I - O alegado pelo condenado na motivação do recurso, tendente a justificar o seu comportamento de incumprimento dos deveres impostos como condição da suspensão da execução da pena de prisão, só foi trazido aos autos na fase recursiva, não podendo, por isso, ser considerado, já que o tribunal de recurso tem de ater-se aos elementos disponíveis à data da prolação da decisão que é objeto do recurso.
II - O condenado, inviabilizando, com o seu comportamento reiterado, a execução do regime de prova a que ficou sujeito e que acompanhava a suspensão da execução da pena de prisão, violou, de forma reiterada e grosseira, os deveres inerentes, resultando, dessa forma, frustradas, total e irremediavelmente, as expetativas e finalidades que, por via da suspensão da execução da pena, se pretendeu fossem alcançadas.
III - Assim sendo, e mostrando-se inviável a aplicação de qualquer das medidas previstas no artigo 55º do Código Penal, é de manter a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, de revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado, nos termos do disposto no artigo 56º, nº 1, al. a), do Código Penal.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Constitui jurisprudência uniforme que os poderes de cognição do tribunal de recurso são delimitados pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso (cf. artigo 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal), sem prejuízo, da apreciação das questões de conhecimento oficioso, como sejam as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cf. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal).
No caso vertente, atentas as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso apresentada, a única questão suscitada é a de saber se deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que decida pela não revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que o ora recorrente foi condenado.
2.2. O despacho recorrido é do seguinte o teor:
«I. Da revogação da suspensão da execução da pena de prisão
O arguido A foi condenado, nos presentes autos, por sentença datada de 29/10/2019, e que transitou em julgado em 28/11/2019, pela prática 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) ambos do C.P., na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, mediante regime de prova, que deverá assentar num plano de reinserção social a elaborar pela D.G.R.S.P. e a orientar-se para a promoção do acompanhamento psiquiátrico do arguido, com vista a evitar a repetição de condutas delinquentes e a assegurar a compensação do mesmo.
Por ofício com a ref. n.º 8431165 [cf. 26/11/2020] veio a D.G.R.S.P. juntar aos autos a seguinte informação: «(…) Em resposta ao solicitado por V. Ex.ª venho informar que não foi viável a elaboração do plano de reinserção social uma vez que o arguido faltou à entrevista agendada para 26-11-2020 às 9:30 horas, depois de ter sido notificado via postal a 17-11-2020. Face ao exposto sugerimos a V. Ex.ª, caso o documento em apreço se mostre indispensável, que o arguido seja notificado judicialmente para comparecer na DGRSP. (…)».
Por despacho com a ref. n.º 118629143 [cf. 11/01/2021] foi determinada a notificação do arguido para comparecer junto dos serviços de reinserção social ou contactar telefonicamente os mesmos, com vista à elaboração do plano de reinserção social destes autos, sob pena de eventual revogação da pena de prisão suspensa na sua execução que lhe foi aplicada nos autos – sendo que nada veio o arguido informar ou requerer aos autos.
Nessa sequência foi designada data para audição de condenado/arguido [cf. despacho com a ref. n.º 122083360], tendo este sido notificado para a morada id. no T.I.R. por si prestado.
Por ofício com a ref. n.º 9491087 [cf. 16/11/2021] veio a D.G.R.S.P. informar que continuam a desconhecer o paradeiro do arguido.
Uma vez que o arguido faltou à audição agendada [nem justificou a sua ausência] foi determinada a emissão de mandados de detenção para o arguido comparecer na nova data designada, o que não se logrou concretizar, por se desconhecer o seu paradeiro, dado que já não residia na morada constante do seu T.I.R. há cerca de dois anos [cf. ref. n.º 9709960].
Em termo de vista, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido [cf. refs. n.ºs 121972334 e 124223821].
Notificado o arguido para se pronunciar sobre o termo de vista antecedente, a sua Ilustre Mandatária pugnou pela não revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, dado que resulta dos autos que o mesmo padece de esquizofrenia paranóide, podendo ser considerada a sua imputabilidade diminuída, o que leva a que seja perfeitamente admissível que a sua doença tenha determinado a sua falta de discernimento para comunicar uma alteração de morada e cumprir o respetivo regime de prova [cf. req. com a ref. n.º 10284753].
Por ofício com a ref. n.º 10412225 [cf. 31/08/2022] veio a D.G.R.S.P. informar do seguinte: «(…) Vimos informar V. Exa. que fomos contactados por A em 29/8/2022, tendo este afirmado que compareceu por ter sido advertido judicialmente. O arguido afirmou não saber a sua morada, nem ter contacto telefónico. Posteriormente, J, que se identificou como tio do arguido, comunicou a estes serviços, por correio electrónico, o seu telemóvel para eventuais contactos com A (…..). Face ao exposto, roga-se que V. Exa. determine o que houver por conveniente, (…)».
Nessa sequência o Ministério Público [cf. promoção com a ref. n.º 125375990 de 08/09/2022] promoveu que se diligenciasse pelo contacto com J [tio do arguido, através do contacto n.º 924996203] por forma a se apurar a morada/contactos do arguido e posterior notificação para diligência de audição de condenado, o que foi deferido.
