-alegações.
* II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135.
Na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art.º 635º, n.º 3, do CPC). Contudo, o respectivo objecto, assim delimitado, pode ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (cf. n.º 4 do mencionado art.º 635º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Assim, perante as conclusões da alegação dos réu e interveniente/recorrentes há que apreciar as seguintes questões:
a) Regularidade da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento, tendo presente a interpretação e aplicação a efectuar das normas dos art.ºs 10º, n.º 2, c) e 12º, n.º 1 do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro[2].
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
* III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
1. O Autor é proprietário e senhorio do prédio urbano, destinado exclusivamente à habitação, sito à Estrada da …, …, 2º Andar, freguesia de …, concelho do Funchal, inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo ….
2. Por contrato escrito, datado de 25 de Agosto de 2008, o prédio em causa foi dado de arrendamento, para fim habitacional, ao Réu, pelo prazo de um ano e sujeito a sucessivas renovações de igual período.
3. A cláusula sétima do contrato celebrado previa o seguinte: “O presente contrato é celebrado ao abrigo do decreto-lei número 331-B/90, de 15 de Outubro e fica subordinado expressamente a disciplina nele estabelecida”.
4. No dia 10 de Março de 2022, o Autor dirigiu carta registada com aviso de receção ao Réu e para a sua morada, a comunicar a oposição à renovação do contrato de arrendamento, bem como o termo do mesmo em 25 de Agosto de 2022.
5. No dia 14 de Março de 2022, a referida carta foi depositada no domicílio do Réu.
6. A carta nunca foi reclamada, tendo sido devolvida em 24 de Março de 2022 com a menção “objecto não reclamado”.
7. O Autor requereu a notificação avulsa do Réu, dando-lhe conhecimento de que se opunha à renovação automática do contrato de arrendamento que operaria a 25 de Agosto de 2022.
8. O Réu recebeu a Notificação Judicial Avulsa no dia 29 de Abril de 2022.
9. O Réu, no dia 11 de Maio de 2022, comunicou ao Autor que se opunha à oposição à renovação, fundamentando que o contrato se tinha renovado automaticamente.
10. O Réu recusa-se juntamente com o seu agregado familiar a sair do imóvel.
11. O Réu é Técnico de manutenção numa escola, não desempenhando funções de mecânico ou de serralharia.
12. O piso do logradouro apresenta vários danos, nomeadamente manchas de óleo.
13. Existem outras pessoas que estacionam no logradouro.
*
O Tribunal a quo deu como não provados os seguintes factos.
A) O Autor sempre aceitou e recebeu as rendas pagas pelo Réu, desde o mês de Agosto de 2008 até ao presente.
B) O Autor tem feito assédio ao arrendamento, com o objetivo da desocupação do imóvel imputando ao Réu.
C) O Réu tem vindo a usar o logradouro do imóvel arrendado para realizar vários trabalhos de mecânica automóvel e serralharia.
D) O Réu utiliza uma arrecadação, que não integra o imóvel arrendado, para armazém de ferramentas e material diverso relacionado com a atividade de mecânica automóvel e serralharia.
E) No exercício da atividade de mecânica automóvel, o Réu recebe vários carros, propriedade de terceiros, no referido logradouro e neles executa trabalhos de mecânica, nomeadamente substituição de peças, substituição de óleos, reparação de motores, entre outros.
F) Por força da atividade de mecânica automóvel exercida pelo Réu, o piso do logradouro apresenta vários danos, nomeadamente manchas de óleo, vários buracos e sulcos.
G) O Réu tem vindo a usar o logradouro como armazém de andaimes e vazadouro de entulho resultante da sua atividade de serralharia e vindo de pequenas obras de construção civil.
H) O Réu usa o logradouro para depósito de várias peças de veículos automóveis, nomeadamente motores, pneus e discos de travão.
I) Em data não apurada, mas certamente durante o ano de 2022, o Réu despejou um carro de terra no terreno confinante ao logradouro do imóvel arrendado.
J) O entulho existente no terreno confinante ao logradouro pertence ao Autor e provém de obras que este tem feito nos locados.
K) O irmão do Autor despejou o entulho no terreno confinante ao logradouro.
