EMBARGOS DE TERCEIRO
EMBARCAÇÃO
PESCA
REGISTO
PENHORA
Sumário

(artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):
I. Em matéria de registo de embarcações de pesca comercial, o CRegisto Predial tem natureza supletiva: na falta de regulamentação do Decreto-Lei n.º 73/2020 importa recorrer ao disposto no CRegisto Predial.
II. A entidade competente para o registo de embarcações de pesca é também a competente para o registo da respetiva penhora, bem como para o registo da caducidade da mesma. 
III. A penhora é inscrita como provisória por natureza quando o bem penhorado estiver registado a favor de pessoa diversa do executado. 
IV. Naquele caso o terceiro, não executado, deve ser citado para declarar se o bem penhorado lhe pertence e caso o declare o juiz deve remeter as partes para os meios processuais comuns, enviando certidão do facto para registo.
V. A ação declarativa correspondente deve ser proposta pelo interessado e registada no prazo de 30 dias a contar daquela declaração do terceiro, sob pena de caducidade do registo provisório da penhora, sendo que a instauração da ação declarativa prorroga o prazo de caducidade do registo da penhora até caducar ou ser cancelado o registo da ação.
VI. No âmbito dos referidos meios processuais comuns cabem os embargos de terceiros deduzidos por pessoa diversa do executado, a favor de quem está registada a titularidade do bem penhorado e, designadamente, quando que no âmbito de tais embargos a titularidade da coisa penhorada tenha de ser discutida em termos definitivos, conforme artigo 349.º do CPCivil. 

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
RELATÓRIO.
Em 10.10.2019 a Exequente BARRETO E FILHOS, LDA., veio instaurar execução para pagamento de quantia certa contra o Executado “A”, fundando-se para tal em sentença condenatória de 19.07.2019, entretanto transitada em julgado, proferida no processo n.º (…)/17.1TNLSB, sentença essa que na sua parte dispositiva condenou o aqui Executado a pagar à ora Exequente a quantia de €49.725,60, acrescida de juros de mora, à taxa legal para juros comerciais, desde 14.12.2016 até integral pagamento.
Na sequência de requerimento da Exequente, em 13.02.2020 procedeu-se à penhora da embarcação denominada “PM”, com a matrícula (…)39-L, registada na Capitania do Funchal, desde 27.03.2017, a favor de “B”.
Em 22.07.2020 a Senhora Agente de Execução expediu carta de citação de “B” “[n]os termos e para os efeitos do disposto no artigo 342º e ss. do Código do Processo (CPC) (…) para, no prazo de trinta dias, declarar se a embarcação (…)39-L lhe pertence”, com a indicação de “se o citado declarar que o(s) bem(s) lhe pertence(m) e que a penhora ofende a sua posse e/ou direito incompatível com a mesma, pode o citando deduzir embargos de terceiro».
Em 15.10.2020, “B” deduziu embargos de terceiro.
Naqueles autos alegou, em suma, que
«a id. Embarcação» é «propriedade do Embargante», «sendo ele quem usa, utiliza, frui e dispõe do modo que entende a referida embarcação, designadamente utilizando-a para a sua actividade profissional – já que é pescador de profissão, e bem assim das respectivas licenças, também imprescindíveis ao exercício daquelas»,
Termos em que concluiu pedindo que
Seja ordenado “o levantamento da penhora das licenças piscatórias relativas à embarcação «PM», matrícula (…)39 – L, com base nos fundamentos acima expostos”.
Notificados a Exequente e o Executado para contestar os embargos de terceiro, a Exequente veio apresentar contestação.
 Além do mais, a Exequente/Embargada alegou que:
«A embarcação “PM” pertence ao» Executado «e foi por este adquirida», «[p]ese embora esteja em nome do» Embargante, sendo que é o Executado «[q]uem usa, utiliza e usufrui da embarcação para a sua atividade, como seu dono e legítimo proprietário»,  
Nestes termos, além do mais, a Exequente/Embargada pediu que:
Seja «julgada procedente por provada a (…) a contestação, devendo ser:
- declaradas ineficazes as transmissões dos bens acima referidos - imóvel descrito sob (…) - A da freguesia de … – Funchal e da embarcação PM, mormente, da embarcação ao embargante pelo anterior proprietário, reconhecendo-se que o verdadeiro proprietário [é] o executado e, em consequência ser cancelado na Capitania do Funchal o registo propriedade a favor do embargante quanto à embarcação “PM”, substituindo-o por outro que atribua a propriedade ao executado para dar continuidade às diligências subsequente à penhora de tal embarcação na medida do interesse do crédito da exequente e até onde for necessário para satisfazer tal crédito».    
Entretanto,
1.
Em 18.12.2020 a Exequente informou que intentou contra “B” e o Executado uma «ação pauliana», na qual está em causa tal embarcação, ação essa a que foi atribuído o n.º (…)/20.4T8FNC.
2.
Em 25.10.2021 o Juízo de Execução do Funchal ordenou «o cancelamento da penhora que incide sobre a embarcação “PM”, (…)39-L e respetivos documentos».
3.
O Exequente recorreu daquela decisão para este Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 28.04.2022, no que ora releva, consignou que:
Em função do disposto no artigo 119.º, n.º 4, do CRegisto Predial «se o terceiro declarar que o bem lhe pertence, o exequente poderá instaurar acção declarativa contra o executado e o terceiro para, no confronto com estes, discutir a questão do domínio. Neste caso, o registo da ação declarativa na vigência do registo provisório é anotado neste e prorroga o respetivo prazo até caducar ou ser cancelado o registo da ação (artigo 119.º, 5 CRP). E ficam suspensos os efeitos da penhora até que o respetivo registo caduque ou, inversamente, venha a ser convertido em definitivo.
De nada servirá, porém, ao exequente instaurar acção pauliana, porquanto através desta nunca se poderá obter o registo definitivo da penhora pois no registo permanecerá sempre como proprietária pessoa diversa do executado. Note-se que a pauliana não é uma acção real, não implica a nulidade do acto impugnado, só permitindo que o credor satisfaça o seu crédito excutindo o património de terceiro.
Aquela ação declarativa destina-se ilidir a presunção de propriedade decorrente do registo, de que o prédio pertence ao titular inscrito (cfr. artigo 7.º do CRP), por forma a permitir que, sem violação do princípio do trato sucessivo, a inscrição possa ser convertida em definitiva.
Deverá, pois, ser intentada pelo exequente se quiser levar a bom termo a venda do bem penhorado na execução.
Neste ponto tem razão o tribunal recorrido. Todavia, já não tem razão quando defende que a acção declarativa deveria ter sido instaurada antes da penhora e não depois, retirando daí a consequência da ilegalidade aquele acto, pelas razões que foram (…) acima explicitadas.
