Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA PARA A DECISÃO
VÍCIO DE CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO E ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO
Sumário
I - No acórdão recorrido o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de direito em conclusões fácticas que omitiu enunciar entre os factos provados, omitindo igualmente as razões que o conduziram a tais conclusões de factos. II - Tal omissão impede uma eventual impugnação de tal factualidade nos termos do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, o que é notório, desde logo, pelo facto de o Tribunal a quo afirmar que os referidos documentos em causa (pontos 15. e 23 dos factos provados) são insuscetíveis de serem tidos, pela generalidade das pessoas bem como pelas concretas destinatárias dos que estão em causa nos autos, como emitidos pelos CTT, e simultaneamente também afirmar que no presente caso foi o funcionário dos CTT que avisou as destinatárias que aquele documento não havia sido emitido pelos correios quando as mesmas se dirigiram ao balcão daqueles serviços na posse de tais documentos. III - Ao omitir na decisão recorrida a enunciação dos factos em que fundamentou a sua decisão e a fundamentação relativa à prova de tais factos, o Tribunal a quo deu azo a uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, nomeadamente no que concerne à invocada aplicabilidade da norma decorrente do artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal, vício previsto no artigo 410.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal. IV - Analisando a matéria fática exposta, é manifesto que o Tribunal a quo, por um lado, dá como provado que o arguido agiu com determinada intenção (pontos 16 e 24 dos factos provados) e que sabia da falsidade da declaração corporizada nos documentos que criou e dos carimbos que nos mesmos apôs – bem como afirma, na fundamentação da matéria de facto, ter formado a sua convicção no sentido de que era essa a intenção do arguido; por outro lado, de forma contraditória com o assim afirmado e sem que se alcance fundamento para tal, vem dar como não provada essa intenção, bem como considera não provado que o arguido tenha agido de forma deliberada, livre e consciente. V - Considerando o que se deixa exposto, teremos que concluir, aliás como o faz o recorrente, que o acórdão recorrido padece do vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, vício previsto no artigo 410.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal.
(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Texto Integral
Proc. n.º 322/20.4GBOBR.P1 Tribunal de origem: Juízo Central Criminal de Aveiro– J6– Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
No âmbito do Processo Comum com intervenção de Tribunal Coletivo n.º 322/20.4GBOBR a correr termos no Juízo Central Criminal de Aveiro- J6- foi julgado o arguido AA, tendo sido decidido:
A) Absolver o arguido AA da prática, como autor material, de 11 (onze) crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal, por referência ao artigo 255.º, alínea a) do Código Penal.
B) Julgar os pedidos de indemnização civil formulados pelos demandantes BB; CC; DD; EE; FF; GG e HH, totalmente improcedentes, absolvendo dos respetivos pedidos o arguido AA.
Desta decisão veio o Ministério Público interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das seguintes conclusões: A. Deve o acórdão recorrido ser declarado nulo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, por falta de fundamentação;
Caso se entenda haver necessidade de ser proferida, neste âmbito e para reparação de tal nulidade, nova decisão pelo Tribunal recorrido – nos termos do artigo 379.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – deverá ser ordenada a baixa dos autos com vista a tal correção.
Entende-se, porém, que, face ao que se expôs nos pontos B. e C. do presente recurso (conclusões 9.º a 18.º e 19.º a 31.º), e face às soluções aí propugnadas, que a reparação de tal parte da decisão pelo Tribunal recorrido deixará de ser necessária, tendo lugar por via do que quanto a tais pontos venha a ser decidido no Tribunal de recurso, o que desde já se peticiona; B. Face ao apontado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, deve o mesmo ser declarado e, em consequência, porque a decisão contém elementos que permitem decidir a questão da punibilidade ou não punibilidade das condutas do arguido que estão em causa neste recurso, nos termos propugnados nas conclusões 9.º a 18.º, devem ter-se por não escritas todas as afirmações de facto que vão no sentido de que “os referidos documentos não têm a capacidade de induzir em erro sobre a genuinidade dos mesmos, sendo ainda inadequados a provocar um estado de engano em terceiros”; C. Face ao apontado vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão – vício previsto no artigo 410.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal – deve o mesmo ser declarado e, em consequência, porque a decisão contém elementos que permitem resolver tal contradição, cabe proceder à alteração da decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, nos termos propugnados sob as conclusões 19.º a 31.º, ou seja:
a) Na sequência do ponto 42 dos factos provados, ficar a constar como provado que:
- Com a conduta descrita nos pontos 15 a 20, 23 a 26, 41 e 42 dos factos provados, o arguido visou criar a convicção nas destinatárias, que a correspondência ali descrita, com a respetiva informação ali descrita, era remetida pelos próprios CTT ..., fazendo com que as mesmas procedessem ao efetivo levantamento da referida correspondência que lhes havia enviado, tudo em seu beneficio, por forma dar a conhecer, através de imposição às mesmas, as diligências levadas a cabo contra a sociedade Administradora de Condomínio e posteriormente agir judicialmente contra as referidas destinatárias, não podendo as mesmas invocar desconhecimento;
- Com a conduta descrita nos pontos 15 a 20, 23 a 26, 41 e 42 dos factos provados, o arguido visou criar a convicção nos destinatários de que a correspondência em causa havia sido carimbada pelos CTT ..., pelo que não a poderiam ignorar, tudo assim em seu beneficio, por forma dar a conhecer, através de imposição aos mesmos, as diligências levadas a cabo contra a sociedade Administradora de Condomínio e posteriormente agir judicialmente contra os seus destinatários, não podendo os mesmos invocar desconhecimento:
- Ao agir do modo descrito nos pontos 15 a 20, 23 a 26, 41 e 42 dos factos provados, o arguido AA agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, no intuito de fazer com que os referidos moradores do Edifício ... procedessem ao levantamento da correspondência por si remetida, bem como recebessem as referidas cartas onde o mesmo dava conta das diligências levadas a cabo contra a sociedade Administradora de Condomínio, não podendo os mesmos invocar desconhecimento, para, posteriormente, agir judicialmente contra os respetivos condóminos;
- O arguido AA sabia que as suas condutas, descritas nos pontos 15 a 20, 23 a 26, 41 e 42 dos factos provados, eram proibidas e punidas por lei.
b) Em consequência, devem ser eliminados do elenco de factos não provados esses mesmos factos (que ora constam, deles sendo parte, dos respetivos pontos 14 a 16 e 18 dos factos não provados da acusação). D. Face à errada fez errada apreciação jurídica dos factos, com errada interpretação e aplicação da norma decorrente do artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal – conforme apontado nas conclusões 32.º a 42.º -- deve ser alterado o acórdão recorrido no sentido de;
a) Decidir de mérito e, em consequência:
i. Condenar o arguido AA pela prática de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal, por referência ao artigo 255.º, alínea a), do mesmo Código;
ii. Aplicar-lhe por cada um de tais crimes a pena de 1 (um) ano de prisão;
ii. Em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, condenar o arguido AA na pena única de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeitando-se tal suspensão à condição de o arguido AA entregar aos Bombeiros Voluntários ... a quantia de €500,00 (quinhentos euros) – a cumprir e a comprovar nos autos no prazo de seis meses após o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Termina pedindo seja dado provimento ao recurso e, em consequência, seja revogado o acórdão recorrido e, em sua substituição, seja proferida decisão que condene o arguido nos termos peticionados.
A este recurso respondeu o arguido, conforme consta dos autos, concluindo da seguinte forma:
1ª) Da douta sentença resulta óbvio que o coletivo considerou que o arguido devia ser absolvido de todas as acusações que lhe foram imputadas.
2ª) O Tribunal formou a sua convicção no contexto das audiências e da sua livre apreciação da prova produzida.
3ª) Quer o arguido, quer os demandantes, relataram a existência de conflitos entre o arguido e os vários condóminos, relacionados com o facto do arguido pretender que, na sua fração, fossem efetuadas obras custeadas pelo condomínio.
4ª) As missivas que o arguido colocou, diretamente ou por intermédio de outrem, na caixa do correio dos denunciantes, é de tal forma diferente dos avisos de receção utilizados pelos CTT, que são absolutamente insuscetíveis de provocar engano quanto à sua presumível autenticidade.
5ª) No caso dos autos é forçoso considerar que, por se tratar duma falsificação grosseira, a conduta praticada pelo arguido deverá inserir-se no conceito de tentativa impossível.
6ª) E, por força do disposto no art.º 23.º, nº. 3, do CP, a conduta praticada pelo arguido, embora abstratamente subsumível ao disposto no art.º 256.º do CP, não é punível, motivo pelo qual o arguido deverá ser absolvido pela prática de dois crimes de falsificação de que vinha acusado.
7ª) Por outro lado, da factualidade provada, não resulta demonstrada a verificação de qualquer prejuízo para terceiro ou para o estado, também sendo de afastar a possibilidade do arguido ter praticado os factos com intenção de encobrir um crime.