Em cumprimento do referido no parágrafo antecedente a secretaria deixou consignado o seguinte: «Em 2022-11-25: Deixo consignado que, após contacto telefónico com o tio do arguido, Sr. J (…..), pelo mesmo foi dito que desconhece o atual paradeiro do arguido, avançando, no entanto, que o mesmo residirá algures na zona de Sintra.» - cf. termo com a ref. n.º 126412968.
Diante do referido o Ministério Público renovou as promoções com as refs. n.ºs 121972334 e 124223821.
Cumpre apreciar e decidir.
De acordo com o art. 50.º, n.º 1 do C.P., o Tribunal suspende a execução da pena de prisão quando, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A suspensão da execução da pena de prisão pressupõe a realização de um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento do condenado em liberdade e pode assumir três modalidades: a) a suspensão simples; b) a suspensão sujeita a condições [mormente, cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta]; e c) a suspensão acompanhada de regime de prova – sendo que foi esta última que foi aplicada no caso concreto.
De acordo com o disposto no art. 55.º do C.P. se, durante o período de suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o Tribunal: a) fazer uma solene advertência; b) exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionem a suspensão; c) impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; d) prorrogar o período de suspensão.
Por sua vez, nos termos do disposto no art. 56.º, n.º 1 do C.P., «A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.». Já o n.º 2, do mesmo preceito legal, estabelece que «2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado.».
Deste modo, para que a suspensão da execução da pena de prisão seja revogada é necessário que no decurso da suspensão:
- o condenado infrinja grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social [cf. al. a), do n.º 1, do art. 56.º do C.P.]; ou
- cometa crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas [cf. al. b), do n.º 1, do art. 56.º do C.P.].
Entende-se que a infração é grosseira quando resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, aí se incluindo a colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reinserção.
Já a infração repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano individual de reinserção traduz a referida atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, revelando uma postura de desprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória.
Da conjugação dos transcritos preceitos legais extrai-se claramente que qualquer alteração à suspensão da execução da pena, por violação dos deveres e das regras de conduta ou do plano de reinserção impostos na sentença, pressupõe a culpa por banda do condenado no não cumprimento da obrigação, sendo também claro que a hipótese de revogação apenas pode colocar-se nas situações em que a culpa se revele grosseira.
A violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, na esteira do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 17/10/2012, proferido no processo n.º 91/07.3IDCBR.C1, e disponível em www.dgsi.pt, há-de constituir uma indesculpável atuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada, sendo que só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respetiva revogação.
Cumpre, todavia, precisar, que a infração grosseira dos deveres que são impostos ao arguido não exige, nem pressupõe, necessariamente um comportamento doloso, bastando a infração que seja o resultado de um comportamento censurável de descuido ou leviandade.
A infração grosseira ou repetida do plano individual de reinserção por parte do arguido, durante o período de suspensão, determinará a revogação da suspensão, enquanto circunstâncias que põem em causa, definitivamente, o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão necessariamente supõe.
O arguido deve demonstrar que, com o seu comportamento, não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena de prisão, não tendo logrado aproveitar a oportunidade que lhe foi concedida pelo sistema jurídico.
Neste sentido, o problema que urge dar resposta está em saber se o comportamento do arguido, no decurso da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, deve levar a que esta seja revogada nos termos das normas legais aplicáveis e conforme promovido pelo Ministério Público.
Atentemos, agora, ao caso concreto.
A decisão que condenou o arguido nos presentes autos numa pena de prisão suspensa na sua execução, pelo período de 2 (dois) anos, transitou em julgado em 28/11/2019, pelo que é inequívoco que o período da suspensão terminou em 28/11/2021.
Ora, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido ficou subordinada ao cumprimento, por parte deste, do regime de prova, que deveria assentar num plano de reinserção social a elaborar pela D.G.R.S.P. e a orientar-se para a promoção do acompanhamento psiquiátrico do arguido, com vista a evitar a repetição de condutas delinquentes e a assegurar a compensação do mesmo.
Resulta dos autos, designadamente do ofício da D.G.R.S.P. com a ref. n.º 8431165 [cf. 26/11/2020] que não foi viável proceder à elaboração do plano de reinserção social, para cumprimento do regime de prova supra referido, uma vez que o arguido faltou à entrevista agendada, depois de ter sido notificado via postal para comparência.
Assim, e tendo tal circunstância sido comunicada aos autos, por despacho com a ref. n.º 118629143 [cf. 11/01/2021] foi determinada a notificação do arguido para comparecer junto dos serviços de reinserção social ou contactar telefonicamente os mesmos, com vista à elaboração do plano de reinserção social, sob pena de eventual revogação da pena de prisão suspensa na sua execução que aqui lhe foi aplicada – sendo que o arguido nada veio informar ou requerer.
