ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
REQUISITOS
INCONSTITUCIONALIDADE
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário


A admissibilidade do recurso de revista de acórdãos da Relação proferidos sobre decisões interlocutórias da 1.ª instância depende do preenchimento dos requisitos do artigo 671.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Texto Integral

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Recorrentes: AA, BB, CC, DD, EE e FF

Recorrido: GG

I. — RELATÓRIO

1. GG propôs a presente acção de impugnação e de investigação de paternidade contra AA, BB, CC, DD, EE e FF, pedindo que:

“A - Seja reconhecido e declarado que o Autor não é filho de HH, ordenando-se a retificação do seu assento de nascimento, com eliminação da paternidade e dos apelidos.

B - Seja reconhecido e declarado que o Autor é filho biológico do Sr. II, devendo, em consequência, ordenar-se o respetivo averbamento no seu assento de nascimento […]”.

2. Os Réus contestaram, deduzindo designadamente a excepção peremptória de caducidade do direito invocado pelo Autor.

3. O Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho-saneador, em que se determinou a realização de prova pericial para “apreciar se o A não é filho biológico de HH e é filho biológico de II”.

4. Inconformados, os Réus interpuseram recurso de apelação da decisão que determinou a realização de prova pericial.

5. O Tribunal da Relação julgou o recurso de apelação improcedente.

6. Inconformados, os Réus interpuseram recurso de revista, “nos termos do disposto no artigo 673º, alínea a), do Código de Processo Civil”.

7. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Não podem os Réus/Recorrentes concordar com a douta decisão proferida porquanto entendem que a mesma: é nula, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, d) e 666º do Código de Processo Civil, viola o artigo 611º, 663º e 411º do Código de Processo Civil, viola o artigo 1817º, nº1 alínea e) do Código Civil e os artigos 13º, 25º e 26º da Constituição da República Portuguesa;

2. Tem o presente recurso como objeto, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que manteve a decisão constante do douto despacho saneador proferi-do, sendo que, o douto acórdão do qual agora se recorre tem por objeto uma questão de natureza processual proferida pelo Tribunal de Família e Menores de Braga e apreciada pela primeira vez pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do recurso de apelação apresentado pelos Réus/Recorrentes;

3. Assim, os fundamentos da inadmissibilidade da prova pericial, defendidos pelos Réus/Recorrentes nunca foram sujeitos a cognição, ponderação ou análise pelo Tribunal de Família e Menores de Braga, tais fundamentos relativos à inadmissibilidade da prova pericial foram objeto apreciação e de decisão proferida, pela primeira vez, pelo Tribunal da Relação Guimarães e na pendência do processo naquele douto Tribunal;

4. O duplo grau de jurisdição é uma garantia do processo equitativo, consagrado no artigo 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, pelo que, pelo exposto, aplica-se, ao douto acórdão ora em crise, o disposto na alínea a) do artigo 673º do Código de Processo Civil ou seja, o recurso de revista sobre acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação na pendência do processo e em que este Tribunal conhece da questão em causa autonomamente e pela primeira vez;

5. Por outro lado, relegar a impugnação da douta decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães para o recurso de revista a interpor nos termos do disposto no nº 1 do artigo 671º do Código de Processo Civil sempre seria absolutamente inútil, pois que, um eventual provimento do recurso, decretado em momento ulterior, não teria qualquer utilidade quer para a ação, quer na esfera jurídica dos Réus/Recorrentes, ou do Autor/Recorrido;

6. Impugnar a decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães com o recurso de revista que vier a ser interposto da decisão que conhece do mérito da causa, implica no mínimo a realização de atos inúteis, ou seja, implica a própria realização do exame em ADN e a possível e subsequente inutilidade do mesmo;

7. Pois que, pode dar-se o caso de a realização de tal exame ser considerada legalmente inadmissível depois de este ter sido já realizado e com a procedência da hipotética impugnação da decisão ora em crise, apenas afinal e nos termos do disposto no artigo 671, nº 1 do Código de Processo Civil.

8. Em causa está a realização de prova pericial, consubstanciada em exame de ADN sem que, presentemente, exista nos autos um único tema de prova que com a realização de tal diligência se vise apurar, pois o Autor/Recorrido afirma ser irmão dos Réus/Recorrentes mas na sua petição inicial não alegou que a sua mãe manteve relações sexuais de cópula como pai daqueles, nos primeiros 120 (cento e vinte) dias dos 300 (trezentos) que antecederam o seu nascimento, assim sendo, e pelo Tribunal de Família e Menores de Braga não será lícito conhecer esta matéria, aliás, o conhecimento de tal matéria, não alegada, sempre implicaria a nulidade da decisão proferida nos termos do artigo 615º, nº 1 d) do Código de Processo Civil;

9. Admitir a realização daquele exame, perante a hipótese da sua não admissão após realizado, valoriza questões processuais em detrimento dos valores supra mencionados, assim e pelo exposto, a impugnação do douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, apenas e só nos ternos do disposto no nº1, do artigo 671º torná-la-ia inútil;

10. Nestes termos, deve a admissão ou não, da referida prova pericial, consubstanciada na realização do referido exame de ADN ser apreciada de forma definitiva, antes da realização do mesmo, por este Tribunal ad quem;

11. Não podem os Réus/Recorrentes concordar com os fundamentos da decisão ora em crise, isto porque, com a reclamação apresentada nos termos do artigo 652º, nº 3 do Código de Processo Civil, os Réus/Recorrentes não aditaram “novos fundamentos ou questões” – como refere aquela decisão – à pretensão formulada na interposição de recurso;

12. Os Réus/Recorrentes sempre defenderam, nas alegações do recurso de apelação apresentadas, que o Autor/Recorrido não alegou matéria de facto que fundamentasse o seu pedido; Fizeram-no no que concerne à improcedência da ineptidão da petição inicial (e cujo recurso não foi admitido por prematuro) E fizeram-no quando defenderam a não admissão da prova pericial para determinar se o Autor/Recorrido é filho do pai dos Réus/Recorrentes.