***
Pelo exposto, acordamos em julgar procedente a apelação e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida, que se substitui por outra que mantem as penhoras efetuadas».
(Apenso C, sendo que o negrito é da autoria dos aqui subscritores). 

4.
Em 26.01.2023 o Juízo de Execução do Funchal proferiu despacho com o seguinte teor:
«Notifique a secção a entidade oficial que procedeu ao registo da penhora da embarcação (…)39-L, denominada de “PM”, à ordem destes autos de execução de 5173/19.6T8FNC, que o executado nos presentes autos é “A”, não se encontrando tal embarcação registada em nome desse executado. Deverá, pois, tal entidade vir, no prazo de dez dias, se assim o entender, corrigir o ato ou esclarecer por que razão procedeu ao registo definitivo da penhora, em vez de proceder ao registo provisório por dúvidas. Se à data, não sabia qual o nome do executado, deveria ter solicitado ao agente de execução a identidade do executado. Na verdade, não se pode olvidar o disposto no artigo 92.º, n.º 2, alínea a), do Código do Registo Predial, estando a entidade competente para o registo vinculada à lei e a obedecer a tal preceito».
(Negrito é da autoria dos aqui subscritores). 
5.
Com data de 31.05.2023, relativamente à penhorada embarcação (…)39-L, a Capitania do Porto do Funchal juntou documento com registo atualizado, com os seguintes «averbamentos» registados a partir de 27.03.2017, inclusive,
«- Em 27 de março de 2017 passou a pertencer a “B” (…) e alterou a denominação para “PM”.
- Em 13 de fevereiro de 2020 averbada penhora, conforme notificação da Agente de Execução, processo 5173/19.6T8FNC, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Funchal - Juízo de Execução – Juiz (…).
- Em 17 de agosto de 2022. Ao abrigo do disposto no Decreto-Lei 13/2020, de 23 de setembro, alterado o CI PTFNC – (…)13-L, denominada PM.
- Em 18 de fevereiro de 2023 – Por ter sido, indevidamente, lavrado o averbamento datado de 13 de fevereiro do ano de 2020, no qual foi inscrita a penhora desta embarcação à ordem do Processo 5173/19.6T8FNC, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira – Juízo de Execução do Funchal, Juiz (…), procede-se, nos termos dos artigos 125.º do Código do Registo Predial na alínea a) do n.º 1 e 121.º, n.º 1, à retificação do auto de registo no sentido de cancelar aquele averbamento.
- Em 16 de março de 2023 – Procedeu-se ao cancelamento da inscrição datada de 18 de fevereiro de 2023, mantendo-se a inscrição da penhora efetuada, a 13 de fevereiro de 2020, à ordem do Processo 5173/19.6T8FNC, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira (Funchal - Juízo de Execução - Juiz (…)) válida, sendo provisória nos termos do art.º 92º, nº 2, alínea a), do Código do Registo Predial».
(Negrito da autoria dos aqui subscritores).  
6.
Em 10.07.2023 o Juízo de Execução do Funchal proferiu o seguinte despacho:
«Nos presentes autos foi levado a cabo penhora da embarcação “PM”, (…)39-L. Todavia, consta no registo como pertencendo a terceiro não executado nos autos. Uma vez citado esse terceiro, veio o mesmo arvorar-se proprietário do bem. Assim, nos termos do disposto no artigo 119.º, n.º 4, do Código do Registo Predial, remete-se os interessados para os meios processuais comuns quanto à dominalidade do bem».
(Negrito da autoria dos aqui subscritores).
7.
Na sequência de despacho judicial de 21.09.2023, a Capitania do Porto do Funchal juntou em 02.10.2023 uma nova certidão quanto à apontada embarcação penhorada (…)39-L, cuja última inscrição datava de 16.03.2023.
8.
Notificada daquela certidão, em 19.10.2023 a Exequente veio alegar que:
«(…) face à manutenção da penhora da embarcação realizada a 13-02-2020, à ordem dos presentes autos, conforme averbamento de 16-03-2023 e, por regularizado o registo de tal penhora, nada há a requerer pela aqui exequente».
9.
Em 25.01.2024 o Juízo de Execução do Funchal ordenou a notificação dos Exequente, Executado e Embargante de terceiro «para, querendo, virem, no prazo de cinco dias, se pronunciar sobre a caducidade do registo de penhora e possibilidade de proceder à venda executiva da embarcação (…)39-L» (Apenso B).
10.
A Exequente e o Embargante pronunciaram-se quanto a tal matéria.
11.
Em 07.02.2024 a Senhora Agente de Execução pediu à Capitania do Porto do Funchal:
«A conversão do registo de penhora lavrado em 16-03-2023 sobre a embarcação “PM” – (…)39 – L como provisória nos termos do artigo 92º/nº 2 – a) do CRP, em registo definitivo (…)».
12.
Em 08.02.2024, relativamente à penhorada embarcação (…)39-L, a Capitania do Porto do Funchal juntou documento com registo atualizado, com o seguinte «averbamento» registado após 16.03.2023:
«Aos 07 dias do mês de fevereiro de 2024 procedeu-se à inscrição da conversão da penhora inscrita provisoriamente, a 13 de fevereiro de 2020, à ordem do processo 5173/19.6T8FNC, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira - Funchal - Juízo de Execução - Juiz (…), em definitiva, conforme documentos inclusos no processo da embarcação».
(Negrito é da autoria dos aqui subscritores). 
13.
Em 25.02.2024 o Juízo de Execução do Funchal proferiu decisão do seguinte teor, na parte que aqui releva:
“(…)
Face ao exposto, mostra-se caducado o registo provisório da penhora nos termos do disposto no artigo 92.º, n.º 5, do Código do Registo Predial.
Notifique, inclusive a Capitania do Funchal para proceder em conformidade com o referido regime de caducidade de registos provisórios em obediência ao citado aresto, dando disso conta as partes dos presentes autos — que a seção deverá indicar — e o Tribunal».
(Negrito da autoria dos aqui subscritores).
14.
Na sequência da notificação daquela decisão, em 27.02.2024 a Exequente veio requerer que:
«com a mesma urgência que foi notificada a Capitania – menos de 24h -, seja ordenada nova notificação à Capitania do Porto do Funchal para dar sem efeito tal (…) Despacho datado de 25/02/2024 (…), que comunicou a caducidade do registo, mantendo-se o registo lavrado e em vigor tal como se encontrava até 25/02/2024 (data do Despacho)».
15.