Nessa sequência foi designada data para audição de condenado/arguido [cf. despacho com a ref. n.º 122083360], tendo este sido notificado para a morada id. no T.I.R. por si prestado – sendo que, todavia, o arguido faltou [sem justificar a sua ausência] à referida diligência.
Perante isto o Tribunal determinou a emissão de mandados de detenção para o arguido comparecer na nova data designada, o que não se logrou concretizar, por se desconhecer o seu paradeiro, dado que já não residia na morada constante do seu T.I.R. há cerca de dois anos [cf. ref. n.º 9709960].
Ora, perante o exposto, o Tribunal considera que o juízo de prognose que presidiu à determinação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos ao arguido ficou comprometido com a inviabilização, por parte deste, da realização do plano de reinserção social, de modo a cumprir o regime de prova a que ficou subordinada tal suspensão.
Na verdade, o arguido alheou-se totalmente da condenação de que foi alvo nos presentes autos, não comparecendo na D.G.R.S.P. para a elaboração sequer do plano de reinserção social [e, portanto, não deu início à execução do mesmo], condição essa de que dependia a suspensão da execução da pena de prisão; e não comparecendo ainda neste Tribunal para a audição de condenado, mesmo após emissão dos respetivos mandados de detenção, ausentando-se antes para parte incerta.
É ainda de frisar que o arguido, desde o trânsito em julgado da sentença aqui proferida, em 28/11/2019 até ao dia de hoje, ou seja volvidos quase quatro anos, não demonstrou qualquer preocupação e respeito pela condenação por si sofrida, agindo como se não estivesse sujeito a qualquer regime probatório [sendo irrelevante o contato do arguido com a D.G.R.S.P. a 29/08/2022, já depois do decurso do período da suspensão da execução da pena de prisão, dado que o arguido voltou a ausentar-se para parte incerta].
Mesmo após o arguido ter sido notificado para comparecer na audição de condenado designada, concedendo-lhe o tribunal mais uma oportunidade para esclarecer ou explicar o seu comportamento, o arguido fez tábua rasa das referidas notificações.
Do comportamento do arguido denota-se que o mesmo não demonstrou a mínima preocupação com o cumprimento do regime de prova e de justificar a sua ausência quando convocado para tal – extraindo-se daqui que o mesmo ignorou a oportunidade que lhe foi concedida pelo sistema jurídico, não revelando interesse e preocupação para cumprir o plano [ou melhor, o iniciar] de forma assertiva e consistente.
De outra banda, resulta também dos autos que o arguido se ausentou para parte incerta, não tendo comunicado ao Tribunal qualquer alteração de morada, conforme estava obrigado pelo termo de identidade e residência prestado nos presentes autos [cf. art. 196.º, n.º 3, al. b) do C.P.P.]. Ademais, não pode o Tribunal ancorar-se no argumento esgrimido pela Ilustre Defensora do arguido, quando refere que este, quando praticou os factos dos presentes autos, se encontrava com a imputabilidade diminuída e que sofre de esquizofrenia paranóide, pois que vale lembrar que o mesmo não foi declarado inimputável em razão de anomalia psíquica.
Deste modo, apenas se pode concluir que o arguido não se coibiu de adotar um comportamento contrário ao que se impunha, manifestando um claro desrespeito e desconsideração pela solene advertência que lhe foi dirigida, sendo que, ao invés de aproveitar a oportunidade que lhe foi dada, optou por ignorar, por completo, a pena suspensa em que foi condenado, não correspondendo ao cumprimento do regime de prova que lhe foi determinado.
O comportamento de desinteresse assumido pelo condenado, que se traduz na inexistência de colaboração da sua parte para cumprimento do regime de prova e inviabilizando a própria realização do plano de reinserção social, já reiterado por um período substancial de tempo, é notório e espelha que as finalidades subjacentes à aludida suspensão não puderam, por via dela, ser alcançadas.
O Tribunal mediante o comportamento do arguido apenas poderá concluir que a condenação destes autos não se mostrou suficiente para que aquele interiorizasse o desvalor da sua conduta.
Tudo conjugado, o Tribunal considera que o arguido infringiu de forma grosseira e repetidamente o regime de prova, porquanto com o seu comportamento supra descrito, ou melhor a ausência dele, revelou uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, ao ignorar a pena de prisão suspensa na sua execução em que foi condenado e as obrigações a que estava sujeita essa mesma suspensão.
Pois, conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 27/01/2020, relator: António Teixeira, disponível em: www.dgsi.pt, «De acordo com o disposto no Artº 56º, nº 1, alínea a), do Código Penal, o tribunal revoga a suspensão da execução da pena de prisão sempre que o condenado “infringir grosseira e repetidamente os deveres e as regras de conduta impostas ou o plano de reinserção social”. (…) Enquadra-se nessa situação o arguido condenado que, tendo-se ausentado da morada constante do TIR, sem fornecer qualquer outra, como era seu dever, não respondeu (…) às convocatórias dos técnicos de reinserção social, nem às notificações do Tribunal, (…).».
Frustrando-se o cumprimento do regime de prova, frustram-se as finalidades subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão.