13. Nas alegações apresentadas em sede de recurso de Apelação os Réus/Recorrentes, defendiam ter existido a violação do artigo 411º do Código de Processo Civil e afirmaram que iriam exercer o seu direito de reclamar quanto ao despacho que fixa o objeto do litígio e os temas da prova, cfr. transcrição no corpo das alegações;

14. E com a reclamação apresentada nos termos do artigo 652º, nº 3 do Có-digo de Processo Civil mantiveram os Réus/Recorrentes os fundamentos da inter-posição de recurso já constantes das suas alegações, no que à violação do artigo 411º do Código de Processo Civil concerne, cfr. transcrição no corpo das alegações;

15. Assim, da leitura quer das alegações de recurso de apelação, quer da reclamação apresentada nos termos do disposto no artigo 652º nº 3 do Código de Processo Civil sempre sustentaram os Réus/Recorrentes a insuficiência de matéria de facto alegada que legitimasse a realização da prova pericial requerida pelo Autor/Recorrido e para prova de que o mesmo é filho do pai daqueles;

16. Os Réus/Recorrentes, na reclamação apresentada nos termos do disposto no artigo 652º nº3 do Código de Processo Civil limitaram-se a informar os autos que a reclamação que anunciaram fazer – nas sua alegações de recurso – teve provimento e para prova de tal facto juntaram a certidão da ata de audiência pré-via de dia 16.10.2023 que vem instruir aquelas alegações de recurso e a referida reclamação,

17. Com efeito a 06.07.2023 e no prazo de 10 (dez) dias de que dispunham para o efeito, requereram os Réus/Recorrentes a realização de audiência prévia com vista a apresentação de tal reclamação (a qual foi agendada para o dia 16.10.2023) e a 11.07.2023, no prazo legal de 15 (quinze) dias, apresentaram alegações de recurso de Apelação onde aliás mencionaram tal reclamação;

18. Os Réus/Recorrentes não podem ser penalizados pelo facto de as regras processuais determinarem que a decisão relativa à reclamação quanto aos temas de seja posterior à apresentação das alegações de recurso de Apelação nem podem ser penalizados quando as regras processuais determinam formas distintas e prazos de agir diferentes, relativamente àquele mesmo despacho;

19. A ata da diligência de dia 16.10.2023 é consentânea com os fundamentos do recurso de Apelação apresentado pelos Réus/Recorrentes, ou seja, a inexistência de matéria alegada quanto ao momento da conceção do Autor/Recorrido;

20. Nestes termos, apesar de a ata de audiência prévia ser posterior ao despacho recorrido a mesma comporta a confirmação de matéria já alegada aquando da impugnação daquele despacho em sede de recurso, motivo pelo qual deve aquele documento não só ser admitido como apreciado no sentido da inadmissibilidade de tal prova pericial;

21. Não podemos concordar com a douta decisão proferida quando a mesma refere que “decidiu com os elementos que dispunha no momento (…)”, pois que, no momento da decisão o douto Tribunal a quo sabia já da alteração dos temas da prova e consequentemente da inexistência de matéria de facto a provar que justificasse a realização da prova pericial…apesar disso, preferiu o douto Tribunal a quo, ignorar a alteração dos temas da prova e proferir decisão completamente desfasa-da da realidade processual vigente à data em que tal decisão foi proferida;

22. No caso em apreço não só não existe matéria nova alegada, como também, o documento junto (a ata de dia 16.10.2023) confirma os factos alegados pe-los Réus/Recorrentes em sede de recurso e obviamente tem influência no objeto e no destino do recurso, isto porque, com a alteração do despacho que fixa os temas de prova e conforme resulta da ata de dia 16.10.2023, deixou de existir a matéria de facto a provar com a diligência de prova pericial requerida pelo Autor/Recorrido, ou seja, o facto de o Autor/Recorrido ser filho de II deixou de fazer parte dos temas de prova, pelo que não pode de forma alguma ser ordenada a diligência de prova pericial tal qual como surge no douto despacho saneador;

23. Perante a inexistência de um aditamento de “novos fundamentos ou questões” em sede de reclamação apresentada nos termos do artigo 652º, nº 3 do Có-digo de Processo Civil, sempre a questão da inexistência de matéria de facto alegada pelo Autor/Recorrido relativamente à qual o mesmo pretende ver produzida prova pericial, deveria ser apreciada pelo douto Tribunal a quo;

24. Não o fazendo, aquele douto Tribunal fere de nulidade da decisão proferi-da porquanto deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, nos ter-mos do disposto no artigo 615º, nº 1, d) e 666º do Código de Processo Civil, nulidade, essa que fica desde já arguida para todos os efeitos legais e que implica necessariamente a substituição da decisão proferida por outra que, considerando a alteração dos temas da prova e em respeito pelo disposto no artigo 411º do Código de processo Civil, não admita a realização de prova pericial;

25. Sem prescindir e mesmo que se entenda que o documento junto em sede de recurso de apelação - a ata de dia 16.10.2023 – da qual resulta a alteração dos temas da prova contém factos supervenientes, o que conforme alegado não se concede, o certo é que, tais factos supervenientes sempre serão também, factos essenciais pois excluíram dos temas de prova, os factos relacionados com a conceção do Autor/Recorrido e com tal exclusão tornaram ilícita e ilegal a realização de prova pericial, nos termos do disposto no artigo 411º do Código de Processo Civil;

26. Quanto à admissão da alegação e conhecimento de factos essenciais supervenientes em sede de recurso, tal tese era já defendida por Alberto dos Reis que relativamente ao atual artigo 611º do Código de Processo Civil (anterior artigo 663º do Código de Processo Civil de 1961) dizia o seguinte, veja-se “Código de Processo Civil Anotado” (Vol. 5.º). Coimbra: Coimbra editora, 1981, pág 85:“o facto superveniente há –de ser alegado até ao encerramento da discussão; o tribunal só pode tomá-lo em conta se for invocado até esse momento. Mas por encerramento da discussão entende-se tanto o que se verifica na 1.ª instância, como o que se verifica na 2.ª. Suponhamos que o facto ocorre depois de encerrada a discussão na 1.ª instância; já não pode ser atendido na sentença. Mas, se houver recurso, pode o facto ser alegado perante a Relação, contanto que o seja até ao encerramento da discussão neste tribunal. Se ocorrer ou for invocado depois de encerrada a discussão na 2.ª instância, já não pode ser considera-do, ainda que se interponha recurso para o Supremo, visto este tribunal não conhecer de matéria de facto”. (Sublinhado nosso);