L) O Réu acedeu à caixa de passagem de energia elétrica do imóvel, o qual se encontra no exterior, e efetuou uma ligação direta e clandestina ao mesmo.
M) Essa ligação clandestina serve energia elétrica para onde o Réu realizasse trabalhos.
N) O locado arrendado mostra-se transformado numa oficina de mecânica automóvel operada pelo Réu.
*
3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Sustentam os apelantes que o Tribunal recorrido errou na interpretação que efectuou da previsão das normas dos art.ºs 224º, b), 1097º, 1079º e 1081º do Código Civil e não aplicou, como se impunha, o disposto nos art.ºs 10º, n.º 2, 9º, n.º 1 e 12º, n.º 1 do NRAU, pois que, por um lado, o n.º 1 do art.º 9º do NRAU não se aplica quando as cartas sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e, por outro lado, constituindo o locado a casa de morada de família do arrendatário, a comunicação de oposição à renovação teria de ter sido dirigida a cada um dos cônjuges, daí que conclua que a comunicação descrita nos factos não foi eficaz, mantendo-se o contrato de arrendamento.
Quanto ao cumprimento do formalismo legalmente prescrito para a comunicação, o Tribunal discorreu do seguinte modo:
“Cumpre analisar, agora, a questão basilar dos presentes autos, relativa à eficácia da oposição à renovação.
Estabelece o artigo 1097.º do mesmo diploma legal: […]
Aqui chegados, dúvidas não restam que o prazo de pré aviso, no caso em apreço, é de 120 (cento e vinte) dia.
A resolução pelo senhorio opera por comunicação à outra parte, ou seja, configura uma declaração receptícia.
Nesse sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 19 de Outubro de 2017, processo nº 83/16.1YLPRT.L1.S1, relatado pela Exma. Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (disponível em www.dgsi.pt): “A declaração do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento tem carácter receptício (art.º 1097.º, n.º 1, do CC) (…) Não se levantam dúvidas quanto ao carácter receptício da declaração do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento; assim resulta do nº 1 do artigo 1097º do Código Civil – “(…) mediante comunicação ao arrendatário (…). Nem tão pouco se duvida de que é no artigo 224º do Código Civil que encontramos o regime geral aplicável à determinação da eficácia das declarações receptícias” (negrito nosso).
Passemos, então, à análise o regime da declaração negocial receptícia.
Consagra o artigo 224.º do Código Civil: “1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada. 2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida. 3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz” (destacado nosso).
Como refere a Autora Ana Prata (na obra Código Civil Anotado, Volume I, artigos 1.º a 1250.º, 2.ª edição revista e atualizada, editora Almedina, páginas 309 e 310) “as declarações recetícias, porque se destinam a alguém, só começam a produzir os seus efeitos a partir do momento em que são recebidas ou conhecidas pelo (s) destinatário (s). Entende-se que a chegada ao poder deste (s) ocorre quando a declaração se encontra na esfera de poder material da pessoa do destinatário: a sua caixa de correio, o seu telemóvel, a sua sede ou domicílio (…) não são raras as situações e que o destinatário de uma declaração se furta a recebê-la ou, por descuido ou desatenção, a não recebe. Isto acontece, para nos atermos aos exemplos anteriores, se muda de endereço ou de número de contato telefónico e não informa disso o declarante, quando sabia que ele podia esperar uma declaração ou quando não assina o aviso de receção. A norma desprotege o declaratário, pois é este que culposamente se coloca em situação de não poder receber a declaração”.
Resultou provado que, no dia 10 de Março de 2022, o Autor dirigiu carta registada com aviso de receção ao Réu e para a sua morada, a comunicar a oposição à renovação do contrato de arrendamento, bem como o termo do mesmo em 25 de Agosto de 2022.
Resultou, igualmente, provado que no dia 14 de Março de 2022, a referida carta foi depositada no domicílio do Réu e que esta carta nunca foi reclamada, tendo sido devolvida em 24 de Março de 2022 com a menção “objeto não reclamado”.
Analisando os factos provados, resulta evidente que a declaração receptícia, relativa à oposição à renovação apenas não foi recebida pelos Réus por culpa dos mesmos.
A carta esteve disponível para levantamento e apenas não foi levantada por inércia dos Réus.
