DECISÃO PROVISÓRIA
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
PROGENITORES
DIREITO DE VISITA
Sumário

1- A decisão provisória a que alude o art.º 38º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível deve orientar-se pelo superior interesse da criança, encontrando-se (ainda que provisoriamente) a solução que melhor favoreça um equilibrado e são desenvolvimento da mesma.
2- O superior interesse da criança demanda a promoção do seu desenvolvimento total e completo de forma igualmente próxima com cada um dos progenitores, o que pressupõe a presença de ambos em todos os aspectos e fases desse desenvolvimento,
3- O convívio alargado da criança com cada um dos progenitores, inclusive com pernoitas com ambos, é o caminho que mais adequadamente assegura a referida presença de ambos no desenvolvimento da criança, só não devendo ser considerada tal situação quando se constate a existência de qualquer perigo para a criança decorrente desse tipo de vivência.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

D.G., pai de F.G., nascida a 19/2/2024, intentou em 19/5/2024 acção de regulação das responsabilidades parentais contra L.C., mãe da referida menor, alegando em síntese que:
· Manteve uma relação com a requerida ao longo de cerca de seis anos, da qual nasceu a F.G.;
· O requerente e a requerida encontram-se separados e a viver em moradas distintas, tendo a requerida saído com a F.G. da casa de morada de família e estando a residir com a F.G. numa casa com apenas dois quartos e uma casa de banho, aí vivendo mais dois adultos, dois menores e dois cães;
· Desde que a requerida saiu com a F.G. da casa de morada de família o requerente nunca mais esteve com a menor, estando a F.G. privada de conviver com o requerente porque a requerida entende que tais convívios só podem ter lugar na sua presença e de terceiros;
· A F.G. apresenta-se sempre muita suja e com cheiro desagradável, revelando falta de cuidados e de higiene.
Conclui defendendo que a menor deve residir habitualmente consigo enquanto a requerida não reúne condições para a ter aos seus cuidados, sendo então fixado um regime de residência alternada com cada um dos progenitores, com repartição dos períodos de férias escolares e dos dias festivos, e pedindo ainda a atribuição de carácter urgente aos autos.
Após atribuição de carácter urgente aos autos, em 14/6/2024 foi realizada conferência de pais onde não se mostrou possível o acordo sobre a regulação das responsabilidades parentais.
 Mais foram aí tomadas declarações a ambos os progenitores, após o que foi fixado o seguinte regime provisório:
Da residência e do exercício das responsabilidades parentais:
1. A menor, F.G., fixa a residência junto da progenitora, a cuja guarda e cuidados fica entregue, cabendo-lhe o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões da vida corrente da menor.
2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da menor (nomeadamente, deslocações ao estrangeiro, orientação religiosa, escolha do estabelecimento de ensino, intervenções cirúrgicas e mudança de residência) são exercidas em comum por ambos os progenitores.
Do regime de contactos/visitas:
3. O progenitor poderá estar e ter consigo a menor todas as quartas-feiras, pernoitando com esta de quarta-feira para quinta-feira, indo para o efeito o progenitor buscar a menor na quarta-feira, até às 9h30 a casa da progenitora e entregará a menor, na quinta-feira, no mesmo local, pelas 17h30.
4. O progenitor poderá estar e ter consigo a menor aos fins-de-semana de 15 em 15 dias, de sexta-feira a segunda-feira, indo para o efeito, o progenitor recolher a menor a casa da progenitora, na sexta-feira de manhã, até às 9h30 e entregará a menor, na segunda-feira, no mesmo local, pelas 17h30.
Épocas festivas:
5. A menor passará com cada um dos progenitores o dia do seu aniversário, bem como o dia do pai e o dia da mãe.
6. O dia do aniversário da menor será passado sempre que possível com ambos os progenitores, devendo ser feita uma refeição com cada um dos progenitores.
Férias:
7. No período de ferias do Verão, cada um dos progenitores poderá passar dois períodos de uma semana, interpolados, com a criança, comunicando ao outro previamente qual o período pretendido.
Dos alimentos devidos à menor:
8. O progenitor pagará para a menor, a título de alimentos, a quantia mensal de €150,00 (cento e cinquenta euros), a entregar à progenitora até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária, para a conta da progenitora.