27. Quanto à referida matéria pronunciou-se ainda Teixeira de Sousa quanto à junção de documentos em sede de recurso, veja-se “Estudos sobre o processo civil” (2.ª ed.). Lisboa: LEX, 1997, pág 455:“a admissibilidade da apresentação de documentos supervenientes relativos a factos igualmente supervenientes encontra apoio legal no artigo 524.º, n.º2 (e, portanto, no art.º 706.º, n.º1) [ambos do CPC’95], desde que se possa entender que aquele preceito se refere aos factos posteriores a todos os articula-dos, mesmo aos supervenientes” (…) “nos recursos ordinários, pode ser alegado um facto superveniente e apresentada a respetiva prova documental, tanto quando aquele facto e esta prova conduzam à confirmação da decisão impugnada, como quando impliquem a sua revogação”. (Sublinhado nosso);

28. Ainda, Amâncio Ferreira em “Manual dos Recursos em Processo Civil (9ª ed.). Coimbra: Almedina, 2009, pág 156, refere: a Relação “para além de controlar a decisão impugnada tal como foi proferida, também deve levar em conta os factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que ocorrerem até ao encerramento da discussão perante ele, desde que posteriores ao encerramento da discussão na 1.ª instância” (…) “os documentos destinam-se não só à prova dos factos submetidos à consideração do tribunal a quo, como ainda à prova dos factos posteriores ao encerramento da discussão na 1.ª instância”, devendo “ser admitidos documentos destinados a comprovar factos supervenientes estranhos à matéria que é objeto da demanda ou visem pôr termo a esta”. (Sublinhado nosso);

29. Também a jurisprudência vai no sentido da possibilidade da alegação e conhecimento de factos supervenientes em sede de recurso, veja-se: o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.03.2007 em www.dgsi.pt: “Pode o autor, em recurso ordinário, alegar facto superveniente e juntar documento que faça prova desse mesmo facto, desde que o facto alegado e documentado se não situe fora da causa de pedir tal como o autor a concebeu para sustentar o seu pedido.”. (Sublinhado nosso) e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30.05.2018 em www.dgsi.pt: “I – A alegação de factos supervenientes (conhecidos após a apresentação das alegações) é admissível, em sede de recurso ordinário, desde que os factos alegados se não situem fora da causa de pedir tal como a autora a concebeu para sustentar o seu pedido, particularmente, se cumprido o contraditório a parte contrária está de acordo. II - Tais factos devem ser tidos em conta pela Relação, já que a decisão, quer em primeira, quer em segunda instância, deve reflectir sempre a situ-ação de facto existente no momento em que é encerrada a discussão, tal como o prescrevem os arts. 611º e 663º, nº 2 do CPC.”;

30. Nos termos da doutrina citada e da jurisprudência referida sempre a alteração dos temas de prova documentada pela certidão da ata de dia 16.10.2023 deveria ter sido considerada pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães, não o sendo, mais uma vez, incorreu aquele tribunal na nulidade da decisão proferida nos termos do disposto no artigo 615º, nº1, d) e 666º do Código de processo Civil, porquanto, deixou aquele tribunal de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, assim, fica desde já arguida esta nulidade, para todos os efeitos legais e que implica necessariamente a substituição da decisão proferida por outra que, considerando a alteração dos temas da prova e em respeito pelo disposto no artigo 411º do Código de processo Civil, não admita a realização de prova pericial requerida pelo Autor/Recorrido;

31. A douta decisão ora em crise optou por ignorar a realidade processual existente no momento em que foi proferida, e assim violou o disposto no artigo 611º, nº 1 e 2 e 663 nº2 do Código de Processo Civil com o subterfúgio da impossibilidade de conhecer factos essenciais à boa decisão da causa, o que faz com que a douta decisão em nada corresponda com a situação processual vigente e assim admita a realização de prova pericial cuja prova versa sobre matéria não alegada pelo Autor/Recorrido;

32. Ao fazê-lo violou a douta decisão ora em crise, o disposto no artigo 611º nº 1 e 2 e por remissão, o nº2, do artigo 663º do Código de Processo Civil pois devia a douta decisão ora em crise, em cumprimento das normas citadas, espelhar a presente realidade dos autos, isto é, a inadmissibilidade do meio de prova pericial perante ausência do tema de prova que através de tal perícia se pretende provar;

33. Refere a douta sentença ora em crise, que a alegada ineptidão da petição inicial foi julgada improcedente pelo douto despacho saneador proferido, sucede que, como é do conhecimento do Tribunal a quo, recorreram os Réus/Recorrentes de tal improcedência não tendo o recurso em causa sido admitido por prematuro…assim a decisão em causa não transitou, ainda e pelo exposto, em julgado, pe-lo que, não pode tal decisão relativa à improcedência - que apenas tem força de caso julgado formal - servir para fundamentar a inexistência da violação da norma alegada;

34. Chama, ainda, aquela decisão à colação o artigo 410º do Código de Processo Civil e para ao mesmo atribuir uma maior preponderância em relação à norma violada, ou seja, o artigo 411º do Código de Processo Civil;

35. O facto em causa, agora excluído dos temas da prova, a saber: “b) a JJ manteve relações sexuais de cópula com II, nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam 12.06.1962?”, por não ter sido alegado não carece de prova e o facto de o mesmo – erradamente – em tempos ter constado dos temas de prova, não legitima por si só a admissibilidade daquele exame de ADN, pois que, à data em que a douta decisão ora em crise foi proferida, tal já não sucedia;

36. A douta decisão ora em crise, admite a realização de prova pericial para demonstrar um facto que – à data da sua prolação – havia já sido eliminado dos temas da prova e com tal admite a realização de prova pericial quando à data da realização da mesma, o facto que se pretendia provar com tal perícia já não está incluído nos temas da prova;

37. Este entendimento vertido na decisão ora em crise viola de forma clara e flagrante o artigo 411º do Código de Processo Civil, diz aquela norma: “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apura-mento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”, ora, não tendo tal facto sido alegado nem pelo Autor/Recorrido, nem pe-los Réus/Recorrentes – além de não poder constar dos temas de prova – também não pode ser conhecido pela Meritíssima Sra. Juiz do Tribunal de Família e Meno-res de Braga que proferirá decisão;