8ª) A correspondência assinalada como registada foi expedida por essa forma tal como a normal foi expedida como correio normal
9ª) Assim, entendeu o Coletivo que a conduta do arguido, referente à aposição dos carimbos identificativos dos CTT não determina o preenchimento do tipo legal subjetivo do ilícito, pelo que o mesmo teria de ser absolvido da prática de nove crimes de falsificação de documento.
10ª) E, por conseguinte, não estão preenchidos os respetivos elementos objetivos e subjetivos do ilícito, devendo o arguido ser absolvido da prática de onze crimes de falsificação de documento, previsto e punido pelo art.º 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e) do CP.
Termina pedindo seja negado provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando-se o acórdão recorrido nos seus precisos termos.
Neste Tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu e que se encontra nos autos, pugna pela procedência do recurso.
Cumprido o preceituado no art.º 417.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, nada mais de relevante veio a ser acrescentado.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
II- Fundamentação: Fundamentação de facto
I. São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal de 1.ª Instância:
“Da instrução e discussão da causa resultou provada a seguinte matéria de facto:
Da Acusação:
1. O arguido AA é proprietário de um imóvel na Rua ..., ..., ..., ... ..., no Edifício designado por ....
2. CC é proprietária de um imóvel na Rua ..., ..., ..., ... ..., no Edifício designado por ...;
3. FF, é proprietário de um imóvel na Rua ..., ..., ... ..., no Edifício designado por ...;
4. II é proprietária de um imóvel na Rua ..., ..., ... ..., no Edifício designado por ...;
5. DD é proprietário de um imóvel na Rua ..., ..., ..., ... ..., no Edifício designado por ...;
6. BB é proprietário de um imóvel na Rua ..., ..., ..., ... ..., no Edifício designado por ...;
7. GG é proprietário de um imóvel na Rua ..., ..., ..., ... ..., no Edifício designado por ...¸
8. JJ é proprietário de um imóvel na Rua ..., ..., ..., ... ..., no Edifício designado por ...;
9. EE é proprietário de um imóvel na Rua ..., ..., ..., ... ..., no Edifício designado por ...;
10. HH é usufrutuária de um imóvel na Rua ..., ... ..., no Edifício designado por ...;
11. O arguido AA encontra-se em litígio judicial contra a sociedade Administradora do Condomínio... e, por conseguinte, contra os restantes condomínios, designadamente os identificados nos pontos 2 a 10;
12. O arguido AA, em data e em circunstâncias não concretamente apuradas, decidiu fabricar os carimbos “CTT CORREIOS CORREIO REGISTADO”, com logotipo dos CTT e “R EM MÃO”, bem como “CTT CORREIOS – CORREIO NORMAL”, sem que para o efeito estivesse autorizado pelos CTT ..., por forma a utilizá-los nas cartas que enviava a terceiros;
13. Assim, no dia 05 de agosto de 2020, cerca das 10h45, foi depositado no recetáculo postal de CC um aviso de entrega postal, emitido pelo distribuidor postal ao serviço dos CTT;
14. CC deslocou-se àquela estação, onde pediu para ver o tamanho e volume do registo, tendo no imediato associado o mesmo àquele que o referido FF havia recebido, pelo que não procedeu ao seu levantamento, tendo a mesma sido devolvida ao seu remetente;
15. No dia 11 de agosto de 2020, entre as 08h00 e as 17h30, o arguido AA ou alguém a seu mando, depositou no recetáculo postal de CC uma carta processada a computador, elaborada pelo arguido AA e dirigida àquela, com os seguintes dizeres “Informa-se que possui uma carta registada nos CTT ..., pendente de ser levantada com o número de registo ......, no qual a data limite para o seu levantamento é o próximo dia 12 de Agosto de 2020, queira por favor, proceder ao levantamento da carta que se encontra nos CTT ..., bastando levar o presente documento consigo para poder ser possível fazer o seu levantamento.”
16. O arguido AA apôs na mesma carta um carimbo com os dizeres “CTT CORREIOS CORREIO REGISTADO”, com logotipo dos CTT e outro com os dizeres “R EM MÃO”, por forma a criar naquela destinatária a ideia de que se tratavam de documentos remetidos pelos CTT e, por conseguinte, levá-la a proceder ao levantamento da respetiva correspondência;
17. Aquela correspondência, com aquela informação e aqueles carimbos, não é utilizada pelos CTT, nem foi por si enviada;
18. As notificações emitidas pelos CTT são feitas através de documento pré-impresso, intitulado “Aviso de Entrega”, o qual é preenchido de forma manuscrita, bem como aqueles carimbos não foram ali colocados pelo respetivo funcionário dos CTT, sendo que o carimbo com os dizeres “CTT CORREIOS CORREIO REGISTADO” e referido logotipo já não é utilizado pelos CTT ... desde data anterior ao envio da referida carta, designadamente desde 2004, não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, não sendo o mesmo, quanto ao seu uso, destinada àquele fim, e o carimbo com os dizeres “R EM MÃO”, nunca existiu nos CTT em formato carimbo, ao contrário do que ali consta, mas só através de etiqueta autocolante;
19. O arguido AA, além de ter aposto os carimbos por si elaborados e fabricados na carta remetida com os dizeres descritos em 15, utilizou ainda o carimbo com os dizeres “CTT CORREIOS CORREIO REGISTADO”, com logotipo dos CTT, na missiva por si elaborada e remetida a CC com o assunto “Envio de Documentação e Prestação de Conhecimento” e respetivos documentos anexos;
20. Aquele carimbo ali aposto é falso, porquanto não é utlizado pelos CTT, não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, apresentando logotipo anterior a 2004, já não utilizado por aqueles serviços;
21. Em dia não concretamente apurado, mas do mês de agosto de 2020, foi entregue em mão a FF uma carta remetida pelo arguido AA e àquele dirigida, onde consta nos documentos juntos, a impressão de carimbo “CTT CORREIOS CORREIO REGISTADO”, com logotipo dos CTT;
22. Aquele carimbo ali aposto é falso, porquanto não é utlizado pelos CTT, não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, apresentando logotipo anterior a 2004, já não utilizado por aqueles serviços;
23. Em dia não concretamente apurado, mas entre 01 e 15 de Agosto de 2020, o arguido AA ou alguém a seu mando, depositou no recetáculo postal de II uma carta processada a computador, elaborada pelo arguido e dirigida àquela, com os seguintes dizeres “Informa-se que possui uma carta registada nos CTT ..., pendente de ser levantada com o número de registo ......, no qual a data limite para o seu levantamento é o próximo dia 12 de Agosto de 2020, queira por favor, proceder ao levantamento da carta que se encontra nos CTT ..., bastando levar o presente documento consigo para poder ser possível fazer o seu levantamento.”