9. As despesas médicas e medicamentosas, bem como as despesas com a creche da menor, todas desde que devidamente documentadas, são a repartir por ambos os progenitores na proporção de metade, devendo o progenitor que efectuar a despesa remeter o respectivo comprovativo, com o NIF e nome da menor, até ao final do mês em que a mesma seja efectuada e o outro progenitor deverá efectuar o pagamento no mês seguinte”.
A requerida recorre desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem (com exclusão da reprodução dos pontos 3. a 7. do regime provisório e da reprodução dos sumários dos acórdãos identificados):
1ª Antes de mais, cumpre informar V. Exas. que aos presentes autos foi atribuído carácter urgente, por Despacho de 28.05.2024 - Ref.ª citius 161124287 (cfr. doc. n.º 1).
2ª O presente recurso interposto do douto Despacho do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo de Família e Menores de Torres Vedras, que, por Despacho, fixou o regime provisório de Regulação das Responsabilidades Parentais relativamente à menor F.G. (cfr. doc. n.º 2).
3ª Nesta Regulação das Responsabilidades Parentais, ficou estabelecido, embora a título provisório que, o Progenitor possa estar com a filha de 4 (quatro) meses de idade, aos fins de semana de quinze em quinze dias, e também, todas as Quartas e Quintas-Feiras, durante o mês, incluído pernoita entre estes dias.
4ª Decisão com a qual, a aqui Recorrente não concorda, uma vez que, na opinião da Recorrente, o Despacho agora em crise, não atendeu convenientemente ao superior interesse da menor.
5ª Assim, o presente recurso tem por objecto a matéria de direito quanto ao superior interesse da menor, que na opinião da Recorrente foi posto em causa no Despacho proferido em 14.06.2024.
6ª A Recorrente não concorda com os pontos 3. a 7. do douto Despacho, dos quais consta que:
(…)
7ª Essencialmente porque, ficou decidida uma guarda alargada ao Progenitor, onde, poderá ter consigo a menor todas as semanas, desde as 09:30 horas de quarta‑feira até às 17:30 horas de quinta-feira, pernoitando entre estes dias, e aos fins de semana, de 15 em 15 dias o progenitor pode estar com a menor desde as 09:30 horas de sexta-feira até às 17:30 horas de segunda-feira.
8ª A menor F.G., nasceu no dia 19 de Fevereiro de 2024, um nascimento que ocorreu de forma prematura, e, tem neste momento 4 (quatro) meses de idade.
9ª A aqui Recorrente entende que, a menor não pode ser sujeita com uma idade tão precoce a andar a circular de casa em casa, como foi determinado pelo Tribunal a quo, nem deverá fazê-lo.
10ª  Neste momento a Recorrente está de licença de maternidade, o que se vai manter até ao próximo mês de Outubro, pode ter a menor a viver em casa consigo todos os dias, o que permite que fique nesta fase, e, com esta idade, mais tempo com a mãe, como vinha a acontecer.
11ª O Recorrido está a trabalhar, e, como tem acontecido nestas primeiras semanas em que já esteve com a menor, acabou por deixar a menor em casa dos avós paternos, aos cuidados destes, ou mesmo de uma funcionária, e não ao cuidado do progenitor, como seria expectável.
12ª Com a aplicabilidade deste regime de Regulação Parental, o Progenitor pelo menos em duas das semanas do mês tem a menor mais tempo com ele do que a mãe.
13ª Apesar de só terem decorrido duas semanas desde que foi decretado este regime, já são visíveis alterações na menor, quando a Recorrente recebeu a menor em sua casa, entregue pelo Recorrido, esta estava inchada, ao que parece, o Recorrido foi incapaz de estimular a bebé para conseguir fazer as suas necessidades fisiológicas, situação que é essencial nesta fase da sua vida.
14ª Apesar de não estarmos perante uma residência alternada propriamente dita, trata-se de uma residência alargada, bastante alargada mesmo, atendendo à idade da menor, o que tem contribuído para a instabilidade da bebé, que está destabilizada com estas mudanças de casa.