Analisando a data do deposito da carta e da devolução da mesma, por não ter sido reclamada, dúvidas não restam que os Autores deram cumprimento à antecedência mínima de comunicação de 120 dias, estabelecida no artigo 1097.º do Código Civil.
Tendo sido cumprido o prazo legal, é eficaz a declaração de oposição à renovação, tendo a mesma produzido os seus efeitos.
À luz de tudo o referido, cumpre ao Tribunal declarar a cessação do contrato de arrendamento, com efeitos a 25 de Agosto de 2022 e determinar a desocupação do locado e a sua entrega aos Autores (cfr. artigos 1079.º e 1081.º do Código Civil).”
Não está em causa que entre o autor e o réu foi celebrado um contrato de arrendamento, com destino a habitação, pelo prazo de um ano e com renovação automática no seu termo por períodos sucessivos de igual duração.
Trata-se, portanto, de um contrato celebrado com estipulação de renovação de prazo, sendo que nestes casos o senhorio pode fazer cessar o contrato manifestando a sua oposição à renovação, nos termos do art.º 1097º do Código Civil.
Dispõe o art.º 1097º do Código Civil, relativo aos arrendamentos para habitação, com epígrafe “Oposição à renovação pelo senhorio”: “1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte: a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos; b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos; c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano; d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses. 2- A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.”
Neste caso, em que o prazo estipulado para a duração do contrato e suas renovações foi de um ano, a comunicação pelo senhorio, de oposição à renovação do contrato, teria de ser efectuada com 120 dias de antecedência relativamente ao dia 25 de Agosto de 2022. Ou seja, atendendo às regras de cômputo do termo, previstas no art.º 279º do Código Civil, a comunicação do senhorio, a manifestar a sua oposição à renovação do contrato, teria de ter lugar até ao dia 27 de Abril de 2022.
Note-se que, relativamente aos prazos regressivos, de que este é exemplo, como explica o Professor Miguel Teixeira de Sousa[3], “na contagem de qualquer prazo há que considerar um dies a quo (termo inicial) e um dies ad quem (termo final): o prazo começa a correr a partir de certa data e termina numa certa data. Os prazos regressivos não são excepção a esta regra: também eles têm um dies a quo e um dies ad quem. A especialidade reside em que o prazo corre “para trás”: a partir de uma data futura (dies a quo) inicia-se uma contagem para o passado até se chegar ao dies ad quem.”
No caso em apreço, foi remetida, com data de 10 de Março de 2022[4], pelo autor/senhorio, uma carta registada com aviso de recepção, dirigida ao réu C, endereçada para a morada correspondente ao locado, comunicando a oposição à renovação do contrato de arrendamento referido em 2., que teria o seu termo a 25 de Agosto de 2022, que nunca foi reclamada pelo destinatário, tendo sido devolvida a 24 de Março de 2022, com a menção “objecto não reclamado” – cf. pontos 4. e 6..
Não foi enviada qualquer outra carta, mas o autor requereu a notificação judicial avulsa do réu, dando-lhe conhecimento que se opunha à renovação automática do contrato de arrendamento que teria lugar a 25 de Agosto de 2022, notificação recebida pelo réu a 29 de Abril de 2022 – cf. pontos 7. e 8. dos factos provados.
A questão que se coloca é a de saber se se pode considerar que o inquilino foi notificado com a antecedência de 120 dias relativamente ao termo do prazo.
Para que a declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento, enviada pelo senhorio ao arrendatário, com vista à cessação do contrato, por carta registada com aviso de recepção, possa ser considerada válida e eficaz, têm de se mostrar cumpridas as exigências legais para o efeito.
Ora, estatui o art.º 9º, n.º 1 do NRAU, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 43/2017, de 14 de Junho, com início de vigência a 15 de Junho de 2017 e aplicável à situação descrita nos autos, tendo em conta a data da prática do acto referida no ponto 4. dos factos provados[5], que: “1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes, relativas a cessação do contrato de arrendamento, actualização da renda e obras, são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção. 2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado. […]”
Assim, a comunicação através da qual o senhorio informa o arrendatário de que não pretende a renovação do contrato tem de ser feita por escrito por si assinado e remetido para o locado, na falta de indicação por escrito do arrendatário em contrário, por carta registada com aviso de recepção.