24. O arguido AA apôs na mesma carta um carimbo com os dizeres “CTT CORREIOS CORREIO REGISTADO”, com logotipo dos CTT e outro com os dizeres “R EM MÃO”, por forma a criar na destinatária ideia de que se tratavam de documento remetido pelos CTT;
25. Aquela correspondência, com aquela informação e aqueles carimbos, não é utilizada pelos CTT, nem pelos mesmos enviada, não correspondendo a mesma à verdade e os carimbos ali apostos são falsos;
26. As notificações emitidas pelos CTT são feitas através de documento pré-impresso, intitulado “Aviso de Entrega”, o qual é preenchido de forma manuscrita, bem como aqueles carimbos não foram ali colocados pelo respetivo funcionário dos CTT, sendo que o carimbo com os dizeres “CTT CORREIOS CORREIO REGISTADO” e referido logotipo já não é utilizado pelos CTT ... desde data anterior ao envio da referida carta, designadamente desde 2004, não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, não sendo o mesmo, quanto ao seu uso, destinada àquele fim, e o carimbo com os dizeres “R EM MÃO”, nunca existiu nos CTT em formato carimbo, ao contrário do que ali consta, mas só através de etiqueta autocolante;
27. Em dia não concretamente apurado, mas do mês de fevereiro de 2021, foi depositado no recetáculo postal de DD uma carta remetida pelo arguido AA e dirigida àquele, onde consta no seu envelope e documentos juntos, a impressão de carimbo “CTT COREIROS – CORREIO NORMAL”;
28. Aquele carimbo ali aposto é falso, porquanto não é utlizado pelos CTT, não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, apresentando logotipo anterior a 2004, já não utilizado por aqueles serviços;
29. Em dia não concretamente apurado, mas do mês de janeiro de 2021, foi depositado no recetáculo postal de BB uma carta remetida pelo arguido AA e dirigida àquele, onde consta no seu envelope e documentos juntos, a impressão de carimbo “CTT CORREIOS – CORREIO NORMAL”;
30. Aquele carimbo ali aposto é falso, porquanto não é utlizado pelos CTT, não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, apresentando logotipo anterior a 2004, já não utilizado por aqueles serviços;
31. Em dia não concretamente apurado, mas do mês de janeiro de 2021, foi depositado no recetáculo postal de GG uma carta remetida pelo arguido AA e dirigida àquele, onde consta no seu envelope e documentos juntos, a impressão de carimbo “CTT CORREIOS – CORREIO NORMAL”;
32. Aquele carimbo ali aposto é falso, porquanto não é utlizado pelos CTT, não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, apresentando logotipo anterior a 2004, já não utilizado por aqueles serviços;
33. Em dia não concretamente apurado, mas entre o dia 15 e 19 de fevereiro de 2021, foi depositado no recetáculo postal de JJ uma carta remetida pelo arguido AA e dirigida àquele, onde consta no seu envelope a impressão de carimbo “CTT CORREIOS – CORREIO NORMAL”;
34. Aquele carimbo ali aposto é falso, porquanto não é utilizado pelos CTT, não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, apresentando logotipo anterior a 2004, já não utilizado por aqueles serviços;
35. Em dia não concretamente apurado, mas entre o dia 15 e 19 de fevereiro de 2021, foi depositado no recetáculo postal de CC uma carta remetida pelo arguido AA e dirigida àquela, onde consta no seu envelope a impressão de carimbo “CTT CORREIOS – CORREIO NORMAL”;
36. Aquele carimbo ali aposto é falso, porquanto não é utlizado pelos CTT, não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, apresentando logotipo anterior a 2004, já não utilizado por aqueles serviços;
37. Em dia não concretamente apurado, mas entre o dia 01 e 05 de fevereiro de 2021, foi depositado no recetáculo postal de EE uma carta remetida pelo arguido AA e dirigida àquele, onde consta no seu envelope a impressão de carimbo “CTT CORREIOS – CORREIO NORMAL”, por forma a criar naquele a ideia de que se tratava de documentos carimbados pelos CTT;
38. Aquele carimbo ali aposto é falso, porquanto não é utlizada pelos CTT, não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, apresentando logotipo anterior a 2004, já não utilizado por aqueles serviços;
39. Em dia não concretamente apurado, mas entre o dia 01 e 05 de fevereiro de 2021, foi depositado no recetáculo postal de HH uma carta remetida pelo arguido AA e dirigida àquela, onde consta no seu envelope a impressão de carimbo “CTT CORREIOS – CORREIO NORMAL”;
40. Aquele carimbo ali aposto é falso, porquanto não é utlizado pelos CTT, não apresentando as mesmas características de impressão dos carimbos por si legitimamente utilizados, apresentando logotipo anterior a 2004, já não utilizado por aqueles serviços;
41. O arguido AA sabia que os carimbos por si elaborados, fabricados e apostos na correspondência identificada nos pontos 16) e 20), bem como o seu próprio conteúdo, eram falsos;
42. O arguido AA sabia que os carimbos por si elaborados, fabricados e apostos na correspondência identificada nos pontos 18), 20), 25), 27), 29), 31), 33), 35) e 37), eram falsos.
Do pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes BB; CC; DD; EE; FF; GG e HH
Não se provaram factos relevantes.
Mais se provou:
43. O arguido é empresário em nome individual, trabalhando nas áreas da administração de condomínios e na organização de eventos, auferindo valores variáveis de, pelo menos, €400 mensais;
44. Vive com uma companheira e com um filho comum com cinco anos de idade;
45. A companheira do arguido é professora, encontrando-se atualmente não colocada, não auferindo remuneração;
46. Vivem em casa própria relativamente à qual pagam uma prestação bancária no valor de €200;
47. O arguido é licenciado em tecnologias de informação;
48. Não tem antecedentes criminais registados.
II. São os seguintes os factos dados como não provados pelo Tribunal de 1.ª Instância:
Da acusação:
1. Que o arguido tenha praticado os factos descritos no ponto 12 da factualidade provada com a intenção de criar a ideia nos destinatários das cartas de que aquelas se tratavam de documentos remetidos pelos CTT ..., bem como para atribuir seriedade às missivas que enviava, criando a falsa ideia de que a correspondência havia sido carimbada por aqueles próprios serviços, não podendo, pelos seus destinatários, ser ignorada;
2. Que CC se tenha descolocado aos CTT, por temer que o aviso de entrega depositado no seu recetáculo postal correspondesse, no seu teor e conteúdo, àquele que em data anterior já havia sido recebido por FF e enviado pelo arguido AA;
3. Que o arguido tenha conseguido que CC acreditasse que o documento descrito no ponto 15 dos factos provados tivesse sido remetido pelos CTT;
4. O arguido agiu da forma descrita no ponto 19 dos factos provados com o intuito de fazer com que CC acreditasse que a carta àquela dirigida havia sido carimbado pelos CTT, pelo que não as poderia ignorar, o que quis e conseguiu;
5. O arguido praticou os factos descritos no ponto 21 com o intuito de fazer com que FF acreditasse que a carta àquele dirigida havia sido carimbado pelos CTT, pelo que não a poderia ignorar, o que quis e conseguiu.
6. Que o arguido tenha conseguido que II acreditasse que o documento descrito no ponto 23 dos factos provados tivesse sido remetido pelos CTT;
7. O arguido agiu da forma descrita no ponto 27 dos factos provados por forma a criar em DD a ideia de que se tratava de documentos carimbados pelos CTT, pelo que não os poderia ignorar, o que quis e conseguiu;
8. O arguido agiu da forma descrita no ponto 29 dos factos provados por forma a criar em BB a ideia de que se tratava de documentos carimbados pelos CTT, pelo que não os poderia ignorar, o que quis e conseguiu;
9. O arguido agiu da forma descrita no ponto 31 dos factos provados por forma a criar em GG a ideia de que se tratava de documentos carimbados pelos CTT, pelo que não os poderia ignorar, o que quis e conseguiu;
10. O arguido agiu da forma descrita no ponto 33 dos factos provados por forma a criar em JJ a ideia de que se tratava de documentos carimbados pelos CTT, pelo que não os poderia ignorar, o que quis e conseguiu;
11. O arguido agiu da forma descrita no ponto 35 dos factos provados por forma a criar em CC a ideia de que se tratava de documentos carimbados pelos CTT, pelo que não os poderia ignorar, o que quis e conseguiu;
12. O arguido agiu da forma descrita no ponto 37 dos factos provados por forma a criar em EE a ideia de que se tratava de documentos carimbados pelos CTT, pelo que não os poderia ignorar, o que quis e conseguiu;
13. O arguido agiu da forma descrita no ponto 39 dos factos provados por forma a criar em HH a ideia de que se tratava de documentos carimbados pelos CTT, pelo que não os poderia ignorar, o que quis e conseguiu;
14. Com a conduta descrita no ponto 41, o arguido visou criar a convicção nos destinatários, que a mesma, com a respetiva informação ali descrita, era remetida pelos próprios CTT ..., fazendo assim com que as mesmas procedessem ao efetivo levantamento da referida correspondência que lhes havia enviado, tudo assim em seu beneficio, por forma dar a conhecer, através de imposição às mesmas, as diligências levadas a cabo contra a sociedade Administradora de Condomínio e posteriormente agir judicialmente contra as referidas destinatárias, não podendo as mesmas invocar desconhecimento, o que quis e conseguiu;
15. Com a conduta descrita no ponto 42 dos factos provados o arguido visou criar a convicção nos destinatários, que a correspondência em causa havia sido carimbada pelos CTT ..., pelo que não a poderiam ignorar, tudo assim em seu beneficio, por forma dar a conhecer, através de imposição aos mesmos, as diligências levadas a cabo contra a sociedade Administradora de Condomínio e posteriormente agir judicialmente contra os seus destinatários, não podendo o mesmo invocar desconhecimento, o que quis e conseguiu.
16. O arguido AA agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, no intuito de fazer com que os referidos moradores do Edifício ... procedessem ao levantamento da correspondência por si remetida, bem como recebessem as referidas cartas onde o mesmo dava conta das diligências levadas a cabo contra a sociedade Administradora de Condomínio, não podendo os mesmos invocar desconhecimento, para, posteriormente, agir judicialmente contra os respetivos condóminos.
17. O arguido AA com a sua conduta, colocou em crise a confiança que os carimbos de instituições de interesse público, como os CTT ..., merecem perante a generalidade das pessoas, o seu destino e a prova que deles resulta.