15ª No seguimento do entendimento da Recorrente, existe uma vasta Jurisprudência, que contraria a decisão tomada pelo Tribunal a quo, a titulo de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto em 13.05.2014, no processo n.º 5253/12.9TBVFR-A.P1 que quanto a esta parte esclarece que:
(…)
16ª Ou, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no processo n.º 3850/11.9TBSTS-A.P1, de 28.06.2016, que decidiu que:
(…)
17ª Também, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, que decidiu no mesmo sentido, no processo n.º 958/17.0T8VIS-A.C1, de 10.07.2019:
(…)
18ª Ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, que decidiu no mesmo sentido no processo n.º 6098/13.4TBSXL-B.L1-8, de 30.01.2014:
(…)
19ª Por último, a Recorrente indica mais um Acórdão que vem no seguimento de muitos outros que, em casos semelhantes, vão no mesmo sentido, este proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, quanto a uma criança com três anos de idade, no âmbito do processo n.º 1655/18.5T8ACR-A.P1 de 07.05.2019 de cujo sumário consta que:
(…)
20ª Como referido, a Jurisprudência maioritariamente tem entendido que, para menores de tenra idade, como é o caso, a figura primária de referência é a da mãe, e, por isso a menor deverá ser confiada nos primeiros anos de vida à mãe, com quem manteria um vínculo afectivo e emocional mais profundo.
21ª Também a Declaração dos Direitos da Criança, refere no seu Princípio 6.º que:
“(...) salvo em circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não deve ser separada da sua mãe (...).”
22ª Por tudo o acima exposto requer-se a V. Exas. seja alterada a Regulação das Responsabilidades Parentais em vigor, de forma a que, a menor passe a permanecer com a mãe, aqui Recorrente, podendo ver o pai/Recorrido durante os dias, aos fins de semana de 15 em 15 dias, mas sem pernoita, assim evitando que a menor ande a transitar entre casas, o que gera uma grande desestabilização da mesma.
O requerente apresentou alegação de resposta, aí pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Também o Ministério Público apresentou alegação de resposta, pugnando igualmente pela manutenção da decisão recorrida.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, a única questão suscitada prende-se com o erro de julgamento na fixação do regime de convívios entre a menor e o requerente, pela desconsideração do superior interesse da menor em pernoitar exclusivamente com a requerida.
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A factualidade com relevo para o conhecimento do objecto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
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Como resulta do art.º 38º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, quando não é obtido acordo na conferência de pais, impõe-se ao tribunal decidir provisoriamente sobre o pedido de regulação do exercício das responsabilidades parentais, em função dos elementos já obtidos.
Tendo presente o carácter embrionário da conferência de pais, no âmbito da tramitação do processo especial tendente à regulação do exercício das responsabilidades parentais, daí decorre que a decisão provisória há-de assentar mais em elementos indiciários resultantes da primeira intervenção processual das partes (incluindo a sua intervenção pessoal nessa conferência de pais e as declarações aí prestadas) que naqueles que pudessem resultar da realização de uma actividade instrutória completa, desde logo com recurso aos poderes inquisitórios do tribunal.
Nessa medida, o tribunal recorrido entendeu que, face aos elementos apurados, essencialmente decorrentes das declarações prestadas por cada um dos progenitores, e tendo em atenção a idade da F.G., a mesma devia continuar a residir com a requerida, mas sem prejuízo do estabelecimento de convívios alargados com o requerente, inclusive pernoitando com o mesmo em cinco noites por quinzena.
Contrapõe a requerida que a extensão de tais convívios, incluindo as pernoitas, faz com que se esteja perante um verdadeiro regime de residência alternada, com o qual não concorda tendo em atenção a idade precoce da F.G., e que desaconselha que ande “a circular de casa em casa”, por ser contrário ao seu equilíbrio e estabilidade.
É sabido da especial ligação entre a mãe e a criança durante a primeira infância, desde logo assente em aspectos nucleares como a amamentação.
E é certo que a F.G. ainda não atingiu o primeiro ano de vida, pelo que se poderia afirmar, numa primeira abordagem, que a existência de uma especial ligação entre a menor e a requerida levaria a concluir (como pretende a requerida) que as mudanças de residência frequentes colocariam em causa os cuidados a prestar à F.G., criando na mesma uma instabilidade emocional e psíquica, contrária ao seu superior interesse em manter tal especial ligação materno-infantil.