Por sua vez, em 28.02.2024 a Capitania do Porto do Funchal veio pedir que o Tribunal:
Proceda a «aclaramento, uma vez que a inscrição foi já convertida em definitiva, conforme cópia atualizada do Auto de registo da embarcação que segue em anexo».
16.
Na mesma data, em 28.02.2024, o Juízo de Execução do Funchal proferiu decisão do seguinte teor:
«(…) oficie a Capitania do Funchal para vir, no prazo de dez dias, esclarecer se a conversão em causa se deveu a lapso ou, na negativa, esclarecer em que se apoiou para converter o registo da penhora de provisório em definitivo, não obstante o citado artigo 92.º, n.º 5, do Código de Registo Predial e aresto».
(Negrito da autoria dos aqui subscritores).
17.
Em 08.03.2024 a Capitania do Porto do Funchal veio
«prestar os seguintes esclarecimentos:
1. A penhora provisória sobre a embarcação foi convertida em definitiva porque a senhora agente de execução (AE) Lígia Carvalho César assim o solicitou em 07 de fevereiro de 2024;
2. Atendendo a que as competências da agente de execução compreendem os atos de penhora e acompanhamento dos autos na fase executiva, a Capitania do Porto do Funchal não estranhou aquele pedido, tendo, por isso, efetuado a inscrição solicitada, até porque este ato (conversão da penhora em definitivo Já foi solicitado no passado noutros processo, não tendo havido problemas no decurso dos mesmos);
3. A Capitania do Porto do Funchal reitera que atento o previsto nos artigos 719.º. 720°, 748.º e 755.º do Código do Processo Civil (CPC), efetuou a conversão do registo em definitivo porque estando os atos da penhora na esfera de ação dos agentes de execução e não tendo informação/conhecimento de elementos que inviabilizassem o pedido, e bem assim o estabelecido nos artigos 719.º e 723.º do CPC, efetuou o registo, no pressuposto que não seria necessária outra formalidade.
4. À data da inscrição da conversão da penhora em definitivo, que ocorreu a 07 de fevereiro de 2024, a Capitania do Porto desconhecia a existência do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, bem como de outros procedimentos em curso.
5. A Capitania do Porto do Funchal efetuou a inscrição em causa partindo do pressuposto que a senhora AE estava legitimada e com fundamentos para o efeito.
6. A Capitania do Porto do Funchal praticou o ato de boa-fé porque a senhora AE o solicitou; pelo que, se o ato foi indevido por a senhora AE não estar legitimada para o efeito, ou por ter atuado contra aquele que é o curso dos autos, a Capitania do Porto efetuará a retificação do registo.
7. Mais se informa V. Exa que a Capitania do Porto passará a comunicar a V. Exa todas as inscrições que efetuar - também aqui partiu do pressuposto que a inscrição efetuada em fevereiro (da conversão em definitivo da penhora) havia sido comunicada pela AE a V. Exa, bem como comunicará todos os pedidos de inscrição que venham a ser solicitados pela senhora AE».
18.
Inconformado com a referida decisão de 25.02.2024, dela recorreu a Exequente, apresentando as seguintes conclusões:
«Da Admissibilidade e objeto do Recurso
1. A exequente vem recorrer dos despachos proferidos a 25-02-2024 (…) e do despacho proferido a 28-02-2024 (…).
4. A nulidade do despacho recorrido implica a nulidade de todos os termos processuais subsequentes que dele provêm e sejam dele dependentes, nomeadamente o Despacho proferido a 28-02-2024 (…), e todos os que se seguirem até à decisão final.
B) Da não verificação do trânsito em julgado do despacho datado de 25-02-2024
5. O despacho recorrido e datado de 25-02-2024 foi notificado à capitania do Funchal a 26-02-2024 (…), sem que o mesmo tivesse transitado em julgado na data da referida notificação, o que configura uma nulidade, a qual foi invocada e não decidida ou apreciada.
6. Foi declarado pela secretaria que o Juiz da causa deu ordem verbal expressa para ser de imediato cumprido o despacho por notificação à entidade competente para o registo - Capitania do Funchal -, mesmo independente da notificação às partes e do prazo de reclamação e/ou recurso ocorrer, traduzindo-se num procedimento anómalo e não negligente, susceptível e adequado a causar um prejuízo sério e irreversível à exequente em violação do princípio do contraditório e negação do direito à Justiça, pela exclusão do direito ao recurso.
7. O Despacho de 25/02/2024 não transitou em julgado, mas foi ordenado verbalmente pelo Juiz o seu cumprimento no dia seguinte à sua prolação, pese embora e arguição de nulidade, com expressa menção de não serem praticados atos subsequentes, tendo à mesma o Juiz praticado atos subsequentes, ignorando a nulidade invocada, pelo que, deve o Despacho de 25-02-2024 (…) e do despacho subsequente proferido a 28-02-2024 (…), ser considerado nulo.
D) Da Omissão de factos essenciais à prolação do despacho recorrido e datado de 25-02-2024 (…) e comprovados nos autos por documentos
8. O despacho datado de 25-02-2024 omitiu factos relevantes na sua fundamentação de facto, os quais, se fossem considerados, nunca levariam a que o registo de penhora da embarcação “PM”, já convertido em definitivo a 07-02-2024, fosse considerado por despacho judicial e, oficiosamente, caduco, depois de ser legal e legitimamente convertido em definitivo a 07-02-2024.
9. Porquanto, a 08-02-2024 (…), a Capitania do Funchal que é a entidade competente para lavrar registos nas embarcações, informou os presentes autos da conversão do registo provisório de penhora em definitivo ocorrida a 07-02-2024.
10. É falso e não correspondente à verdade o que consta do despacho datado de 28-02-2024 (…) no segmento:
- “Somente na data de hoje (leia-se a 28/02/2024) a Capitania é que oficiou o tribunal desta inscrição”;
11. Para o efeito, foi junto pela capitania do Funchal a 08-02-2024 com o mesmo ofício (…), o registo atualizado da embarcação de pesca onde consta do registo o averbamento da conversão do registo de penhora em registo definitivo, conforme documentalmente comprovado nos autos desde o dia 08-02-2024, produzindo os seus efeitos desde tal data - facto esse assente e provado por documento não consta do Despacho recorrido, pelo que é uma omissão grave e relevante, de carácter essencial.
12. Se este facto constasse do Despacho, a Decisão seria no sentido exatamente oposto, ou seja, verificando-se que o registo da embarcação já estava definitivo, o despacho nada teria a ordenar ou promover, mantendo-se o registo definitivo da penhora.
13. Acresce que, tal facto provado nos autos por Entidade Competente - A Capitania -, torna o Despacho nulo por dele constar facto objectivamente falso.