18. O arguido AA sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Do pedido de indemnização civil:
Do pedido de indemnização formulado pelo demandante BB:
19. Com a conduta descrita na acusação o arguido provocou no demandante sentimentos de ansiedade e nervosismo;
20. Com várias ações cíveis e outras várias queixas criminais o arguido já fez o demandante despender largas somas de dinheiro, quer em custas, quer em honorários;
21. Pelo que imaginar que as cartas enviadas ou depositadas no recetáculo postal do ofendido poderiam significar novas ações e processos judiciais causou no demandante angústia e sofrimento;
22. O arguido, com a sua conduta, colocou em crise a confiança que os carimbos de instituições de interesse público merecem perante a generalidade das pessoas e a prova que deles resulta;
23. Devido ao comportamento do arguido o demandante sentiu ansiedade, nervosismo, angústia e sofrimento;
24. Deixando de dormir por várias noites a fio e ficando agitado vários dias e agressivos com os seus familiares
Do pedido de indemnização formulado pela demandante CC:
25. Com a conduta descrita na acusação o arguido provocou na demandante sentimentos de ansiedade e nervosismo;
26. Com várias ações cíveis e outras várias queixas criminais o arguido já fez a demandante despender largas somas de dinheiro, quer em custas, quer em honorários;
27. Pelo que imaginar que as cartas enviadas ou depositadas no recetáculo postal poderiam significar novas ações e processos judiciais causou na demandante angústia e sofrimento;
28. O arguido, com a sua conduta, colocou em crise a confiança que os carimbos de instituições de interesse público merecem perante a generalidade das pessoas e a prova que deles resulta;
29. Devido ao comportamento do arguido a demandante sentiu ansiedade, nervosismo, angústia e sofrimento;
30. Deixando de dormir por várias noites a fio e ficando agitada vários dias e desconcentrada no seu trabalho;
Do pedido de indemnização formulado pelo demandante DD:
31. Com a conduta descrita na acusação o arguido provocou no demandante sentimentos de ansiedade e nervosismo;
32. Com várias ações cíveis e outras várias queixas criminais o arguido já fez o demandante despender largas somas de dinheiro, quer em custas, quer em honorários;
33. Pelo que imaginar que as cartas enviadas ou depositadas no recetáculo postal do ofendido poderiam significar novas ações e processos judiciais causou no demandante angústia e sofrimento;
34. O arguido, com a sua conduta, colocou em crise a confiança que os carimbos de instituições de interesse público merecem perante a generalidade das pessoas e a prova que deles resulta;
35. Devido ao comportamento do arguido o demandante sentiu ansiedade, nervosismo, angústia e sofrimento;
36. Deixando de dormir por várias noites a fio e ficando agitado vários dias e desconcentrado no seu trabalho;
Do pedido de indemnização formulado pelo demandante EE:
37. Com a conduta descrita na acusação o arguido provocou no demandante sentimentos de ansiedade e nervosismo;
38. Com várias ações cíveis e outras várias queixas criminais o arguido já fez o demandante despender largas somas de dinheiro, quer em custas, quer em honorários;
39. Pelo que imaginar que as cartas enviadas ou depositadas no recetáculo postal do ofendido poderiam significar novas ações e processos judiciais causou no demandante angústia e sofrimento;
40. O arguido, com a sua conduta, colocou em crise a confiança que os carimbos de instituições de interesse público merecem perante a generalidade das pessoas e a prova que deles resulta;
41. Devido ao comportamento do arguido o demandante sentiu ansiedade, nervosismo, angústia e sofrimento;
42. Deixando de dormir por várias noites a fio e ficando agitado vários dias e agressivos com os seus familiares
Do pedido de indemnização formulado pelo demandante FF:
43. Com a conduta descrita na acusação o arguido provocou no demandante sentimentos de ansiedade e nervosismo;
44. Com várias ações cíveis e outras várias queixas criminais o arguido já fez o demandante despender largas somas de dinheiro, quer em custas, quer em honorários;
45. Pelo que imaginar que as cartas enviadas ou depositadas no recetáculo postal do ofendido poderiam significar novas ações e processos judiciais causou no demandante angústia e sofrimento;
46. O arguido, com a sua conduta, colocou em crise a confiança que os carimbos de instituições de interesse público merecem perante a generalidade das pessoas e a prova que deles resulta;
47. Devido ao comportamento do arguido o demandante sentiu ansiedade, nervosismo, angústia e sofrimento;
48. Deixando de dormir por várias noites a fio e ficando agitado vários dias e desconcentrado no seu trabalho;
Do pedido de indemnização formulado pelo demandante GG:
49. Com a conduta descrita na acusação o arguido provocou no demandante sentimentos de ansiedade e nervosismo;
50. Com várias ações cíveis e outras várias queixas criminais o arguido já fez o demandante despender largas somas de dinheiro, quer em custas, quer em honorários;
51. Pelo que imaginar que as cartas enviadas ou depositadas no recetáculo postal do ofendido poderiam significar novas ações e processos judiciais causou no demandante angústia e sofrimento;
52. O arguido, com a sua conduta, colocou em crise a confiança que os carimbos de instituições de interesse público merecem perante a generalidade das pessoas e a prova que deles resulta;
53. Devido ao comportamento do arguido o demandante sentiu ansiedade, nervosismo, angústia e sofrimento;
54. Deixando de dormir por várias noites a fio e ficando agitado vários dias e agressivo com os seus familiares
Do pedido de indemnização formulado pela demandante HH
55. Com a conduta descrita na acusação o arguido provocou na demandante sentimentos de ansiedade e nervosismo;
56. Com várias ações cíveis e outras várias queixas criminais o arguido já fez a demandante despender largas somas de dinheiro, quer em custas, quer em honorários;
57. Pelo que imaginar que as cartas enviadas ou depositadas no recetáculo postal poderiam significar novas ações e processos judiciais causou na demandante angústia e sofrimento;
58. O arguido, com a sua conduta, colocou em crise a confiança que os carimbos de instituições de interesse público merecem perante a generalidade das pessoas e a prova que deles resulta;
59. Devido ao comportamento do arguido a demandante sentiu ansiedade, nervosismo, angústia e sofrimento;
60. Deixando de dormir por várias noites a fio e ficando agitada vários dias e perturbada e irritadiça com os seus familiares.
Não resultaram provados, nem não provados, quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa.
O Tribunal não se pronunciou sobre factos integrantes de conceitos meramente conclusivos; de direito; irrelevantes para a apreciação do objeto dos autos, ou, no caso da contestação, factos de mera impugnação.
III. É a seguinte a motivação da decisão de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância:
A convicção do Tribunal fundou-se na valoração crítica e conjugada da totalidade dos elementos de prova produzidos, designadamente, nas declarações prestadas pelo arguido e pelos ofendidos CC; FF; II; DD; BB; GG; JJ; EE e HH; nos depoimentos prestados pelas testemunhas KK (funcionário dos CTT); LL (vizinha do arguido); MM (companheira do arguido); NN (funcionária dos CTT), em conjunto com a análise da seguinte prova documental:
- Do Processo 322/20.4GBOBR: Auto de notícia, de fls. 3 a 4v; Auto de Apreensão de fls. 5 a 6, 38, 40 a 40v, 82 a 82v; documentos de fls. 7 a 8, 12 a 36v, 87 a 98v; envelope com documentos, de fls. 142;
- Do Processo 69/21.4GBOBR: Auto de notícia, de fls. 4 a 5; Auto de Apreensão de fls. 6 a 6v; documentos de fls. 8 a 12;
- Do Processo 64/21.3GBOBR: Auto de notícia, de fls. 4 a 5; Auto de Apreensão de fls. 6 a 6v; documentos de fls. 7 a 11;
- Do Processo 61/21.9GBOBR: Auto de notícia, de fls. 4 a 6; Auto de Apreensão de fls. 8 a 9; documentos de fls. 10 a 14v;
- Do processo 57/21.0GBOBR: Auto de notícia, de fls. 4 a 5; Auto de Apreensão de fls. 6 a 6v; Documentos de fls. 7 a 11v;
- Do Processo 58/21.4GBOBR: Auto de notícia, de fls. 4 a 5; auto de Apreensão de fls. 6 a 6v; documentos de fls. 7 a 10v;
Processo 55/21.4GBOBR: Auto de notícia, de fls. 4 a 5; Auto de Apreensão de fls. 6 a 6v; documentos de fls. 7 a 10;
Processo 54/21.6GBOBR: Auto de notícia, de fls. 4 a 5; Auto de Apreensão de fls. 6 a 6v; documentos de fls. 7 A 11v.
Os referidos meios de prova foram entrecruzados entre si e com o relatório de Exame Pericial de fls. 136 a 141 e com os esclarecimentos à perícia prestados por OO.
Em síntese:
Nas declarações que prestou o arguido admitiu ter enviado várias cartas aos condóminos do prédio identificado na factualidade provada, negando, contudo, ter enviado a correspondência descrita na factualidade provada.
Referiu ter enviado cartas semelhantes, mas com outro conteúdo, negando ter aposto na correspondência que enviou os carimbos descritos na acusação.
Através dos depoimentos prestados pelos demandantes CC; FF; II; DD; BB; GG; JJ; EE e HH e pelas testemunhas KK (funcionário dos CTT) e LL (vizinha do arguido, em conjunto com a análise das próprias cartas, que foram por estes juntas aos autos em sede de inquérito, e se encontram juntas aos autos formou o tribunal a sua convicção quanto à circunstância de as referidas cartas terem sido remetidas e recebidas pelas referidas pessoas.
Pese embora o arguido negue ter enviado as cartas descritas na acusação, nesta parte, as suas declarações não nos merecem credibilidade.
Com efeito, quer o arguido quer os demandantes, relataram a existência de conflitos entre o arguido e vários condóminos, relacionados com o facto de o arguido pretender que, na sua fração, sejam efetuadas obras custeadas pelo condomínio.