Assim, o Tribunal só poderá decidir pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, até porque, nenhuma das soluções previstas no art. 55.º do C.P., considerando o comportamento por si assumido, se mostram adequadas a fazer alterar a sua conduta, nem a levá-lo a cumprir o regime de prova. Pois, como se poderia advertir o condenado, exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão e/ou prorrogar o período da suspensão, se, convocado para comparecer em Tribunal, não comparece? Não poderia.
Em face do exposto, e ponderando todas as circunstâncias referidas, nos termos dos arts. 56.º, n.ºs 1, al. a) e 2 do C.P. e 495.º, n.º 2 do C.P.P., decide-se revogar a suspensão da execução da pena de 2 (dois) anos de prisão, aplicada ao arguido A nos presentes autos e, consequência, determina-se que cumpra a pena de 2 (dois) anos de prisão de forma efetiva, em que foi condenado por sentença proferida a 29/10/2019.
Consigna-se, por fim, que não pondera a execução da pena de prisão, em que o arguido foi condenado, em regime de permanência na habitação, nos termos do disposto no art. 43.º do C.P., dado que este não compareceu em Tribunal, apesar de notificado para o efeito e, consequentemente, não deu o seu consentimento para tal.
Notifique [o arguido pessoalmente através do O.P.C.].
Após trânsito:
a) Remeta o boletim ao registo criminal [cf. art. 6.º, al. a) da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio];
b) Passe os respetivos mandados de detenção do arguido, para cumprimento da pena de prisão determinada.
(…).»
2.3. Factos e ocorrências processuais com relevância para a decisão a proferir, para além daqueles que vêm referenciados na decisão recorrida:
a) O arguido/condenado prestou TIR nos autos, em 15/11/2018, estando, na altura, recluso no EP do Montijo, Alto da Caneira, em Montijo, tendo indicado como morada para efeitos de notificação a Rua (…..) (cf. fls. 211);
b) O arguido/condenado foi restituído à liberdade, em 20/12/2019, por decisão proferida no âmbito do processo n.º 941/18.9GAMTA, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Central Criminal de Almada – Juiz 5 (cf. ofícios de fls. 271 e 272 e 325);
c) Para audição do arguido/condenado para efeitos do disposto no artigo 495º, n.º 2, do CPP, foram designadas as datas de 12/01/2022 e 26/01/2022 (cf. Ref.ª 122800481 e 122992139).
d) O arguido/condenado foi pessoalmente notificado, através da PSP, do despacho ora recorrido, em 25/01/2024, na seguinte morada: Av.ª (…..) (cf. ofício e certidão de notificação que o acompanha, no Citius sob a Ref.ª 12161259), morada esta correspondente à do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa - Hospital Júlio de Matos.
e) A morada indicada em d), foi obtida em resultado de consulta às base de dados de Beneficiário Segurança Social e de dados associados ao NIF, efetuadas em 16/01/2024 (cf. Citius Ref,ª 12069300 e 12059465).
2.4. Apreciação do mérito do recurso
Questão prévia:
Com a motivação do recurso apresentada o condenado/recorrente veio requerer a junção aos autos de três documentos tendo em vista fazer prova do alegado naquela motivação e para cujo teor remete.
Perfilhando-se o entendimento jurisprudencial maioritariamente acolhido[1], no sentido de que sendo o objeto do recurso a decisão recorrida e as questões que nela pudessem ser suscitadas (cf. artigo 410º, n.º 1, do CPP), não poderão ser atendidos na decisão que conheça do recurso, documentos que não foram conhecidos na decisão recorrida, por não constarem dos autos (independentemente de os documentos poderem ter data posterior à da prolação da decisão), isto por que não tem aplicação, no âmbito do recurso penal, o disposto nos artigos 651º, n.º 1 e 425º, ambos do Código de Processo Civil (que em certas condições permitem a junção de documentos com as alegações dos recursos cíveis), não sendo o caso da aplicação subsidiária, por via do disposto no artigo 4º do CPP, uma vez que a junção de documentos se mostra expressamente regulada no Código de Processo Penal, nos artigos 164º e 165º.
O Tribunal Constitucional tendo sido já, por várias vezes, chamado a pronunciar-se sobre a questão decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 165.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido em que não é admissível, após a prolação da sentença da 1ª instância, a junção de documentos em sede de recurso que abrange a matéria de facto, mesmo quando esses documentos foram produzidos e conhecidos pelo arguido/recorrente somente depois da decisão da primeira instância ou após a interposição do recurso[2].
Assim sendo, considera-se irrelevante a junção dos documentos em questão, não sendo considerado o seu teor na decisão a proferir.
Passando agora a apreciar a questão suscitada no recurso:
Insurge-se o recorrente contra a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de 2 (dois) anos de prisão em que foi condenado nos presentes autos.
A aludida decisão de revogação da suspensão da execução da pena teve por fundamento a infração grosseira e reiterada pelo condenado dos deveres que sobre ele impendiam (cf. artigo 56º, n.º 1, al. a), do CP), alheando-se da condenação sofrida, não comparecendo na DGRS, para elaboração e execução do plano de reinserção social, condição de que dependia a suspensão da execução da pena de prisão, nem no Tribunal a quo para a sua audição, nas datas designadas para o efeito (cf. artigo 495º, n.º 2, do CPP), tendo-se ausentado para parte incerta.
