ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário


I - O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, ainda que não acarrete uma diminuição dos concretos rendimentos do lesado, mas implique um esforço acrescido ou suplementar para a realização das atividades profissionais e pessoais, constitui um dano futuro indemnizável autonomamente (enquanto dano patrimonial).
II – Tendo o autor, à data do acidente, 19 anos de idade e tendo ficado afetado por um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos, compatível com a atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, exercendo a atividade de carpinteiro de cofragem e ficando com sequelas consistente numa cicatriz com alterações de sensibilidade e perturbação de dores temporomandibulares pós-traumáticas, passando a sentir comichão quando usa capacete de obra, atendendo aos valores que vêm sendo atribuídos pela jurisprudência para casos similares, entende-se justa e adequada a indemnização de €25.000,00 arbitrada pelo dano biológico, na sua dimensão patrimonial.
III - Atendendo a que as lesões sofridas pelo autor lhe determinaram um período de défice funcional temporário total de 2 dias e parcial de 61 dias; um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 63 dias; um quantum doloris de grau 4; um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos (cicatriz com alterações de sensibilidade e perturbação de dores temporomandibulares pós-traumáticas); um dano estético permanente de grau 2, mostra-se adequado o valor de €17.5000,00, para compensar os danos não patrimoniais sofridos.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO
           
AA veio propor contra EMP01..., ..., S.A. – Sucursal em Portugal, a presente ação declarativa de condenação, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 71.585,71, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efetivo pagamento.

Alegou para o efeito que o montante peticionado corresponde aos danos de natureza patrimonial e não patrimonial sofridos em consequência de acidente de viação causado por veículo seguro na ré.
Regularmente citada, contestou a ré, impugnando os danos e a indemnização reclamada pelo autor.

*
Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo.
*
Afinal, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente condenando a ré no pagamento da quantia de € 9.909,36, acrescida de juros contados desde data da citação sobre a quantia de € 309,36, e desde a data da prolação da decisão sobre a quantia de € 9.600,00, à taxa legal de 4%, até integral e efetivo pagamento.
*
Inconformado com a sentença veio o autor interpor recurso, que finaliza com as seguintes conclusões:

1ª - O Recorrente discorda da sentença que pôs termo ao processo à margem identificado, sendo duas (2) as razões dessa sua discordância:
a) a não condenação da Recorrida no pagamento de uma indemnização ao Recorrente pelo défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos de que o mesmo ficou a padecer em consequência do sinistro;
b) o quantum indemnizatório manifestamente insuficiente arbitrado para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente.

I - DO NÃO ARBITRAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO PELO DÉFICE-FUNCIONAL SOFRIDO PELO RECORRENTE EM CONSEOUÊNCIA DO SINISTRO:

2ª - Discutida a causa. o tribunal a quo deu como provado que:
a) as lesões sofridas pelo Autor/Recorrente em consequência do sinistro lhe determinaram "Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos (cicatriz com alterações de sensibilidade e perturbação de dores temporomandibulares pós-traumáticas)" ¬alínea iiii) dos Factos provados da sentença recorrida.
b) as sequelas descritas são. em termos de Repercussão Permamente na Actividade Profissional. compatíveis com o exercício da actividade habitual. mas implicam esforços suplementares - ponto jjjj) dos Factos provados da sentenca recorrida.
3ª - Tal como resulta do relatório do exame médico do IML. o Défice-Funcional da
Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos foi atribuído devido a duas sequelas (dr. item "Discussão" do Relatório pericial do IML - pago 6):
a) cicatriz com alterações de sensibilidade (Pa 0101)
b) perturbação de dores temporo mandibulares (Se 0707)
4ª - Como resulta desse mesmo exame médico. o Recorrente manifestou queixas de:
a) fenómenos dolorosos junto ao angulo da mandibula à direita quando faz muito frio ou ao abrir totalmente a boca;
b) alterações de sensibilidade no couro cabeludo rodeando a cicatriz;
c) comichão na cicatriz com o uso do capacete de obra (cfr. alínea hhhh) dos Factos provados).
5ª - Ora. tendo em conta que o Recorrente é trabalhador da construção civil - cofrador carpinteiro de cofragem (alíneas 0000). pppp) dos Factos provados da sentença recorrida) - a Senhora Perita do IML considerou que as sequelas de que o mesmo ficou a padecer em consequência do sinistro implicam esforços suplementares.
6ª - Na verdade. sendo o Recorrente trabalhador da construção civil e sendo o uso de capacete obrigatório em obra. a comichão na cicatriz com o uso desse mesmo capacete são um factor perturbador do exercício da actividade e. nessa medida. implicam esforços suplementares.
7ª - O A./Recorrente não padecia dessa sequela antes do sinistro.
8ª - Pelo que. atento o disposto nos artºs. 562°. 563°. 564° e 566° do Cód. Civil, não poderá esse dano deixar de ser indemnizado. atribuindo-se uma indemnização pelos danos futuros sofridos pelo Autor/Recorrente em consequência da redução da capacidade de ganho decorrente dos esforços suplementares que lhe são exigidos pelo Défice-Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos.
9ª - Para calcular essa indemnização. terá que ser levado em linha de conta:
a) que à data do acidente o Recorrente contava 19 anos e que se encontrava a estudar (alíneas kkkk) e llll) dos Factos provados);
b) que. à data da entrada da presente ação. o mesmo se encontrava já a trabalhar como carpinteiro de cofragem. auferindo uma remuneração mensal de €2.791.00 (alíneas 0000). pppp). qqqq). rrrr) e ssss) dos Factos provados);
c) que a expectativa de vida do Recorrente é de, pelo menos, mais 59 anos - de acordo com os elementos fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística, actualmente a esperança de vida à nascença foi estimada em 81 anos para o total da população, sendo de 78 anos para os homens e de 83 anos para as mulheres (vide www.ine.pt).
10ª - Ponderados todos os referidos elementos e a jurisprudência, afigura-se-nos que, com recurso à equidade, o quantum da indemnização pelo dano patrimonial futuro sofrido pelo Recorrente em consequência do sinistro deve situar-se no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).
11 ª - Ao decidir de forma diversa, o tribunal a quo violou, entre outras, as disposições dos artº.s 562°, 563°, 564°, n° 1 e 2, 566° e artº. 70° do Cód. Civil, bem como o artº. 25°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa.
12ª - Deve, pois, a sentença recorrida ser revogada nessa parte, condenando-se a Recorrida a pagar ao Recorrente uma quantia não inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros) para ressarcimento do dano futuro por si sofrido em consequência do sinistro.