Da análise do texto das cartas referidas nos pontos 21, 27, 29, 31, 33, 35, 37 e 39 da factualidade provada, concluiu-se que o assunto que nas mesmas se trata é um assunto do exclusivo interesse do ora arguido, sendo inclusivamente efetuadas referências ao seu nome.
Nas referidas cartas trata-se do assunto concernente às chuvas que o arguido, desde o início de 2015, alegadamente, suporta no interior da sua fração; mencionando-se as reuniões de condomínio em que tal assunto já foi debatido e, inclusivamente, deixando-se o contacto de email do ora arguido.
Os demandantes, segundo declararam de forma que se nos afigurou séria e credível, ao lerem as referidas missivas que lhes foram destinadas não tiveram qualquer dúvida que as mesmas foram remetidas pelo ora arguido, já que apenas a este interessa o assunto subjacente às mesmas.
Ademais, pese embora não estejam assinadas, as cartas descritas nos pontos indicam como remetente o Apartado ..., tendo-se apurado, através da informação junta aos autos pelos CTT no dia 23/11/2023, que o referido apartado está inscrito na titularidade do arguido. Aliás, o próprio arguido, nas declarações que prestou, confirmou ser titular de um contrato com os CTT, tendo por objeto a utilização de um apartado, declarações que, nesta parte, foram, de forma credível, confirmadas pela companheira do arguido.
Em face do exposto, não se vislumbra que razões teria outra pessoa, que não o arguido, para enviar as referidas missivas, com o exato conteúdo que enviou e que apenas a si lhe interessa.
Aliás, ainda que se pudesse admitir como possível que alguém pretendesse enviar a correspondência em causa, fazendo-se passar pelo arguido, com a finalidade de o comprometer com a prática de um crime, sempre resultaria das regras da experiência comum e da normalidade, que, nesse caso, tais indivíduos, comprometeriam o arguido com factos de maior gravidade, não se limitando a apor nas cartas em causa carimbos com a referência aos CTT e a “Correio Registado” e “Correio Normal”, antes comprometendo o arguido com o próprio conteúdo das cartas, nomeadamente, simulando a prática de crimes de ameaça, coação ou outros.
Ademais, mereceram-nos credibilidade os demandantes que, nas declarações que prestaram em audiência de julgamento, muito embora sem deixar de demonstrar a sua exasperação para com o arguido - relacionada com outras situações conflituais – depuseram de uma forma que se nos afigurou objetiva e isenta, procurando responder com verdade às perguntas que lhes foram colocadas.
Não se vislumbra, sequer, que interesse teriam os referidos demandantes em imputar ao arguido a utilização de carimbos falsificados.
Por conseguinte, formámos convicção no sentido de ter sido o arguido o autor das missivas em questão.
Também no que concerne à autoria dos documentos descritos nos pontos 15 e 23 da factualidade provada, a convicção do Tribunal formou-se com base em juízos de normalidade e da experiência comum.
Ora, tratando-se de cartas registadas que se crê, pelas razões supra aduzidas, terem sido remetidas pelo arguido, apenas a este interessava que as destinatárias das cartas as fossem levantar no posto dos CTT.
Por outro lado, as referidas cartas fazem menção ao número de registo que, naturalmente, tinha de ser do conhecimento de quem as expediu, ou seja, do arguido.
Assim, não se vislumbra qualquer outra pessoa com interesse em redigir e em colocar na caixa de correio os documentos descritos nos pontos 15 e 23 dos factos provados.
A convicção do tribunal relativamente à circunstância de os carimbos descritos na factualidade provada não terem sido apostos pelos CTT, e, por conseguinte, não serem originais e legítimos, formou-se com base na análise do relatório pericial junto aos autos a fls. 136 a 141, não tendo o tribunal qualquer razão para colocar em causa a bondade da perícia efetuada.
Já no que respeita à intenção do arguido, a convicção do tribunal formou-se da seguinte forma.
Antes de mais, apurou-se através das declarações prestadas pelo arguido e do depoimento prestado pela sua companheira MM, que o arguido, na correspondência que enviava, tinha o hábito de assinalar a modalidade de correio utilizada.
Em consequência, não tendo o arguido admitido os factos, não será de excluir que a aposição dos carimbos em causa não correspondesse a qualquer intenção específica, pretendendo o arguido, apenas, assinalar a forma de expedição da correspondência que enviou.
Em segundo lugar, pese embora a acusação impute ao arguido a intenção de conferir à correspondência um grau de importância que não permitisse aos seus destinatários ignorá-la, a verdade é que tal conclusão afigura-se-nos contraditória com os próprios factos invocados na acusação e julgados provados.
Note-se que a correspondência que foi assinalada como registada, efetivamente, foi por esta forma expedida e a que foi assinalada como correio normal, também foi expedida como correio normal. Não se compreende, pois, que benefício retiraria o arguido de assinalar como registada correspondência que, na realidade, já foi remetida como carta registada, pois que, da mesma, só por si, já resultava a relevância que alegadamente o arguido lhe pretendeu conferir e como normal, correio normal, que não dispõe da relevância que o Ministério Público entende que o arguido lhe quis, artificialmente, atribuir.
Ou seja, no que concerne aos carimbos a que se referem os pontos 12, 27, 29, 31, 33, 35, 37 e 39 da factualidade provada, resulta da prova produzida que tal correio foi assinalado pelo arguido como tratando-se de correio normal, pelo que falece, nestes casos a invocada intenção de obrigar os destinatários a prestarem suplementar atenção a correspondência.
Acresce que a relevância do correio registado, objetivamente considerada, é permitir ao remetente obter um documento comprovativo de que as cartas foram remetidas e não, como se conjetura na acusação, fazer com que os destinatários as não possam ignorar.
Como se compreenderá, para um destinatário normal, a natureza, registada, ou não, do correio recebido não acrescenta nem retira relevância às missivas, também não alterando o seu potencial de serem ignoradas.
Por conseguinte, não resulta das regras da experiência comum – e o arguido nada admitiu quanto ao elemento subjetivo – que alguém, de diligência média, atue da forma descrita na acusação, com vista a obrigar os destinatários da comunicação a darem-lhe atenção.
Já no que respeita aos pretensos avisos para levantamento de correspondência, descritos nos pontos 15 e 23 da factualidade provada, afigura-se-nos que a intenção do arguido, ao colocar tais supostos avisos nas caixas de correio dos demandantes era, efetivamente, levá-los a dirigirem-se à estação de correios com vista a levantarem o correio registado que lhes enviou.
Contudo, atento o texto constante dos referidos documentos, a sua forma de apresentação e as diferenças que os mesmos apresentam relativamente aos avisos enviados pelos CTT, tais documentos, não reúnem, em nosso entender, quaisquer requisitos ou elementos de confundibilidade com os verdadeiros, sendo manifestamente impróprios para enganar o cidadão comum.
Aliás, como é óbvio, a apresentação de um documento com aquela configuração num balcão dos CTT sempre levaria – como sucedeu no caso dos autos – a que o funcionário dos CTT avisasse o destinatário que aquele documento não foi emitido pelos correios, pelo que a situação de engano pretendida pelo arguido sempre se dissiparia nesse mesmo instante.
No caso concreto, ouvidas em audiência de julgamento as destinatárias de tais comunicações, também não ficámos convencidas que estas após terem recebido tais missivas tenham ficado convencidas de que se tratasse de um aviso enviado pelos CTT.
Ou seja, entendemos que os referidos documentos não têm a capacidade de induzir em erro sobre a genuinidade dos mesmos, sendo ainda inadequados a provocar um estado de engano em terceiros suscetível de, apresentando o referido documento numa estação dos CTT, proceder ao levantamento de correspondência registada.
Julgou-se não provada a matéria ínsita no pedido de indemnização civil por se considerar que a aposição dos carimbos em causa não tem, de acordo com regras de normalidade, como causa lógica e natural, provocar os estados de ansiedade; desespero; dificuldades em dormir e em trabalhar, descritos pelos demandantes.
Não se ignora que subjacente aos factos existe um longo conflito entre o arguido e os demandantes, sentindo-se estes assediados pelas insistentes interpelações do arguido.
Contudo, independentemente da questão de se saber se tais conflitos são, ou não, imputáveis ao arguido e se a sua atuação justifica o estado de exasperação que foi notório no espírito dos demandantes, a verdade é o que está em causa nos presentes autos não é a prática de crimes de perseguição ou a descrição de condutas suscetíveis de serem consideradas assédio moral.
O que se julga, neste ponto, é se aposição por parte do arguido dos carimbos descritos na acusação, qualificando o correio como registado como registado e o normal como normal, é adequada a provocar um estado de angústia e desespero causador de insónias e outras perturbações relevantes na vida dos demandantes.
Ora, salvo o devido respeito e sempre com a ressalva da exasperação anterior que é manifesto que é sentida pelos demandantes, consideramos que os factos provados, por si só, não são adequados a provocar o estado de espírito descrito na factualidade provada.