Sustenta o condenado/recorrente que a sua situação clínica, sofrendo de esquizofrenia paranoide – conforme foi dado por provado na sentença condenatória proferida nestes autos –, podendo ser considerada a sua imputabilidade diminuída é perfeitamente admissível que a sua doença tenha determinado a sua falta de discernimento para comunicar uma alteração de morada e cumprir o respetivo regime de prova, tendo, após a decisão condenatória em apreço, tido múltiplos internamentos em psiquiatria, por destabilização da patologia psiquiátrica de que padece e encontrando-se atualmente internado, no Hospital Júlio de Matos, no Serviço de Reabilitação Psicossocial.
Manifesta o condenado/recorrente que, no quadro descrito, não se pode concluir ter infringido grosseiramente os deveres impostos, não estando, por isso, verificados os pressupostos para que fosse revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
Apreciando:
Sobre a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, dispõe o artigo 56º, n.º 1, do Código Penal: «A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.»
Decorre da citada disposição legal e com referência à alínea a) – aquela que ao presente caso importa –, que a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, pode ter por fundamento a violação/incumprimento dos deveres inerentes ao regime de prova ou das regras de conduta impostas e a que haja ficado subordinada a suspensão ou a violação/incumprimento do plano de reinserção social, pressupõe, em qualquer dos casos, que essa infração seja grosseira ou repetida.
Constitui entendimento reiteradamente afirmado, na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, que a infração grosseira a que alude a alínea a), do n.º 1, do artigo 56º, do Código Penal, tem de constituir uma atuação indesculpável, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada e que não pressupõe, necessariamente, um comportamento doloso por parte do condenado, bastando que o mesmo haja com culpa, ou seja, que a infração seja resultado de um comportamento censurável, de descuido ou leviandade[3].
Assim e como se refere no Acórdão da RC, de 9/09/2015[4] «A infracção grosseira é a que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, aqui se incluindo a colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reinserção. Já a infracção repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano individual de reinserção é aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, revelando uma postura de desprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória.»
Para que haja lugar à revogação da suspensão da execução da pena por “infração grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social” torna-se necessário que o comportamento assumido pelo condenado seja demonstrativo de que se frustraram, definitivamente, as expetativas que motivaram a suspensão da execução da pena, destruindo o condenado, por via do comportamento culposo assumido, a esperança nele depositada de que alcançaria a ressocialização, em liberdade[5].
Por outro lado, haverá que ter presente que a revogação da suspensão só terá lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes medidas previstas no artigo 55º do Código Penal[6] e que são as seguintes: «a) Fazer uma solene advertência; b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50º».
A revogação da suspensão da execução da pena de prisão, atento o disposto no artigo 55º do CP, fica dependente de um juízo sobre a inadequação das medidas menos gravosas previstas naquela disposição legal, em respeito pelos princípios da proporcionalidade e da necessidade da pena que presidem a «todo o processo aplicativo e subsistem até à extinção da sanção imposta.[7]»
Em suma e em conformidade com todo o exposto, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, por violação ou incumprimento dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social, nos termos previstos na al. a) do n.º 1 do artigo 56º do CP, exige que se trate de uma violação grosseira ou reiterada – tendo em conta a gravidade do incumprimento ou a repetição do mesmo –, pressupondo o comportamento culposo do condenado e que se conclua que as medidas previstas no artigo 55º do CP, não se revelam suficientes ou adequadas para alcançar as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão.
Dito de outro modo, a revogação da suspensão da execução da pena com fundamento na previsão da al. a) do n.º 1 do artigo 56º do Código Penal, pressupõe, como se refere no Acórdão deste TRE de 05/03/2013[8], que «a infracção (ou infracções) detectada(s) sejam de molde a infirmar irremediavelmente o juízo de prognose favorável que conduziu à aplicação de uma pena de prisão suspensa e que a revogação desta se apresente como a única forma possível de virem a ser alcançadas as finalidades da punição.»
Tendo presentes estas considerações e baixando ao caso dos autos:
Na decisão recorrida foi decidida a revogação da suspensão da execução da execução da pena de 2 (dois) anos de prisão, em que o ora recorrente foi condenado nos presentes autos, por sentença transitada em julgado, a 28/11/2019.
A aludida decisão de revogação da suspensão da execução da pena teve por fundamento a infração grosseira pelo condenado dos deveres que sobre ele impendiam (artigo 56º, n.º 1, al. a), do CP).
Considerou o Mm.º Juiz a quo que o juízo de prognose que presidiu à determinação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ficou comprometido com a inviabilização, por parte do arguido/condenado da elaboração do plano de reinserção social, de modo a cumprir o regime de prova a que ficou subordinada tal suspensão.