38. À Meritíssima Sra. Juiz do Tribunal de Família e Menores de Braga não é lícito conhecer dos factos que outrora constavam da alínea b) dos temas da prova, motivo pelo qual nunca poderia o Tribunal da Relação de Guimarães ter ordenado a realização da prova pericial, com vista à prova de tais factos e fazendo-o violou o disposto no artigo 411º do Código de Processo Civil, nestes termos, deve a douta decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães ser revogado sendo substituído por outro que não admita tal meio de prova;

39. Vem a douta decisão ora em crise, justificar a realização da prova pericial mas agora com fundamento nos novos temas da prova resultantes da audiência de dia 16.10.2023 e para prova do seguinte facto: “a) o A GG não nasceu em consequência de relações sexuais havidas entre HH e JJ?”;

40. Mas se a douta decisão ora em crise não pode – como a própria refere-ter em consideração a ata de dia 16.10.2023 porque posterior ao despacho recorrido, para justificar a inadmissibilidade da prova pericial, conforme alegado pelos Réus/Recorrentes…como é que a mesma ata serve agora para justificar a realização da mesma prova pericial? A douta decisão ora em crise é, no mínimo contraditória;

41. Como refere a douta decisão ora em crise e como resulta das alegações de recurso de apelação, os Réus/Recorrentes opõe-se à admissão da realização de prova pericial, a realizar no IML, a qual tem por objeto apreciar se o A. é filho biológico de II, sendo certo que, Réus/Recorrentes são alheios ao afastamento da presunção da paternidade do pai do Autor/Recorrido, pois para prova deste facto: “ o A GG não nasceu em consequência de relações sexuais havidas entre HH e JJ?” não se impõe a realização de exame de ADN aos Réus/Recorrentes;

42. Como é evidente, a falta de matéria alegada que implica a ilegalidade da admissão da prova pericial – exame de ADN – prende-se com a segunda parte daquele despacho, ou seja, apreciar se o Autor/Recorrido “é filho biológico de II. Prazo: 30 dias.”

43. Justificar a realização de uma prova pericial de exame de ADN, à qual os aqui Réus/Recorrentes serão submetidos, para justificar o afastamento da presunção de paternidade do pai do Autor/Recorrente, quando aquele sempre poderia/poderá em juízo ou não, realizar o exame em causa juntamente com os filhos do seu presumido pai implica um ónus muito pesado para os Réus/Recorrentes… pois viola o direito à reserva da intimidade da vida privada e da integridade física dos Réus/Recorrentes ao fazê-los ceder para afastamento de uma presunção à qual aqueles mesmos Réus/Recorrentes são alheios;

44. Não pode colher este argumento, pois viola o princípio da igualdade constante do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa;

45. Sem prescindir, relativamente a tudo quanto o que aqui se expôs quanto à inadmissibilidade da prova pericial – realização de exame de ADN – por violação do disposto no artigo 411º do Código de Processo Civil, defenderam os Réus/Recorrentes, nas alegações do seu recurso de apelação, que perante a possibilidade da procedência da exceção da caducidade do direito do Autor/Recorrido, a apreciar em sede de audiência discussão e julgamento, sempre a realização do exame de ADN deveria ser realizado, apenas e só perante a improcedência de tal exceção;

46. Com efeito, continuam os Réus/Recorrentes a entender que perante a possível extinção do direito do Autor/Recorrido, pelo decurso do prazo de caducidade é prematura a realização daquele exame;

47. Continuam a entender os Réus/Recorrentes, que a justificação relativa a produção de prova de forma unitária constante do douto acórdão, ora em crise, não afasta a alegada violação do disposto 1817º, nº1 alínea e) do Código Civil e dos artigos 25º e 26º da Constituição da República Portuguesa;

48. Mais, não podem os Réus/Recorrentes aceitar com a possibilidade constante da douta decisão que defende a prática de atos que podem ser considerados inúteis pois a realização do exame de ADN em causa, por tudo o que envolve relativamente à reserva da intimidade da vida privada e à integridade física de quem aos mesmos se submete, apenas deve ser concretizada quando não exista qualquer dúvida relativamente à extinção do direito de quem a invoca;

49. Reiteramos que a exceção da caducidade do direito do Auto/Recorrido deve ser apreciada através da produção de prova e só após a improcedência de tal exceção deveria considerar-se a realização da prova pericial;

50. Veja-se que, nas alegações de recurso de apelação apresentadas os Réus/ Recorrentes: não quiseram “negar” ao Autor/Recorrido o direito à prova pericial re-querida, antes defenderam que, antes de a mesma ser ou não determinada deveria haver pronúncia quanto à extinção do direito daquele pelo decurso do prazo de caducidade;

51. Contrariamente ao que se refere no douto acórdão ora em crise, a prova em causa não se destina à prova de factos alegados pelo Autor/Recorrido (que, conforme referido não os alegou);

52. Contrariamente ao que se refere no douto acórdão ora em crise, a questão da improcedência da ineptidão da petição inicial não transitou em julgado;

53. E a admissão da prova pericial nos termos em que foi admitida viola o princípio da igualdade constante do artigo 13º, nº1 da Constituição da República Portuguesa o qual determina que: “ 1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”;

54. Deve manter-se a caução prestada em sede de recurso de Apelação, não obstante o disposto no nº1, do artigo 676º do Código de Processo Civil, pelo que, deve o presente recurso de Revista ser admitido com efeito suspensivo:

55. Nestes termos, deve o presente recurso de Revista ser julgado procedente por provado com a necessária revogação douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo proferida decisão que, com os fundamentos invocados indefira a realização da prova pericial requerida, a qual tem por objeto apreciar se o Autor/Recorrido é filho biológico de II;

TERMOS EM QUE:

Ao julgar procedente o presente recurso de Revista com a revogação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães e substituindo-o por outro que, com os fundamentos invocados indefira a realização da prova pericial requerida, a qual tem por objeto apreciar se o Autor/Recorrido é filho biológico de II, farão V. Exas. SÁBIOS CONSELHEIROS, a habitual, JUSTIÇA!

8. O Tribunal da Relação não admitiu o recurso de revista, em despacho com o seguinte teor:

O acórdão proferido, não admite […] Recurso de Revista, por não se enquadrar em nenhuma das situações previstas no art.º 671º do CPC.