Idêntico raciocínio nos merece a circunstância de o arguido ter colocado na caixa de correio das demandantes CC e II pretensos avisos para levantamento do correio que não foram emitidos pelos CTT. Tal conduta, por si só, por inócua, de acordo com juízos de normalidade, não se nos afigura adequada à produção de danos morais relevantes.
Por conseguinte, julgaram-se não provados os factos descritos no pedido de indemnização civil.
No que respeita aos factos referentes às condições sociais e económicas do arguido, a convicção do tribunal foi formada com base nas declarações prestadas pelo próprio que, nesta parte, nos pareceram credíveis e não foram contrariadas por qualquer outro meio de prova.
A convicção do tribunal no que concerne aos seus antecedentes criminais assentou no Certificado do Registo Criminal junto aos autos.
Fundamentos do recurso: Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso (cf. art.º 412.º e 417.º do Cód. Proc. Penal e, entre outros, Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção).
Questões a decidir no presente recurso:
1) se a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 379.º, n.º 1, al. a), e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal;
2) se a decisão recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal;
3) se a decisão recorrida padece do vício da contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal;
4) se na decisão recorrida foi efetuada errada apreciação jurídica dos factos dados como provados, com errada interpretação e aplicação da norma decorrente do artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal.
Vejamos.
Para fundamentar o seu recurso alega o Ministério Público recorrente que o acórdão recorrido padece de nulidade por falta de fundamentação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 379.º, n.º 1, al. a), e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, com incidência para o decidido sob os pontos 14 a 16 e 18 dos factos dados como não provados. Invoca, para o efeito, que no acórdão recorrido, após terem sido dados como provados, além do mais, os factos vertidos nos pontos 15. a 26., 41. e 42. (nos quais se descrevem as ações do arguido relacionadas com a utilização de dois documentos falsos, nos quais apôs carimbos falsos, sabendo de tal falsidade), o Tribunal a quo vem a dar como não provados os factos que fez verter sob os pontos 14 a 16 e 18 da matéria de facto não provada. Contudo, não se alcança da decisão recorrida o fundamento para considerar como não provados os factos atinentes à intenção e ao conhecimento que o mesmo tinha do carácter ilícito da sua conduta. Conclui dizendo que o acórdão recorrido é totalmente omisso em termos de fundamentação da decisão de dar tais factos como não provados, o que é impeditivo de, com acerto, se impugnar a decisão que nesse âmbito foi tomada acerca de tal matéria de facto, nomeadamente de, com precisão, contrapor à decisão do Tribunal a quo elementos probatórios concretos, de sentido contrário ou diverso aos convocados pelo Tribunal a quo e que impusessem decisão diversa.
Dispõe o artigo 374.º, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Requisitos da Sentença”, no seu n.º 2, que: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Mais dispõe o artigo 379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, que: “É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou (…);”
Sem dúvida que, de acordo com o referido nos normativos legais acima citados, a falta de fundamentação determina a nulidade da sentença, porquanto a enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal consubstanciam elementos obrigatórios da fundamentação de uma sentença penal tal como determina o artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.01.2018, segundo o qual: «I - A necessidade de fundamentação da sentença condenatória, nos termos dos artigos 374.º e 375.º do CPP, que concretizam requisitos específicos relativamente ao regime geral estabelecido no artigo 97.º, n.º 5, do CPP, decorre diretamente do art.º 205.º, n.º 1, da CRP. A fundamentação das decisões dos tribunais, constituindo um princípio de boa administração da justiça num Estado de Direito, representa um dos aspetos do direito a um processo equitativo protegido pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos. II - O dever de fundamentação satisfaz-se com a exposição concisa, mas, tanto quanto possível, completa dos motivos de facto que fundamentam a convicção do tribunal, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar tal convicção, não sendo exigível uma indicação das provas que, com especificada referência a cada um dos factos, justificam que cada um deles seja considerado provado ou não provado. III - A falta de fundamentação implica a inexistência dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e só a falta absoluta de fundamentação determina a sua nulidade.»
Por outras palavras, mas exatamente no mesmo sentido, refere o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.05.2019 (disponível em www.dgsi.pt), que é pela fundamentação que a decisão se revela um ato não arbitrário, a concretização da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional. É por ela que as partes ficam a saber da razão ou razões do decaimento nas suas pretensões, designadamente para ajuizarem da viabilidade da utilização dos meios de impugnação legalmente admitidos.
Não surpreende, pois, que a falta de fundamentação da decisão, quando ela é devida, gere a sua nulidade.
Esta análise, que se impõe que o julgador verta na sua decisão, permite aos destinatários da mesma acompanhar o processo lógico-valorativo da formação da convicção do Tribunal, verificar da legalidade da decisão de facto face às regras de apreciação da prova – como o princípio in dubio pro reo, as regras da experiência comum, as proibições de prova, o valor da prova pericial, o grau de convicção exigível e a presunção de inocência –, bem como da decisão de direito e, pretendendo, impugná-las, possibilitando ainda ao Tribunal de recurso uma mais clara e efetiva reponderação da decisão da 1.ª Instância.
Posto isto, vejamos, pois, o caso concreto.
No caso em apreço, e no que agora importa, verificamos que o Tribunal a quo, após ter considerado como provados, além do mais, os factos vertidos nos pontos 15. a 26., 41. e 42. (nos quais se descrevem as ações do arguido relacionadas com a utilização de dois documentos, nos quais apôs carimbos falsos, sabendo de tal falsidade), considera como não provados os factos vertidos sob os pontos 14. a 16. e 18. da matéria de facto não provada (factos esses correspondentes a factos articulados na acusação sob os pontos 41., 42., 43. e 45.).
Foi, assim, considerado como não provado, além do mais, que: “14. Com a conduta descrita no ponto 41, o arguido visou criar a convicção nos destinatários, que a mesma, com a respetiva informação ali descrita, era remetida pelos próprios CTT ..., fazendo assim com que as mesmas procedessem ao efetivo levantamento da referida correspondência que lhes havia enviado (…); 15. Com a conduta descrita no ponto 42 dos factos provados o arguido visou criar a convicção nos destinatários, que a correspondência em causa havia sido carimbada pelos CTT ... (…); 16. O arguido AA agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, no intuito de fazer com que os referidos moradores do Edifício ... procedessem ao levantamento da correspondência por si remetida, bem como recebessem as referidas cartas onde o mesmo dava conta das diligências levadas a cabo contra a sociedade Administradora de Condomínio, não podendo os mesmos invocar desconhecimento, para, posteriormente, agir judicialmente contra os respetivos condóminos. (…) 18. O arguido AA sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei”.
A este propósito, o Tribunal a quo refere na sua motivação da decisão de facto que: “Já no que respeita aos pretensos avisos para levantamento de correspondência, descritos nos pontos 15 e 23 da factualidade provada, afigura-se-nos que a intenção do arguido, ao colocar tais supostos avisos nas caixas de correio dos demandantes era, efetivamente, levá-los a dirigirem-se à estação de correios com vista a levantarem o correio registado que lhes enviou. Contudo, atento o texto constante dos referidos documentos, a sua forma de apresentação e as diferenças que os mesmos apresentam relativamente aos avisos enviados pelos CTT, tais documentos, não reúnem, em nosso entender, quaisquer requisitos ou elementos de confundibilidade com os verdadeiros, sendo manifestamente impróprios para enganar o cidadão comum. Aliás, como é óbvio, a apresentação de um documento com aquela configuração num balcão dos CTT sempre levaria – como sucedeu no caso dos autos – a que o funcionário dos CTT avisasse o destinatário que aquele documento não foi emitido pelos correios, pelo que a situação de engano pretendida pelo arguido sempre se dissiparia nesse mesmo instante. No caso concreto, ouvidas em audiência de julgamento as destinatárias de tais comunicações, também não ficámos convencidas que estas após terem recebido tais missivas tenham ficado convencidas de que se tratasse de um aviso enviado pelos CTT. (…)”. Ou seja, entendemos que os referidos documentos não têm a capacidade de induzir em erro sobre a genuinidade dos mesmos, sendo ainda inadequados a provocar um estado de engano em terceiros suscetível de, apresentando o referido documento numa estação dos CTT, proceder ao levantamento de correspondência registada. (…)”.
Conjugando os factos elencados, e acima transcritos, como não provados e a motivação da decisão de facto no que concerne ao elemento subjetivo, também acima transcrita, não se alcança da decisão recorrida o fundamento para o Tribunal a quo ter considerado como não provados os referidos factos atinentes à intenção e ao conhecimento que o arguido tinha do carácter ilícito da sua conduta (aliás, e como analisaremos adiante, verifica-se existir uma contradição entre a decisão e a fundamentação).
Impunha-se, face ao disposto no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal que o Tribunal a quo fundamentasse a decisão acerca da não prova dos referidos factos – expondo, ainda que de forma sucinta, os motivos que fundamentam essa decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, pois apenas desse modo permitiria aos destinatários da mesma acompanhar o processo lógico-valorativo da formação da convicção do Tribunal e a verificação da legalidade da decisão de facto face às regras de apreciação da prova
Não tendo o Tribunal a quo explicado as razões que o levaram a não considerar demonstrada a intenção do autor do ilícito, como efetivamente não fez, incorreu o Tribunal a quo no vício de nulidade invocado pelo recorrente e previsto no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, por referência à falta de observância do artigo 374.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, e que se impõe declarar.