No que respeita ao exercício das responsabilidades parentais em caso de cessação da convivência entre os progenitores (nos termos do nº 2 do art.º 1911º do Código Civil), resulta do nº 5 do art.º 1906º do Código Civil que “o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”, resultando do seu nº 6 que “quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos”, e resultando ainda do seu nº 8 que “o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores”.
Ou seja, tal como vem sendo afirmado pacificamente pela jurisprudência (como no acórdão de 27/1/2022 do Supremo Tribunal de Justiça, relatado por Tomé Gomes e disponível em www.dgsi.pt), “a lei consigna a prevalência do superior interesse do filho menor como critério decisório orientador na regulação do regime das responsabilidades parentais entre os progenitores separados.
O superior interesse da criança encontra-se também inscrito como vector fundamental no artigo 7.º da Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral da ONU, de 20/11/1959, nos artigos 9.º, n.º 1, e 18.º, n.º 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque, a 26/01/1990, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12/09, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12-09, e no artigo 6.º, alínea a), da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos da Criança, adoptada em Estrasburgo, a 25/01/1996, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, de 13-12-2013 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 3/2014, de 27-01.
Nessa conformidade, o superior interesse da criança traduz-se num conceito jurídico indeterminado que visa assegurar a solução mais adequada para a criança no sentido de promover o seu desenvolvimento harmonioso físico, psíquico, intelectual e moral, especialmente em meio familiar, sendo, por isso, aferível em função das circunstâncias de cada caso”.
Dito de outra forma, o superior interesse da criança demanda a promoção do seu desenvolvimento total e completo de forma igualmente próxima com cada um dos progenitores, o que pressupõe a presença de ambos em todos os aspectos e fases desse desenvolvimento.
E, nessa medida, o legislador passou a eleger a residência alternada como meio tendencialmente apto a assegurar a presença de ambos os progenitores no desenvolvimento da criança, por reconhecer que esse é o caminho que assegura adequadamente o necessário relacionamento da criança com cada um deles.
O que é o mesmo que dizer que só não deve ser considerado o convívio alargado da criança com cada um dos progenitores, inclusive com pernoitas com ambos, quando se constate a existência de qualquer perigo para a criança decorrente desse tipo de vivência.
Isso mesmo explica Jorge Duarte Pinheiro, no seu artigo “Residência alternada – Dois pais ou uma só casa?” (disponível para consulta em www.revistadedireitocomercial.com/residencia-alternada-dois-pais-ou-uma-so-casa), aí referindo que o interesse superior da criança determina que  “em princípio, se deve decidir pela residência alternada, aplicando-se excepcionalmente a solução da residência única, isto quando não seja, em concreto, viável ou recomendável a residência alternada (por exemplo, se um dos progenitores não tem capacidade para prestar quotidianamente os cuidados de que a criança carece)”. E mais explica que “a residência única colide com o interesse do filho na “continuidade de relações, de afecto de qualidade e significativas” com o progenitor não residente e com o interesse do filho em manter também com este progenitor “relação de grande proximidade”. Na residência única, um dos progenitores é excluído do convívio corrente com o filho. Na residência alternada, ambos os progenitores podem partilhar o quotidiano com o filho, conservando e intensificando conhecimentos e sentimentos mútuos”.
Reconduzindo tais considerações ao caso concreto, logo se alcança que a pretensão da requerida de que a F.G. só conviva com o requerente em fins de semana alternados, do mesmo modo não pernoitando com este, não satisfaz objectivamente o interesse da menor em manter relações de grande proximidade com ambos os progenitores, assentes no convívio quotidiano com cada um deles.
Com efeito, a constatação de que a F.G. ainda não concluiu o primeiro ano de vida não conduz, por si só, a afirmar que a mesma não deve conviver quotidianamente com o requerente.
Por um lado, a F.G. já perfez seis meses de vida, o que significa que se encontra já a ultrapassar aquela fase do seu crescimento em que apenas “come e dorme”. Nessa medida, a fragilidade que decorre da sua tenra idade já dispensa a permanência quase integral em meio habitacional, sendo possível (e até desejável) que possa “vir à rua” e, por consequência, que possa pernoitar em mais de um meio habitacional, sem que tal circulação entre residências signifique qualquer perigo para a sua saúde ou bem-estar.