14. Deve o despacho de 25-02-2024 ser substituído por outro que considere a conversão do registo provisório de penhora da embarcação em registo definitivo a 07-02-2024 - facto esse constante dos autos e que o referido despacho de forma ilegal omite - apesar de documentalmente comprovado nos autos e alertado para o efeito -.
15. O despacho de 28-02-2024 é atentatório à legalidade, ofendendo não só o direito processual (penhora), como o direito substantivo (crédito exequendo), bem como a Autoridade Marítima competente (Capitania) que lavrou o registo no âmbito da sua atribuição, sendo temerário ao negar a existência dessa documentação nos autos, apesar do próprio Tribunal, veja-se, já ter notificado a Sra. Agente de Execução da conversão do registo provisório em definitivo pela notificação datada de 09/02/2024 (…).
16. O Despacho recorrido também omitiu, e não se pode considerar de negligente simples porque consta dos autos, que na “matéria de fundamentação dos factos” verifica-se que a 09-02-2024, o Tribunal a quo notificou a Agente de Execução da conversão do registo de penhora em definitivo (…).
17. Quer a citação do titular inscrito, quer os embargos de terceiros deduzidos nos autos, são factos objetivos e provados por documentos constantes dos autos e com relevância essencial para esta matéria, pelo que têm obrigatoriamente de constar da fundamentação de facto do despacho proferido a 25-02-2024 - mas foram grosseiramente omitidos.
E) Do registo de penhora lavrado definitivamente a 07-02-2024 e da subsequente nulidade do despacho de 25 de Fevereiro de 2024
18. Conforme supra exposto, o despacho recorrido omite factos documentalmente comprovados nos autos, os quais necessariamente obrigam a uma fundamentação e uma decisão totalmente contrária à proferida - caducidade do registo de penhora -, por outra que apenas reconhecesse e declarasse que o registo da penhora está definitivo.
19. O despacho recorrido assentou na ficção criada pelo Juiz a quo, que não se compreende nem aceita, para ficcionar o pressuposto que o registo de penhora ainda estaria provisório por natureza à data da sua prolação, ou seja, a 25-02-2024, quando à data do referido despacho de que se recorre, o registo da penhora já havia sido convertido em definitivo a 07-02-2024, e os autos disso tiveram conhecimento, bem como o Tribunal a quo e o Juiz da causa, até porque a Sra Ag. de Execução foi notificada pelo Tribunal da definitividade do registo.
20. Resta assim concluir-se, que os embargos de terceiro são idóneos para preencher o desiderato do artigo 119.º CRP e quando o Juiz a quo veio remeter os interessados para os meios comuns, a 10 de Julho de 2023, já os embargos de terceiro do titular inscrito corriam por apenso - apenso B, sendo que, devia o Tribunal a quo, remeter ofício à Capitania do Funchal, para conversão do registo de penhora provisório, em registo definitivo.
21. Considera-se que os embargos de terceiro preenchem a salvaguarda do princípio do trato sucessivo, princípio esse pressuposto pelo mecanismo estabelecido pelo artigo 119º do CRPredial.
22. Sendo uns embargos de terceiro um incidente da instância, possuem plena vocação para a defesa de qualquer direito incompatível com a subsistência da penhora, desde logo, o direito de propriedade, na medida em que, julgados procedentes os embargos de terceiro, o Juiz determinará o levantamento da penhora e será com esse despacho que será promovido o cancelamento da penhora, se contrariamente os embargos de terceiro improcederem, o registo de penhora será convertido em definitivo.
23.
24. Os embargos de terceiro são suficientes e capazes de, ao abrigo do disposto no artigo 119º/nº 5 do CRPredial, determinar na pendência do registo provisório que seja anotado neste a prorrogação do respectivo prazo até que seja proferida decisão sobre os mesmos.
25. Os Despachos recorridos violam e atentam contra o Princípio da Estabilidade da instância, o Princípio da Igualdade das partes, o Princípio do Poder Jurisdicional e do Princípio da Competência reservada, uma vez que o Juiz conheceu e suscitou oficiosamente questões nas suscitadas pelas partes; em benefício do Exdo e em detrimento do Exte; fazendo-se um uso de disposição do processo contrário ao Princípio da Estabilidade; interveio oficiosamente em questões que não são da competência do Juiz natural; violou o Princípio da Competência reservada ao Registo Predial - Capitania.
26. O Despacho recorrido é absolutamente anómalo, ilegal e ao arrepio da lei processual, bem como extravasa o poder jurisdicional.
Termos em que, com o sempre e mui Douto suprimento de V/Exas, Senhores Desembargadores, deve ser concedido provimento ao presente Recurso de Apelação, julgando-o procedente, fazendo V. Exas. como sempre, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!»
19.
Em 15.04.2024, o Juízo de Execução do Funchal proferiu o seguinte despacho:
«Ofício de 08.03.2024
Oficie a Capitania do Porto do Funchal de que os registos de penhora não são da competência dos agentes de execução, podendo o ato ser recusado de forma fundamentada ou registado por dúvidas nos termos legais.
Os agentes de execução limitam-se a comunicar a penhora, não tendo legitimidade para decidir da conversão do registo de natureza provisória em definitiva. Perante uma penhora registada com natureza provisória a conversão em definitiva passa pelos trâmites legais. No caso, dado o fundamento da natureza provisória da penhora consistir no facto de o bem se encontrar registado, à data da penhora, em nome de terceiro, situação que ainda persiste, a sua conversão em definitivo não passa pelo mero decurso do tempo.
Assim, nos termos legais, conforme consta do ofício em epígrafe, deverá a Capitania do Porto do Funchal retificar o registo da conversão em definitivo ou dizer o que lhe oferecer para manter tal conversão. Mais oficie que quanto ao cancelamento da penhora, sem prejuízo das competências que a lei reconhece para oficiosamente conhecer dessa matéria, o despacho de 25.02.2024 foi objeto de recurso ao qual ainda não foi fixado o respetivo efeito.
Notifique».
(Negrito da autoria dos aqui subscritores).
20.
Em 24.04.2024, relativamente à penhorada embarcação (…)39-L, a Capitania do Porto do Funchal juntou documento com registo atualizado, com o seguinte «averbamento» registado após 07.02.2024:
«Aos 17 dias do mês de abril de 2024 procedeu-se à retificação do averbamento datado de 7 de fevereiro de 2024, cancelando a conversão da penhora em definitiva, mantendo esta natureza provisória, nos termos da alínea a), do nº 2, do artigo 92.º do Código do Registo Predial».
(Negrito da autoria dos aqui subscritores).
21.