Para fundamentar o seu recurso o recorrente invoca, também, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, alegando que o Tribunal a quo para concluir pela não punibilidade das condutas descritas sob os pontos 15. a 20., 23. a 26., 41. e 42. dos factos provados, enquadrando-as na tentativa impossível (art.º 23.º, n.º 3, do Código Penal) envereda por considerações e afirmações de facto – tanto na parte do acórdão atinente à fundamentação da decisão da matéria de facto, como na apreciação jurídica dos factos provados – que não fez verter no enunciado dos factos provados.
Como decorre do disposto no artigo 428.º do Código de Processo Penal, as Relações, em sede de recurso, conhecem de facto e de Direito.
A impugnação da decisão da matéria de facto pode processar-se por uma de duas vias: através da arguição de vício de texto previsto no art.º 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, dispositivo que consagra um sistema de reexame da matéria de facto por via do que se tem designado de revista alargada, ou através do recurso amplo ou efetivo em matéria de facto, previsto no art.º 412.º, nºs 3, 4 e 6 do Código de Processo Penal.
No primeiro caso, a discordância traduz-se na invocação de um vício da sentença ou acórdão, o que é, aliás, de conhecimento oficioso; no segundo, o recorrente que aponte erros de julgamento terá de socorrer-se de provas examinadas em audiência, que deverá então especificar, cumprindo os ónus de impugnação previstos no art.º 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
As duas vias de impugnação da decisão de facto distinguem-se, ainda, porque a ocorrência de qualquer dos apontados vícios da sentença previstos no art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, terá que resultar do texto da decisão proferida e haverá de impor-se como evidente, ou seja, da mera leitura da decisão que se aprecia, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, donde facilmente se extraia que o Tribunal efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos ou arbitrários. Diversamente, a impugnação da matéria de facto prevista no art.º 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, consiste na apreciação, tal como sustentou o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 01.04.2019, proferido no âmbito do processo n.º 360/08-1.ª, disponível em www.dgsi.pt), “que não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art.º 412º do C.P. Penal. A ausência de imediação determina que o Tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem [al. b) do n.º 3 do citado artigo 412.º]”.
Traçados os contornos do quadro dogmático dos diversos vícios que poderão compor o objeto de recurso, cabe apreciar os vícios reportados no art.º 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal.
Nos termos do artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, o recurso interposto sobre a matéria de facto de uma sentença proferida em processo-crime pode ter um de três fundamentos: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e/ou quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada. Tal como é referido no Acórdão do S.T.J. de 06.10.2011, no âmbito do proc. 88/09.9PESNT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, «A insuficiência da matéria de facto para a decisão (art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP), implica a falta de factos provados que autorizam a ilação jurídica tirada; é uma lacuna de factos que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo com a decisão, mas não se confunde com a eventual falta de provas para que se pudessem dar por provados os factos que se consideraram provados».
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. O que ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o Tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Vejamos, pois, se a decisão recorrida padece do apontado vício da “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, concretamente se o Tribunal a quo para concluir pela não punibilidade das condutas descritas sob os pontos 15. a 20., 23. a 26., 41. e 42. dos factos provados, enquadrando-as na tentativa impossível (art.º 23.º, n.º 3, do Código Penal) envereda, como alega o recorrente, por considerações e afirmações de facto – tanto na parte do acórdão atinente à fundamentação da decisão da matéria de facto, como na apreciação jurídica dos factos provados – que não fez verter no enunciado dos factos provados.
A este propósito consta da motivação da decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo que “(…) atento o texto constante dos referidos documentos, a sua forma de apresentação e as diferenças que os mesmos apresentam relativamente aos avisos enviados pelos CTT, tais documentos, não reúnem, em nosso entender, quaisquer requisitos ou elementos de confundibilidade com os verdadeiros, sendo manifestamente impróprios para enganar o cidadão comum. Aliás, como é óbvio, a apresentação de um documento com aquela configuração num balcão dos CTT sempre levaria – como sucedeu no caso dos autos – a que o funcionário dos CTT avisasse o destinatário que aquele documento não foi emitido pelos correios, pelo que a situação de engano pretendida pelo arguido sempre se dissiparia nesse mesmo instante”
Ainda a este propósito consta na fundamentação jurídica do acórdão recorrido que: “Quanto a este primeiro conjunto de factos [15., 16., 17., 18., 23., 24., 25. e 26. Dos factos provados], que sustenta a acusação do arguido pela prática de dois crimes de falsificação de documento – e assenta na elaboração e colocação na caixa do correio das cartas transcritas nos autos, com a finalidade de apelar ao levantamento da correspondência registada previamente remetida pelo arguido – haverá que dizer o seguinte: Tal como se constata pela mera observação dos documentos em causa, estes não têm nenhuma semelhança – nem pretendem ter – com os verdadeiros avisos de receção utlizados pelos CTT. Os avisos de receção deixados pelos CTT têm um formato e conteúdo, totalmente diverso daqueles que foram deixados nas caixas de correio de CC e de II, sendo que tais formato e conteúdo que são do conhecimento da generalidade dos cidadãos e são seguramente do conhecimento destas demandantes a quem o arguido já havia enviado várias cartas registadas (conforme foi afirmado pelas próprias). Por conseguinte, as missivas que o arguido colocou, diretamente ou por intermédio de outrem, na caixa de correio das denunciantes, é de tal modo diferente dos avisos de receção utilizados pelos CTT, que são absolutamente insuscetíveis de provocar engano quanto à sua presumível autenticidade. Ora, tal como refere Helena Moniz, obra citada, pg. 686, “A tentativa do crime de falsificação “deverá trazer ao documento uma aparência de verdade” (MARQUES BORGES, Dos Crimes de Falsificação de Documentos, Moeda, Pesos e Medidas 1984 42) sob pena de estarmos perante casos de tentativa impossível. Dentro da tentativa impossível integra-se não só a falsificação grosseira (que é facilmente e imediatamente reconhecida), mas também a falsificação inócua (que abrange toda a falsificação que não é apta a provocar um perigo de lesão na segurança e credibilidade do tráfico jurídico-probatório). Ou seja, verifica-se uma situação de tentativa impossível sempre que o resultado final obtido pelo agente – independentemente da sua intenção - seja de tal forma distinto do documento original que, pela sua insusceptibilidade de induzir erro ou provocar engano, o documento produzido nem tão pouco chega a colocar em perigo o bem jurídico protegido. No caso dos autos é forçoso considerar que, por se tratar de uma falsificação grosseira, a conduta praticada pelo arguido deverá inserir-se no conceito de tentativa impossível. Por seu turno, dispõe o artigo 23.º, n.º 3 do Código Penal, que “A tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objeto essencial à consumação do crime”. Assim, por força da aplicação da supra referida norma, a conduta praticada pelo arguido – embora abstratamente subsumível ao disposto no artigo 256.º, n.º1, não é punível, motivo pelo qual deverá o arguido ser absolvido pela prática de dois crimes de falsificação de documento, de que vinha acusado. (…)”
Ora, como bem refere o Ministério Público recorrente, fazendo aquelas afirmações de facto, para fundamentar a decisão jurídica a que chegou, deveria o Tribunal a quo ter vertido a factualidade que a sustenta e que é por si afirmada na matéria de facto dada como provada – devendo, além disso, fundamentar a decisão quanto à verificação de tais factos.
Concluindo do mesmo modo que o recorrente, caberia verter na factualidade dada como provada:
- a concreta configuração dos documentos em causa (para além da que já se mostra descrita nos pontos 15., 16. e 23. e 24.) que os tornaria insuscetíveis de ver a sua origem atribuída aos CTT;
- o que “sucedeu no caso dos autos” (sic) – ou seja, em que circunstâncias o funcionário dos CTT avisou os destinatários que aqueles documentos não foram emitidos pelos correios;
- que as missivas em causa são absolutamente insuscetíveis de provocar engano quanto à sua presumível autenticidade.
A que acresce a necessidade, por imperativo legal, de fundamentar a decisão sobre tal factualidade.
É assim manifesto que no acórdão recorrido o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de direito em conclusões fácticas que omitiu enunciar entre os factos provados, omitindo igualmente as razões que o conduziram a tais conclusões de factos.
Tal omissão impede uma eventual impugnação de tal factualidade nos termos do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, o que é notório, desde logo, pelo facto de o Tribunal a quo afirmar que os referidos documentos em causa (pontos 15. e 23 dos factos provados) são insuscetíveis de serem tidos, pela generalidade das pessoas bem como pelas concretas destinatárias dos que estão em causa nos autos, como emitidos pelos CTT, e simultaneamente também afirmar que no presente caso foi o funcionário dos CTT que avisou as destinatárias que aquele documento não havia sido emitido pelos correios quando as mesmas se dirigiram ao balcão daqueles serviços na posse de tais documentos.