II - DA INDEMNIZACÃO ARBITRADA PARA RESSARCIMENTO DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS:

13ª - A indemnização de € 12.000,00 arbitrada para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente em consequência do sinistro é manifestamente insuficiente para ressarcir a extensão e gravidade dos mesmos.
 14ª - Os factos que resultaram provados sob as alíneas 000), ppp), qqq), rrr), sss), ttt), uuu) , vvv), www), xxx), yyy), zzz), aaaa), bbbb), cccc), dddd) , eeee), ffff), gggg), hhhh), iiii) e jili) dos Factos provados, traduzem-se em danos não patrimoniais que, pela sua gravidade e extensão, merecem a tutela do direito, não devendo a indemnização destinada a ressarci-los ser computada em quantia inferior a €20.000,00 (vinte mil euros).
15ª - Ao decidir de forma diversa, o tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do artº, 496º, nº 1 e 4 do Código Civil.
16ª - Pelo que deve a sentença recorrida ser revogada também nesta parte, devendo ser proferido douto acórdão que condene a Recorrida a pagar ao Recorrente uma indemnização pelos danos não patrimoniais por este sofridos em consequência do sinistro de montante não inferior a € 20.000,00 (vinte mil euros).
17 ª - Assim, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e, em sua substituição, proferindo-se douto acórdão que:
• condene a Recorrida a pagar ao Recorrente uma indemnização pelo dano futuro decorrente do Défice Permamente para a Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos de que o mesmo ficou a padecer;
• fixe o quantum indemnizatório do dano patrimonial futuro sofrido pelo Recorrente em montante não inferior a € 50.000,00;
 • condene a Recorrida a pagar ao Recorrente uma indemnização por danos não patrimoniais de montante não inferior a € 20.000,00;
• mantenha todo o demais decidido.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e proferindo-se, em sua substituição, douto acórdão em conformidade com as conclusões supra-formuladas.
*
A Recorrida contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do decidido.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

A questão decidenda a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, é a de saber se existiu erro na fixação da compensação devida pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo autor.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
3.2.1. Factos Provados

Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
a) No dia 12 de Julho de 2021, pelas 06,00 horas, ocorreu um acidente detrânsito, na Estrada ..., ..., no lugar de ..., freguesia ..., concelho ...;
b) Nesse acidente, foram intervenientes os seguintes veículos automóveis: (i) veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-..; (ii) veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-AE;
c) O direito de propriedade incidente sobre o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-.. encontrava-se, à data, inscrito na Conservatória do Registo Automóvel a favor de BB, conforme se retira do teor da certidão junta aos autos de fls. 38-38v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
d) E, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, era por ele próprio conduzido;
e) O direito de propriedade incidente sobre o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-AE encontrava-se, à data, inscrito na Conservatória do Registo Automóvel a favor de CC, conforme se retira do teor da certidão junta aos autos de fls. 39v a 41 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
f) E, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, era, também, por ele próprio conduzido;
g) A Estrada Nacional nº ...02, no preciso local do sinistro que deu origem à presente acção, configura uma curva, muito fechada e apertada, pois essa curva configura um ângulo recto – configura um ângulo de noventa (90º) graus;
h) Descrita para o lado direito, tendo em conta o sentido de marcha ..., ou seja, ...;
i) Essa curva é precedida de um sector de recta, com um comprimento superior a duzentos metros, para quem circula pela Estrada Nacional nº ...02, no sentido ..., ou seja, ...;
j) E é seguida de um outro sector de recta, com um comprimento superior a cem metros, para quem circula no indicado sentido de marcha: ..., ou seja, ...;
k) A faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02 tem uma largura de 06,30 metros;
l) O seu piso era, como é, pavimentado a asfalto;
m) O tempo estava bom e seco;
n) E o pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02 encontra-se limpo, seco e em bom estado de conservação, pois não apresentava quaisquer ondulações, fissuras, soluções de continuidade ou buracos;
o) Pelas suas duas margens, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02 apresentava e apresenta bermas, também pavimentadas a asfalto, com uma largura de: (i) 0,80 metros, a situada na margem direita da referida via, tendo em conta o sentido ..., ou seja, ...; (ii) 00,20 metros, a situada do lado esquerdo, tendo em conta o mesmo indicado sentido de marcha: ..., ou seja, ...;
p) Essas duas referidas bermas encontram-se separadas do pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Estrada Nacional, através de linhas, pintadas a cor branca: LINHAS DELIMITADORAS CONTINUAS;
q) O plano configurado pelo pavimento asfáltico das duas referidas bermas encontra-se situado ao mesmo nível do plano configurado pelo pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02;
r) Pelo lado exterior das duas bermas asfálticas, existiam e existem, ainda, pelas duas margens da referida via, regos ou valetas, destinadas ao escoamento e drenagem das águas pluviais, com o seu leito térreo, com a largura de 01,00 metro e com a profundidade de 0,40 metros;
s) Quem circula no sentido ..., ou seja, ... e se aproxima da supra-referida curva - no preciso local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção -, apenas consegue avistar a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02 e as suas bermas asfálticas, em toda a sua largura, no sentido Nascente, ou seja, em direcção a ..., ao longo de uma distância não superior a quinze metros
t) A distância referida no precedente artigo 33º, desta petição inicial, é ditada pela existência da curva, que a Estrada Nacional nº ...02 configura, no preciso local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, com um ângulo de noventa (90º) graus, descrita para o lado direito, tendo em conta o sentido ..., ou seja, ...;
u) No local do sinistro que está na génese da presente acção e antes de lá chegar, para quem circula em qualquer dos seus dois sentidos de marcha, a Estrada Nacional nº ...02 apresentava e apresenta, pelas suas duas margens, casas de habitação e estabelecimentos comerciais, todos eles com os seus respectivos acessos a deitar directamente para a faixa de rodagem da referida via: Estrada Nacional nº ...02;
v) O local onde eclodiu o acidente de trânsito que está na génese da presente acção situa-se numa zona da Estrada Nacional nº ...02, que se situa entre as placas, fixas em suporte vertical, que avisam e assinalam e existência e a presença do núcleo urbano, comercial, habitacional, freguesia e localidade de ..., freguesia ..., concelho ...;
w) No preciso local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção e antes de lá chegar, para quem circula em qualquer dos sentidos de marcha, existia e existe, sobre o eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02, pintada a cor branca, uma linha contínua;
x) Essa linha contínua prolongava-se e prolonga-se, do local do sinistro, no sentido Nascente, em direcção a ..., ao longo de uma distância de mais cem metros;
y) E, do local do sinistro, no sentido Poente, em direcção a ..., ao longo de uma distância superior a duzentos metros;
z) Para quem circula pela Estrada Nacional nº ...02, no sentido ..., ou seja, ..., deparava-se, à data do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, como ainda se depara, ainda, na presente data, antes de chegar ao preciso local do embate, fixos em suporte vertical, com os seguintes sinais de trânsito: (i) a uma distância de quinhentos metros, com um sinal, de forma circular, com a sua orla pintada a cor vermelha, com o seu fundo branco, sobre o qual se encontrava, como se encontra, pintada a cor preta, a inscrição “50”; (ii) a uma distância de quatrocentos metros, fixo em suporte vertical, com um sinal de forma quadrangular, com o seu fundo azul, sobre o qual se encontra escrita, em cor branca, a inscrição “40”; (iii) a essa mesma distância de quatrocentos metros e sobre o sinal referido no precedente item (ii), fixo em suporte vertical, com um sinal de forma triangular, com a sua orla vermelha e com o seu fundo branco, sobre o qual se encontram, pintadas a cor preta, duas silhuetas de crianças, de forma estilizada, em jeito de passo de corrida, segurando na mão uma da outra; (iv) a uma distância de trezentos e cinquenta metros, fixo em suporte vertical, com um sinal de forma triangular, com a sua orla vermelha e com o seu fundo branco, sobre o qual se encontra, pintada a cor preta, uma silhueta de pessoa humana, em jeito de caminhar sobre uma zona de traços pretos; (v) a uma distância de trezentos metros, com um sinal, de forma circular, com a sua orla pintada a cor vermelha, com o seu fundo branco, sobre o qual se encontravam, como se encontram, pintadas duas silhuetas de veículos automóveis, sendo a do lado direito pintada a cor preta e do lado esquerdo pintada a cor vermelha; (vi) a uma distância de duzentos e cinquenta metros, com uma passadeira destinada ao atravessamento de peões; (vii) imediatamente antes dessa passadeira, com um sinal, fixo em suporte vertical, de forma quadrangular, com o seu fundo azul, sobre o qual se encontra, pintado um triângulo, a cor branca e sobre este, pintada a cor preta, uma silhueta humana, em jeito de caminhar sobre uma zona de traços pretos; (viii) a uma distância de setenta metros, com um sinal, fixo em suporte vertical, de forma triangular, com a sua orla vermelha e com o seu fundo branco, sobre o qual se encontra, pintada a cor preta, uma seta com desenho de curva à direita; (ix) a uma distância de cinquenta metros, com um sinal, de forma circular, com a sua orla pintada a cor vermelha, com o seu fundo branco, sobre o qual se encontravam, como se encontram, pintadas duas silhuetas de veículos automóveis, sendo a do lado direito pintada a cor preta e doa lado esquerdo pintada a cor vermelha;
aa) A Estrada Nacional nº ...02 encontrava-se, à data da deflagração do sinistro que deu origem à presente acção, apresentava-se e apresenta-se, na presente data, aberta aos dois sentidos de trânsito;
bb) Para o efeito, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02 apresentava-se e apresenta-se subdividida em duas hemifaixas de rodagem, com uma largura de 03,15 metros, cada uma, divididas e separadas entre si através de uma linha contínua, pintada a cor branca;
cc) A hemifaixa de rodagem, resultante da supra-referido subdivisão, situada do lado Sul, destina-se ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido ..., ou seja, ..., e a hemifaixa de rodagem, resultante da supra-referido subdivisão, situada do lado Norte, destina-se ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Nascente-Poente, ou seja, ...;