Em 02.05.2024, o Tribunal recorrido admitiu o recurso relativamente à decisão de 25.02.2024 e rejeitou-o quanto ao despacho de 28.02.2024.
Naquela decisão de 02.05.2024, o Tribunal recorrido consignou ainda, entre o mais, que:
«Compulsando os autos constata-se que o despacho de 25.02.2024 não reparou que a 08.02.2024, na certidão junta aos autos, o registo da penhora tinha sido convertido de provisório em definitivo.
Tal conversão deveu-se ao agente de execução, por notificação de 07.02.2024, ter ordenado à Capitania do Funchal que procedesse a tal conversão. Tal notificação viola o acórdão proferido nestes autos do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.04.2022.
(…)
Por ofício de 24.04.2024, a Capitania do Funchal veio retificar o registo, dando sem efeito a referida conversão.
Assim repetir o despacho objeto de recurso conduziria a uma duplicação de atos sem qualquer efeito prático.
Tanto mais que a entidade registante reconheceu não ser de levar a cabo a referida conversão. No fundo, a entidade registante encontra-se a aguardar decisão sobre o presente recurso no sentido de saber se o registo da penhora em causa caducou ou não por o credor não ter instaurado e registada ação declarativa destinada a ilidir a presunção de propriedade do terceiro que figura como proprietário do bem conforme espelhado no citado aresto.
Acresce que o despacho objeto de recurso seria no mesmo sentido, dada a referida conversão nunca poder ter tido lugar. Até que o credor instaure a referida ação declarativa e a mesma lhe seja favorável, declarando estar ilidida a presunção do registo e que, portanto, o bem não pertence a terceiro a favor do qual o bem se encontra registado, a conversão provisória nunca poderá ser convertida em definitiva. Poderá é o registo caducar.
Daí que se considere, salvo melhor e ajuizada opinião, que havendo nulidade a ferir o despacho de 25.02.2024, a mesma se encontra sanada por ter sido dada sem efeito a conversão do registo provisório em definitivo.
(…)
Acresce que nenhuma das partes recorreu do despacho de 10.07.2023 que remeteu os interessados para os meios comuns.
Acresce ainda que, aquando do despacho objeto do douto acórdão proferido nestes autos de 28.04.2022, já tinham sido deduzidos embargos de terceiro. Nesse aresto não se faz qualquer referência que tais embargos prescindiam que o credor deduzisse a referida ação declarativa de ilisão da presunção do registo. Esse aresto expressamente afasta que a ação de impugnação pauliana possa cumprir a função dessa ação. Tal sucede por nos embargos de terceiro se concluir que o bem pertence a terceiro em caso de procedência. Contudo, se forem julgados improcedentes, daí não resulta qualquer decisão a determinar que o bem não pertença a terceiro. Logo, a presunção do registo não é ilidida. É de notar que o pedido formulado nos embargos de terceiro consiste: «ser ordenado o levantamento da penhora das licenças piscatórias relativas à embarcação «PM», matrícula (…)39-L». 
Por fim, é de referir que a questão de saber se a dedução de embargos de terceiro são ou não idóneos a preencher o desiderato do artigo 119.º do Código do Registo Predial, não podendo o tribunal ordenar os interessados para os meios comuns se encontra, salvo o devido respeito por opinião contrária, ultrapassada por força do caso julgado. Com a prolação do despacho de 10.07.2023 que remeteu os interessados para os meios comuns a questão ficou definitivamente decidida nos autos.
(…)
Urge ainda referir que o despacho em crise reconhece que o registo provisório da penhora se encontra caducado nos termos do disposto no artigo 92.º, n.º 5, do Código do Registo Predial. Todavia, não declara tal caducidade, antes se limitando a notificar a Capitania do Funchal «para proceder em conformidade com o referido regime de caducidade de registos provisórios em obediência ao citado aresto, dando disso conta as partes dos presentes autos – que a secção deverá indicar – e o tribunal».
22.
Notificados do recurso, o Executado e o Embargante de Terceiro não contra-alegaram.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar e decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela Recorrente, não havendo questões de conhecimento oficioso a dilucidar, no presente recurso importa apreciar e decidir:
· Da justeza da decisão judicial de 25.02.2024 que concluiu no sentido de que «mostra-se caducado o registo provisório da penhora» da referida embarcação (…)39-L e ordenou a notificação da «Capitania do Funchal para proceder em conformidade com o (…) regime de caducidade de registos provisórios em obediência ao citado aresto» de 28.04.2022, «dando disso conta as partes (…) e o Tribunal»,
· Dos efeitos da dedução de embargos de terceiro,
Configurando-se prejudicadas as demais questões suscitas pela Recorrente, quer em função do indicado registo feito pela Capitania do Porto de Lisboa em 24.04.2024 quanto à embarcação penhorada em causa, quer em razão do referido despacho judicial de 02.05.2024, pontos 20. e 21. do relatório do presente acórdão, respetivamente.
Com efeito, aquele despacho cingiu a admissão do recurso à decisão judicial de 25.02.2024, rejeitando-o quanto ao despacho judicial de 28.02.2024, pelo que o recurso em causa circunscreve-se àquela decisão.
Por outro lado, o indicado registo de 24.04.2024 deu a anterior conversão do registo por não dita, mantendo-o como provisório por natureza, e a decisão de 02.05.2024 pronunciou-se quanto a nulidades suscitadas, sanando-as, termos que delas não importa conhecer na estrita medida em que extravasem o objeto do recurso nos termos indicados.
Assim.
III.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A factualidade a considerar na motivação de direito é a que consta do relatório deste acórdão, assim como os seguintes factos constantes da decisão recorrida e aí dados como provados:
«1. Nos presentes autos de execução para pagamento de quantia certa foi proferido douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.04.2022, que aqui se dá por integralmente reproduzido, o qual foi notificado à exequente.
2. Nesse aresto lê-se na sua fundamentação:
“A penhora da embarcação de pesca foi sujeita a registo (cfr. averbamento de 13 de Fevereiro 2020 de fls. 48 e artigo 72.º Regulamento Geral das Capitanias, aprovado pelo DL n.º 265/74; cfr. ainda artigos 37.º e 38.º do DL 73/2020 de 23 de setembro).
Na sequência, o agente de execução, por carta datada de 22 de Julho de 2020, citou quem figurava como proprietário no registo (“B”) para:
«Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 342º e ss. do Código do Processo (CPC) fica(m) V. Ex.A(s) citado(s) para, no prazo de trinta dias, declarar se a embarcação (…)39-L lhe pertence. Este bem foi penhorado no âmbito do processo supra identificado, conforme auto de penhora que se anexa, em que é Executado:
• Nome: JP- NIF…».