Ao omitir na decisão recorrida a enunciação dos factos em que fundamentou a sua decisão e a fundamentação relativa à prova de tais factos, o Tribunal a quo deu azo a uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, nomeadamente no que concerne à invocada aplicabilidade da norma decorrente do artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal, vício previsto no artigo 410.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal.
Para fundamentar o seu recurso, invoca, ainda, o recorrente que ocorre contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, vício previsto no artigo 410.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, com incidência para o decidido sob os seguintes pontos da decisão sob recurso:
- o acervo fáctico vertido sob os pontos 16 e 41 da matéria de facto provada, por um lado, e o vertido sob os pontos 14 a 16 da matéria de facto não provada –da acusação, por outro lado;
- o acervo fáctico vertido sob os pontos 24 e 41 da matéria de facto provada, por um lado, e o vertido sob os pontos 14 a 16 da matéria de facto não provada –da acusação, por outro lado;
Tal como acima já deixámos explicitado, a “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Vertendo o que se deixa exposto para o caso concreto em análise verificamos que sob o ponto 16 dos factos provados, ficou assente que o arguido, na correspondência descrita sob o ponto 15, apôs um carimbo com os dizeres “CTT CORREIOS CORREIO REGISTADO”, com logotipo dos CTT e outro com os dizeres “R EM MÃO”, por forma a criar na destinatária daquela correspondência a ideia de que se tratavam de documentos remetidos pelos CTT e, por conseguinte, levá-la a proceder ao levantamento da respetiva correspondência e sob o ponto 24 dos factos provados, ficou assente que o arguido, na correspondência descrita sob o ponto 23, apôs um carimbo com os dizeres “CTT CORREIOS CORREIO REGISTADO”, com logotipo dos CTT e outro com os dizeres “R EM MÃO”, por forma a criar na destinatária daquela correspondência a ideia de que se tratavam de documento remetido pelos CTT.
Não poderemos deixar de concordar com o recorrente quando refere que a expressão ‘por forma a’, dado o contexto, é usada no sentido da intencionalidade das condutas do arguido.
Mais se deu como provado que: “41. O arguido AA sabia que os carimbos por si elaborados, fabricados e apostos na correspondência identificada nos pontos 16) e 20), bem como o seu próprio conteúdo, eram falsos; 42. O arguido AA sabia que os carimbos por si elaborados, fabricados e apostos na correspondência identificada nos pontos 18), 20), 25), 27), 29), 31), 33), 35) e 37), eram falsos”.
Acresce que, na fundamentação da matéria de facto, o Tribunal a quo refere: “Já no que respeita aos pretensos avisos para levantamento de correspondência, descritos nos pontos 15 e 23 da factualidade provada, afigura-se-nos que a intenção do arguido, ao colocar tais supostos avisos nas caixas de correio dos demandantes era, efetivamente, levá-los a dirigirem-se à estação de correios com vista a levantarem o correio registado que lhes enviou”.
No entanto, quanto a tal matéria o Tribunal a quo deu como não provados, da acusação, os seguintes factos: “14. Com a conduta descrita no ponto 41, o arguido visou criar a convicção nos destinatários, que a mesma, com a respetiva informação ali descrita, era remetida pelos próprios CTT ..., fazendo assim com que as mesmas procedessem ao efetivo levantamento da referida correspondência que lhes havia enviado, tudo assim em seu beneficio, por forma dar a conhecer, através de imposição às mesmas, as diligências levadas a cabo contra a sociedade Administradora de Condomínio e posteriormente agir judicialmente contra as referidas destinatárias, não podendo as mesmas invocar desconhecimento, o que quis e conseguiu; 15. Com a conduta descrita no ponto 42 dos factos provados o arguido visou criar a convicção nos destinatários, que a correspondência em causa havia sido carimbada pelos CTT ..., pelo que não a poderiam ignorar, tudo assim em seu beneficio, por forma dar a conhecer, através de imposição aos mesmos, as diligências levadas a cabo contra a sociedade Administradora de Condomínio e posteriormente agir judicialmente contra os seus destinatários, não podendo o mesmo invocar desconhecimento, o que quis e conseguiu. 16. O arguido AA agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, no intuito de fazer com que os referidos moradores do Edifício ... procedessem ao levantamento da correspondência por si remetida, bem como recebessem as referidas cartas onde o mesmo dava conta das diligências levadas a cabo contra a sociedade Administradora de Condomínio, não podendo os mesmos invocar desconhecimento, para, posteriormente, agir judicialmente contra os respetivos condóminos”.
Analisando a matéria fática exposta, é manifesto que o Tribunal a quo, por um lado, dá como provado que o arguido agiu com determinada intenção (pontos 16 e 24 dos factos provados) e que sabia da falsidade da declaração corporizada nos documentos que criou e dos carimbos que nos mesmos apôs – bem como afirma, na fundamentação da matéria de facto, ter formado a sua convicção no sentido de que era essa a intenção do arguido; por outro lado, de forma contraditória com o assim afirmado e sem que se alcance fundamento para tal, vem dar como não provada essa intenção, bem como considera não provado que o arguido tenha agido de forma deliberada, livre e consciente.
Considerando o que se deixa exposto, teremos que concluir, aliás como o faz o recorrente, que o acórdão recorrido padece do vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, vício previsto no artigo 410.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal.
Nos termos do artigo 426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objeto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.
Ao contrário do alegado pelo recorrente, entendemos que não é possível decidir da causa sendo necessário o reenvio do processo para novo julgamento relativamente às questões concretamente identificadas nesta decisão de reenvio.
Em primeiro lugar, a existência dos identificados vícios de que padece a decisão recorrida suscita, tal como acima já deixamos exposto, uma série de questões de facto juridicamente relevantes que deveriam ter sido objeto de devido esclarecimento pelo Tribunal a quo no âmbito do poder dever que lhe é incumbido por força dos artigos 124.º, n.º 1 e 340.º, ambos do Código de Processo Penal, podendo até dar azo a factos novos não ponderado pelo Tribunal de primeira instância, o que desaconselha uma apreciação e decisão por esta instância de recurso em substituição daquela.
Em segundo lugar, e concordando totalmente com o expendido no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, datado de 08.05.2024 e proferido no âmbito do processo n.º 441/22.2PDPRT.P1, relatado pelo Juiz Desembargador Pedro Afonso Lucas, aqui adjunto, “…, julga–se que também neste âmbito da constatação recursória dos vícios decisórios previstos no art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal (muito em particular precisamente aqueles das alíneas a) e b)), o exercício do poder do Tribunal da Relação de sanar o vício em causa por via designadamente do permitido no aludido art. 431º do Cód. de Processo Penal, impõe um prévio juízo de cautela processual, por forma a evitar uma situação de supressão de um grau de jurisdição, e o desrespeito do princípio do contraditório e do direito de defesa quanto à questão concreta em equação no caso – em termos similares aos reportados à sanação de nulidades da sentença nos termos do art. 379º/2 do Cód. de Processo Penal, pois que materialmente os pressupostos de qualquer das invalidades é similar. Ora, é no contexto de tal exercício cautelar processual que se entende que, no caso, em face do teor da própria decisão, ainda que fosse suprida a contradição assinalada – rectius, principalmente em face dessa sanação –, a matéria de facto impõe desenvolvimentos complementadores que podem eventualmente determinar um juízo lógico-subsuntivo diverso do vertido na decisão. Lendo a decisão recorrida, fica em aberto a existência de factos relevantes para a decisão que, podendo (e devendo) ter sido averiguados, não o foram devidamente. Como tal não aconteceu, não obstante se afigurar constarem dos autos e poderem ser adequadamente determinados meios de prova que permitem antever essa possibilidade, está criada uma lacuna na fundamentação de facto que consta da decisão recorrida, que torna esta insuficiente para que se tenha por seguro o acerto da decisão de direito proferida. Concluindo, no caso e nesta parte em concreto, não se mostra viável a apreciação e decisão por parte desta instância, da matéria de facto relevante por forma a sanar os apontados vícios. (…). Pelo exposto, e porque o acórdão recorrido padece nesta parte em concreto dos acima mencionados vícios, é de concluir, nos termos do art. 426º/1 do Código de Processo Penal, que deve o processo ser reenviado para novo julgamento parcial. (…)”.
Em face do que ficou exposto, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pelo recorrente
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, declaram a nulidade do acórdão recorrido, e determinam, ao abrigo do disposto no art.º 426.º, do Código de Processo Penal, o reenvio parcial dos autos à 1.ª Instância, para suprimento dos aludidos vícios, nos termos explicitados neste acórdão, sem prejuízo de reabertura da audiência para esse efeito, sendo que o novo julgamento terá lugar nos termos do disposto no artigo 426.º–A do Código de Processo Penal.
Sem custas.
Porto, 10 de julho de 2024
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)
Paula Natércia Rocha
Pedro Afonso Lucas
José Quaresma