Invocam os recorrentes para o efeito, o disposto no art.º 673º alínea a) do CPC, o qual não é aplicável ao caso dos autos, pois tal preceito é destinado apenas a regular os recursos dos “…acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação…”, ou seja, os acórdãos que constituam decisões interlocutórias, proferidas durante a pendência dos processos em sede de recurso na Relação.

Ora, no caso dos autos, o que se passa é que o acórdão proferido apreciou uma decisão interlocutória proferida na primeira instância, que recaiu apenas sobre a relação processual (art.º 671º nº2, alínea a) do CPC), sendo certo que tais decisões não são, em regra, passíveis de recurso, a não ser nos casos expressamente consagrados nas duas alíneas previstas no nº 2 do preceito (o que não é manifestamente nenhum dos casos dos autos).

Assim sendo, e pelo exposto, não se admite o recurso de Revista interposto pelos RR/recorrentes.

Custas a seu cargo (art.º 527º nº 1 e 2 do CPC).

9. Inconformados, os Réus reclamaram do despacho que não admitiu o recurso, ao abrigo do art. 643.º do Código de Processo Civil.

10. Finalizaram a sua reclamação com as seguintes conclusões:

1. Vem a presente reclamação apresentada do aliás douto despacho, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que não admite o recurso de Revista interposto pelos Réus/Reclamantes, decisão da qual se discorda, com o devido respeito, e cuja revogação, por isso, se propugna;

2. A douta decisão ora em crise, além de partir de um pressuposto errado, que é o de considerar que o “acórdão proferido apreciou uma decisão interlocutória proferida na primeira instância”, padece ainda de falta de fundamentação;

3. Conforme referido no douto despacho de não admissão do recurso, ora em crise, os aqui Réus/Reclamantes fundamentam a interposição deste recurso de Revista na alínea a), do artigo 673º do Código de Processo Civil, ou seja, o caso de Acórdão cuja impugnação com o recurso de revista seria absolutamente inútil mas o douto despacho ora em crise não faz qualquer apreciação relativamente a esta argumentação dos Réus/Recorrentes e limita-se a afastar a aplicação desta alínea a), do artigo 673º ao dizer que: “o que se passa é que o acórdão proferido apreciou uma decisão interlocutória proferida na primeira instância.”

4. O douto acórdão do qual se recorre tem por objeto uma questão de natureza processual proferida pelo Tribunal de Família e Menores de Braga e apreciada pela primeira vez pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do recurso de apelação apresentado pelos Réus/Reclamantes;

5. As questões que resultaram do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, não vêm confirmar qualquer decisão proferida em Primeira Instância porquanto, tais questões surgiram precisamente na pendência dos autos naquele douto Tribunal da Relação de Guimarães;

6. O douto despacho proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães que não admitiu o recurso de revista limitou-se a citar e transcrever as normas legais, que, no seu entendimento justificam a não admissão de recurso, sem no entanto especificar os fundamentos que, no caso concreto justificam a sua decisão;

7. Esta forma de decidir, sucinta, parca e sem que da mesma conste a análise dos fundamentos de admissão de recurso de Revista invocados pelos Réus/Reclamantes nas suas alegações é aliás nula por falta de fundamentação, nulidade essa que fica desde já invocada para todos os efeitos legais, com a necessária revogação do despacho proferido e a sua substituição por outro que admita o recurso de Revista em causa.

8. Determina o artigo 673º, a) do Código de Processo Civil, que: “Os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação apenas podem ser impugnados no recurso de revista que venha a ser interposto nos termos do nº 1 do artigo 671º, com exceção: a) Dos acórdãos cuja impugnação com o recurso de revista seria absolutamente inútil;”;

9. Atentos à letra da norma transcrita, temos que, são dois os requisitos da aplicação da mesma, por um lado, a mesma refere-se aos “acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação”, e por outro, aos “acórdãos cuja impugnação com o recurso de revista seria absolutamente inútil;”;

10. No caso concreto estão verificados os requisitos cumulativos da norma citada que implicarão necessariamente a revogação do despacho de não admissão de recurso proferido, assim, quanto aos: “acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação”, temos que, a decisão objeto de recurso de Revista foi proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães,

11. Para afastar a aplicação desta alínea a), do artigo 673º do Código de Processo Civil, o douto despacho ora em crise qualifica o douto acórdão objeto de recurso de Revista como: O acórdão que: “confirmou a decisão proferida na primeira instância” e “o acórdão proferido apreciou uma decisão interlocutória proferida na primeira instância.”;

12. Tal qualificação não é correta, porquanto, a decisão proferida em Primeira Instância limitou-se, sem qualquer fundamentação ou ponderação, a determinar a realização sem mais da prova pericial requerida;

13. Atentas as regras processuais e o decurso do prazo para interposição de recurso relativamente à admissão de meio de prova (artigo 644º, nº2, d) do Código de Processo Civil, outra alternativa não restou aos aqui Réus/Reclamantes que não fosse a referida interposição de recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães E sem que o Tribunal de Família e Menores de Braga alguma vez se pronunciasse ou esclarecesse os Réus/Reclamantes sobre os fundamentos e razões da admissão daquele meio de prova;

14. Aquele Tribunal de Família e Menores de Braga também nunca apreciou/ponderou os fundamentos da inadmissibilidade da prova pericial, os quais apenas foram invocados pelos Réus/Reclamantes perante o douto Tribunal da Relação de Guimarães;

15. Os fundamentos relativos à não admissão de exames de ADN defendidos pelos Réus/Reclamantes junto do douto Tribunal da Relação de Guimarães nunca foram sujeitos à cognição, ponderação ou análise em primeira instância, pelo Tribunal de Família e Menores de Braga;

16. Pois que, em Primeira Instância, não existiu, assim qualquer decisão sobre os fundamentos de inadmissibilidade da prova pericial, os quais foram invocados pelos Réus/Reclamantes pela primeira vez, perante o douto Tribunal da Relação de Guimarães;

17. Foi na pendência destes autos no Tribunal da Relação de Guimarães que, pela primeira vez, e autonomamente foram suscitadas questões sobre a inadmissibilidade da prova pericial;