dd) No dia 12 de Julho de 2021, pelas 06,00 horas, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula transitava pela Estrada Nacional nº ...02;
ee) O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-.. desenvolvia a sua marcha, no sentido ..., ou seja, ...;
ff) Inicialmente, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-.. circulava pela metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha ..., ou seja, ...;
gg) O condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-.. - BB - conduzia de forma completamente distraída, pois não prestava qualquer atenção à actividade – condução – que executava, nem prestava qualquer atenção aos restantes veículos automóveis que, na altura, transitavam pelas Estrada Nacional nº ...02, nos seus dois sentidos de marcha;
hh) Além disso, o BB imprimia ao veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-.. uma velocidade superior a cento e sessenta e sete (167,00) quilómetros por hora;
ii) Por outro lado, o BB, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,13 gramas por litro;
jj) Aquela taxa de álcool no sangue diminuía-lhe os reflexos, o campo frontal e periférico de visão, a acuidade visual, a faculdade de domínio do IU, a faculdade de efectuar manobras tendentes a evitar obstáculos e acidentes;
kk) E retirava-lhe a percepção da velocidade que imprimia ao veículo automóvel que conduzia;
ll Imprimindo-lhe um estado de espírito eufórico, de excessiva e injustificada autoconfiança na condução automóvel;
mm) Por essa razão, o BB, ao passar a descrever a curva que a Estrada Nacional nº ...02 configura, no preciso local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção – descrita para o lado direito, tendo em conta o sentido ..., ou seja, ... -, perdeu, por forma completa, o domínio e o controlo do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-.., que tripulava;
nn) Não travou o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-..;
oo) Não reduziu a velocidade, superior a 167,00 quilómetros por hora;
pp) Ao passar a descrever a curva que a Estrada Nacional nº ...02 configura no local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção – descrita para o lado direito, tendo em conta o sentido ..., ou seja, ... -, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-.. entrou em total despiste e absoluto descontrolo;
qq) Desse modo, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-.. inflectiu, de forma completamente descontrolada, para o seu lado esquerdo e transpôs, para o seu lado esquerdo, o eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02;
rr) Onde, nesse preciso local, sobre o eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Nacional, existia e existe, pintada a cor branca, uma linha contínua;
ss) O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula invadiu, totalmente, a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02, tendo em conta o sentido ..., ou seja, ...: invadiu a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...;
tt) Até que, sem sequer travar e sem reduzir a velocidade de que seguia animado – superior a cento e sessenta e sete (167,00) quilómetros por hora -, o BB foi embater, como embateu, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-.., contra o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-AE, tripulado pelo supra-referido CC;
uu) O qual – veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-AE -, naquele preciso momento, transitava, também, pela Estrada Nacional nº ...02;
vv) O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-AE – tripulado pelo CC – desenvolvia a sua marcha em sentido inverso ao seguido pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-.., tripulado pelo BB;
ww) Ou seja, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-AE – tripulado pelo CC –, naquele preciso momento, transitava pela Estrada Nacional nº ...02;
xx) O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-AE – tripulado pelo CC – desenvolvia a sua marcha através da metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...;
yy) Rigorosamente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02, tendo em conta o indicado sentido de marcha: Nascente-Poente, ou seja, ..., animado de uma velocidade muito reduzida, não superior a quarenta quilómetros, por hora;
zz) Sendo certo que quando o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-.. – tripulado pelo BB – transpôs o eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02;
aaa) E, no momento em que o BB invadiu, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-.., a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02, tendo em conta o sentido ..., ou seja, ...;
bbb) O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-AE – tripulado pelo CC – encontrava-se já muito próximo dele - do ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-.. – a uma distância não superior a dez metros;
ccc) O condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-AE ainda travou a fundo o veículo automóvel que tripulava;
ddd) Desse modo, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-.. – tripulado pelo BB – foi embater, como embateu, de forma violenta, contra o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-AE, tripulado pelo CC;
eee) O embate verificou-se totalmente sobre a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02, tendo em conta o sentido ..., ou seja, ...: totalmente sobre metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ..., que esta reservada à circulação do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-AE, tripulado pelo CC;
fff) E essa colisão verificou-se entre a parte frontal, mais à esquerda, do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-.., conduzido pelo BB e a parte frontal, mais à esquerda, do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-AE, conduzido pelo CC;
ggg) Após a supra-referida colisão, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-.., conduzido pelo BB, ficou imobilizado, totalmente sobre a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02, tendo em conta o sentido ..., ou seja, ...: totalmente sobre metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ..., que está reservada à circulação do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-AE, tripulado pelo CC;
hhh) Com a sua parte frontal apontada no sentido Nascente, em direcção a ...;
iii) E com a sua parte traseira apontada no sentido Poente, em direcção a ...;
jjj) Após a supra-referida colisão, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-AE, tripulado pelo CC, ficou imobilizado, com a sua parte frontal apontada no sentido Poente, em direcção a ..., e com a sua parte traseira apontada no sentido Nascente, em direcção a ...;
kkk) Por forma a ocupar, como ocupava, a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ... (sentido de marcha correspondente ao ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-AE): totalmente sobre metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº ...02, tendo em conta o sentido ..., ou seja, ... (sentido de marcha correspondente ao ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-..);
lll) Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, o Autor – AA – seguia, como passageiro, no veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-..;
mmm) O Autor - AA – seguia, deitado, no banco de trás do referido veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IU-.., tripulado pelo BB
nnn)     E não usava cinto de segurança;
ooo) Em consequência do embate supra descrito, o Autor sofreu lesões corporais várias, nomeadamente traumatismo da cabeça, traumatismo da face, golpe, ferida incisa, na testa, traumatismo do olho direito, hematoma do olho direito, hemorragia do olho direito, hemorragia ocular direita, fractura de um dente incisivo da arcada inferior, fractura simples da coroa do dente 42 (inferior), envolvendo esmalte e dentina – com necessidade de restauração em resina composta, fractura orbital, fractura do osso da órbita ocular direita, fractura linear do tecto orbitário à direita, hematomas e escoriações espalhados pelo corpo;
ppp) O Autor foi transportado pela ambulância do INEM, para o Hospital ..., de ..., EPE;
qqq) Em maca, imobilizado, com cintas, e em plano duro e com colar cervical;
rrr) Onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respectivo serviço de urgência e efectuados exames radiológicos a todas as regiões do seu corpo atingidas, designadamente, TACs à região do crânio e à região da coluna cervical;
sss) Foram-lhe, aí, prescritos medicamentos vários, nomeadamente, analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos;
ttt) Foi-lhe, aí, suturada a ferida incisa sofrida na testa – região frontal – com a aplicação de dez pontos de seda;
uuu) O Autor, no próprio dia da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, foi transferido para o Hospital ...;