E fundamentando o juízo que formulou, o Senhor Juiz a quo escreveu:
«(…) o arguido alheou-se totalmente da condenação de que foi alvo nos presentes autos, não comparecendo na D.G.R.S.P. para a elaboração sequer do plano de reinserção social [e, portanto, não deu início à execução do mesmo], condição essa de que dependia a suspensão da execução da pena de prisão; e não comparecendo ainda neste Tribunal para a audição de condenado, mesmo após emissão dos respetivos mandados de detenção, ausentando-se antes para parte incerta.
É ainda de frisar que o arguido, desde o trânsito em julgado da sentença aqui proferida, em 28/11/2019 até ao dia de hoje, ou seja volvidos quase quatro anos, não demonstrou qualquer preocupação e respeito pela condenação por si sofrida, agindo como se não estivesse sujeito a qualquer regime probatório [sendo irrelevante o contato do arguido com a D.G.R.S.P. a 29/08/2022, já depois do decurso do período da suspensão da execução da pena de prisão, dado que o arguido voltou a ausentar-se para parte incerta].
Mesmo após o arguido ter sido notificado para comparecer na audição de condenado designada, concedendo-lhe o tribunal mais uma oportunidade para esclarecer ou explicar o seu comportamento, o arguido fez tábua rasa das referidas notificações.
Do comportamento do arguido denota-se que o mesmo não demonstrou a mínima preocupação com o cumprimento do regime de prova e de justificar a sua ausência quando convocado para tal – extraindo-se daqui que o mesmo ignorou a oportunidade que lhe foi concedida pelo sistema jurídico, não revelando interesse e preocupação para cumprir o plano [ou melhor, o iniciar] de forma assertiva e consistente.
De outra banda, resulta também dos autos que o arguido se ausentou para parte incerta, não tendo comunicado ao Tribunal qualquer alteração de morada, conforme estava obrigado pelo termo de identidade e residência prestado nos presentes autos [cf. art. 196.º, n.º 3, al. b) do C.P.P.]. Ademais, não pode o Tribunal ancorar-se no argumento esgrimido pela Ilustre Defensora do arguido, quando refere que este, quando praticou os factos dos presentes autos, se encontrava com a imputabilidade diminuída e que sofre de esquizofrenia paranóide, pois que vale lembrar que o mesmo não foi declarado inimputável em razão de anomalia psíquica.
Deste modo, apenas se pode concluir que o arguido não se coibiu de adotar um comportamento contrário ao que se impunha, manifestando um claro desrespeito e desconsideração pela solene advertência que lhe foi dirigida, sendo que, ao invés de aproveitar a oportunidade que lhe foi dada, optou por ignorar, por completo, a pena suspensa em que foi condenado, não correspondendo ao cumprimento do regime de prova que lhe foi determinado.
O comportamento de desinteresse assumido pelo condenado, que se traduz na inexistência de colaboração da sua parte para cumprimento do regime de prova e inviabilizando a própria realização do plano de reinserção social, já reiterado por um período substancial de tempo, é notório e espelha que as finalidades subjacentes à aludida suspensão não puderam, por via dela, ser alcançadas.
O Tribunal mediante o comportamento do arguido apenas poderá concluir que a condenação destes autos não se mostrou suficiente para que aquele interiorizasse o desvalor da sua conduta.
Tudo conjugado, o Tribunal considera que o arguido infringiu de forma grosseira e repetidamente o regime de prova, porquanto com o seu comportamento supra descrito, ou melhor a ausência dele, revelou uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, ao ignorar a pena de prisão suspensa na sua execução em que foi condenado e as obrigações a que estava sujeita essa mesma suspensão.
(…)».
Que dizer?
A questão está em saber se existe, ou não, infração grosseira ou repetida, por parte do condenado, dos deveres que lhe foram impostos no âmbito do regime de prova determinado em acompanhamento da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, não tendo a DGRSP chegado a elaborar o plano de reinserção social no qual assentaria esse regime de prova, em virtude de o condenado, ora recorrente, não ter comparecido às entrevistas marcadas para o efeito e não ser conhecido o seu paradeiro – o qual só viria a ser apurado, em resultado de pesquisas efetuadas nas bases de dados da Segurança Social e associadas ao NIF, tendo em vista a notificação ao recorrente da decisão ora sob recurso – e se o juízo de prognose que esteve subjacente à suspensão da execução da pena, de que o condenado podia alcançar a reinserção social em liberdade, não foi alcançado e ficou definitivamente arredado.
Vejamos:
Não explicitando a lei o que deve entender-se como infração grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, a que alude a al. a) do n.º 1 do artigo 56º do CP, cabe ao julgador a definição e o preenchimento de tal conceito, sendo que, conforme supra se referiu, vem sendo reiteradamente afirmado pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores que para que possa ser qualificada como grosseira, a violação dos deveres ou regras de conduta, tem de constituir uma atuação indesculpável, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada e que não pressupõe, necessariamente, um comportamento doloso por parte do condenado, bastando que atue com culpa, ou seja, que a infração seja resultado de um comportamento censurável, de descuido ou leviandade.