Por outro lado, a circunstância de a F.G. já estar na segunda metade do seu primeiro ano de vida significa que começa já a interagir com o meio que a rodeia. O que é o mesmo que afirmar que a manutenção de uma relação quotidiana apenas com a requerida reduz tal possibilidade de interacção, com tudo o que isso significa em termos de prejuízo para o desenvolvimento da F.G.
Dito de forma mais simples, inexistindo qualquer elemento concreto que permita afirmar que os convívios quotidianos da F.G. com o requerente são prejudiciais a tal desenvolvimento, a idade que a mesma apresenta aconselha a que conviva com o requerente, do mesmo modo que convive com a requerida, porque só assim estão asseguradas as relações de grande proximidade com ambos os progenitores.
Ou seja, o superior interesse da F.G. determina a necessidade de tais convívios frequentes, incluindo as pernoitas da mesma com o requerente, de modo em tudo semelhante ao que se passaria se se estivesse perante a residência alternada da mesma com cada um dos progenitores.
Tal posição é aquela que vem sendo afirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, como no acórdão de 30/11/2021 (relatado por Pedro de Lima Gonçalves e disponível em www.dgsi.pt), quando aí se refere que a ausência de verificação de quaisquer incapacidades educativas por parte dos progenitores, aliadas à constatação de iguais ligações de afecto ao menor, conduzem ao estabelecimento da residência alternada deste, “atendendo a que: i) as responsabilidades parentais são exercidas no interesse do menor; ii) o objectivo final é obter o contacto, tão próximo quanto possível, do menor com os seus progenitores, de modo a que o menor possa usufruir em pleno, e em termos paritários, do afecto, apoio e segurança que cada um deles lhe proporcionará”, e sendo ainda que “o superior interesse da criança integra uma orientação para o julgador perante o caso concreto, no sentido de que a primazia deve ser dada à figura da criança, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores”.
Do mesmo modo, no já referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/1/2022 ficou afirmado que “no caso de progenitores separados, nem sempre se mostra fácil estabelecer um modo de convivência concomitante do filho com ambos os pais, levando, não raras vezes, a que o filho tenha de residir com um deles, assegurando-se um regime de visitas ou de convívio com o outro”, mais se explicando que é “precisamente para esse tipo de situações que o artigo 1906.º, n.ºs 6 e 8, do CC elege o modelo de guarda conjunta e residência alternada do filho com os dois progenitores como meio privilegiado de proporcionar uma ampla convivência entre o filho e cada um dos progenitores, bem como a partilha das responsabilidades parentais por parte destes”, e advertindo-se ainda que “só assim não será se, atentas, nomeadamente, as aptidões, as capacidades e a disponibilidade de cada progenitor, o superior interesse do filho o não aconselhar”.
Também no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 18/6/2019 (relatado por Ana Rodrigues da Silva e disponível em www.dgsi.pt), ficou referido que, “no que se refere à residência da criança, tem-se verificado uma evolução doutrinária e jurisprudencial no sentido da consagração da residência alternada como a solução mais adequada para o desenvolvimento das crianças, desde que respeitadas as condições mínimas de adequação ao caso concreto e afastados os casos de violência ou de maus tratos a menores”, mais se constatando que “a jurisprudência maioritária admite a residência alternada, mesmo em situações de falta de acordo entre os pais, por ambos pretenderem a residência exclusiva, fundando-a, além do mais, no princípio da igualdade entre os progenitores e no superior interesse da criança”, remetendo-se para a resenha jurisprudencial e doutrinária efectuada no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 7/8/2017 (relatado pelo ora segundo adjunto, proferido no processo 835/17.5T8SXL-A e disponível em https://outrosacordaostrp.com).
E neste acórdão de 7/8/2017 é explicado que “se nada houver contra ou a favor de nenhum dos progenitores, (…) não se deve determinar a residência do filho com a mãe apenas por ele ter uma ‘tenra’ idade, no caso 20 meses”, afirmando-se ainda que “de resto, não se vê que, para efeitos do princípio VI da Declaração dos Direitos da Criança, resolução da AG das NU 1386 (XIV), de 20/11/1959 [… salvo em circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não deve ser separada da sua mãe. …], se deva considerar que a alternância de residências por metades da semana (…) pudesse corresponder à separação da criança da mãe”.