Mais aí se indicou que o citando poderia deduzir embargos de terceiro (cfr. fls. 118), o que foi feito.
É discutível a bondade deste procedimento à luz do artigo 119.º do Código de Registo Predial (CRP).
Estabelece este artigo, que visa assegurar o princípio do trato sucessivo:
1. Havendo registo provisório de arresto, penhora ou de declaração de insolvência sobre os bens inscritos a favor de pessoa diversa do requerido, executado ou insolvente, deve efetuar-se no respetivo processo a citação do titular inscrito para declarar, no prazo de 10 dias, se o prédio ou direito lhe pertence.
Se o citado declarar que os bens lhe pertencem o juiz remeterá os interessados para os meios processuais comuns, e aquele facto é igualmente comunicado bem como a data da notificação da declaração para ser anotada no registo (n.º 4 do citado artigo).
Falando a lei de juiz parece que o agente de execução deverá dar conhecimento ao magistrado da inscrição a favor de terceiro para que faça actuar este mecanismo, pertencendo de qualquer modo ao agente proceder à citação ex artigo 719.º, 1 (Rui Pinto, A Acção Executiva, op. cit:564, nota 1670 citando António José Fialho).
Por sua vez, e ao contrário, é seguro que se o terceiro declarar que o bem penhorado lhe pertence, o exequente poderá instaurar acção declarativa contra o executado e o terceiro para, no confronto com estes, discutir a questão do domínio. Neste caso, o registo da ação declarativa na vigência do registo provisório é anotado neste e prorroga o respetivo prazo até caducar ou ser cancelado o registo da acção (artigo 119.º, 5 CRP).
E ficam suspensos os efeitos da penhora até que o respetivo registo caduque ou, inversamente, venha a ser convertido em definitivo.
De nada servirá, porém, ao exequente instaurar acção pauliana, porquanto através desta nunca se poderá obter o registo definitivo da penhora pois no registo permanecerá sempre como proprietária pessoa diferente do executado. Note-se que a pauliana não é uma acção real, não implica a nulidade do acto impugnado, só permitindo que o credor satisfaça o seu crédito excutindo o património do terceiro.
Aquela acção declarativa destina-se a ilidir a presunção de propriedade decorrente do registo, de que o prédio pertence ao titular inscrito (cfr. artigo 7.º CRP), por forma a permitir que, sem violação do princípio do trato sucessivo, a inscrição possa ser convertida em definitiva.
Deverá, pois, ser intentada pelo exequente se quiser levar a bom termo a venda do bem penhorado na execução.”.
3. Nos presentes autos de execução para pagamento de quantia certa figura como único e exclusivo executado “A”.
4. Na certidão da embarcação “PM”, (…)39-L, consta que, a partir de 27 de março de 2017, esta pertence a “B” — cf. ofício datado de 27.09.2023, notificado às partes, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. Mais consta que, a 13 de fevereiro de 2020, foi averbada penhora conforme notificação do agente de execução no âmbito destes autos.
6. Consta ainda que, a 18 de fevereiro de 2023, foi cancelado o averbamento da penhora.
7. Consta igualmente que, a 16 de março de 2023, procedeu-se ao cancelamento da inscrição a que se alude em 6, mantendo-se a inscrição de penhora de 13 de fevereiro de 2020,
válida, sendo a inscrição provisória nos termos do art.º 92º, nº 2, alínea a), do Código do Registo Predial.
O Capitão do Porto 
8. A 27 de setembro de 2023, mais nenhuma inscrição constava do registo.
9. A inscrição a que se alude em 7 foi notificada às partes por notificação de 22.3.2023.
10. “B” veio arguir ser dono da embarcação, a 15.10.2020, o que foi notificado à exequente — cf. petição inicial do apenso B e notificação da exequente dessa peça processual aí ocorrida.
11. Por despacho de 10 de julho de 2023, que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi proferido o seguinte:
«Nos presentes autos foi levado a cabo penhora da embarcação “PM”, (…)39-L. Todavia, consta no registo como pertencendo a terceiro não executado nos autos.
Uma vez citado esse terceiro, veio o mesmo arvorar-se proprietário do bem. Assim, nos termos do disposto no artigo 119.º, n.º 4, do Código do Registo Predial, remete-se os interessados para os meios processuais comuns quanto à dominalidade do bem.».
11. Esse despacho foi notificado às partes, incluindo à exequente, por notificação de 11 de julho de 2023.
IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Em causa está a caducidade do registo provisório da penhora de uma embarcação de pesca e os efeitos registrais da dedução de embargos de terceiro quanto àquela penhora.
A decisão recorrida concluiu que «mostra-se caducado o registo provisório da penhora nos termos do disposto no artigo 92.º, n.º 5, do Código do Registo Predial» e notificou a Capitania do Funchal para «proceder em conformidade».
Por seu lado, a Recorrente entende que tal registo provisório foi convertido em definitivo, sendo que em todo o caso «[o]s embargos de terceiro são suficientes e capazes de, ao abrigo do disposto no artigo 119º/nº 5 do CRPredial, determinar na pendência do registo provisório que seja anotado neste a prorrogação do respetivo prazo até que seja proferida decisão sobre os mesmos».
Vejamos.
1. Do regime legal aplicável.
O Decreto-Lei n.º 73/2020, de 23.09, aprovou o regime jurídico do exercício da atividade profissional da pesca comercial marítima e da autorização, registo e licenciamento dos navios ou embarcações utilizadas na referida atividade.
Em particular, os respetivos artigos 37.º e 38.º referem-se ao registo de embarcações de pesca, sendo que o seu artigo 48.º dispõe que «[a]o registo de navios ou embarcações são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições relativas ao registo predial, na medida indispensável ao suprimento de lacunas e desde que compatíveis com a natureza dos navios ou embarcações e com as disposições contidas no presente decreto-lei».
Em matéria de registo de embarcações de pesca comercial, o CRegisto Predial tem, pois, natureza supletiva: na falta de regulamentação do referido Decreto-Lei n.º 73/2020 importa recorrer ao disposto no CRegisto Predial.
Tal é a situação em matéria de registo de penhora e respetivo cancelamento.  
2. Da competência quanto à caducidade do registo da penhora.
Conforme CRegisto Predial, designadamente nos seus artigos 11.º. n.º 4, e 75.º-A, «[a] caducidade deve ser anotada ao registo, logo que verificada», competindo tal anotação a quem esteja atribuída competência para o registo.
No caso em apreço a competência registral relativa à embarcação PM (…)39-L encontra-se atribuída à Capitania do Porto do Funchal, pelo que foi esta que efetuou o registo da respetiva penhora e é da sua competência o registo da caducidade de tal penhora.