18. Não existiu em Primeira Instância qualquer pronúncia sobre as questões relativamente às quais o douto Tribunal da Relação de Guimarães se pronunciou, pela primeira vez no processo, através do douto acórdão datado de 16.02.2024 e que é objeto do recurso de Revista agora não admitido;

19. Contrariamente ao entendimento vertido no douto despacho de não admissão de recurso de Revista e cuja revogação agora se defende, no caso dos autos não existiu qualquer pronúncia em Primeira Instância relativamente aos argumentos defendidos pelo douto Tribunal da Relação quanto à admissão da prova pericial;

20. Não existiu dupla conforme;

21. Os fundamentos relativos à inadmissibilidade da prova pericial foram objeto apreciação e de decisão proferida, pela primeira vez, pelo Tribunal da Relação Guimarães e na pendência do processo naquele douto Tribunal;

22. O duplo grau de jurisdição é uma garantia do processo equitativo, consagrado no artigo 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, sendo que, a não admissão deste recurso de revista viola esta norma de direito fundamental e ainda o disposto na alínea a) do artigo 673º do Código de Processo Civil;

23. O douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães é passível de recurso de revista, porquanto nos termos do disposto na alínea a) do artigo 673º do Código de Processo Civil refere-se aquela norma a acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação na pendência do processo e em que este Tribunal conhece da questão em causa autonomamente e pela primeira vez.

24. Quanto aos: “acórdãos cuja impugnação com o recurso de revista seria absolutamente inútil”, entendemos que, relegar a impugnação da douta decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães para o recurso de revista a interpor nos termos do disposto no nº 1 do artigo 671º do Código de Processo Civil sempre seria absolutamente inútil, pois um eventual provimento do recurso, decretado em momento ulterior, não teria qualquer utilidade quer para a ação, quer na esfera jurídica dos Réus/Reclamantes, ou do Autor/Recorrido;

25. Antes pelo contrário, impugnar a decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães com o recurso de revista que vier a ser interposto da decisão que conhece do mérito da causa, implica no mínimo a realização de atos inúteis pois implica a própria realização da prova pericial em causa, o exame de ADN e a possível e subsequente inutilidade do mesmo;

26. Pode dar-se o caso de a realização de tal exame ser considerada legalmente inadmissível depois de este ter sido já realizado e com a procedência da hipotética impugnação da decisão ora em crise, apenas afinal e nos termos do disposto no artigo 671, nº 1 do Código de Processo Civil;

27. Em causa está a realização de prova pericial, consubstanciada em exame de ADN sem que, presentemente, exista nos autos um único tema de prova que com a realização de tal diligência se vise apurar;

28. Isto é, o Autor/Recorrido afirma ser irmão dos Réus/Reclamantes mas na sua petição inicial não alegou que a sua mãe manteve relações sexuais de cópula como pai daqueles, nos primeiros 120 (cento e vinte) dias dos 300 (trezentos) que antecederam o seu nascimento, pelo que, ao Tribunal de Família e Menores de Braga não será lícito conhecer esta matéria;

29. O conhecimento de tal matéria, não alegada, sempre implicaria a nulidade da decisão proferida nos termos do artigo 615º, nº 1 d) do Código de Processo Civil;

30. Atentos à matéria em discussão nos autos sempre se dirá que a realização daquele exame de ADN, que pode vir a ser um ato totalmente inútil, não é uma questão despicienda pois em causa está o direito à integridade física, à intimidade e reserva da vida privada dos intervenientes processuais;

31. Admitir a realização daquele exame, perante a hipótese da sua não admissão, a final e após realizado, valoriza questões processuais em detrimento dos valores supra mencionados;

32. Assim e pelo exposto, a impugnação do douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, apenas e só nos ternos do disposto no nº1, do artigo 671º torná-la-ia inútil;

TERMOS QUEM QUE,

Por tudo o que aqui ficou exposto, verifica-se ser admissível a interposição de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães a 16.02.2024, atenta a situação de admissibilidade expressa no artigo 673º a) do Código de Processo Civil, pelo que, se requer que o douto despacho impugnado seja revogado sendo proferida decisão que decida admitir o recurso de Revista interposto pelos Réus/Reclamantes, assim se fazendo, a habitual JUSTIÇA!

11. Em 18 de Junho de 2024 foi proferida decisão singular indeferindo a reclamação apresentada pelos Réus, agora Recorrentes.

12. Os Réus, agora Recorrentes, vieram reclamar da decisão singular de 18 de Junho de 2024, requerendo que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão.

13. Finalizou a sua reclamação com as seguintes conclusões:

1. Quanto à nulidade invocada nos termos do disposto no artigo 615º b) do Código de Processo Civil, discordam os Réus/Recorrentes, com o devido respeito do entendimento vertido na douta decisão singular, com o qual aliás se sentem prejudicados;

2. Com efeito, entendem os Réus/Recorrentes que o conceito de nulidade visado na-quela douta decisão não pode ser considerado meramente circunstancial;

3. A nulidade invocada verifica-se, pois o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães limitou-se a optar pela não aplicação de uma norma sem, no entanto, apreci-ar os fundamentos invocados quanto à sua aplicação tal como defendida pelos Réus/Recorrentes;

4. Os Réus/Recorrentes ficam, assim sem saber quais os fundamentos de facto ou de direito relevantes à tomada de decisão, ou seja, quais os fundamentos de facto ou de direito determinantes para a escolha da aplicação daquela norma em detrimento da outra;

5. Não podemos considerar como suficiente a fundamentação constante da decisão que se limita a citar e transcrever as normas legais, que, no seu entendimento justificam a não admissão de recurso, pelo que, a douta decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que não admite o recurso de Revista, é nula pois não especifica os fun-damentos de facto e de direito que a justificam;

6. Quanto à não aplicação ao caso em concreto do disposto no artigo 673º a) do Códi-go de Processo Civil, não podem de igual forma os Réus/Recorrentes conformarem-se com tal decisão pois entendem que a decisão objeto de recurso de Revista, nos termos do disposto no artigo 673º alínea a) do Código de Processo Civil, foi proferida ex novo pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães;

7. Conforme já alegado, quer sem sede de recurso Apelação, quer nas alegações do recurso de Revista, em sede de reclamação, quer conforme consta da douta decisão singular ora em crise (cfr. páginas 7 e 8) presentemente, não existe nos autos um único tema da prova que, com a realização de tal prova pericial – exame de ADN aos Réus/Recorrentes - se vise apurar.