Do mesmo modo, e quanto ao argumento de que a residência alternada “relativa a um filho, de tenra idade, com 20 meses de idade, é prejudicial a este, porque lhe provoca desestabilização nas rotinas e horários e afectos do filho e lhe cria instabilidade, desconfiança e desconforto”, ainda que nesse acórdão se admita genericamente “alguma desestabilização nas rotinas e horários [que] será criada pela residência alternada”, não deixa de se salientar que “essa desestabilização já resultou da separação”, e se manterá em caso de “determinação da residência apenas com a mãe”, mas sendo que “muito mais importante que a manutenção das rotinas e horários, já prejudicados pela separação, é a manutenção da relação muito próxima com o pai, que a residência apenas com a mãe vai prejudicar irremediavelmente”.
Do mesmo modo, ainda, no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 19/11/2020 (relatado por Carlos Castelo Branco e disponível em www.dgsi.pt), depois de se recuperar e acompanhar o posicionamento doutrinário e jurisprudencial maioritário demonstrado no referido acórdão de 7/8/2017, conclui-se que:
I) Na decisão – ainda que provisória - sobre o exercício das responsabilidades parentais, em caso de divórcio, o tribunal procede de harmonia com o interesse da criança, incluindo o de manter uma relação de proximidade com os dois progenitores, devendo privilegiar a decisão que favoreça amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles (cfr. artigo 1906.º, n.º 7, do CC).
II) O direito de visita deve ser entendido como o direito da criança a se relacionar, conviver e a ter contacto com o progenitor a quem não se encontre atribuída a guarda, constituindo, para o progenitor em questão, um poder-dever de se relacionar e conviver com o seu filho, fundamental para a manutenção dos laços afectivos entre ambos e para o completo e harmonioso desenvolvimento e formação da personalidade da criança.
III) A negação ou restrição do direito de visita só se justificará quando ocorra fundamento que justifique a aplicação de uma medida limitativa do exercício das responsabilidades parentais (artigo 1918º do CC) ou uma medida inibitória do exercício de tais responsabilidades (artigo 1915º do CC), devendo a restrição ser proporcional à salvaguarda do interesse da criança e a negação constituir a medida de último termo, incumbindo ao progenitor que pretende impedir as visitas, o ónus de prova de que este convívio é prejudicial para a criança.
IV) Não se verificando motivo para impedir ou restringir as visitas, devem ser possibilitados ao progenitor não guardião amplos contactos com a criança que permitam que o mesmo possa continuar a exercer, cabalmente, as suas responsabilidades parentais para com o filho.
V) No caso dos autos, o interesse superior das crianças, quer na vivência com ambos os pais, quer na convivência entre irmãos, não justifica a adopção de um regime provisório mais restrito que implique o impedimento de pernoita daquelas na residência do progenitor não guardião”.
Em suma, é certo que a determinação dos convívios alargados da F.G. com o requerente, constante do regime provisório instituído pela decisão recorrida, representa materialmente uma solução muito próxima da residência alternada, tendo presente que a cada período quinzenal a mesma passa períodos diurnos sensivelmente idênticos com o requerente e com a requerida, pernoitando ainda com o requerente por cinco vezes em cada um desses períodos quinzenais.
Todavia, não é de acolher a argumentação apresentada pela requerida para sustentar que não pode haver lugar a essa forma de convívios alargados da F.G. com o requerente, porque desrespeita o superior interesse da mesma decorrente da sua tenra idade e da instabilidade provocada pelas mudanças constantes entre as duas residências (da requerida e do requerente), na exacta medida em que os eventuais inconvenientes decorrentes dessas mudanças decorrem desde logo da cessação da vida em comum entre o requerente e a requerida, do mesmo modo não ultrapassando os graves riscos que representaria para o desenvolvimento da F.G. a circunstância de residir apenas com a requerida e de conviver com o requerente apenas em fins de semana alternados, em período diurno e sem qualquer pernoita.
O que faz concluir, sem necessidade de ulteriores considerações, que improcedem na sua totalidade as conclusões do recurso da requerida, não sendo de fazer qualquer censura à decisão recorrida.
***
DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.

26 de Setembro de 2024
António Moreira
Vaz Gomes
Pedro Martins