vvv) Aí foi observado pela especialidade de oftalmologia e pela especialidade de cirurgia maxilofacial devido à fractura do osso do sobrolho direito;
www)  O Autor manteve-se no Hospital ... até à manhã do dia seguinte, momento em que lhe deram alta;
xxx) Regressou a sua casa, onde esteve uma semana acamado, em repouso;
yyy) Semana durante a qual necessitou dos cuidados de terceira pessoa, que lhe foram prestados pela sua mãe;
zzz) Durante esse período de tempo, o Autor tomou todas as suas refeições diárias no leito, à base de alimentos passados e líquidos;
aaaa)   No dia 30 de Julho de 2021, o Autor obteve uma consulta da Especialidade de Estomatologia – Medicina Dentária -, na EMP02... – ..., LDA.”;
bbbb) Onde a médica dentista Dra. DD diagnosticou, ao Autor, fractura simples da coroa do dente 42, envolvendo esmalte e dentina;
cccc) O Autor obteve a sua consolidação médico-legal, no dia 08.09.2021;
dddd)   Em consequência do embate supra descrito e das lesões sofridas, o Autor ficou com uma cicatriz linear rosada, irregular, não quelóide, na região frontal direita, prolongando-se à linha de inserção capilar e ligeiramente para a direita da linha média, medindo 10 centímetros de comprimento;
eeee) Ficou a padecer de alterações de sensibilidade na região em redor da cicatriz, sobretudo em topografia superior e posterior à cicatriz, com diminuição de sensibilidade;
ffff) Ficou a padecer de ressalto na articulação temporomandibular (ATM), mais notório à esquerda;
gggg)   Sente dores junto ao ângulo da mandíbula à direita, quando faz muito frio e ao abrir totalmente a boca;
hhhh)   Passou a sentir comichão na cicatriz quando usa capacete de obra; iiii) As lesões sofridas pelo Autor determinaram-lhe:
• Um Período de Défice Funcional Temporário Total de 2 dias;
• Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 61 dias;
• Um período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 63 dias;
• Um quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de 1 a 7;
• Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos (cicatriz com alterações de sensibilidade e perturbação de dores temporomandibulares pós-traumáticas);
• Um Dano Estético Permanente fixável no grau 4, numa escala de 1 a 7;
• Um Dano Estético Permanente de grau 2, numa escala de 1 a 7;
jjjj) As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares;
kkkk)   O Autor nasceu no dia ../../2002, conforme cópia da certidão junta aos autos a fl. 72 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
llll) À data da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, o Autor encontrava-se, ainda, a estudar;
mmmm) E frequentava o Curso Profissional de Técnico de Electrónica, Automação e Comando, na Escola Profissional ... -, na Empresa “EMP03..., LDA., com sede na Zona Industrial ..., concelho ..., onde auferia: (i) a quantia de 4,67 €, a título de subsídio de alimentação, pagos pela ..., de ...; (ii) a quantia de 30,00 €, por mês, a título de subsídio de transporte, pagos pela ..., de ...; (iii) a quantia de 665,00 €, por mês, pagos pela sociedade “EMP03..., LDA.”; (iv) uma hora extraordinária, por dia, no valor de 5,00 €, pagos pela sociedade “EMP03..., LDA.”; (v) a quantia de 40,00 €, aos sábados, a título de trabalho extraordinário, pagos pela sociedade “EMP03..., LDA.”;
nnnn)   No dia 22 de Julho de 2021, o Autor concluiu o Curso Profissional em Electrónica, Automação e Comando, conferindo o nível 4 de qualificação do Quadro Nacional de Qualificações, que corresponde ao nível 4 de 4 de qualificação do Quadro Europeu de Qualificações, com a classificação final de treze (13,00) valores;
oooo)   A partir do dia 27 de Setembro de 2021, o Autor passou a trabalhar, em ..., no desempenho da profissão de “COFRADOR” – Carpinteiro de cofragens;
pppp)   Por conta da sociedade “EMP04..., S.L.”;
qqqq)   Na reconstrução e ampliação do Hospital ..., em ..., ...;
rrrr) Onde auferia o rendimento do seu referido trabalho, no valor de 9,00 €, à hora, ao longo de dez horas por dia, de segunda a sexta-feira de cada semana;
ssss) Auferindo o seguinte rendimento mensal do seu trabalho, em dinheiro e em espécie: (i) ordenado e demais acréscimos: € 1.591,00; (ii) a quantia suplementar, por transferência bancária: € 500,00; (iii) alojamento em apartamento: € 500,00; (iv) viagens de ida e regresso, todas as semanas: € 200,00; no valor global de € 2.791,00;
tttt) O Autor em consequência das lesões e sequelas sofridas despendeu os seguintes valores: (i) consultas médicas, € 40,00; (ii) medicamentos € 93,96; (iii) portagens € 5,75; (iv) consulta hospitalar/Hospital ... € 7,00; (v) custo de 2 certidões da Conservatória Automóvel € 34,00; . custo de 1 certidão de nascimento/Reg. Civil € 10,00; custo de 1 certidão da GNR-Part. Ac. de Viação € 95,00;
uuuu)   Em consequência do embate supra descrito, o Autor ficou com as seguintes peças de vestuário e calçado destruídas: (i) 1 camisa Tifosi, € 40,00; (ii) 1 par de calças Tifosi, € 50,00; (iii) 1 casaco/tipo fato de treino – ..., € 60,00; (iv) 1 par de ténis – ..., € 90,00;
vvvv)   Para a Ré estava transferida, à data do embate, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo de matrícula ..-IU-.., através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ...80.
*
3.1.2. Factos Não Provados
Inversamente, foram dados como não provadas os factos alegados:
Da petição inicial: artigos 129º, 144º a 159º, 165º a 167º, 168º a 180º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea iiii), 181º a 197º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas dddd) a jjjj), 207º e 211º a 224º, 230º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea tttt).
*
3.2. O Direito
3.2.1. A indemnização pelo dano biológico na sua vertente patrimonial e o dano não patrimonial
Dano biológico na vertente patrimonial
O Tribunal a quo, apreciando a ressarcibilidade e o enquadramento jurídico da perda da capacidade de ganho e consequentes danos futuros considerou que dada a natureza das sequelas em causa, os danos futuros, na dimensão de perda de rendimento não são previsíveis, uma vez que os esforços suplementares dizem respeito, apenas, à gestão psicológica do desconforto causado pela comichão no uso do capacete e da dor no ângulo da mandíbula à direita.
Por essa razão entendeu não atribuir qualquer indemnização ao autor a título patrimonial (perda da capacidade de ganho) derivado do défice permanente de 3 pontos.
O autor discorda deste entendimento, pugnando pela fixação de uma indemnização a este título.
Vejamos então se assiste razão ao Recorrente.
O segmento impugnado reconduz-se à questão da necessidade (ou não) de demonstração de uma diminuição efetiva no rendimento proveniente do trabalho por força do défice funcional permanente e a forma da sua valoração.
Esta questão convoca para a sua apreciação o chamado dano biológico.
O dano biológico vem sendo entendido como um dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais.[1]
A jurisprudência, de um modo consensual, tem vindo a reconhecer o dano corporal ou biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido[2].
Não é de agora que se vem considerando a ressarcibilidade do dano biológico, sendo particularmente impressivas as considerações expendidas a este propósito no acórdão do STJ de 10 de outubro de 2012[3], onde se diz que a compensação do dano biológico "tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
A perda relevante de capacidades funcionais, acrescenta o acórdão, constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, que condiciona, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável. Conclui-se que, nesta perspetiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal.
Este entendimento foi reafirmado no recente Ac. do STJ de 07 de março de 2023 em cujo sumário se pode ler: “I - A compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão pelo lesado traduzida em perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o afete mas, inclui também a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as deficiências funcionais de maior ou menor gravidade que constituem sequela irreversível das lesões sofridas. II - A perda relevante de capacidades funcionais - mesmo que não ou não totalmente refletida no valor dos rendimentos obtidos pelos lesado nomeadamente por este se encontrar já reformado - constitui uma redução no trem de vida quotidiano com reflexos de indemnização em termos patrimoniais uma vez que a esperança de vida não confina à denominação de vida ativa com rebate exclusivo no exercício de uma profissão”[4].
   No desenvolvimento do quadro conceptual assim definido, na sua vertente patrimonial, o dano biológico pode ser considerado, por um lado, quanto à perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual ou específica, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir; por outro lado, quanto à perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.