8. Isto é, o Autor/Recorrido, apesar de alegar ser irmão dos Réus/Recorrentes não alegou que a sua mãe manteve relações sexuais de cópula como pai daqueles nos pri-meiros 120 (cento e vinte) dias dos 300 (trezentos) que antecederam o seu nascimento;

9. Esta falta de alegação de matéria de facto, pelo Autor/Recorrido levou à alteração dos temas da prova em sede de audiência prévia resultante de reclamação apresentada pelos Réus/Recorrentes contra tais temas da prova, nos termos dos artigos 593º nº 3 e 596º nº 1 do Código de Processo Civil;

10. Tal audiência prévia ocorreu a 16.10.2023, data em que, o recurso de Apelação estava já pendente no Tribunal da Relação de Guimarães e os Réus/Recorrentes levaram ao conhecimento daquele douto Tribunal a alteração dos temas da prova e consequen-temente a nova versão do despacho saneador que resultou da diligência de audiência prévia ocorrida naquele dia 16.10.2023;

11. A douta decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, leva em conside-ração essa nova versão dos temas da prova, pronuncia-se sobre a mesma e considera ainda assim não existir violação do artigo 411º do Código de Processo Civil, já que a realização daquele exame de ADN sempre servirá para afastar a presunção de paternida-de do presumido pai do Autor/Recorrido, HH (cfr. tudo de folhas 2 a 9 da douta decisão singular);

12. Assim e com um fundamento novo, admite a realização de prova pericial para afas-tamento da paternidade presumida do Autor/Recorrido;

13. Daí afirmarem os Réus/Recorrentes que, em 1ª Instância não existiu qualquer pro-núncia sobre os fundamentos da admissibilidade ou inadmissibilidade da daquela prova pericial, pois conforme alegado, quem apreciou tais fundamentos e justificou a realização de exame de ADN pelos Réus/Recorrentes para afastamento da paternidade presumida, na sequência da alteração dos temas da prova foi o douto Tribunal da Relação de Guima-rães;

14. Perante o novo entendimento exposto no douto Acórdão do Tribunal da Relação objeto de Revista e na sequência da alteração dos temas da prova, a prova pericial serviria apenas para demonstrar que o Autor/Recorrido não é filho do seu presumido pai “ HH” e não para prova de que o mesmo; “ é filho biológico de II.”, facto este não alegado;

15. E perante este novo entendimento, alegaram os Réus/Recorrentes no seu recurso de Revista não admitido, que para a prova de tal facto, ou seja, para a prova de que o Autor/Recorrido não é filho do seu presumido pai “ HH” o exame de ADN dos Réus/Recorrente é inútil sendo apenas necessário o exame de ADN com os irmãos do Autor/Recorrido filhos daquele HH sendo que, tudo o que aqui se expõe surge a folhas 7 e 8 da douta decisão singular ora em crise

16. Torna-se evidente que, a questão em causa não foi proferida em 1ª Instância, apenas e só ao Tribunal da Relação de Guimarães foi solicitada a apreciação da questão da inadmissibilidade da prova pericial, a saber o exame de ADN requerido pelo Au-tor/Recorrido por violação do artigo 411º do Código de Processo Civil e na sequência da alteração dos temas da prova,

17. A douta decisão singular proferida não se pronuncia sobre este facto e apenas refere: “ A decisão de determinar a realização de prova pericial para “ apreciar se o A não é filho biológico de HH e é filho biológico de II” foi proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.”. (cfr. ponto 15), mas como referido e para justificar a não violação do artigo 411º do Código de Processo Civil esta decisão foi alvo de um novo entendimento já em sede de 2ª Instância;

18. Os Réus/Recorrentes não concordam com tal entendimento e, pelo exposto não podem, também concordar com o entendimento vertido na douta decisão ora em crise e que muito os prejudica ao defender a não aplicação ao caso em concreto do disposto no artigo 673º do Código de Processo Civil;

19. Em 2ª Instância foi proferida decisão que admite a prova pericial com o seguinte fundamento: “ apreciar se o A não é filho biológico de HH”;

20. Assim sendo, outro não poderá ser o entendimento a adotar que não a qualificação do douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães como um “acórdão proferido na pendência do processo na Relação”,

21. O qual aliás se pronuncia ex novo sobre questão suscitada unicamente perante aquele Tribunal;

22. Pelo que, sempre o recurso de Revista deveria ser admitido nos termos do disposto no artigo 673º a) do Código de Processo Civil;

23. Por outro lado, ao afastar a aplicação desta norma ao caso em apreço, a douta decisão singular não apreciou o fundamento que consta da alínea a) daquele artigo 673º do Código de Processo Civil, a saber: “acórdãos cuja impugnação com o recurso de revista seria absolutamente inútil;” e quanto ao exposto sempre se dirá que relegar a impugnação da douta decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães para o recurso de Revista a interpor nos termos do disposto no nº 1 do artigo 671º do Código de Processo Civil torná-lo-á absolutamente inútil;

24. O possível provimento do recurso, decretado em momento ulterior ao presente e resultante de recurso a interpor da decisão final, que conheça do mérito da causa implicará a realização de atos inúteis;

25. Esta não admissão de recurso de Revista, relativamente à decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que admite a realização de prova pericial pode implicar a própria realização do exame de ADN e a possível procedência do recurso de Revista a interpor da decisão de mérito, nos termos do disposto no nº1, do artigo 671º do Códi-go de Processo Civil pode implicar a inutilidade daquele mesmo exame de ADN após a realização do mesmo;

26. Existe a possibilidade da realização de tal exame ser considerada legalmente inad-missível depois de este ter sido já realizado, daí a admissibilidade deste recurso de Revis-ta com fundamento na alínea a) do artigo 673º do Código de Processo Civil;

TERMOS EM QUE:

Sobre a presente decisão singular deve recair acórdão que julgue procedente o recurso de Revista interposto pelos Réus/Recorrentes sendo declarada inadmissível, com os fundamentos expostos, a realização da prova pericial ordenada.