O regime de prova, previsto nos artigos 53º e 54º do CP, tendo por base um plano de reinserção social – o qual «contém os objetivos de ressocialização a atingir pelo condenado, as atividades que este deve desenvolver, o respetivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adotar pelos serviços de reinserção social» (cf. n.º 1 do artigo 56º do CP) –, tem um sentido marcadamente educativo e corretivo[9], sendo o principal vetor desse regime, a sujeição do condenado a uma especial vigilância e controlo dos serviços de reinserção social (cf. n.º 2, do artigo 53º do CP), levada a cabo pelo respetivos técnicos, num quadro de mútua colaboração, com vista a desenvolver o sentimento de responsabilidade social do condenado[10] e a alcançar a finalidade de prevenção especial, da sua reintegração na sociedade.
A sujeição ao regime de prova, assente num plano de readaptação social, tendo em vista alcançar o desiderato a que se propõe, exige do condenado que se mantenha contatável pelos serviços de reinserção social, que compareça às entrevistas marcadas e que revele uma atitude de colaboração com o(s) técnico(s) de reinserção social que efetua(m) o acompanhamento, sob pena de esvaziamento do conteúdo útil de tal regime e de ficarem frustradas ab inicio as suas finalidades.
No caso dos autos, tendo sido dado como provado, na sentença condenatório, que o arguido, ora recorrente, padece de esquizofrenia paranoide, decidiu-se que o regime de prova a acompanhar a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, assente num plano de reinserção social (PIR), a elaborar pela DGRSP, deveria orientar-se para a promoção do acompanhamento psiquiátrico do arguido, com vista à eliminação dos fatores de risco da prática de novos factos.
Sucede que a DGRSP não pôde elaborar o PIR, por impossibilidade de o fazer, não tendo o condenado/recorrente comparecido às entrevistas marcadas, nesse âmbito e revelando-se infrutíferas as diligências efetuadas, tendo em vista apurar o seu paradeiro, não sendo encontrado na residência que indicou no Termo de Identidade e Residência prestado nos autos, dela se ausentando, sem que comunicasse ao processo a nova residência ou o local onde estaria.
O contato estabelecido pelo ora recorrente com a DGRSP, em 29/08/2022, estando já decorrido o período de suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, não é revelador de uma qualquer atitude de colaboração, com aqueles serviços, tendo o mesmo referido «não saber a sua morada nem ter contacto telefónico». Manteve-se, por isso, desconhecido o paradeiro do condenado/recorrente, o qual só veio a ser localizado muito recentemente, já após a prolação da decisão recorrida, em resultado de pesquisas efetuadas nas bases de dados, tendo em vista a respetiva notificação dessa decisão, o que se logrou conseguir, no Hospital Júlio de Matos.
Revelaram-se infrutíferas as diligências realizadas com vista a assegurar a comparência do condenado, nas duas datas designadas para a sua audição presencial, para os efeitos previstos no artigo 495º, n.º 2, do CPP, tendo, para a 1.ª dessas datas, sido expedida notificação, por via postal, para a morada que indicou no TIR e sendo emitidos mandados de detenção, para a 2.ª data, os quais não foram cumpridos, pelo facto de o condenado não ter sido localizado.
A circunstância de o condenado/recorrente padecer de esquizofrenia paranoide e de essa patologia lhe poder acarretar uma diminuição do sentido de responsabilidade e uma menor vinculação ao cumprimento dos deveres inerentes ao seu estatuto processual, designadamente, os decorrentes do TIR prestado, deveres esses que se mantém (cf. artigo 214º, n.º 1, al. e) e 196º, n.º 3 e 96º, n.º 6, al. a), todos do CPP) e ao regime de prova que lhe foi imposto, acompanhando a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado nos autos, não leva a afastar que o condenado/recorrente estivesse ciente de que teria de cumprir aqueles deveres.
Ainda que no decurso do prazo suspensão da execução da pena de prisão de que se trata, o condenado/recorrente possa ter tido períodos de internamento hospitalar, em psiquiatria – facto que só foi trazido aos autos, posteriormente à prolação da decisão recorrida, em sede recursiva, sendo apresentados documentos tendentes a comprovar o alegado, documentos esses que não podem ser aqui considerados, conforme supra decidido –, não esteve, ao longo de todo aquele prazo, impossibilitado de contatar o tribunal e/ou os serviços de reinserção social, designadamente, com vista a informar da sua situação e da alteração da morada que indicou no TIR.
Sucede que o condenado/recorrente, em momento algum, informou, da sua situação, o tribunal ou os serviços de reinserção social e conquanto tivesse contatado estes últimos, já após ter decorrido o período de suspensão da execução da pena de prisão, referiu «não saber a sua morada nem ter contacto telefónico», mantendo-se, nessa situação, desconhecido, o seu paradeiro, só vindo a ser localizado, em data posterior à da prolação da decisão recorrida.
A descrita atitude do condenado é reveladora de um total alheamento, desconsideração e indiferença, perante a solene advertência que constitui a condenação numa pena suspensa, especialmente quando acompanhada do regime de prova, o que acarretou a inviabilização da execução deste último.