Em suma, como bem se resumiu no Ac do STJ de 2 de junho de 2016, o dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis[5].      
Independentemente da forma como seja visto ou classificado, este dano é sempre ressarcível e como dano autónomo, indemnizável em si mesmo, independentemente de se verificarem consequências para o lesado em termos de diminuição de proventos[6].
Dito de outro modo, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, ainda que não acarrete uma diminuição dos concretos rendimentos do lesado, mas implique um esforço acrescido ou suplementar para a realização das atividades profissionais e pessoais, constitui um dano futuro indemnizável autonomamente (enquanto dano patrimonial), pelo que a invocação de não se ter demonstrado que o autor teve uma efetiva perda de rendimentos, demonstrado que está que as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares não exclui a fixação de uma indemnização a titulo de dano biológico, na vertente patrimonial.
Por essa razão, não podemos concordar com o entendimento perfilhado na decisão recorrida, havendo que indemnizar o lesado por este dano.
Quanto à fixação do quantum indemnizatório, a avaliação dos prejuízos tem de atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorram no caso e que o tornarão sempre único e diferente. Por isso, o critério para a fixação do valor não deve estar limitado pelo uso de fórmulas matemáticas, antes terá de ser encontrado através da equidade.
Por outro lado, a consciencialização de que os valores normalmente encontrados para ressarcir os lesados em ações emergentes de acidentes de viação eram excessivamente exíguos e humana e socialmente desadequados, conduziu à necessária reapreciação quantitativa de tais valores, levada a cabo pela nossa jurisprudência.
A atribuição de indemnização por perda de capacidade de ganho (dano biológico patrimonial), segundo um juízo equitativo, tem-se baseado em função dos seguintes fatores principais: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou atividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações; a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, assim como de atividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em consideração as competências do lesado[7].
Para além destes parâmetros, importa atender aos valores que os nossos tribunais têm vindo a fixar em situações similares.
Por forma a aferir os padrões definidos pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, cita-se, a título exemplificativo, os seguintes acórdãos:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/12/2017 (Relatora Graça Trigo, Processo n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1) em que a uma lesada com um défice funcional de 2 pontos e 31 anos de idade, operária fabril que apresenta cervicalgias, sempre que roda a coluna cervical para a esquerda e para a direita, sempre que a flete para a esquerda e para a direita, sempre que a flete no sentido ante-posterior, que com toda a probabilidade terá, a médio e longo prazo, repercussões negativas na sua capacidade de trabalho, com diminuição dos seus rendimentos, tanto no exercício da profissão habitual (operária fabril) como no exercício de atividades profissionais alternativas, compatíveis com as suas competências, foi atribuída pela perda da capacidade de ganho o montante de €20.000,00;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2021 (Relatora Rosa Tching, Processo n.º 2545/18.7T8VNG.P1.S1) em que a um lesado, à data do acidente com 32 anos de idade, que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo as sequelas em termos de repercussão permanente na atividade profissional compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando ligeiros esforços suplementares nomeadamente nas tarefas que obriguem à permanência em pé durante períodos prolongados, quer parado quer em marcha ou a subir e descer muitas escadas, se considerou “justa e equitativa a quantia de €20.000,00 fixada no acórdão recorrido como valor indemnizatório pela perda da capacidade geral do lesado”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/2021 (Processo n.º 2787/15.7T8BRG.G1.S1, Relatora Maria João Vaz Tomé) onde se considerou relevar “a idade do lesado ao tempo do acidente (25 anos), a esperança média de vida (que, para os indivíduos de sexo masculino nascidos em 1987, segundo dados disponibilizados pelo INE, se situará em 70,30 anos), o índice de incapacidade geral permanente (3 pontos), assim como a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional (maquinista de máquinas de perfuração) exercida pelo Autor lesado. Não pode deixar de se reconhecer o “ombro doloroso” de que ficou a padecer terá, muito provavelmente, repercussões negativas na capacidade de trabalho do Autor, tanto no exercício da profissão habitual como no exercício da atividades profissionais alternativas, compatíveis com as suas competências” e ser "justo e adequado atribuir ao Autor CC a quantia de € 40.0000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais futuros (dano biológico na sua dimensão patrimonial)”.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/11/2021 (Relator Abrantes Geraldes, Processo n.º 730/17.8T8PVZ.P1.S1) que considerou que “II. Num caso em que a lesada, engenheira civil, com 38 anos de idade, sofreu lesões na cervical de que ficaram sequelas que importaram num déficit psicofísico de 4 pontos, com interferência na atividade profissional e na vida pessoal, em lugar da indemnização de € 15.000,00 fixada pela Relação, é ajustada a indemnização de € 58.000,00 que foi atribuída pela 1ª instância”.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/02/2022 (Relatora Maria da Graça Trigo, Processo n.º 1082/19.7T8SNT.L1.S1) em que se decidiu que “No caso dos autos: (i) tendo o lesado 34 anos à data do sinistro; (ii) tendo-lhe sido fixado um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos; (iii) tendo apenas sido feita prova do seu rendimento anual ao tempo do acidente (€ 7.798,00); (iv) e resultando da factualidade dada como provada que, com elevada probabilidade, as lesões por ele sofridas terão significativa repercussão negativa sobre o desempenho da profissão de serralheiro cujo exercício exige um elevado nível de força e de destreza físicas ao nível dos membros superiores (atingidos pelas lesões); conclui-se ser mais justo e adequado o quantum indemnizatório de €50.000,00 atribuído pela 1.ª instância do que o montante de €30.000,00 atribuído pelo acórdão recorrido”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, (Relator Nuno Ataíde das Neves, Processo n.º 1969/19.7T8PTM.E1.S1,) onde se considerou que “(…) tratando-se de uma mulher ainda relativamente jovem, com 47 anos de idade à data do acidente, a sua esperança de vida laboral e biológica, bem como o nível de limitação de que passou a ser portadora, que, de forma indelével, a marcou na sua personalidade e na sua capacidade para o desenvolvimento da sua atividade laboral, sendo certo que deixou de trabalhar em 2020 (sendo que à data do acidente, em 2017, auferia o salário mensal de € 1330€, acrescido de subsídio de alimentação de €6.60 diários, tendo no ano de 2018 passado a auferir o salário mensal de € 1360 e o subsídio de alimentação de €6.80), e o défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 15 pontos de que ficou portadora, ainda a circunstância de a Autora ter perdido a sua natural alegria de viver, mercê das sequelas no corpo e no espírito para o resto da vida, o dito “pretium juventutis, deixando de poder fazer as viagens de lazer que fazia mensalmente, também as deixando de fazer como guia turística, devido às lesões sofridas e incapacidade provocada por elas, tornando-se uma mulher angustiada, amargurada, instável e frustrada, mercê da incapacidade de que se viu definitivamente vitimada, pois as lesões serão permanentes, sob o ponto de vista da plena realização das suas tarefas, deixando de ter a vida ativa e plena que gozava antes do acidente, revela-se adequado o montante indemnizatório fixado pelo Tribunal recorrido em 65.000,00 €, correspondente aos danos biológico e futuros sofridos pela Autora”.
Na situação concreta, o autor, à data do acidente com 19 anos de idade, ficou afetado por um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 3 pontos, compatível com a atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, ficando com sequelas consistente numa cicatriz com alterações de sensibilidade e perturbação de dores temporomandibulares pós-traumáticas, passando a sentir comichão quando usa capacete de obra.
O autor trabalha como carpinteiro de cofragem. auferindo uma remuneração mensal de €2.791.00.
No caso dos autos, considerando a factualidade provada, o juízo de equidade e os valores jurisprudenciais aplicados em casos simulares, afigura-se-nos adequada a indemnização no montante de €25.000,00.