Acresce, que do disposto nas alíneas b) e c) do nº 2 do art.º 10º do NRAU, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro (com início de vigência a 13 de Fevereiro de 2019) resulta que não se considera realizada a comunicação quando:
=> A carta tenha sido devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou o aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa distinta do destinatário, nos casos em que a comunicação possa servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos art.ºs 14º-A e 15º respectivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado, nos termos da alínea c) do nº 7, do art.º 10º (a comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil);
=> A carta seja devolvida por não ter sido levantada no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.
Sobre o procedimento a adoptar nessas situações dispõem os n.ºs 3, 4 e 5- do art.º 10º do NRAU do seguinte modo: “3 - Nas situações previstas no número anterior, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta. 4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio. 5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se: a) O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a receção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efetuada no próprio dia face à certificação da ocorrência; b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.”
Decorre do regime do mencionado art.º 10º do NRAU que as comunicações entre as partes estão sujeitas ao regime geral das declarações negociais recipiendas previsto no art.º 224º do Código Civil, pelo que são eficazes logo que cheguem ao poder do destinatário ou dele sejam conhecidas (nº 1); além disso, são consideradas eficazes as declarações que só por culpa do destinatário não são recebidas (n.º 2) – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-2017, processo n.º 83/16.1YLPRT.L1.S1[6], mencionado na decisão recorrida, para asseverar ser aplicável o regime geral das declarações negociais recipiendas, mas sem se ter atentado que a Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro introduziu um regime especial para a eficácia da declaração de oposição, tal como se dá conta nesse mesmo aresto.
Não tendo existido convenção de domicílio[7] e, embora endereçada para o local arrendado, não tendo a carta sido levantada dentro do prazo previsto no regulamento dos serviços postais, a oposição só seria eficaz se a carta tivesse sido completada com uma nova carta, enviada igualmente com aviso de recepção e dentro do prazo previsto no n.º 3 do artigo 10º do NRAU, ou seja, decorridos que fossem 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta – cf. art.º 10º, n.ºs 2, c) e 3 do NRAU.
Sucede que, não tendo o autor expedido nova carta dentro do mencionado período, certo é que, dentro desse prazo, aquele requereu a notificação judicial avulsa do réu, dando-lhe conhecimento de que se opunha à renovação do contrato de arrendamento, que cessaria a 25 de Agosto de 2022 e informou ainda que já havia enviado carta registada com aviso de recepção, com idêntica comunicação – cf. ponto 7. e documento n.º 4 junto com a petição inicial, que corresponde ao teor do requerimento de notificação judicial avulsa.
O réu recebeu a notificação judicial avulsa no dia 29 de Abril de 2022.
À data da expedição da carta registada e, bem assim, se se tiver em conta a data da sua devolução, o prazo de antecedência de 120 dias mostrava-se respeitado.
Certo é que o senhorio, neste caso, não enviou a segunda carta, mas nem por isso deixou de reiterar a sua intenção de se opor à renovação do contrato de arrendamento, procedendo à notificação judicial avulsa do inquilino, que a recebeu a 29 de Abril de 2022, usando, assim, de um maior formalismo para obter o conhecimento do réu dessa sua pretensão.
Com efeito, se o senhorio pode efectuar a comunicação mediante escrito por si assinado e entregue em mão, obtendo a assinatura do destinatário, com nota de recepção (cf. n.º 6 do art.º 9º do NRAU), as exigências formais para assegurar o conhecimento pelo inquilino da oposição à renovação pelo senhorio, não podem deixar de se ter por cumpridas quando este, em caso de devolução da primeira carta, opta pela notificação judicial avulsa ao invés do envio de uma segunda carta, tanto mais que, realizada a notificação, como sucedeu no caso, obtém-se a certeza do conhecimento, ao invés de uma eventual presunção de recebimento da comunicação, no caso de a segunda carta ser também devolvida (cf. n.º 4 do art.º 10º do NRAU).