14. O Autor, agora Recorrido, respondeu à reclamação, pugnando pela confirmação da decisão singular reclamada.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

15. O Código de Processo Civil distingue os recursos de revista das decisões interlocutórias proferidas pelo Tribunal de 1.ª instância, de quando em quando designadas de decisões interlocutórias velhas, e os recursos das decisões interlocutórias proferidas pelo Tribunal da Relação, de quando em quando designadas de decisões interlocutórias novas.

16. A admissibilidade do recurso de revista das decisões interlocutórias proferidas pelo Tribunal de 1.ª instância depende do preenchimento dos requisitos do artigo 671.º, n.º 2, do Código de Processo Civil:

2. — Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:

a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

17 A admissibilidade do recurso de revista das decisões interlocutórias proferidas, pela primeira vez, pelo Tribunal da Relação depende do preenchimento dos requisitos do artigo 673.º do Código de Processo Civil:

Os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação apenas podem ser impugnados no recurso de revista que venha a ser interposto nos termos do n.º 1 do artigo 671.º, com exceção:

a) Dos acórdãos cuja impugnação com o recurso de revista seria absolutamente inútil;

b) Dos demais casos expressamente previstos na lei.

18. Em concreto, nenhuma dúvida há de que a decisão interlocutória impugnada consistiu em determinar a realização de prova pericial para “apreciar se o A não é filho biológico de HH e é filho biológico de II”.

19. A decisão de determinar a realização de prova pericial para “apreciar se o A não é filho biológico de HH e é filho biológico de II” foi proferida pelo Tribunal de 1.º instância.

20. Estando em causa uma decisão interlocutória proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, o recurso de revista só seria admissível desde que estivessem preenchidos os requisitos do artigo 671.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

21. O requerimento de interposição do recurso deveria indicar o fundamento específico da recorribilidade da decisão interlocutória impugnada 1 — logo, devia indicar qual ou quais das previsões do artigo 671.º, n.º 2, do Código de Processo Civil se encontrava preenchida.

22. Em concreto, os Réus, agora Recorrentes, indicaram como fundamento específico de recorribilidade o artigo 673.º— e, em consequência, não indicaram nenhum dos fundamentos do artigo 671.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

23. O despacho proferido pelo Tribunal da Relação, ao não admitir o recurso de revista, aplicou correctamente as disposições legais relevantes.

24. Os Réus, agora Recorrentes, alegam que, “em Primeira Instância, não existiu, assim qualquer decisão sobre os fundamentos de inadmissibilidade da prova pericial”, pelo que deveria considerar-se que a decisão interlocutória foi proferida em segunda instância, e só em segunda instância.

25. O argumento é, em absoluto, improcedente.

26. Os artigos 671.º, n.º 2, e 673.º do Código de Processo Civil distinguem-se de acordo com um único critério — decisões interlocutórias proferidas pelo Tribunal de 1.º instância e decisões interlocutórias proferidas ex novo pelo Tribunal da Relação.

27. Em consequência, os critérios alternativos — como o da decisão sobre os fundamentos, ou o da fundamentação da decisão sobre a decisão interlocutória — são de todo em todo irrelevantes.

28. Os Réus, agora Recorrentes, alegam ainda que o despacho proferido pelo Exmo. Senhor Desembargador relator é nulo por falta de fundamentação.

29. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que a falta de fundamentação só releva desde que seja absoluta: “o respectivo vício, como é jurisprudência uniforme, apenas ocorre na falta absoluta de fundamentação” — “uma fundamentação insuficiente, errada ou medíocre não constitui causa da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC”. 2.

30. O despacho do Exmo. Senhor Desembargador relator contém uma fundamentação suficiente da decisão, com indicação das disposições legais relevantes e das razões por que, não devendo aplicar-se o artigo 673.º do Código de Processo Civil, não estão preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso de revista.

31. Os Réus, agora Recorrentes, alegam enfim que o despacho impugnado é inconstitucional 3.

32. Ora a distinção entre os recursos de revista das decisões interlocutórias proferidas pelo Tribunal de 1.º instância e pelo Tribunal da Relação não conflitua nem com o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa 4, nem com as disposições equivalentes da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

33. O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado no sentido de que “a Constituição, maxime, o direito de acesso aos tribunais, não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos” 5, pelo que

“o legislador ordinário tem liberdade para alterar as regras sobre a recorribilidade das decisões judiciais, aí se incluindo a consagração, ou não, da existência dos recursos, conquanto, como tem sustentado parte da doutrina […] não suprima em bloco ou limite de tal sorte o direito de recorrer de modo a, na prática, inviabilizar a totalidade ou grande maioria das impugnações das decisões judiciais, ou, ainda, que proceda a uma intolerável e arbitrária redução do direito ao recurso […]” 6.

34. Como o artigo 671.º, n.º 2, do Código do Processo Civil não elimine e não limite, de modo desproporcionado ou, em todo o caso, intolerável, o direito de recurso, não procedem os argumentos de inconstitucionalidade deduzidos pela reclamante.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, indefere-se a presente reclamação e confirma-se o despacho reclamado.

Custas pelos Reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.

Lisboa, 19 de Setembro de 2024

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

Nuno Ataíde das Neves

Oliveira Abreu

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1. Cf. artigo 637.º, n.º 2, do Código Civil.

2. Cf.acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2019 — processo n.º 132/13.5TBPTL.G1.S1.

3. Cf. conclusão 22 da reclamação deduzida contra o despacho do Exmo. Senhor Desembargador relator “22. O duplo grau de jurisdição é uma garantia do processo equitativo, consagrado no artigo 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, sendo que, a não admissão deste recurso de revista viola esta norma de direito fundamental e ainda o disposto na alínea a) do artigo 673º do Código de Processo Civil”.

4. Sobre a relação entre o acesso ao direito e aos tribunais e as regras sobre a admissibilidade e inadmissibilidade dos recursos na jurisprudência do Tribunal Constitucional, vide José Lebre de Freitas / Cristina Máximo dos Santos, O processo civil na Constituição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 166-179.

5. Cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 431/02, de 22 de Outubro de 2002,

6. Cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 100/99, de 10 de Fevereiro de 1999, cuja doutrina foi confirmada, recentemente, p. ex., pelo acórdão n.º 657/2013, de 8 de Outubro de 2013,