Quanto à indemnização pelos danos não patrimoniais.

Segundo o artigo 496º nº 1 do Código Civil, na fixação da indemnização devem atender-se os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
Os danos não patrimoniais são aqueles que não atingem os bens materiais do lesado ou que, de qualquer modo, não alteram a sua situação pa­trimonial - formulação negativa -, ou seja, aqueles danos que têm por objeto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insuscetível, em rigor, de avaliação pecuniária.
Neste caso, a indemnização não visa propriamente ressarcir ou tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido.[8]
Dentro dos danos não patrimoniais resultantes de lesões determinantes de invalidez ou incapacidade, como bem evidencia o Prof. Almeida e Costa[9], podem descortinar-se quer as dores físicas e sofrimentos psicológicos (o ‘pretium doloris’), quer a perda de capacidade de descanso ou de fruição dos prazeres da vida, quer a afetação da integridade anatómica, fisiológica ou estética, quer a perda de expectativas de duração de vida.
A reparação destes prejuízos, precisamente porque são de natureza moral e, nessa exata medida, irreparáveis, é uma reparação indireta.
São suas componentes essenciais, o "dano biológico", consistente na alteração morfológica, enquanto privação da capacidade de utilizar o corpo como antes do evento lesivo, a perda da fruição dos prazeres da vida e mesmo a diminuição da expectativa da duração da vida, o “dano estético”, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o “pretium juventutis”, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida; e o “pretium doloris” - que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária’.[10]
O montante da in­demnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpa do lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso - artigos 496º, nº 3 e 494º do C.C. - e também os padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência.
Na execução desta operação devem tomar-se em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida[11].
O facto de os tribunais estarem agora sensibilizados para a quantificação credível dos danos não patrimoniais (credível para o lesado e credível para a sociedade, respeitando a dignidade e o primado dos valores do ser humano), que passa pela valorização mais acentuada dos bens da personalidade física, espiritual e moral atingidos pelo facto danoso, bens estes que, incindivelmente ligados à afirmação pessoal, social e profissional do indivíduo, valem hoje mais do que ontem.
Por outro lado, não pode deixar de ser tido em conta a progressiva melhoria da situação económica individual e global e a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia[12].
No caso concreto, com relevo, em consequência do acidente o autor ficou com uma cicatriz linear rosada, irregular, não queloide, na região frontal direita, prolongando-se à linha de inserção capilar e ligeiramente para a direita da linha média, medindo 10 centímetros de comprimento; ficou com alterações de sensibilidade na região em redor da cicatriz. sobretudo em topografia superior e posterior à cicatriz. com diminuição de sensibilidade; ficou a padecer de ressalto na articulação temporomandibular (ATM). mais notório à esquerda; sente dores junto ao ângulo da mandíbula à direita. quando faz muito frio e ao abrir totalmente a boca e passou a sentir comichão na cicatriz quando usa capacete de obra.
As lesões sofridas pelo autor determinaram-lhe um período de défice funcional temporário total de 2 dias e parcial de 61 dias; um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 63 dias; um quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de 1 a 7; um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos (cicatriz com alterações de sensibilidade e perturbação de dores temporomandibulares pós-traumáticas); um dano estético permanente de grau 2, numa escala de 1 a 7.
Confrontado os valores que a jurisprudência vem fixando, em situações similares, podemos citar os seguintes acórdãos (todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt):
- do Supremo Tribunal de Justiça de 21/04/2022 (Relator Fernando Baptista de Oliveira, Processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1), num caso em que a Autora tinha 51 anos de idade, devido ao traumatismo cervical decorrente do acidente ficou a padecer, a título definitivo, de dor à palpação difusa e inespecífica da região da nuca, sem contratura dos músculos da região cervical, com força muscular cervical conservada, mantendo força muscular dos membros superiores mantida, ficando a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, sofreu dores de grau 2 numa escala de 1 a 7, considerou ser de manter o valor indemnizatório fixado pela 1ª instância, pelos danos não patrimoniais, em €15.000,00;
- do Supremo Tribunal de Justiça de 06/12/2017 (Relatora Maria da Graça Trigo, Processo n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1), onde, num caso em que a Autora tinha 31 anos de idade à data do sinistro, atentas “as lesões que a autora sofreu em consequência do acidente, em concreto traumatismo da coluna cervical, com as inerentes dores e incómodos que teve de suportar, sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7, e os tratamentos a que teve de se submeter e bem assim as sequelas de que ficou a padecer”, ficando a padecer de um índice de incapacidade geral permanente de 2 pontos, se considerou “ser de manter o montante indemnizatório fixado pela Relação por danos não patrimoniais no montante de € 15 000”;
- da Relação de Guimarães o acórdão de 11/07/2024 (processo nº 628/18.2T8VRL.G1, Relator Fernando Cabanelas) num caso em que a autora “realizou mais de 40 sessões de medicina física e de reabilitação, acompanhadas por tratamentos medicamentosos, realiza tratamentos de homeopatia com vista a aliviar a dor de que padece; que sofre de uma dor crónica na cervical e de limitações físicas relevantes, que condicionam a sua autonomia e independência; que antes do acidente, a autora era uma pessoa alegre e bem-disposta, extrovertida e com facilidade para as relações sociais e amante da vida ao ar livre; que em consequência do acidente tornou-se uma pessoa irritável, vive em estado de angústia e depressão, nunca mais fez caminhadas; não consegue cozinhar de forma autónoma e independente; que a autora sofreu um défice funcional temporário total de 1 dia, um défice funcional temporário parcial de 195 dias; um quantum doloris de 4, padecendo de um défice funcional permanente da integridade físico psíquica fixado em 5 pontos, tendo 41 anos à data do acidente, e sendo cozinheira independente com salário mensal declarado à segurança social de €628,83, afigura-se adequado manter as indemnizações fixadas pela 1ª instância de €18.000 a título de danos não patrimoniais”;
- da Relação de Guimarães o acórdão de 21/03/2024 (Processo n.º 3889/21.6T8VCT.G1, Relator Ana Cristina Duarte), que  considerou adequado “fixar o valor de € 12.500,00 a título de danos não patrimoniais a favor de lesado de 17 anos de idade, com um défice funcional permanente de 2 pontos, período de défice funcional temporário parcial de 96 dias, quantum doloris de grau 4, dano estético de grau 1 e repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 1, sujeito a vários exames, consultas, colocação de aparelho de gesso no antebraço e uma cirurgia com anestesia geral com colocação de material de osteossíntese, período de 2 meses e 10 dias com o membro superior esquerdo imobilizado e pendurado ao peito, 30 sessões de fisioterapia, necessidade de analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos e que receou pela vida no momento em que deflagrou um incêndio que consumiu o seu motociclo no acidente”;
- da Relação de Guimarães o acórdão de 13/07/2022 (Processo n.º 1604/19.3T8BRG.G1, Relator desembargador Paulo Reis), num caso em que o autor tinha 49 anos à data do acidente, como na data da consolidação médico-legal das lesões sofridas, e ficou a padecer de défice permanente da integridade física e psíquica de 2 pontos, durante período não concretamente apurado sentiu dificuldades em dormir em virtude das dores de que padecia, as dores que sentiu e que continua a sentir no peito, à palpação e com determinados movimentos dificultam-lhe a respiração, com quantum doloris de grau 2 numa escala de 1 a 7, em que foi julgado equitativo, necessário e razoável para compensar o lesado pelos danos não patrimoniais o valor de €7.500,00.
Postas estas considerações, tendo por base o que o quadro fáctico nos apresenta, e ponderadas adequadamente as circunstâncias do caso e os critérios jurisprudenciais que – numa jurisprudência atualista – devem ser seguidos na concretização do juízo de equidade, afigura-se-nos que o valor justo e adequado para indemnizar o autor pelos danos não patrimoniais sofridos se deve fixar em 17.500,00.
Os valores ora fixados terão de considerar a proporção das responsabilidades atribuídas na sentença (responsabilidade do autor fixada em 20%), que nesta parte se mantem inalterada.
 Assim, globalmente, o valor da indemnização devida ao autor ascende a € 34.309,37.
Nestes termos, procede parcialmente o recurso do autor.
*
Sumário:

I - O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, ainda que não acarrete uma diminuição dos concretos rendimentos do lesado, mas implique um esforço acrescido ou suplementar para a realização das atividades profissionais e pessoais, constitui um dano futuro indemnizável autonomamente (enquanto dano patrimonial).
II – Tendo o autor, à data do acidente, 19 anos de idade e tendo ficado afetado por um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos, compatível com a atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, exercendo a atividade de carpinteiro de cofragem e ficando com sequelas consistente numa cicatriz com alterações de sensibilidade e perturbação de dores temporomandibulares pós-traumáticas, passando a sentir comichão quando usa capacete de obra, atendendo aos valores que vêm sendo atribuídos pela jurisprudência para casos similares, entende-se justa e adequada a indemnização de €25.000,00 arbitrada pelo dano biológico, na sua dimensão patrimonial.
III - Atendendo a que as lesões sofridas pelo autor lhe determinaram um período de défice funcional temporário total de 2 dias e parcial de 61 dias; um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 63 dias; um quantum doloris de grau 4; um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos (cicatriz com alterações de sensibilidade e perturbação de dores temporomandibulares pós-traumáticas); um dano estético permanente de grau 2, mostra-se adequado o valor de €17.5000,00, para compensar os danos não patrimoniais sofridos.
*
IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e em consequência, revoga-se parcialmente a sentença recorrida atribuindo-se ao autor a indemnização de € 25.000,00 pelo dano biológico (vertente patrimonial) e alterando-se para o montante de €17.500,00 a indemnização por danos não patrimoniais.
Mantém-se em tudo o mais a sentença recorrida.
As custas são da responsabilidade do recorrente e do recorrido na proporção do decaimento.
Guimarães, 19 de Setembro de 2024

Assinado digitalmente por:                                                   
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Maria Amália Santos
2º Adj. – Fernanda Proença Fernandes



[1] Acórdão do STJ de 13.04.2021, disponível em www.dgsi.pt.
[2] Por todos o Acórdão do STJ de 08.02.2018, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Acessível em www.dgsi.pt.
[4] Acórdão proferido no proc. n.º 766/19.4T8PVZ.P1.S1, Relator Manuel Capelo, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Disponível em www.dgsi.pt.
[6] Acórdão do STJ de 13.04.2021, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Neste sentido, os Acs. do STJ de 29/10/2019 e de 14/09/2023, disponíveis em www.dgsi.pt.
[8] Neste sentido, Antunes Varela, Das Obriga­ções em Geral, 4ª edição, pag. 560.
[9] Direito das Obrigações, 5ª edição, pag. 478,
[10] Acórdão desta Relação de Guimarães, de 21-03-2019, acessível em www.dgsi.pt.
[11] P. de Lima e A. Varela, C. C. Anot., 4ª edição, Vol. I, pág. 501.
[12] Neste sentido, o Acórdão da Relação de Guimarães de 30-05-2019, acessível em www.dgsi.pt.