Neste contexto, mal andou o Tribunal recorrido quando concluiu no sentido de que «mostra-se caducado o registo provisório» e ordenou a notificação da «Capitania do Funchal para proceder em conformidade com o referido regime de caducidade de registos provisórios».
Embora não declarando explicitamente tal, ao concluir pela caducidade do registo da penhora a partir de considerações que anteriormente enuncia nesse sentido e ao notificar a Capitania do Funchal naqueles termos, o Tribunal recorrido acabou por influir na competência própria da Capitania do Porto do Funchal em matéria de registo de embarcações de pesca.
No contexto em causa, compete ao Tribunal informar aquela Capitania de factos novos e pertinentes ao registo e tão-só dos mesmos, sem considerações quanto a eles, assegurando-se que dos autos conste certidão atualizada do registo para em função da mesma retirar as devidas ilações e manter o adequado processamento dos autos.
Conforme artigo 110.º, n.º 1, do CRegisto Predial, «[o] registo prova-se por meio de certidões», pelo que as ilações processuais da pretendida caducidade do registo provisório da penhora só podem decorrer quando tal caducidade se mostre devidamente registada pela Capitania do Funchal quanto à embarcação penhorada e o mesmo registo se mostre comprovado nos autos por certidão emitida por aquela capitania.
Ora tal não ocorreu nos autos.
Com efeito, conforme resulta da última certidão junta aos autos de execução em 24.04.2024, o registo da penhora mantém-se como provisória por natureza, dela não constando nem o seu cancelamento, nem a sua conversão como definitiva, conforme alegado pela Exequente/Recorrente.
Embora conste com data de 07.02.2024 registada uma tal conversão, em 17.04.2024 «procedeu-se à [sua] retificação (…), cancelando-se a conversão da penhora definitiva, mantendo esta natureza provisória, nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 92.º do Código do Registo Predial».
Em suma, a decisão recorrida revela-se impertinente quando concluiu no sentido de que «mostra-se caducado o registo provisório» e ordenou a notificação da «Capitania do Funchal para proceder em conformidade com o referido regime de caducidade de registos provisórios».
Carece também de fundamento a entendida conversão definitiva da penhora, atenta a retificação registral de 17.04.2024.
3. Dos efeitos da dedução de embargos de terceiro.
Em causa está ora saber se a interposição de embargos de terceiro por parte do titular inscrito no registo como proprietário da embarcação penhorada, pessoa diversa do executado, reveste de alguma eficácia em sede registral. 
Apreciemos.
Segundo o disposto no artigo 92.º, n.ºs 2, alínea a), e 5, do CRegisto Predial, «as inscrições de penhora» são averbadas como «provisórias por natureza», «se existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento do direito de propriedade (…) a favor de pessoa diversa do executado (…)»,  e «mantêm-se em vigor pelo prazo de um ano, salvo o disposto no n.º 5 do artigo 119.º, e caducam se a ação declarativa não for proposta e registada dentro de 30 dias a contar da notificação da declaração prevista no n.º 4 do mesmo artigo».
Nos termos do artigo 119.º, n.ºs 1, 4 e 5, do CRegisto Predial, na parte que aqui releva «[h]avendo registo provisório de (…) penhora de bens inscritos a favor de pessoa diversa do (…) executado, o juiz deve ordenar a citação do titular inscrito para declarar (…) se o prédio ou o direito lhe pertence», sendo que «[s]e o citado declarar que os bens lhe pertencem, o juiz remeterá os interessados para os meios processuais comuns, expedindo-se igualmente certidão do facto, com data da declaração, para ser anotado no registo» e «[o] registo da ação declarativa na vigência do registo provisório é anotado neste e prorroga o respetivo prazo até caducar ou ser cancelado o registo da ação».
Ou seja, em termos registrais, a penhora é inscrita como provisória por natureza quando o bem penhorado estiver registado a favor de pessoa diversa do executado. 
Nesse caso o terceiro, não executado, deve ser citado para declarar se o bem penhorado lhe pertence e caso o declare o juiz deve remeter as partes para os meios comuns, enviando certidão do facto para registo.
A ação declarativa correspondente deve ser proposta pelo interessado e registada no prazo de 30 dias a contar daquela declaração do terceiro, sob pena de caducidade do registo provisório da penhora, sendo que a instauração da ação declarativa prorroga o prazo de caducidade do registo da penhora até caducar ou ser cancelado o registo da ação.
Com refere Rui Pinto, Ação Executiva, edição de 2020, página 564, «(…) o disposto no nº 1 do artigo 119.º do CRP (…) determina que havendo registo provisório de penhora de bens inscritos a favor de pessoa diversa do executado, o juiz deve ordenar a citação do titular inscrito (…) para declarar, no prazo de dez dias, se o prédio ou o direito lhe pertence (…)».
«(…) Se o citado declarar que os bens lhe pertencem, permanece, naturalmente, a situação de dúvida quanto à titularidade sobre o bem. O juiz remeterá os interessados para os meios processuais comuns (…) e, aquele facto é igualmente comunicado, bem como a data da notificação da declaração para ser anotada no registo[1] . Esses meios processuais comuns são a ação de simples apreciação positiva e a ação de reivindicação, a usar tanto por terceiro, como pelas partes executivas (…)».
No âmbito dos «meios processuais comuns» a que se refere o referido artigo 119.º, n.º 4, do CRegisto Predial cabem os embargos de terceiros deduzidos por pessoa diversa do executado, a favor de quem está registada a titularidade do bem penhorado e, designadamente, quando que no âmbito de tais embargos a titularidade da coisa penhorada tenha de ser discutida em termos definitivos, conforme artigo 349.º do CPCivil 
No seu figurino atual, decorrente da reforma processual-civil de 1997, os embargos de terceiro configuram-se como uma ação, não um mero incidente, e podem fundar-se em «direito incompatível com a realização ou o âmbito» da penhora, conforme artigo 342.º, n.º 1, do CPCivil, termos em que nessa medida, abrangendo o objeto dos embargos de terceiro a discussão da titularidade do bem penhorado em termos definitivos entre as partes, os embargos de terceiros fazem parte do elenco dos «meios processuais comuns» aludidos no indicado artigo 119.º, n.º 4, do CRegisto Predial.
Nesse âmbito, a decisão final de mérito proferida nos embargos de terceiro constituirá caso julgado material quanto à titularidade do bem penhorado, com efeitos na execução: a procedência dos embargos de terceiro, com o reconhecimento judicial da titularidade por parte de terceiro do bem penhorado, implica o levantamento da penhora, ao passo que a improcedência daqueles embargos, com o reconhecimento judicial da titularidade do bem penhorado a favor do executado justificará a conversão da penhora como definitiva, com o registo de tal titularidade a favor por executado, assim salvaguardando o trato sucessivo, conforme artigo 34.º, n.º 1, do CRegisto Predial.    