Na verdade, a notificação judicial avulsa constitui um acto judicial que não se insere em qualquer processo pendente – cf. art.º 256º e seguintes do CPC. Tem lugar como que num processo ad hoc, para os efeitos declarados na lei substantiva, permitindo a realização de actos de comunicação sobre cuja verificação e termos se pretende não venha a haver dúvidas, pelo que, uma vez realizada, tem de se considerar o acto eficazmente comunicado – cf. João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, IIº vol. Revisto e Actualizado, 1987, pág. 530.
A questão que se coloca, então, será a de saber, nas situações do n.º 3 do art.º 10º do NRAU, em que data se tem por efectuada a comunicação quando a primeira carta veio devolvida por não ter sido levantada e é enviada uma nova carta ou efectuada, como no caso, a notificação judicial avulsa do inquilino.
Devolvida a carta registada com aviso de recepção onde se comunicava o efeito da oposição à renovação do contrato para 25 de Agosto de 2022 e obtida a notificação judicial avulsa, de idêntica comunicação, no período de 30 a 60 dias decorridos sobre a data do envio da primeira carta, a declaração de oposição à renovação do contrato operará em face da primeira carta enviada, pois que a segunda carta, prevista no n.º 3 do art.º 10º do NRAU – aplicando-se idêntico raciocínio à notificação judicial avulsa efectuada em sua substituição –, funciona como condição de eficácia da declaração de oposição à renovação do contrato emitida na primeira carta.
Na verdade, é relativamente à primeira carta que se tem de observar o prazo (no caso) de 120 dias; quanto à segunda, a lei exige que seja enviada no prazo de 30 a 60 dias, após a devolução da primeira, o que também aqui foi observado quanto à notificação judicial avulsa.
Parece ser este, aliás, o entendimento que se vem retirando do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-2017, processo n.º 83/16.1YLPRT.L1.S1, já acima mencionado, onde se refere:
“A exigência da segunda carta para a eficácia da oposição, quando o aviso de recepção não foi assinado pelo destinatário (deixa-se agora de lado a hipótese de convenção de domicílio, que consabidamente não houve), vem da versão inicial da Lei nº 6/2006; as alterações introduzidas pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, neste ponto particular, destinam-se apenas a adequar o texto à introdução do Procedimento Especial de Despejo e à substituição do anterior título executivo complexo, previstos nos (anteriores) artigos 10º e 15º.
Tal como era então necessária essa segunda carta para que o senhorio dispusesse deste título executivo, continuou a ser necessário o envio da segunda carta para que o senhorio possa lançar mão do Procedimento Especial de Despejo e assim, num caso e noutro, efectivar com maior celeridade a cessação do arrendamento (nº 1 dos artigos 15º actual e anterior).
Em ambos os casos, a razão de ser já foi atrás apontada: equilíbrio entre os interesses das partes.
E apenas se acrescenta, quanto a este ponto, que não é inédita entre nós a exigência de uma segunda carta quando a primeira, enviada com aviso de recepção, não foi assinada pelo destinatário; cfr. a citação feita em pessoa diversa do citando, actuais artigos 228º, nº 2 e 233º do Código de Processo Civil, no caso em que a citação é realizada por carta registada com aviso de recepção.”
Vejam-se, no sentido propugnado, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-04-2023, processo n.º 6018/21.2T8ALM.L1-6 e de 09-09-2021, processo n.º 2149/19.7YLPRT.L1-6[8] e ainda, quanto à data em que se considera realizada a citação efectuada em pessoa diversa do citando, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 271 e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-09-2022, processo n.º 1996/09.2TBCSC-C.L1-2 – “[…] o envio desta (segunda) carta registada - no prazo de dois dias úteis, após se mostrar que a citação seja efetuada em pessoa diversa do citando - constitui uma formalidade complementar que visa reforçar os mecanismos de conhecimento da pendência da ação, não constituindo condição da citação, nem do início da contagem do prazo da apresentação de contestação/defesa.”
Conclui-se, assim, que relevando a data em que foi enviada a carta que veio a ser devolvida, realizada a notificação judicial avulsa do réu, enquanto condição de eficácia da comunicação vertida naquela, o respectivo efeito produziu-se nessa primeira data, pelo que se mostra respeitado o prazo de antecedência mínima de 120 dias, previsto no art.º 1097º, n.º 1, b) do Código Civil.
Argumentam, ainda, os recorrentes que a comunicação efectuada não é eficaz por não ter sido dirigida a cada um dos cônjuges, como previsto no art.º 12º, n.º 1 do NRAU, estando em causa a casa de morada de família.
O tribunal recorrido não chegou a apreciar esta questão, sendo que, como resulta da matéria de facto dada como provada, foi apenas remetida uma carta registada com aviso de recepção, dirigida ao arrendatário, único que figurava no contrato de arrendamento, ou seja, o réu C.
Mais resulta do ponto 2. dos factos provados que o locado foi dado de arrendamento para fim habitacional.
Nos termos do disposto no art.º 12º, n.º 1 do NRAU “Se o local arrendado constituir a casa de morada de família, as comunicações previstas no nº 2 do artigo 10º devem ser dirigidas a cada um dos cônjuges, sob pena de ineficácia”.
Se se conjugar o estatuído neste normativo legal com as prescrições dos art.ºs 1097º, n.º 1 do Código Civil e 10º do NRAU, há que concluir, que nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 12º deste diploma legal, o senhorio que pretenda opor-se à renovação do contrato de arrendamento deve remeter uma carta destinada a cada um dos cônjuges, a fim de que o aviso de recepção venha a ser assinado por cada um deles, prova de que cada um tomou conhecimento da declaração e intenção do senhorio.
Com efeito, a notificação prevista no art.º 1097.º, n.º 1 do Código Civil não pode deixar de ser entendida como estando abrangida pelo âmbito de previsão da alínea b) do n.º 2 do art.º 10º do NRAU, para onde remete o n.º 1 do art.º 12º, porquanto, de acordo com o disposto no art.º 15.º, n.º 2, c), do mesmo diploma legal, em caso de cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação, podem servir de base ao procedimento especial de despejo, independentemente do fim a que se destina o arrendamento, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1097.º ou n.º 1 do artigo 1098.º do Código Civil.
Logo, dado que tal comunicação pode servir de base ao procedimento especial de despejo, não pode deixar de se enquadrar nas comunicações previstas na alínea b) do n.º 2 do art.º 10º do NRAU, daí que, constituindo o local arrendado casa de morada de família, tal comunicação deve ser dirigida «a cada um dos cônjuges, sob pena de ineficácia», por força do disposto no artigo 12.º, n.º 1 do NRAU – cf. neste sentido, acórdão dos Tribunais da Relação de Guimarães de 18-01-2024, processo n.º 2264/22.0T8GMR.G1; da Relação do Porto, de 27-06-2023, processo n.º 161/22.8T8ESP.P1; da Relação de Coimbra de 9-04-2023, processo n.º 1346/11.8TBCVL-A.C1.
Do conteúdo do contrato de arrendamento em causa nos autos é cristalino que este foi outorgado apenas entre o autor e o réu C, com destino à sua habitação, sem qualquer menção ao seu estado civil.
Seguro é também que foi enviada apenas uma única carta, dirigida ao único arrendatário que figurava no contrato de arrendamento.
No entanto, não obstante o réu tenha invocado na sua contestação ser casado com D, no regime da comunhão de adquiridos e que o locado constitui a casa de morada de família, não diligenciou pela demonstração dessa realidade.
Não só não alegou em que data casou com a interveniente, como não juntou aos autos o documento necessário para comprovar o seu estado civil, sendo que a prova do casamento faz-se pela certidão extraída do assento ou pelo acesso à base de dados do registo civil, sendo que o réu também não disponibilizou a informação constante da certidão em sítio da Internet, pelo que não está demonstrado nos autos o seu alegado casamento com D, não sendo a falta do documento substituível por confissão – cf. art.ºs 1º, n.º 1, d), 4º e 211º, n.ºs 1 e 2 do Código do Registo Civil e art.º 364º do Código Civil.
Desconhece-se, pois, se o réu é casado e, sendo-o, em que data foi celebrado o casamento, pelo que está afastada a possibilidade de comunicação do direito do arrendatário ao cônjuge, nos termos do art.º 1068º do Código Civil, pois que aquela depende de o arrendamento ser concluído na constância do casamento – cf. António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, III – Dos Contratos em Especial, CIDP 2024, pág. 443 e art.ºs 1724º, b) e 1730º do Código Civil.
Ainda que não exista comunicação do direito de arrendamento, poderia ser aplicável o regime da casa de morada de família, como sustentam os recorrentes.
Todavia, desconhecendo-se se o réu é casado, não é possível concluir pela necessidade de envio de uma outra carta para comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento, pois esta exigência apenas se coloca relativamente a quem é cônjuge do arrendatário.
Mesmo admitindo que o réu viva em união de facto com a interveniente, essa situação não tornaria aplicável a exigência do n.º 1 do art.º 12º do NRAU.
Na verdade, como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores, a Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, estipula, no seu art.º 3º, n.º 1, a) que “as pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a protecção da casa de morada de família, nos termos da presente lei”, protecção que apenas é conferida pela lei, conforme os respectivos art.ºs 4.º e 5.º, aos casos de ruptura da união de facto ou de morte de um dos seus membros.
Dado que nenhuma disposição da Lei n.º 7/2001, equiparou em termos gerais e absolutos as uniões de facto, nos termos em que ali as protege, às relações jurídicas emergentes do casamento, apenas tendo pretendido estender às situações de união de facto alguns direitos próprios da relação matrimonial e não tendo sido alterado, nesta matéria, o disposto no art.º 12.º, n.º 1 do NRAU, deve concluir-se que ao membro da união de facto que não foi parte no contrato de arrendamento não tem que ser efectuada a comunicação prevista nesse normativo legal – cf. neste sentido, acórdãos dos Tribunais da Relação do Porto, de 27-06-2023, processo n.º 161/22.8T8ESP.P1 e da Relação de Coimbra de 9-04-2013, processo n.º 1346/11.8TBCVL-A.C1.
Como tal, neste caso, sendo desconhecido o estado civil do réu e não tendo este logrado demonstrá-lo – como lhe incumbia (art.º 342º, n.º 2 do Código Civil) –, a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento apenas tinha que ser efectuada ao arrendatário que figura no contrato, como foi.
Consequentemente, não se verifica no caso sub judice qualquer violação do disposto no artigo 12.º, n.º 1 do NRAU, por não estar demonstrado que à data da comunicação existia um cônjuge do arrendatário a quem se tivesse comunicado o direito ao arrendamento ou o locado constituísse casa de morada de família desse casal.
Conclui-se, assim, que a comunicação efectuada foi eficaz para produzir o efeito visado, ou seja, a cessação do contrato de arrendamento em discussão nos autos, por oposição à renovação por parte do senhorio.
Improcede integralmente a apelação, devendo manter-se inalterada a decisão recorrida.
* Das Custas
De acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
Os recorrentes decaem quanto à pretensão que trouxeram a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficariam a seu cargo.
Porém, como os recorridos não intervieram no recurso, nem houve lugar a encargos, estando paga a taxa de justiça devida, não há lugar ao pagamento de custas.
* IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
Sem mais custas.
*
Lisboa, 24 de Setembro de 2024 Micaela Marisa da Silva Sousa Augusta Maria Pinto Ferreira Rodrigues Palma Ana Rodrigues da Silva
_______________________________________________________ [1] Adiante designado pela sigla CPC. [2] Adiante designado pela sigla NRAU. [3]Prazos regressivos e (des)protecção da parte, Blog do IPPC, entrada de 17/01/2024, em https://blogippc.blogspot.com/2024/01/prazos-regressivos-e-desproteccao-da.html, consultado em 11 de Setembro de 2024. [4] Expedida em 11 de Março de 2022, conforme talão de registo dos CTT, com o n.º RH645710620PT, que integra o documento n.º 3 junto com a petição inicial, e, bem assim, o documento junto com o requerimento de 20 de Março de 2023, com a Ref. Elect. 5162410, onde consta a devolução do expediente. [5] E aplicável à situação sub judice tendo em conta o disposto no ar.º 12º, n.º 2, 1ª parte do Código Civil e a data do envio da carta. [6] Acessível em Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, em https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2017:83.16.1YLPRT.L1.S1.68?search=z5GsOavEznjCO4UrbFo. [7] O contrato de arrendamento não contém qualquer cláusula nesse sentido – cf. documento n.º 2 junto com a petição inicial. [8] Acessíveis na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira, IP, em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.