O condenado/recorrente sabia que tinha o dever de comunicar ao tribunal qualquer alteração de residência para que fosse possível, a qualquer momento e sempre que necessário, contatá-lo e sabia também que a sua sujeição ao regime de prova, que acompanhou a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, exigia da sua parte, um comportamento ativo e de colaboração com os serviços de reinserção social, a fim de viabilizar a execução do regime de prova, o qual teria por base um PIR que não chegou a ser elaborado pela DGRSP, por impossibilidade de o fazer, pelas razões sobreditas, imputáveis ao condenado/recorrente.
Secundamos o entendimento do Mm.º Juiz a quo de que o descrito comportamento do condenado, consubstancia uma violação grosseira e repetida do regime de prova (cf. artigo 56º, n.º 1, al. a), do Código Penal).
Ao não se entender assim seria fazer tábua rasa do regime de prova a que o condenado ficou sujeito e que acompanhava a suspensão da execução da pena.
O alegado pelo condenado/recorrente na motivação do recurso em apreciação, tendente a justificar o seu comportamento relapso, só foi trazido aos autos nesta fase recursiva, não podendo, por isso, ser considerado, já que o tribunal de recurso terá de ater-se aos elementos disponíveis à data da prolação da decisão que é objeto do recurso.
Neste quadro, concluímos estar afastada a manutenção do juízo de prognose positivo que é pressuposto da não revogação da suspensão da execução da pena de prisão, tendo o condenado, como seu descrito comportamento, inviabilizado a execução do regime de prova a que ficou sujeito e que acompanhava a suspensão da execução da pena de prisão, que lhe foi aplicada, violando, de forma reiterada e grosseira, os deveres inerentes, resultando, dessa forma, frustradas, total e irremediavelmente, as expetativas e finalidades que, por via da suspensão da execução da pena, se pretendeu fossem alcançadas.
Assim sendo e mostrando-se inviável a aplicação de qualquer das medidas previstas no artigo 55º do Código Penal, completando-se em breve (na data de 28/11/2024), o prazo máximo de suspensão da execução da pena, que é de 5 anos a contar da data do trânsito em julgado da sentença condenatória (cf. artigo 50º, n.º 5, para que remete a al. d) do artigo 55º, ambos do CP), nenhuma censura nos merece a decisão proferida pelo Tribunal a quo, de revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado, no processo em referência, nos termos do disposto no artigo 56º, n.º 1, al. a), do Código Penal, pelo que, deve ser confirmada/mantida.
O recurso é, pois, julgado improcedente.
3. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal (2.ª Subsecção) deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido/condenado A, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (cf. artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514º, n.º 1, ambos do CPP e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).
Notifique.
Évora, 24 de setembro de 2024
Fátima Bernardes
Maria Perquilhas
Filipa Costa Lourenço
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[1] Cf., entre outros, Ac. do STJ de 06/07/2017, proc. n.º e 147/13.3JELSB.L1.S2 e Ac. desta RE, de 02/06/2016, proc. n.º 818/12.1TASTB.E1, acessíveis in www.dgsi.pt
[2] Cf., entre outros, Acórdãos do TC n.º 90/2013, de 07/02/2013, proc. n.º 357/12 e n.º 289/2020, de 28/05/2020, proc. n.º 973/19 – o último com um voto de vencido, na parte em que discute a relevância da documentação superveniente e repercute essa ponderação na norma impugnada, mas subscrevendo o acórdão, na parte em que não julga inconstitucional a norma do artigo 165.º, n.º 1, do CPP –, acessíveis in https://www.tribunalconstitucional.pt/
[3] Neste sentido, cf., entre outros, Ac. da RC de 17/10/2012, processo 91/07.3IDCBR.C1, acessíveis em www.dgsi.pt
[4] Proferido no proc. n.º 83/10.5PAVNO.E1.C1, disponível em www.dgsi.pt
[5] Vide Cons. Simas Santos e Leal Henriques, in Código Penal Anotado, 1º volume, 4ª edição, 2014, Editora Reis dos Livros, páginas 823 e 824 e Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas – Editoral Notícias, páginas 355 a 357.
[6] Cf., entre outros, na doutrina, Prof. Figueiredo Dias, in ob. e loc. cit. e, na jurisprudência, Ac da RC de 9/09/2015, proc. n.º 83/10.5PAVNO.E1.C1, acessível em www.dgsi.pt
[7] Ac. deste TRE, de 05/03/2013, proferido no proc. 1144/05.8TASTB.E1 e acessível no endereço www.dgsi.pt.
[8] Idem.
[9] Cf. Ac. da RL de 01/07/2021, proc. n.º 797/15.3T9VFX-AB.L1-9, acessível in www.dgsi.pt.
[10] Cf. Cons. Simas Santos e Leal-Henriques, in Código Penal Anotado, Vol. I, 4ª edição, 2014, Ed. Rei dos Livros, págs. 814 e 815 e Cons. Maia Gonçalves, in Código Penal Anotado, Almedina, 11ª edição, 1997, pág. 210.