Em suma, na esteira dos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 21.09.2010, processo n.º 1941/03.9TJVNF-F.P1, 09.05.2011, processo n.º 1743/06.0TBVRL.P1, e 11.09.2018, processo n.º 1755/10.0T2AGD-B.P1, bem como acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19.10.2017, processo n.º 1734/13.5TBBRG-A.G1, os embargos de terceiro constituem um dos «meios processuais comuns» a que se refere o artigo 119.º, n.º 4, do CRegisto Predial quando neles seja suscetível de ser discutida a titularidade do bem penhorado em termos definitivos, conforme artigo 349.º do CPCivil.
Naquele sentido veja-se também Teixeira de Sousa no blog do IPPC, Jurisprudência 2018 (147): nos termos aludidos, «os embargos de terceiro (…) podem ser considerados meios comuns para efeitos do disposto no art.º 119.º, n.º 4, CRegP (…) [d]ado que esses embargos seguem, depois do seu recebimento, os termos do processo comum (cf. art. 348.º, n.º 1, CPC)».
Naquele contexto, os embargos de terceiro devem ser registados, salvaguardando-se, assim, o disposto no artigo 119.º, n.º 5, do CRegisto Predial, tal como o preceituado nos artigos 3.º, n.º 1, alínea a), e 53.º do mesmo diploma legal.
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil, volume I, edição de 2020, página 420, «[v]ersando os embargos de terceiro sobre bens imóveis, deve ser realizado o seu registo nos termos do art. 3º, al. a), do Cód. de Reg. Predial, porquanto se trata de uma ação acessória quanto à existência do direito (…)».
No mesmo sentido, referem Castro Mendes e Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, edição de 2022, página 866, «[o]s embargos [de terceiro], quando tenham por fundamento um direito sujeito a registo, devem ser registados (art.º 3.º, n.º 1, al. a), e 53.º do CRegP). Apesar de o art.º 3.º CRegP se referir expressamente ao registo de ações, não pode deixar de se entender, com base numa interpretação extensiva, que o preceito também abrange os embargos de terceiro, tanto mais que a decisão neles proferida faz caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado pelo terceiro embargante (art.º 349.º)».
Na situação vertente.
A propriedade da embarcação penhorada (…)39-L encontra-se registada a favor de pessoa diversa do Executado.
Foi cumprido o disposto no referido artigo 119.º, n.º 1, do CRegisto Predial, tendo o proprietário registado sido citado para declarar se tal embarcação lhe pertence, designadamente para «deduzir embargos de terceiro».
Em 15.10.2022 o titular inscrito deduziu embargos de terceiro, no qual alegou, além do mais, ser possuidor e proprietário da referida embarcação e concluiu pedindo o levantamento da penhora com base naqueles fundamentos.
Notificados a Exequente e o Executado para contestar os embargos de terceiro, a Exequente veio apresentar contestação, referindo que o Executado é dono e possuidor da embarcação em causa, termos em que pediu que seja declarada ineficaz a transmissão da embarcação a favor do Embargante e se reconheça o Executado como respetivo proprietário.
Neste contexto, é evidente que no âmbito dos deduzidos embargos de terceiro cumpre apreciar e decidir a propriedade da embarcação em causa, revestindo a respetiva decisão caso julgado material, conforme artigo 349.º do CPCivil, dela decorrendo necessariamente o levantamento da penhora ou a conversão desta em definitiva, consoante procedam ou improcedam os embargos de terceiro deduzidos, respetivamente.
Dito de outro modo, em função de tais elementos, no caso em apreço os embargos de terceiro constituem o recurso «aos meios processuais comuns» a que se refere o referido artigo 119.º, n.º 4, do CRegisto Predial.
Na situação vertente seria, aliás, incompreensível, lesivo do regular e expetável decurso processual, do princípio da confiança, que tendo o titular inscrito não executado sido notificado para deduzir embargos de terceiro e os tivesse deduzido, se concluísse afinal pela ineficácia dos mesmos como modo de reagir a uma penhora alegadamente lesiva do seu direito de propriedade.
Diversamente do entendimento do Tribunal recorrido, o referido acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 28.04.2022 (Apenso C) não reveste a natureza de caso julgado quanto à matéria aqui em causa, atento o disposto nos artigos 619.º, n.º 1, e 621.º do CPCivil.
Tal acórdão tem por objeto exclusivo a ação de pauliana nela referida, nada referindo quanto aos embargos de terceiro.
Por outro lado, se é certo que em 10.07.2023 o Tribunal recorrido remeteu «os interessados para os meios processuais comuns quanto à dominalidade do bem», fê-lo em data em que já haviam sido deduzidos os embargos de terceiro e, pois, estes revestiam a sua eficácia nos autos, com os efeitos indicados, carecendo de sentido postergar tais efeitos já produzidos.
Concluindo, os embargos de terceiros deduzidos constituem no caso em apreço o recurso aos meios comuns por parte do titular inscrito, termos em que cumpre revogar a decisão recorrido, devendo em 1.ª instância providenciar-se pela anotação dos embargos de terceiro no registo relativo à indicada embarcação penhorada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 119.º, n.ºs 4 e 5, e 92.º, n.º 5, do CRegisto Predial.
*
* *
Quanto às custas do recurso.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu procede o recurso, sendo que os Recorridos/Embargados, Exequente e Executado, não contra-alegaram.
Nestes termos, as custas do presente recurso devem suportadas por quem ficar vencido nos embargos de terceiro deduzidos, conforme na respetiva decisão final venha a ser estipulado.
V. DECISÃO  
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, pelo que revoga-se a decisão recorrida, devendo em 1.ª instância providenciar-se pela anotação dos embargos de terceiro no registo relativo à indicada embarcação penhorada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 119.º, n.ºs 4 e 5, e 92.º, n.º 5, do CRegisto Predial.
Custas do recurso por quem ficar vencido nos embargos de terceiro deduzidos, conforme na respetiva decisão final venha a ser estipulado.

Lisboa, 26 de setembro de 2024
Paulo Fernandes da Silva
Higina Castelo
João Vaz Gomes

______________________________________________________
[1] O registo da ação declarativa na vigência do registo provisório é anotado neste e prorroga o respetivo prazo até que seja cancelado registo da ação. No caso de procedência da ação, deve o interessado pedir a conversão do registo no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado.