PREVARICAÇÃO
FRAUDE NA OBTENÇÃO DE SUBSÍDIO OU SUBVENÇÃO
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário

I - São elementos do tipo legal de crime de prevaricação de titular de cargo político previsto no art. 11º da Lei nº 34/87, de 16 de Julho: a) Que o agente seja titular de um cargo político, considerando-se como tais, para os efeitos da Lei nº 34/87, os previstos no art. 3º deste diploma; b) Que conduza ou decida contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções; c) A consciência da actuação ilegal (consciência da condução ou decisão do processo contra direito); e d) A intenção específica, traduzida no intuito de prejudicar ou beneficiar alguém.
II - Este delito apresenta-se como crime de intenção ou de resultado cortado, porquanto o tipo legal de crime prevê, a par do dolo do tipo, uma intenção de produção de um resultado que não faz parte do tipo e que não tem que se verificar para que esteja preenchida a tipicidade do crime.
III - É ainda um crime específico próprio, na medida em que o tipo de ilícito foi construído com base na qualidade do agente e nos específicos deveres do seu munus, a exigir que a acção ou omissão seja praticada por alguém que tenha a qualidade de titular de cargo político. Não é, no entanto, um crime de mão própria, podendo ser comparticipante em qualquer das variantes possíveis quem não detiver a qualidade de titular de cargo político.
IV - O crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, previsto no art. 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, tutela a confiança na vida económica a par do interesse na justa aplicação de meios provenientes do erário público no domínio da economia, traduzindo um crime comum, susceptível de ser praticado por qualquer pessoa, configurando-se também como crime de dano (porquanto a sua consumação só se verifica com o efectivo recebimento do subsídio ou subvenção) e de execução vinculada (na medida em que o fim típico previsto na norma terá que ser alcançado pelo modo descrito no tipo legal).
V - Constituem requisitos deste crime: a) Que o agente obtenha um subsídio, subvenção ou financiamento equiparável; b) Que para o efeito, isolada ou cumulativamente, forneça informações inexactas ou incompletas relativas a si ou a terceiros, relevantes para a concessão do subsídio, que omita factos importantes segundo o regulamento para a sua concessão, ou que utilize documento justificativo do direito à subvenção ou subsídio ou de factos importantes para a sua concessão, obtido através de informações inexactas ou incompletas; c) Que se verifique um nexo causal entre as informações inexactas ou omitidas e a obtenção do subsídio; d) A intencionalidade enganatória subjacente à conduta activa ou omissiva no fornecimento ou ocultação de informações.
VI - As exigências de prevenção especial assim como as condições pessoais relevantes para a condenação do agente devem reportar-se ao momento da condenação.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Relator – Jorge Miranda Jacob

1ª Adjunta – Rosa Pinto

2ª Adjunta – Maria de Fátima Calvo

_____________________________

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO:

Nestes autos de processo comum (tribunal colectivo) que correram termos pelo Juízo Central Criminal de Viseu – Juiz ..., após julgamento com documentação da prova produzida em audiência foi proferido acórdão que julgou totalmente improcedente a pronúncia, absolvendo os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM e A..., S.A. dos crimes que lhe estavam imputados; e julgou ainda totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Município ... contra os arguidos [1].

Inconformados, recorrem o Ministério Público e o assistente e demandante Município ..., tendo este último requerido a realização de audiência, ambos se conformando, no entanto, com a absolvição da arguida GG.

Nos recursos interpostos formulam os recorrentes as seguintes conclusões:

A – Recurso interposto pelo Ministério Público:

1ª - O presente recurso abrange matéria de direito e matéria de facto e tem por objecto a decisão de absolvição de todos os arguidos – com excepção dos arguidos DD, GG e MM – pois o Ministério Público concorda com a decisão de absolvição integral destes arguidos – do primeiro crime de prevaricação, p. e p. pelo art.11º da Lei nº 34/97, de 20/01 e do crime de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. pelo art. 36º, nº1, al. c) e nºs 2 e 5, al. a), do DL nº 28/84, de 20/01, pelos quais se encontravam pronunciados.

(…)

B – Recurso interposto pelo Município ...:

(…)

Responderam os arguidos CC (adiante referido como CC) separadamente aos dois recursos, NN (adiante designado por NN), KK (adiante designado por KK), JJ (adiante identificado como JJ e A..., S.A., (adiante designada por A...), em conjunto, a ambos os recursos, FF (adiante designado por FF), conjuntamente a ambos os recursos, EE (adiante designado por EE), separadamente a ambos os recursos; MM (adiante designado por MM) e DD responderam apenas ao recurso do assistente Município ....

(…)

         Nesta instância o Exmº. Procurador-Geral Adjunto consignou reservar a sua posição para a audiência de julgamento.

            Foram colhidos os vistos legais.

O âmbito do recurso afere-se e delimita-se pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo do que deva ser oficiosamente conhecido. No caso vertente, as questões a conhecer são as seguintes:

Decorrentes do recurso do Ministério Público:

- Nulidade do acórdão por força das disposições conjugadas dos arts. 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al a), do Código de Processo Penal, no que concerne aos factos descritos nos pontos 62, 63, 64, 69, 70, 71, 72, 75, 82, 83 e 85, por falta de fundamentação;

- Erro de julgamento;

- Condenação dos arguidos AA, NN e KK, pela prática de crime de prevaricação, levando-se em conta quanto ao primeiro a anomalia psíquica que lhe sobreveio após a prática dos crimes;

- Condenação dos arguidos FF, EE e A..., S.A., pela prática dos crimes de prevaricação e de fraude na obtenção de subsídio;

- Condenação do arguido BB, CC, OO, II e JJ pela prática de crime de fraude na obtenção de subsídio;

- Condenação dos arguidos BB, CC, EE, FF e II na pena acessória de proibição de funções.

Decorrentes do recurso do Município ...:

- Erro de julgamento;

- Condenação dos arguidos nos termos imputados na acusação e na pronúncia, bem como a sua condenação no pedido cível deduzido ou, subsidiariamente, condenação das sociedades arguidas a restituir nos termos do enriquecimento sem causa.

II – FUNDAMENTAÇÃO:

           

            O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

            1. Nos mandatos autárquicos de 2005 a 2009 e de 2009 a 2013, o executivo da Câmara Municipal ... era composto (além do mais, e no que aqui nos interessa): - pelo arguido AA, que exercia as funções de presidente; - pelo arguido BB, que exercia as funções de vice-presidente.

         2. À data dos factos em causa nos presentes autos:

         a. o arguido CC era coordenador do Gabinete de Planeamento e Urbanismo da Câmara Municipal de ..., tendo iniciado tais funções em 1 de Outubro de 2007;

         b. O arguido DD era adjunto do Gabinete de Apoio Pessoal à Presidência da Câmara Municipal de ..., tendo exercido tais funções entre ../../2010 e ../../2013;

         c. O arguido FF era vereador a tempo inteiro da Câmara Municipal ..., tendo exercido tais funções entre ../../2006 e ../../2013;

         d. A arguida GG foi chefe da Divisão Administrativa da Câmara Municipal ... entre o ano de 2008 e 30 de Setembro de 2008; e foi chefe da Repartição Financeira da mesma Câmara Municipal entre 1 de Outubro de 2008 e 1 de Novembro de 2008;

         e. O arguido EE era chefe da Divisão de Obras, Urbanismo e Serviços Urbanos da Câmara Municipal de ..., tendo exercido tais funções entre Janeiro de 2008 e 30 de Setembro de 2008; após o que regressou à categoria de origem de técnico superior da área da engenharia civil;

         f. O arguido II era técnico superior na área da engenharia civil da Câmara Municipal ..., tendo exercido tais funções entre ../../2007 e ../../2010;

         g. O arguido LL era presidente do conselho de administração da sociedade arguida B..., Lda.;

         h. Os arguidos HH e MM eram funcionários da sociedade arguida B..., Lda.;

         i. O arguido KK era presidente do conselho de administração da sociedade arguida A..., S.A.;

         j. O arguido JJ era funcionário da sociedade arguida A..., S.A.

         3. Em 14 de Novembro de 2007 foi celebrado um contrato de constituição da sociedade C..., S.A., com sede na Rua ..., freguesia e concelho ..., em que intervieram:

         a. O arguido AA, na qualidade de presidente do conselho de administração e em nome e em representação da empresa municipal D...., pessoa colectiva n.º ...53, com sede no Largo ..., freguesia e concelho ...;

         b. O arguido NN, na qualidade de sócio gerente e em nome e em representação das sociedades B..., Lda., pessoa colectiva n.º ...43, com sede na Zona Industrial ..., apartado ...1, freguesia ..., concelho ..., e E..., Lda., pessoa colectiva n.º ...74, com sede na Zona Industrial ..., apartado ...1, freguesia ..., concelho ...;

         c. O arguido KK, na qualidade de presidente do conselho de administração da sociedade comercial anónima A..., S.A., pessoa colectiva n.º ...14, com sede na ..., ..., freguesia ..., concelho ...; e de gerente da sociedade F..., Lda., pessoa colectiva n.º ...00, com sede em ..., apartado ...9, freguesia ..., concelho ....

         4. A C..., S.A. foi constituída com o capital social de € 100.000,00 distribuído em cem mil acções com o valor nominal de um euro cada, subscrito da seguinte forma:

         a. A sociedade A..., S.A. detinha 20% do capital social;

         b. A sociedade F..., Lda. detinha 5,5% do capital social;

         c. A sociedade B..., Lda. detinha 20% do capital social;

         d. A sociedade E..., Lda. detinha 5,5% do capital social;

         d. A sociedade D.... detinha 49% do capital social.

         5. No acto de constituição da C..., S.A. foram nomeados para compor o conselho de administração:

         a. PP, na qualidade de presidente;

         b. O arguido LL, na qualidade de vogal; e

         c. O arguido KK, na qualidade de vogal.

         6. A C..., S.A. tem por objecto a construção, gestão, exploração e conservação de equipamentos culturais, educativos, de serviços desportivos e recreativos, bem como a construção e gestão de infraestruturas turísticas e urbanísticas.

         7. No exercício da respectiva actividade, a C..., S.A. teve por objecto várias obras em ..., nomeadamente a construção do Centro Educativo do Centro (sito na ... – ...) e do Centro Educativo do Sul (situado em ... – ...).

         8. Em 29 de Agosto de 2008 a sociedade C..., S.A. adquiriu à D.... a propriedade do prédio urbano situado na Quinta ..., freguesia ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...73, da referida freguesia, e inscrito na matriz predial rústica sob o número ...01 (P2907), pelo valor de € 450.000,00, com vista à edificação do Centro Educativo do Centro.

         9. À arguida HH – que à data exercia funções na sociedade A..., S.A. – coube a direcção técnica desta obra.

         10. O projecto, da autoria de QQ – que à data exercia funções na sociedade B..., Lda. –, incluía a construção de um ginásio na ... – ....

         11. Em 28 de Agosto de 2008 e em 16 de Setembro de 2008 a sociedade C..., S.A. adquiriu à D.... a propriedade dos prédios urbanos situados no lugar de ..., freguesia ..., descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob os artigos ...75 e ...58, da referida freguesia, e inscritos nas matrizes prediais sob os números ...80 e ...38-P, pelos valores de € 120.000,00 e de € 125.000,00, com vista à edificação do Centro Educativo do Sul.

         12. Ao arguido JJ – que à data exercia funções na sociedade A..., S.A. – coube a direcção técnica desta obra.

         13. Também este projecto, da autoria de QQ, incluía a construção de um ginásio em ... – ....

         14. A construção dos Centros Educativos foi então iniciada pela parceria C..., S.A.

         15. A Comunidade Intermunicipal ... concedia apoio financeiro no âmbito da operação Equipamentos para a Coesão Social – Construção de Ginásios, enquadrada no Programa Operacional Regional do Centro.

         16. O arguido AA, no âmbito das suas funções como Presidente da Câmara, decidiu sujeitar àquele financiamento dois projectos para a edificação do ginásio de ... – ..., e do ginásio da ... – ....

         17. Os ginásios referidos integravam os Centros Educativos do Sul e do Centro, respectivamente, e encontravam-se já em fase de construção levada a efeito e suportada integralmente pela C..., S.A.

         18. Com vista à obtenção daquele financiamento, foram submetidos diversos documentos à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro.

         19. E foi criado um concurso para a execução das empreitadas de Equipamento para a Coesão Social – Construção de Ginásio ... – ... e Equipamento para a Coesão Social – Construção de Ginásio de ... – ....

         20. Em 24 de Julho de 2008 o arguido AA, na sua qualidade de Presidente da Câmara Municipal remeteu convites a cinco sociedades comerciais para que estas apresentassem propostas no âmbito daqueles concursos limitados, a saber:

         a. a. À sociedade A..., S.A.;

         b. b. À sociedade B..., Lda.;

         c. c. À sociedade G..., S.A.;

         d. d. À sociedade H..., S.A.; e

         e. e. À sociedade I..., S.A.

         21. Apenas os arguidos NN e KK apresentaram propostas, em representação das sociedades B..., Lda. e A..., S.A., respectivamente.

         22. No seio do Município havia uma Comissão de Abertura de Concursos, uma Comissão de Análise de Propostas e uma Comissão de Vistorias.

         23. Assim, em 11 de Agosto de 2008 a Comissão de Abertura dos Concursos, constituída pelos arguidos AA, BB e GG, deliberou por unanimidade admitir as sociedades acima identificadas aos concursos.

         24. O arguido CC apôs a sua assinatura nos projectos de construção dos ginásios.

         25. Em 29 de Janeiro de 2009, após deliberação da Comissão de Análise de Propostas, composta pelos arguidos AA, FF e EE, a execução da empreitada Equipamento para a Coesão Social – Construção de Ginásio ... – ... foi adjudicada à sociedade A..., S.A., e a execução da empreitada Equipamento para a Coesão Social – Construção de Ginásio de ... – ... foi adjudicada à sociedade B..., Lda.

         26. Nessa sequência, em 11 de Fevereiro de 2009 o arguido AA, na qualidade de presidente da Câmara ..., outorgou contrato de execução da empreitada Equipamento para a Coesão Social – Construção de Ginásio ... – ... com a sociedade A..., S.A., representada pelo arguido KK, pelo valor de € 124.451,90.

         27. E na data referida no facto anterior, foi celebrado contrato de execução da empreitada Equipamento para a Coesão Social – Construção de Ginásio ... – ... com a sociedade B..., Lda., representada pelo arguido LL, pelo valor de € 124.109,22.

         28. Em 29 de Abril de 2009, o arguido AA, na qualidade de presidente da Câmara ... e em representação do município, submeteu à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro a candidatura com vista à criação de uma rede concelhia de polidesportivos com acesso a dois centros escolares, que passava pela construção de dois ginásios cobertos no concelho ... – o ginásio da ... e o ginásio de ... – solicitando o financiamento do FEDER em 85% do valor do investimento, que ascendia a € 260.989,18.

         29. Na sequência do referido em 28, a candidatura foi instruída com as cadernetas prediais urbanas dos prédios seguintes:

         a. a. Caderneta predial urbana do artigo matricial n.º ...80, da freguesia ..., e certidão permanente do artigo urbano n.º ...97, da mesma freguesia, ambas correspondentes ao prédio destinado à construção do ginásio da ...;

         b. b. Caderneta predial rústica do artigo matricial n.º ...18, da freguesia ..., e certidão permanente do artigo urbano n.º ...56 da mesma freguesia, ambas correspondentes ao prédio destinado à construção do ginásio de ....

         30. O financiamento foi aprovado e em 16 de Setembro de 2009 foi celebrado contrato de financiamento entre a Comunidade Intermunicipal ... e o Município ..., representado pelo arguido AA.

         31. Mediante a celebração deste contrato, foi concedido apoio financeiro ao Município ... para aplicação da operação Equipamentos para a Coesão Social – Construção de Ginásios, identificada com o código n.º ...20 e o código universal de operação CENTRO-0...-CO...-FEDER-001001, no montante global de € 293.071,14.

         32. Em 8 de Outubro de 2009 e em 9 de novembro de 2009 o arguido AA nomeou o arguido II para exercer os cargos de fiscal da obra e coordenador de segurança do ginásio de ... e do ginásio da ..., respectivamente.

         33. Naquelas mesmas datas, o arguido II apôs a respectiva assinatura em dois autos de reinício de obra em conjunto com os representantes das sociedades adjudicatárias, os arguidos JJ e MM.

         34. Em 16 de Julho de 2010 foi celebrada uma adenda ao contrato de financiamento visando a respectiva reprogramação temporal e financeira, onde se procedeu à alteração do valor das despesas elegíveis para € 260.989,18.

         35. O apoio financeiro prestado ao Município ... foi concretizado através da realização de três transferências em 28 de Maio de 2010, em 21 de Setembro de 2010 e em 12 de Setembro de 2012, nos montantes de € 182.692,43, € 15.658,34 e € 12.397,99, respectivamente.

         (…)

         Foram descritos como não provados os seguintes factos:

         A) No exercício da respectiva actividade, à C..., S.A. foram adjudicadas as obras referidas no facto provado 7.

         B) O arguido AA acertou com os arguidos NN e KK sujeitar àquele financiamento dois projectos para a edificação do ginásio de ... – ... e do ginásio da ... – .... (facto 16 da pronúncia)

         C) Ora, os ginásios em crise integravam os Centros Educativos do Sul e do Centro, respectivamente, e encontravam-se já em fase de construção levada a efeito e suportada integralmente pela C..., S.A., o que inviabilizava a concessão do referido apoio financeiro, facto que era do conhecimento dos mencionados arguidos.

         Esta é uma conclusão não alicerçada em qualquer facto ou documento, sendo que o Regulamento para a concessão do subsídio - que não constava incompreensivelmente nos autos no momento prévio à dedução da acusação pública, e só veio a ser junto na fase do julgamento, por iniciativa do arguido LL e se mostra junto aos autos de fls. 2105 a 2123 - prevê que a obra a candidatar possa estar em construção ou estando já construída, ainda não financeiramente concluída, nos termos que, pela sua relevância, passamos a citar, constantes do n.º 2, al. d) do art. 6.º, que tem por epígrafe “condições de admissão e aceitação das operações”: “Para além do referido no número anterior, as operações devem demonstrar que satisfazem as seguintes condições específicas: (…) d) Não se encontrarem concluídas física e financeiramente à data da apresentação da candidatura.”). Quer dizer, a acusação/pronúncia parte para a conclusão da inviabilidade da concessão do apoio financeiro comunitário para a construção dos ginásios que integravam os Centros Educativos do Sul e do Centro, por já estarem em fase de construção levada a efeito e suportada integralmente pela C..., S.A., sem cuidar sequer de procurar pelas “regras” previstas para a concessão desse apoio financeiro.

         D) Com o propósito de criar a convicção que os edifícios destinados aos ginásios em crise não estavam ainda em construção e que, quando fossem construídos, seriam estrutural e funcionalmente independentes dos edifícios destinados aos Centros Educativos do Centro e do Sul.

         E) Com esse objectivo, o arguido AA decidiu criar um concurso limitado sem apresentação de candidaturas para a execução das empreitadas de Equipamento para a Coesão Social – Construção de Ginásio ... – ... e Equipamento para a Coesão Social – Construção de Ginásio de ... – ... (facto 20 da pronúncia)

         F) Mais decidiu, de comum acordo com os arguidos NN e KK, que tais obras seriam adjudicadas às sociedades geridas e representadas por estes – a B..., Lda. e a A..., S.A., respectivamente.

         G) Com o intuito de criar a convicção que os concursos criados eram legítimos e destinavam-se efectivamente à realização de duas empreitadas, em 24 de Julho de 2008 o arguido AA remeteu convites a cinco sociedades comerciais identificadas no facto provado 20.

         H) Ainda com aquele intuito de criar a convicção que os procedimentos concursais eram legítimos, foi criada uma Comissão de Abertura de Propostas referida no facto provado 22.

         I) Ao ter conhecimento da existência do financiamento e do propósito dos arguidos AA, NN e KK, os demais arguidos BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ e MM, aderindo a tal intenção, emitiram diversos documentos com aquele objectivo de criar a convicção que os edifícios destinados aos ginásios em crise não estavam ainda em construção e que, quando fossem construídos, seriam estrutural e funcionalmente independentes dos edifícios destinados aos Centros Educativos do Centro e do Sul. (facto 24 da acusação/pronúncia).

         J) Com o fito de criar a convicção que os ginásios integravam as empreitadas Equipamentos para a Coesão Social o arguido CC apôs a assinatura referida no facto provado em 24.

         K) Porque os Centros Educativos do Centro e do Sul – onde se incluíam os ginásios da ... e de ..., respectivamente – encontravam-se já em construção, com vista a não inviabilizar a concessão do financiamento, e sob o falso pretexto de que se encontravam em curso diligências necessárias à aquisição dos terrenos onde os ginásios iam ser edificados, em 13 de Março de 2009 os arguidos EE e HH apuseram as respectivas assinaturas num auto de consignação da obra e suspensão da empreitada Equipamento para a Coesão Social – Ginásio da ....

         L) Do mesmo modo, e com aquele intento, em 18 de Março de 2009 os arguidos EE e JJ apuseram as respectivas assinaturas num auto de consignação da obra e suspensão da empreitada Equipamento para a Coesão Social – Ginásio de ....

         M) Na execução do plano previamente gizado e aceite por todos os arguidos, em 29 de Abril de 2009, o arguido AA submeteu a candidatura nos termos que decorrem do facto provado 28.

         N) Que a factualidade descrita no facto provado 32 tenha sido para criar a convicção de que ia iniciar-se a execução das empreitadas e que tenha ocorrido na sequência da celebração do contrato referido no facto provado 31.

         O) Com vista a fazer crer que os ginásios se encontravam a ser construídos no âmbito das empreitadas Equipamentos para a Coesão Social, e a evitar o cancelamento do financiamento, e na execução do plano previamente gizado e aceite por todos os arguidos, os arguidos CC, JJ, EE e II apuseram as respectivas assinaturas

em autos de vistoria, onde consignaram que a construção daqueles ginásios encontrava-se em conformidade com o projecto aprovado.

         P) Uma vez que os ginásios haviam sido construídos no âmbito da parceria C..., S.A., o arguido AA, de comum acordo com os arguidos DD, LL e KK decidiram aplicar o dinheiro recebido ao abrigo daquele financiamento na execução de obras não orçamentadas no Município ....

         Q) Acordaram então os arguidos adjudicar tais obras às sociedades arguidas A..., S.A. e B..., Lda., e entregar a respectiva supervisão ao arguido DD.

         R) Acertaram ainda imputar os custos das mencionadas obras à construção dos Centros Educativos do Centro e do Sul, como se passa a expor:

         a. a. Construção do reservatório da ..., no valor de € 167.340,30, adjudicada à sociedade arguida B... e imputada ao Centro Educativo do Centro;

         b. b. Substituição da caixilharia e alumínios das portas e janelas do edifício da Câmara Municipal ..., no valor de € 15.650,00,

adjudicadas às sociedades arguidas B..., e A..., S.A.;

         c. c. Construção de acesso ao Centro Educativo do Centro, no valor global de € 79.367,57, adjudicada à sociedade arguida B... e imputada ao Centro Educativo do Centro;

         d. d. Trabalhos nas freguesias do concelho ..., no valor global de € 19.486,00, adjudicados à sociedade arguida B... e imputada ao Centro Educativo do Centro.

         S) A Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Centro deslocou-se ao Município ... nos dias 6 e 7 de Março de 2014 para realização de acção de controlo.

         T) Nessa ocasião, a Autoridade de Gestão constatou que os ginásios estavam ligados estrutural e funcionalmente aos Centros Educativos do Centro e do Sul e que não funcionavam autonomamente e concluiu que a sua construção ocorreu de forma diversa à estipulada no contrato de financiamento, e que foi levada a efeito no âmbito do programa de construção daqueles centros educativos, executado pela sociedade C..., S.A.

         U) Em 5 de Fevereiro de 2015, a Comissão Directiva da Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Centro decidiu rescindir o contrato de financiamento, pelo que o Município ... se constituiu devedor do valor global de € 260.989,18.

         V) A entidade referida no facto provado 36 realizou tal visita ao ter conhecimento de irregularidades na construção dos ginásios.

         W) Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente.

         X) Na execução de um plano previamente gizado e aceite por todos.

         Y) Com o intuito de obter financiamento para a construção de dois ginásios que já se encontravam edificados e pagos.

         Z) Apresentado na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro documentos de teor que sabiam não corresponder à verdade, através da criação de dois concursos de empreitada fictícios, e omitindo a circunstância dos ginásios terem sido construídos e pagos integralmente pela parceria C..., S.A.

         AA) Cientes que o apoio financeiro solicitado e atribuído, no valor de € 260.989,18, não era legítimo.

         BB) Agiram os arguidos com o propósito de aplicar tal montante em fim diverso àquele por que foi prestado.

         CC) O que conseguiram, dado que aquela quantia foi despendida na execução de outras obras do concelho ....

         DD) Os arguidos AA, FF e EE agiram na qualidade de presidente, vereador e técnico superior da Câmara ..., respectivamente, e no exercício das suas funções.

         EE) Conduzindo e intervindo nos concursos limitados para a execução das empreitadas Equipamento para a Coesão Social sem observar os respectivos procedimentos concursais.

         FF) Adjudicando-as às sociedades arguidas B... e A..., S.A. com a intenção de as beneficiar e de beneficiar os respectivos gerentes, os arguidos LL e KK.

         GG) Tais circunstâncias eram do conhecimento e foram queridas pelos arguidos LL e KK.

         HH) Que actuaram com o propósito de ser beneficiados e de beneficiarem as sociedades arguidas com a adjudicação daquelas empreitadas.

         II) Cientes que os arguidos AA, FF e EE actuaram sempre na qualidade de presidente, vereador e técnico superior da Câmara Municipal ... e no exercício dessas funções.

         JJ) O arguido AA agiu na qualidade de presidente da Câmara Municipal ... e no exercício das suas funções.

         KK) Aplicando o financiamento obtido para adjudicar às sociedades arguidas B... e A..., S.A. a execução de diversas obras no concelho ... sem procedimento concursal e sem endereçar convites para apresentação de propostas a outra(s) sociedade(s).

         LL) E encarregando o arguido DD da respectiva supervisão.

         MM) Com a intenção de beneficiar as sociedades arguidas, os respectivos gerentes – os arguidos LL e KK – e o arguido DD.

         NN) Tais circunstâncias eram do conhecimento e foram queridas pelos arguidos LL, KK e DD.

         OO) Que actuaram com o propósito de ser beneficiados e de beneficiarem as sociedades arguidas com a adjudicação daquelas obras.

         PP) Cientes que o arguido AA actuou sempre na qualidade de presidente da Câmara Municipal ... e no exercício dessas funções.

         QQ) Agiram os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e II no exercício das funções que exerciam na Câmara Municipal ..., violando os deveres inerentes às respectivas funções, com o intuito de permitir que o município recebesse um financiamento que sabiam não ser devido.

         RR) Actuaram os arguidos LL e KK em nome e em representação das sociedades arguidas B..., Lda. e A..., S.A., de que

eram gerentes (respectivamente) com o intuito de as beneficiar economicamente, através da adjudicação de várias obras sem a observância dos procedimentos concursais.

         SS) Actuaram os arguidos sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

         TT) Em 14/11/2007, quando foi constituída a C..., o Município ... encontrava-se financeiramente impedido de realizar investimentos no concelho.

         Das contestações

         (…)


***


            Conhecendo das questões suscitadas nos recursos:

 

(…)

                                               ***

            Concluída que está a apreciação do erro de julgamento, impõe-se, por razões de ordem prática e atenta a profunda modificação introduzida na matéria de facto que havia sido fixada em primeira instância, reordenar os factos provados e não provados, renumerando-os em função da sua inserção cronológica, ainda que mantendo tanto quanto possível a numeração decorrente da acusação/pronúncia, seja para melhor apreensão pelos destinatários, seja para melhor desmistificar o argumento da violação do princípio da vinculação temática, esgrimido em audiência nesta Relação, situação que se não verifica, excepção feita ao ponto que oportunamente tivemos o ensejo de realçar e que também por essa razão não obteve acolhimento.

            Assim, estão provados os factos seguintes:

            1. Nos mandatos autárquicos de 2005 a 2009 e de 2009 a 2013, o executivo da Câmara Municipal ... era composto (além do mais, e no que aqui nos interessa): - pelo arguido AA, que exercia as funções de presidente; - pelo arguido BB, que exercia as funções de vice-presidente.

         2. À data dos factos em causa nos presentes autos:

         a. o arguido CC era coordenador do Gabinete de Planeamento e Urbanismo da Câmara Municipal de ..., tendo iniciado tais funções em 1 de Outubro de 2007;

         b. O arguido DD era adjunto do Gabinete de Apoio Pessoal à Presidência da Câmara Municipal de ..., tendo exercido tais funções entre ../../2010 e ../../2013;

         c. O arguido FF era vereador a tempo inteiro da Câmara Municipal ..., tendo exercido tais funções entre ../../2006 e ../../2013;

         d. A arguida GG foi chefe da Divisão Administrativa da Câmara Municipal ... entre o ano de 2008 e 30 de Setembro de 2008; e foi chefe da Repartição Financeira da mesma Câmara Municipal entre 1 de Outubro de 2008 e 1 de Novembro de 2008;

         e. O arguido EE era chefe da Divisão de Obras, Urbanismo e Serviços Urbanos da Câmara Municipal de ..., tendo exercido tais funções entre Janeiro de 2008 e 30 de Setembro de 2008; após o que regressou à categoria de origem de técnico superior da área da engenharia civil;

         f. O arguido II era técnico superior na área da engenharia civil da Câmara Municipal ..., tendo exercido tais funções entre ../../2007 e ../../2010;

         g. O arguido LL era presidente do conselho de administração da sociedade arguida B..., Lda.;

         h. Os arguidos HH e MM eram funcionários da sociedade arguida B..., Lda.;

         i. O arguido KK era presidente do conselho de administração da sociedade arguida A..., S.A.;

         j. O arguido JJ era funcionário da sociedade arguida A..., S.A.

         3. Em 14 de Novembro de 2007 foi celebrado um contrato de constituição da sociedade C..., S.A., com sede na Rua ..., freguesia e concelho ..., em que intervieram:

         a. O arguido AA, na qualidade de presidente do conselho de administração e em nome e em representação da empresa municipal D...., pessoa colectiva n.º ...53, com sede no Largo ..., freguesia e concelho ...;

         b. O arguido NN, na qualidade de sócio gerente e em nome e em representação das sociedades B..., Lda., pessoa colectiva n.º ...43, com sede na Zona Industrial ..., apartado ...1, freguesia ..., concelho ..., e E..., Lda., pessoa colectiva n.º ...74, com sede na Zona Industrial ..., apartado ...1, freguesia ..., concelho ...;

         c. O arguido KK, na qualidade de presidente do conselho de administração da sociedade comercial anónima A..., S.A., pessoa colectiva n.º ...14, com sede na ..., ..., freguesia ..., concelho ...; e de gerente da sociedade F..., Lda., pessoa colectiva n.º ...00, com sede em ..., apartado ...9, freguesia ..., concelho ....

         4. A C..., S.A. foi constituída com o capital social de € 100.000,00 distribuído em cem mil acções com o valor nominal de um euro cada, subscrito da seguinte forma:

         a. A sociedade A..., S.A. detinha 20% do capital social;

         b. A sociedade F..., Lda. detinha 5,5% do capital social;

         c. A sociedade B..., Lda. detinha 20% do capital social;

         d. A sociedade E..., Lda. detinha 5,5% do capital social;

         d. A sociedade D.... detinha 49% do capital social.

         5. No acto de constituição da C..., S.A. foram nomeados para compor o conselho de administração:

         a. PP, na qualidade de presidente;

         b. O arguido LL, na qualidade de vogal; e

         c. O arguido KK, na qualidade de vogal.

         6. A C..., S.A. tem por objecto a construção, gestão, exploração e conservação de equipamentos culturais, educativos, de serviços desportivos e recreativos, bem como a construção e gestão de infraestruturas turísticas e urbanísticas.

         7. No exercício da respectiva actividade, a C..., S.A. teve por objecto várias obras em ..., nomeadamente a construção do Centro Educativo do Centro (sito na ... – ...) e do Centro Educativo do Sul (situado em ... – ...).

         8. Em 29 de Agosto de 2008 a sociedade C..., S.A. adquiriu à D.... a propriedade do prédio urbano situado na Quinta ..., freguesia ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...73, da referida freguesia, e inscrito na matriz predial rústica sob o número ...01 (P2907), pelo valor de € 450.000,00, com vista à edificação do Centro Educativo do Centro.

         9. À arguida HH – que à data exercia funções na sociedade J..., S.A. – coube a direcção técnica desta obra.

         10. O projecto, da autoria de QQ – que à data exercia funções na sociedade B..., Lda. –, incluía a construção de um ginásio na ... – ....

         11. Em 28 de Agosto de 2008 e em 16 de Setembro de 2008 a sociedade C..., S.A. adquiriu à D.... a propriedade dos prédios urbanos situados no lugar de ..., freguesia ..., descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob os artigos ...75 e ...58, da referida freguesia, e inscritos nas matrizes prediais sob os números ...80 e ...99, pelos valores de € 120.000,00 e de € 125.000,00, com vista à edificação do Centro Educativo do Sul.

         12. Ao arguido JJ – que à data exercia funções na sociedade A..., S.A. – coube a direcção técnica desta obra.

         13. Também este projecto, da autoria de QQ, incluía a construção de um ginásio em ... – ....

         14. A construção dos Centros Educativos foi então iniciada pela parceria C..., S.A.

         15. A Comunidade Intermunicipal ... concedia apoio financeiro no âmbito da operação Equipamentos para a Coesão Social – Construção de Ginásios, enquadrada no Programa Operacional Regional do Centro.

         16. O arguido AA acertou com os arguidos NN e KK sujeitar àquele financiamento dois projectos para a edificação do ginásio de ... – ... e do ginásio da ... – ....

         17. Ora, os ginásios em crise integravam os Centros Educativos do Sul e do Centro, respectivamente, e encontravam-se já em fase de construção levada a efeito e suportada integralmente pela C..., S.A., o que inviabilizava a concessão do referido apoio financeiro, facto que era do conhecimento dos mencionados arguidos.

         18. Com vista à obtenção daquele financiamento, o arguido AA decidiu submeter diversos documentos à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro com o propósito de criar a convicção que os edifícios destinados aos ginásios em crise não estavam ainda em construção e que, quando fossem construídos, seriam estrutural e funcionalmente independentes dos edifícios destinados aos Centros Educativos do Centro e do Sul.

         19. Com esse objectivo, o arguido AA decidiu criar um concurso limitado sem apresentação de candidaturas para a execução das empreitadas de Equipamento para a Coesão Social – Construção de Ginásio ... – ... e Equipamento para a Coesão Social – Construção de Ginásio de ... – ...

         20. Mais decidiu, de comum acordo com os arguidos NN e KK, que tais obras seriam adjudicadas às sociedades geridas e representadas por estes – a B..., Lda. e a A..., S.A., respectivamente.

         21. Em 24 de Julho de 2008 o arguido AA, na sua qualidade de Presidente da Câmara Municipal remeteu convites a cinco sociedades comerciais para que estas apresentassem propostas no âmbito daqueles concursos limitados, a saber:

         a. a. À sociedade A..., S.A.;

         b. b. À sociedade B..., Lda.;

         c. c. À sociedade G..., S.A.;

         d. d. À sociedade H..., S.A.; e

         e. e. À sociedade I..., S.A.

         22. Apenas os arguidos NN e KK apresentaram propostas, em representação das sociedades B..., Lda. e A..., S.A., respectivamente.

         23. No seio do Município havia uma Comissão de Abertura de Concursos, uma Comissão de Análise de Propostas e uma Comissão de Vistorias.

         24. Ao ter conhecimento da existência do financiamento e do propósito dos arguidos AA, NN e KK, os demais arguidos BB, CC, EE, FF, HH, II e JJ, aderindo a tal intenção, emitiram diversos documentos com aquele objectivo de criar a convicção que os edifícios destinados aos ginásios em crise não estavam ainda em construção e que, quando fossem construídos, seriam estrutural e funcionalmente independentes dos edifícios destinados aos Centros Educativos do Centro e do Sul.

         25. Assim, em 11 de Agosto de 2008 a Comissão de Abertura dos Concursos, constituída pelos arguidos AA, BB e GG, deliberou por unanimidade admitir as sociedades acima identificadas aos concursos.

         26. Com o fito de criar a convicção que os ginásios integravam as empreitadas Equipamentos para a Coesão Social o arguido CC apôs a sua assinatura nos projectos de construção dos ginásios.

         27. Em 29 de Janeiro de 2009, após deliberação da Comissão de Análise de Propostas, composta pelos arguidos AA, FF e EE, a execução da empreitada Equipamento para a Coesão Social – Construção de Ginásio ... – ... foi adjudicada à sociedade A..., S.A., e a execução da empreitada Equipamento para a Coesão Social – Construção de Ginásio de ... – ... foi adjudicada à sociedade B..., Lda.

         28. Nessa sequência, em 11 de Fevereiro de 2009 o arguido AA, na qualidade de presidente da Câmara ..., outorgou contrato de execução da empreitada Equipamento para a Coesão Social – Construção de Ginásio ... – ... com a sociedade A..., S.A., representada pelo arguido KK, pelo valor de € 124.451,90.

         29. E na data referida no facto anterior, foi celebrado contrato de execução da empreitada Equipamento para a Coesão Social – Construção de Ginásio ... – ... com a sociedade B..., Lda., representada pelo arguido LL, pelo valor de € 124.109,22.

         30. Na execução do plano previamente gizado e aceite por todos os arguidos, em 29 de Abril de 2009, o arguido AA, na qualidade de presidente da Câmara ... e em representação do município, submeteu à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro a candidatura com vista à criação de uma rede concelhia de polidesportivos com acesso a dois centros escolares, que passava pela construção de dois ginásios cobertos no concelho ... – o ginásio da ... e o ginásio de ... – solicitando o financiamento do FEDER em 85% do valor do investimento, que ascendia a € 260.989,18.

         31. Porque os Centros Educativos do Centro e do Sul – onde se incluíam os ginásios da ... e de ..., respectivamente – encontravam-se já em construção, com vista a não inviabilizar a concessão do financiamento, e sob o falso pretexto de que se encontravam em curso diligências necessárias à aquisição dos terrenos onde os ginásios iam ser edificados, em 13 de Março de 2009 os arguidos EE e HH apuseram as respectivas assinaturas num auto de consignação da obra e suspensão da empreitada Equipamento para a Coesão Social – Ginásio da ....

         32. Do mesmo modo, e com aquele intento, em 18 de Março de 2009 os arguidos EE e JJ apuseram as respectivas assinaturas num auto de consignação da obra e suspensão da empreitada Equipamento para a Coesão Social – Ginásio de ....

         33. A candidatura foi instruída com as cadernetas prediais urbanas dos prédios seguintes:

         a. a. Caderneta predial urbana do artigo matricial n.º ...80, da freguesia ..., e certidão permanente do artigo urbano n.º ...97, da mesma freguesia;

         b. b. Caderneta predial rústica do artigo matricial n.º ...18, da freguesia ..., e certidão permanente do artigo urbano n.º ...56 da mesma freguesia.

         34. O financiamento foi aprovado e em 16 de Dezembro de 2009 foi celebrado contrato de financiamento entre a Comunidade Intermunicipal ... e o Município ..., representado pelo arguido AA.

         35. Mediante a celebração deste contrato, foi concedido apoio financeiro ao Município ... para aplicação da operação Equipamentos para a Coesão Social – Construção de Ginásios, identificada com o código n.º ...20 e o código universal de operação CENTRO-0...-CO...-FEDER-001001, no montante global de € 293.071,14.

         36. Na sequência da celebração do contrato e para criar a convicção de que ia iniciar-se a execução das empreitadas, em 8 de Outubro de 2009 e em 9 de Novembro de 2009 o arguido AA nomeou o arguido II para exercer os cargos de fiscal da obra e coordenador de segurança do ginásio de ... e do ginásio da ..., respectivamente.

         37. Naquelas mesmas datas, o arguido II apôs a respectiva assinatura em dois autos de reinício de obra em conjunto com os representantes das sociedades adjudicatárias, os arguidos JJ e MM.

         38. Em 16 de Julho de 2010 foi celebrada uma adenda ao contrato de financiamento visando a respectiva reprogramação temporal e financeira, onde se procedeu à alteração do valor das despesas elegíveis para € 260.989,18.

         39. O apoio financeiro prestado ao Município ... foi concretizado através da realização de três transferências em 28 de Maio de 2010, em 21 de Setembro de 2010 e em 12 de Setembro de 2012, nos montantes de € 182.692,43, € 15.658,34 e € 12.397,99, respectivamente.

         40. Com vista a fazer crer que os ginásios se encontravam a ser construídos no âmbito das empreitadas Equipamentos para a Coesão Social, e a evitar o cancelamento do financiamento, e na execução do plano previamente gizado e aceite por todos, os arguidos CC, JJ, EE e II, apuseram as respectivas assinaturas em autos de vistoria, onde consignaram que a construção daqueles ginásios se encontrava em conformidade com o projecto aprovado.

         41. Uma vez que os ginásios haviam sido construídos no âmbito da parceria C..., S.A., o arguido AA, de comum acordo com os arguidos DD, LL e KK decidiram aplicar o dinheiro recebido ao abrigo daquele financiamento na execução de obras não orçamentadas no Município ....

         42. Acordaram então os arguidos adjudicar tais obras às sociedades arguidas A..., S.A. e B..., Lda., e entregar a respectiva supervisão ao arguido DD.

         43. Acertaram ainda imputar os custos das mencionadas obras à construção dos Centros Educativos do Centro e do Sul, como se passa a expor:

         a. a. Construção do reservatório da ..., no valor de € 167.340,30, adjudicada à sociedade arguida B... e imputada ao Centro Educativo do Centro;

         b. b. Substituição da caixilharia e alumínios das portas e janelas do edifício da Câmara Municipal ..., no valor de € 15.650,00, adjudicadas às sociedades arguidas B..., e A..., S.A.;

         c. c. Construção de acesso ao Centro Educativo do Centro, no valor global de € 79.367,57, adjudicada à sociedade arguida B... e imputada ao Centro Educativo do Centro;

         d. d. Trabalhos nas freguesias do concelho ..., no valor global de € 19.486,00, adjudicados à sociedade arguida B... e imputada ao Centro Educativo do Centro.

         44. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente.

         45. Na execução de um plano previamente gizado e aceite por todos.

         46. Com o intuito de obter financiamento para a construção de dois ginásios que já se encontravam edificados e pagos.

         47. Apresentado na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro documentos de teor que sabiam não corresponder à verdade, através da criação de dois concursos de empreitada fictícios, e omitindo a circunstância dos ginásios terem sido construídos e pagos integralmente pela parceria C..., S.A.

         48. Cientes que o apoio financeiro solicitado e atribuído, no valor de € 260.989,18, não era legítimo.

         49. Agiram os arguidos com o propósito de aplicar tal montante em fim diverso àquele por que foi prestado.

         50. O que conseguiram, dado que aquela quantia foi despendida na execução de outras obras do concelho ....

         51. Os arguidos AA, FF e EE agiram na qualidade de presidente, vereador e técnico superior da Câmara ..., respectivamente, e no exercício das suas funções.

         52. Conduzindo e intervindo nos concursos limitados para a execução das empreitadas Equipamento para a Coesão Social sem observar os respectivos procedimentos concursais.

         53. Adjudicando-as às sociedades arguidas B... e A..., S.A. com a intenção de as beneficiar e de beneficiar os respectivos gerentes, os arguidos LL e KK.

         54. Tais circunstâncias eram do conhecimento e foram queridas pelos arguidos LL e KK.

         55. Que actuaram com o propósito de ser beneficiados e de beneficiarem as sociedades arguidas com a adjudicação daquelas empreitadas.

         56. Cientes que os arguidos AA, FF e EE actuaram sempre na qualidade de presidente, vereador e técnico superior da Câmara Municipal ... e no exercício dessas funções.

         57. O arguido AA agiu na qualidade de presidente da Câmara Municipal ... e no exercício das suas funções.

         58. Aplicando o financiamento obtido para adjudicar às sociedades arguidas B... e A..., S.A. a execução de diversas obras no concelho ... sem procedimento concursal e sem endereçar convites para apresentação de propostas a outra(s) sociedade(s).

         59. E encarregando o arguido DD da respectiva supervisão.

         60. Com a intenção de beneficiar as sociedades arguidas, os respectivos gerentes – os arguidos LL e KK – e o arguido DD.

         61. Tais circunstâncias eram do conhecimento e foram queridas pelos arguidos LL, KK e DD.

         62. Que actuaram com o propósito de ser beneficiados e de beneficiarem as sociedades arguidas com a adjudicação daquelas obras.

         63. Cientes que o arguido AA actuou sempre na qualidade de presidente da Câmara Municipal ... e no exercício dessas funções.

         64. Agiram os arguidos AA, BB, CC, EE, FF e II no exercício das funções que exerciam na Câmara Municipal ..., violando os deveres inerentes às respectivas funções, com o intuito de permitir que o município recebesse um financiamento que sabiam não ser devido.

         65. Actuaram os arguidos LL e KK em nome e em representação das sociedades arguidas B..., Lda. e A..., S.A., de que eram gerentes (respectivamente) com o intuito de as beneficiar economicamente, através da adjudicação de várias obras sem a observância dos procedimentos concursais.

         66. Actuaram os arguidos sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

         Das contestações dos arguidos

         Do Arguido MM

         67. O Arguido trabalhava à data dos factos motivadores deste processo na B..., Ld.ª, aqui também arguida, com as funções de director de obra.

         68. O arguido nunca teve qualquer intervenção prática na elaboração do orçamento, proposta ou na execução da obra Centro Educativo do Centro (sito na ...);

         69. O arguido nunca participou em qualquer reunião com Projectistas, Dono de Obra ou seus representantes, ou qualquer outro interveniente nesta obra específica.

         70. Nos autos e respectivos apensos existe um só documento que alegadamente contem a assinatura do arguido, no Auto de Reinício de obra Centro Educativo do Centro (sito na ...), de 09/11/2009.

         Da contestação do arguido AA

         71. É um profissional e um ser humano de elevada craveira.

         72. É um homem sério e bem considerado no meio onde trabalha e vive.

         Da contestação do arguido DD

         73. O arguido é pessoa séria e honesta, social, laboral e familiarmente integrado.

         74. O arguido tem pautado a sua vivência por critérios de humanidade, solidariedade e honestidade que transpõe para toda a sua actuação pessoal e social, procurando agir sempre no respeito pelas (boas) regras da convivência pacífica, cordata e respeitadora.

         Da contestação do arguido LL

         75. A criação e constituição da C... é o corolário direto do afogo financeiro das autarquias portuguesas.

         76. O município fez publicar o anúncio de procedimento em Diário da República, agosto de 2007, pelas vias normais para a contratação pública, instaurando o procedimento com o competente caderno de encargos e termos de referência (cfr. pág. 147 dos autos).

         77. Previamente, o anúncio, programa do procedimento e caderno de encargos foram aprovados por deliberação da Assembleia Municipal ....

         78. O relatório da comissão de avaliação das propostas formuladas pelos 2 (dois) consórcios concorrentes atribuiu a primazia ao consórcio B.../A... (cfr. fls. 176 e ss. dos autos).

         79. Em 14 de novembro de 2007, entre a “D...” (empresa municipal), a B.../E... e A.../F..., foi celebrado o contrato de sociedade C.... (cfr. fls. 108 dos autos).

         80. A proposta vencedora apresentada pelo consórcio B.../A... assumia o compromisso, o financiamento e o risco relativo aos seguintes projetos: INTERVENÇÃO VALOR % Centro Educativo ... €2.501533,2 15,63 Centro Educativo do Sul €1.813.362,35 11,33 Centro Educativo do Norte €2.780.118,34 17,37 Parque da Cidade €5.200.232,91 32,50 Arquivo e Salão Nobre Municipal €705.882,35 4,41 Requalificação Urbana do Centro Histórico de ... €2.055.529,41 12,85 SUB TOTAL 1 €15.056.658,81 94,09 Terrenos €695.000,00 4,34 SUB TOTAL 2 €15.751.658,81 98,44 Projeto €250.000,00 1,56 TOTAL €16.001.658,81.

         81. O compromisso financeiro global, assumido pelos parceiros privados, no âmbito da C... teria assim um limite autorizado de ± €16.000.000,00 (dezasseis milhões de euros).

         82. A cobertura financeira do investimento seria assegurada com recurso a “capitais alheios”, sob a forma de empréstimos de longo prazo ou por via de contrato de locação financeira.

         83. Logo após a constituição da C..., em novembro de 2007, a B... e a A... estabeleceram negociações com a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS com vista a contrair o financiamento necessário.

         84. O pedido formal final requerendo o financiamento foi formulado pela C... à CGD em 15 de fevereiro de 2008, conforme documento junto a fls. 647 destes autos.

         85. A C..., entretanto, fruto das negociações/conversações com a Administração da D..., EM e com o Presidente da Câmara Municipal, já havia “revisto em baixa” o âmbito do investimento pretendido realizar.

         86. Assim, o plano de investimento da C... passaria a ser executado em 2 (duas) fases, sendo que, na primeira fase apenas se visaria construir: i. o Centro Educativo do Centro e ii. o Centro Educativo do Sul.

         87. E posteriormente, seria construído o Centro Educativo do Norte (se bem que os investimentos relativos ao projeto e aquisição dos direitos de superfície do Centro Educativo do Norte seriam desde já executados – decisão de fevereiro de 2008).

         88. Pelo que, o financiamento que a C... então solicitava à CGD era reduzido ao montante de €7.908.648,56 e não já os €11.964.934,82 que tinham sido inicialmente pedidos. (cfr. fls. 649 dos autos).

         89. Ainda antes do início da atividade da C..., os parceiros privados viram reduzido o montante do investimento de €15.056.658,81 (s/IVA) para €7.908.648,56 (s/IVA).

         90. Aconteceu, entretanto, que por imposição do Governo Central, a CGD (banco público) tomou a decisão de não financiar mais “project finance” das parceiras público-privadas municipais.

         91. Os parceiros privados da C... procuraram obter financiamento junto de outros bancos, tendo logrado consegui-lo junto do Banco Espírito Santo, mais concretamente junto do BESLEASING E FACTORING – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A. (outubro de 2008).

         92. A negociação do financiamento com o BESLEASING conduziu a um modelo de financiamento assente em 3 (três) pilares: i. a D..., EM., proprietária plena do terreno destinado à construção do Centro Educativo do Centro (prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...73... ...), vendia o prédio à C.... (cfr. doc. de fls. 10 do Apenso A); ii. por sua vez, a C... vende ao BESLEASING o direito de superfície, e pois, o direito de construção (03.outubro.2008); iii. o BESLEASING celebrava com a C... (investidora/construtora) um contrato de locação financeira imobiliária, por um prazo de 30 (trinta) anos, acrescido do período de construção; (cfr. fls. 139 a 163 dos autos) iv. uma vez construído o Centro Educativo do Centro, entrava em vigor o contrato de sublocação a favor do Município ... ou da D...,

         93. Em que assumia o compromisso de pagar “rendas” de valor equivalente às prestações financeiras debitadas pelo BESLEASING à C..., durante o prazo do contrato. (cfr. fls. 80 a 83 dos autos).

         94. Quando em 03 de outubro de 2008 foi celebrado o contrato de financiamento com o BESLEASING (locação financeira imobiliária), já tinham sido realizados trabalhos no montante de €1.752.210,11€,  que o BESLEASING pagou.

         95. Os valores globais aprovados como valor máximo aprovado pelo BESLEASING para o financiamento eram os seguintes: Centro Educativo do Centro: Total da construção: € 5.569.484,34 (c/IVA) Centro Educativo do Sul: Total da construção: 3.696.067,44 (c/IVA)

         96. O financiamento restringia-se a estas 2 (duas) únicas obras – CE do Centro e CE do Sul.

         97. Durante o mês de junho de 2008 já a B... havia iniciado os trabalhos de cofragem dos pilares do ginásio do Centro Educativo do Centro. (cfr. Ata nº 14, fls. 40, Apenso E).

         98. E, em 30 de julho de 2008, a reunião da obra dá notícia de ter sido iniciada a montagem das estruturas metálicas da cobertura do ginásio. (cfr. Ata nº 18, fls. 53 verso, Apenso E) – 31.07.2008.

         99. Em 24 de Julho de 2008, o Município dirigiu um convite à B... para apresentar proposta à denominada “Empreitada de Equipamento para Coesão Social – Construção de Ginásio (... – ...).

         100. A B... apresentou a sua proposta que foi classificada pela Comissão de Análise em primeiro lugar e, pois, assim aprovada para efeitos de adjudicação (09 de setembro de 2008).

         101. A classificação e ordenação efetuadas pela Comissão de Análise não foram objeto de impugnação.

         102. Em 29 de janeiro de 2009 veio a ser proferido o Despacho de Adjudicação; e, em 11 de fevereiro de 2009, foi celebrado o contrato de empreitada entre o Município ... e a B... relativo ao Ginásio da ... – .... (cfr. fls. 107 e ss., Apenso B).

         103. Da “memória descritiva e justificativa” da candidatura (que ora se junta como doc. nº 2), os ginásios são descritos como integrados nos edifícios escolares envolventes, em construção, mas deles autonomizáveis para poderem estar virados para o exterior e poderem servir a comunidade local.

         104. A construção do ginásio da ... mantinha-se em marcha (tal como, aliás, o Centro Educativo anexo).

         105. Em 25 de janeiro de 2010 foram assinados os Autos de Medição e de Vistoria para a Receção Provisória desta obra (fs. 127 e ss. do Apenso B).

         106. E, efetivamente, com o último pagamento feito pelo BESLEASING à B... na sequência da aprovação do Auto de Medição nº 10 de julho de 2009 (fatura nº ...21, de 31 de agosto de 2009), consumava-se o recebimento pela B... do valor acrescentado com a construção do Ginásio, englobado na cabimentação geral dos custos da obra “Centro Educativo do Centro”.

         E consideram-se não provados os seguintes factos:

         A) No exercício da respectiva actividade, à C..., S.A. foram adjudicadas as obras referidas no facto provado 7.

         B) Em março de 2008, o Município tinha em preparação o programa do procedimento, o projeto e o caderno de encargos, destinados a contratar a empreitada de construção do ginásio da ..., adjacente ao CE do Centro (fls. 72 e ss. e fls. 3 e ss. do Apenso B).

         C) A B... suspendeu imediatamente a obra de construção do ginásio da ..., após ../../2008.

         D) Obra que só viria a ser retomada em outubro de 2008, mas já no âmbito da adjudicação da NOVA EMPREITADA, dando-se então início ao fecho da cobertura do ginásio (cfr. Ata nº 20, fls. 58, do Apenso E) – 01 de outubro de 2008.

            E) A B..., confortada com a aprovação da proposta de adjudicação, considerou ultrapassado o impasse e retomou a construção do Ginásio da ..., agora no âmbito da Empreitada Proposta (em outubro de 2008).

         F) Que os arguidos BB e RR tenha assinado documentos com o intuito de criar a convicção que os edifícios destinados aos ginásios em crise não estavam ainda em construção e que, quando fossem construídos, seriam estrutural e funcionalmente independentes dos edifícios destinados aos Centros Educativos do Centro e do Sul;

         G) Por sua vez, não tinha também sido regularizado financeiramente o custo do ginásio no âmbito da Empreitada – nada tinha sido pago à ....

          H) O ginásio da ... foi inaugurado em 09 de fevereiro de 2010. (cfr. Relatório de fls. 344 do Apenso A)

         I) Em face da aprovação da adjudicação da obra do ginásio da ... à B..., em setembro de 2008, ficou acordado no âmbito do conselho de administração da C... que o preço que a B... viesse a receber dessa obra do Município ... seria levado em linha de conta na C... e seria mutuamente reconhecido como contrapartida compensatória dos trabalhos que a B... tivesse realizado ou viesse a realizar por conta da C..., tocantes ao ginásio antes da sua autonomização.

         J) Com o que a administração da C... queria significar que tudo quanto a B... recebesse do Município referente ao ginásio da ... devia ser levado a crédito da C....

         K) Quando, em 21 de junho de 2010, o Município ... está em condições de pagar à B... o preço da empreitada e o realiza (€90.000,00 + €40.314,68 = €130.614,68) na sequência da fatura nº ...10... de 27/01/2010 (fls. 133 e ss., Apenso B), nesse momento, face ao “fecho de contas” da C... (fls. 644), constatava-se que a B... não só não tinha nada a restituir, como ainda tinha a receber €138.388,28.

         L) Em 14/11/2007, quando foi constituída a C..., o Município ... encontrava-se financeiramente impedido de realizar investimentos no concelho.

                                                         ***

         Vejamos agora a caracterização dos crimes imputados aos arguidos, começando pelo crime de prevaricação de titular de cargo político.

         A Lei nº 34/87, de 16 de Julho (crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos), prevê no art. 11º o crime de prevaricação nos moldes seguintes:

         O titular de cargo político que conscientemente conduzir ou decidir contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém, será punido com prisão de dois a oito anos.

         São assim elementos objectivos ou materiais do crime em questão:

         - Que o agente seja titular de um cargo político (considerando-se como tais, para os efeitos da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, os previstos no art. 3º deste diploma);

         - Que conduza ou decida contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções;

         Do ponto de vista subjectivo, o tipo legal pressupõe:

         - A consciência da actuação ilegal (consciência da condução ou decisão do processo contra direito); e

         - A intenção específica, traduzida no intuito de prejudicar ou beneficiar alguém  [2].

         Conforme resulta da configuração do tipo legal, este crime só pode ser praticado com dolo, na modalidade de dolo directo, constituindo um crime de intenção ou de resultado cortado (porquanto o tipo legal de crime prevê, a par do dolo do tipo, uma intenção de produção de um resultado que não faz parte do tipo e que, portanto, não tem que se verificar para que esteja preenchida a tipicidade necessária para a verificação do tipo) [3]. Daí que se diga também que se trata de um crime formal (por não exigir a verificação do resultado), ainda que se afirme como crime de dano, na medida em que a verificação do ilícito pressupõe a lesão do bem jurídico por ele tutelado que, segundo Carmo Dias, é a necessidade de garantir a submissão à lei e aos princípios fundamentais do Direito do titular de cargo político que, por virtude do cargo que ocupa, tem a função de conduzir ou decidir processo que lhe está afecto. São, por isso, interesses (colectivos) supra-individuais que se protegem, independentemente de mediatamente também poderem vir a ser afectados interesses (privados) individuais e, nessa medida, estes poderem ser protegidos reflexamente [4].

         Convirá reter ainda, pois a questão irá necessariamente colocar-se mais adiante, que o crime de prevaricação de titular de cargo político é um crime específico próprio, querendo com isto significar-se que o tipo de ilícito foi construído com base na qualidade do agente e nos específicos deveres do seu munus, a exigir que a acção ou omissão sejam praticadas por alguém que tenha a qualidade de titular de cargo político. Não significa isto, contudo, que esteja excluída a possibilidade da prática deste crime por quem não detenha a qualidade de titular de cargo político. Seria assim se o crime de prevaricação de titular de cargo político fosse um crime de mão própria [5], que não é, admitindo comparticipação nos termos gerais previstos nos arts. 26º e 27º do Código Penal, porquanto não existe previsão legal impondo que todos os actos consubstanciadores do tipo sejam executados pelo próprio titular do cargo político. Consequentemente, tem plena aplicação a norma do nº 1 do art. 28º do Código Penal [6] por não se descortinar que intenção diversa tenha presidido à construção do tipo legal de crime previsto no art. 11º da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, bastando a verificação da qualidade pessoal pressuposta pela norma num dos agentes para que a pena correspondente seja aplicável a todos os comparticipantes.

         Uma das formas de comparticipação previstas no art. 26º do Código Penal é a coautoria, que constitui ainda uma forma de autoria, razão pela qual o Código a descreve a par desta. Estatuindo que «é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução», aquela norma prevê diversas formas de execução do facto autonomizáveis em função das características da acção mas recondutíveis, todas elas, ao conceito amplo de autoria.

         No âmbito das alternativas previstas importa considerar o segmento «é punível como autor quem (…) tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros (…)», precisamente o que se reporta à coautoria, que tem como pressuposto fundamental uma execução conjunta, a exigir que o coautor tenha, em determinada medida, o domínio do facto. Não necessariamente da sua totalidade, mas pelo menos de uma parcela da execução, só assim se justificando que responda pela totalidade do delito o agente que por si levou a cabo apenas uma parte da execução típica [7], pressupondo-se ainda, do ponto de vista subjectivo, uma decisão conjunta. Nessa medida, todos os comparticipantes se afirmam como coautores, ainda que possa ser distinto o seu contributo para o resultado final.

         Atentemos de seguida no crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, p. e p. pelo artigo 36.º, n.º 1, al. c), n.º 2 e n.º 5, al. a), do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro.

         Na parte que agora importa considerar, o artigo 36º dispõe nos termos seguintes:

         1 - Quem obtiver subsídio ou subvenção:

         a) Fornecendo às autoridades ou entidades competentes informações inexactas ou incompletas sobre si ou terceiros e relativas a factos importantes para a concessão do subsídio ou subvenção;

          b) Omitindo, contra o disposto no regime legal da subvenção ou do subsídio, informações sobre factos importantes para a sua concessão;

         c) Utilizando documento justificativo do direito à subvenção ou subsídio ou de factos importantes para a sua concessão, obtido através de informações inexactas ou incompletas;

 será punido com prisão de 1 a 5 anos e multa de 50 a 150 dias.

          2 - Nos casos particularmente graves, a pena será de prisão de 2 a 8 anos.

         (…)

         5 - Para os efeitos do disposto no n.º 2, consideram-se particularmente graves os casos em que o agente:

         a) Obtém para si ou para terceiros uma subvenção ou subsídio de montante consideravelmente elevado ou utiliza documentos falsos;

         (…)

         Como primeira nota, impõe-se registar que esta incriminação tutela a confiança na vida económica a par do interesse na justa aplicação de meios provenientes do erário público no domínio da economia, traduzindo um crime comum, susceptível de ser praticado por qualquer pessoa, configurando-se também como crime de dano de execução vinculada (crime de dano porquanto a sua consumação só se verifica com o efectivo recebimento do subsídio ou subvenção [8]; e crime de execução vinculada, na medida em que o fim típico previsto na norma terá que ser alcançado pelo modo descrito no tipo legal).

         Uma segunda nota, que ganha vulto e carece de tomada de posição porque foi esgrimida nas alegações em sede de audiência nesta Relação (como, aliás, em algumas das respostas aos recursos), se bem que em sentido distinto daquele de que adiante se dará conta, prende-se com a abrangência da noção de subsídio postergada pelo DL nº 28/84 e da sua aplicabilidade aos fundos europeus.

         Feito este breve excurso, centremo-nos nos requisitos do tipo. Para que este se verifique é necessário:

         - Que o agente obtenha um subsídio, subvenção ou financiamento equiparável;

         - Que para o efeito, isolada ou cumulativamente, forneça informações inexactas ou incompletas relativas a si ou a terceiros, relevantes para a concessão do subsídio, que omita factos importantes segundo o regulamento para a sua concessão, ou que utilize documento justificativo do direito à subvenção ou subsídio ou de factos importantes para a sua concessão, obtido através de informações inexactas ou incompletas;

         - Que se verifique um nexo causal entre as informações inexactas ou omitidas e a obtenção do subsídio.

         - A intencionalidade enganatória subjacente à conduta activa ou omissiva no fornecimento ou ocultação de informações.

         O subsídio ou subvenção para os efeitos do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, é configurado no art. 21º deste diploma nos termos seguintes:

         Para os efeitos deste diploma, considera-se subsídio ou subvenção a prestação feita a empresa ou unidade produtiva, à custa de dinheiros públicos, quando tal prestação:

         a) Não seja, pelos menos em parte, acompanhada de contraprestação segundo os termos normais do mercado, ou quando se tratar de prestação inteiramente reembolsável sem exigência de juro ou com juro bonificado; e

         b) Deva, pelo menos em parte, destinar-se ao desenvolvimento da economia.

            Alegam os arguidos CC, NN, KK, JJ e A... nas respectivas respostas que não poderiam ser coautores do crime de fraude na obtenção de subsídio, sustentando que neste crime o seu autor tem de ser necessariamente o beneficiário de um subsídio ou subvenção, acrescentando ainda o arguido NN que (…) O financiamento comunitário, na forma de co-financiamento a um Município – entidade estranha e fora do perímetro económico – que não é “uma empresa ou unidade produtiva” – não constitui “subsidio ou subvenção” no conceito muito específico do art.º 21º do DL. nº 28/84, de 20 de janeiro. O beneficiário desse financiamento comunitário – o Município ... – não visava qualquer objetivo de investimento económico, empresarial, visando o lucro. Visava, sim, objectivos de política pública, supra-individuais, altruístas, de coesão social municipal e regional, a partilha de valores com todos os membros da comunidade, o progresso na educação e no desporto; o fomento.

         Ao sustentarem que o autor do crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção tem que ser necessariamente o beneficiário do subsídio estão os arguidos a ater-se, certamente, ao teor literal do proémio do nº 1 do art. 36º do Decreto-Lei 28/84 (Quem obtiver subsídio ou subvenção), desatendendo o conteúdo do art. 3º do mesmo diploma, que dispõe nos termos seguintes:

         Artigo 3.º

         (Responsabilidade criminal das pessoas colectivas e equiparadas)

         1 - As pessoas colectivas, sociedades e meras associações de facto são responsáveis pelas infracções previstas no presente diploma quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes em seu nome e no interesse colectivo.

          2 - A responsabilidade é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito.

         3 - A responsabilidade das entidades referidas no n.º 1 não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o n.º 3 do artigo anterior. 

         Já anteriormente, a propósito da caracterização geral do tipo de crime, referimos que o autor do crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção pode ser qualquer pessoa. Desenvolvendo esta asserção, acrescentaremos que quando cometido por pessoa colectiva, estando a autonomia de vontade desta dependente dos seus órgãos directores, a vontade da pessoa colectiva enquanto beneficiária do subsídio ou subvenção fraudulentamente obtido, bem como a sua actuação, dependem sempre de uma intervenção humana exteriorizada e assumida pelos seus órgãos dirigentes. A responsabilidade individual dos órgãos dirigentes da pessoa colectiva encontra respaldo no nº 3 do art. 3º do DL nº 28/84 e a extensão dessa responsabilidade a quem não tenha a qualidade de membro de órgão com poder de decisão pode operar por via de qualquer das formas de comparticipação previstas, nomeadamente, por via da coautoria, como no caso sucede.

            Suscitando-se a questão de saber se os fundos europeus, e mais concretamente os fundos em causa no procedimento a que se reportam os presentes autos, podem integrar a previsão do art. 36º do DL 28/84, atento o argumento da limitação do conceito de subsídio ou subvenção previsto no art. 21º, com exclusão da sua aplicabilidade ao Município por este não constituir empresa ou unidade produtiva, não visando objetivo de investimento económico ou empresarial, não hesitaremos em responder afirmativamente.

         A questão, que não é nova, foi tratada no Acórdão do STJ de 27/11/1997 [9], de cujo sumário, publicado nas bases de dados da DGSI, destacaremos duas conclusões com relevo para o enquadramento geral da problemática que se suscita:

            III - A definição de subsídio ou subvenção ínsita no artigo 21 do Decreto-Lei 28/84 estende-se – sem aplicação analógica – às comparticipações do Fundo Social Europeu, nenhuma dicotomia podendo razoavelmente verificar-se entre tal conceito e o de comparticipação, pois são uma e a mesma realidade, compreendida na mesma sinonímia.

         IV - Posto que o Decreto-Lei 28/84 seja anterior à entrada de Portugal na CEE, o certo é que o seu artigo 21 não contem qualquer distinção relativa à origem ou proveniência do subsídio ou subvenção, nela cabendo claramente os subsídios concedidos pela CEE.

         O texto deste Acórdão, dando nota de jurisprudência anterior do STJ no mesmo sentido [10], aborda de forma impressiva as questões de que agora cuidamos, pelo que nada melhor do que transcrever esses excertos:

         (…)

         Em segundo lugar, é hoje dado adquirido na jurisprudência deste Supremo Tribunal que a definição de subsídio ou subvenção ínsita no artigo 21 do Decreto-Lei n. 28/84 se estende - sem aplicação analógica - às comparticipações do Fundo Social Europeu. Isto, pelo menos, desde o citado acórdão de 30 de Janeiro de 1990, onde já se afirmava que o conceito de subsídio, para os efeitos do Decreto-Lei n. 28/84, é o que este diploma estabelece no artigo 21, nenhuma dicotomia podendo razoavelmente verificar-se entre aquele conceito e o de comparticipação, pois são uma e a mesma realidade, confundidas na mesma sinonímia.

          De resto, é sabido que tal dicotomia é afastada desde logo com a leitura do próprio debate parlamentar que antecedeu a aprovação da Lei de Autorização Legislativa n. 12/83 (cf. Diário da Assembleia da República, n. 1, de 14 de Julho de 1983) e do preâmbulo do Decreto-lei n. 28/84, onde se escreveu:

         "Entre os novos tipos de crimes incluídos neste diploma destacam-se a fraude na obtenção de subsídios ou subvenções, o desvio ilícito dos mesmos e a fraude na obtenção de créditos, conhecidos em outras legislações, como a da República Federal da Alemanha, os quais, pela gravidade dos seus efeitos e pela necessidade de proteger o interesse da correcta aplicação de dinheiros públicos nas actividades produtivas, não poderiam ser ignoradas pela nossa ordem jurídica".

         Ora, no âmbito da discussão que deu origem à Lei n. 12/83 e ao Decreto-Lei n. 28/84 (isto a pouca distância da nossa adesão à CEE), não podia o nosso legislador ignorar a razão de ser da evolução legislativa registada na Alemanha, que teve em atenção (como informa Klans Tiedemann, citado no comentário ao acórdão de 30 de Janeiro de 1990, in B.M.J. n. 393) os casos espectaculares de obtenção de subvenções fictícios para terceiros países no âmbito, designadamente, da Comunidade Económica Europeia (note-se, de resto, que já em 1981 fora criado na  Secretaria de Estado do Emprego um núcleo técnico/F.S.E. com o objectivo de preparar, com a antecedência necessária, a implantação da estrutura nacional que faria interlocução face às instâncias comunitárias e procederia à divulgação das possibilidades de intervenção do F.S.E.).

         E, como se acentua no referido acórdão de 8 de Novembro de 1995, aludindo a outro de 5 de Julho de 1995, "não foi certamente por acaso que o Conselho da Europa incluiu na lista das infracções contra a economia, anexa à recomendação n. R(81) sobre a delinquência económica, justamente (n. 3) a obtenção fraudulenta ou o desvio de fundos concedidos pelo Estado ou por organizações internacionais, recomendação essa que, entre muitas outras medidas, preconiza a necessidade de rever a legislação relativa às "sanções penais" aplicáveis aos delinquentes económicos, inclusive para examinar a possibilidade de "fazer uso apropriado, em casos graves, de penas privativas da liberdade".

         De resto, e posto que o Decreto-Lei n. 28/84, seja anterior à entrada de Portugal na CEE, o certo é que o artigo 21 daquele diploma não contém qualquer distinção relativa à origem ou proveniência do subsídio ou subvenção, nele cabendo claramente os subsídios (pouco importando que os recorrentes lhes chamem comparticipações, pois que, substancialmente, se trata da mesma realidade) concedidos pela CEE, no caso sempre acompanhados de determinada percentagem de contribuições do Estado Português, o que é razão acrescida para os considerar "dinheiros públicos".

         É, aliás, falacioso e falho de rigor o argumento de que as normas reguladoras do F.S.E. visam a promoção do emprego e a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores e não o desenvolvimento económico, pois é sabido que nenhuma economia pode ignorar a promoção do emprego e que da política económica dos governos faz parte, indissoluvelmente, a política do emprego.

         Por último, o mencionado artigo 21 quando fala em  "unidade produtiva", tem de ser interpretado em conjunto com os artigos 3, n. 1 e 6, alínea b) do Decreto-Lei n. 28/84, inferindo-se da natureza dos destinatários da lei qual o sentido (bastante amplo, que compreende qualquer pessoa singular ou colectiva que tenha por objectivo principal ou acessório a produção de bens económicos que são consumidos ou proporcionados ao consumo de terceiros) da expressão  "unidade produtiva".

         A conjugação daqueles artigos diz-nos claramente que, para os efeitos do Decreto-Lei n. 28/84, a unidade produtiva, com o referido alcance, tanto pode ser a pessoa singular (a quem a lei penal é, em princípio, dirigida), como uma sociedade civil e comercial (artigo 2, n. 3), como uma associação de facto, uma sociedade ou uma pessoa colectiva (artigo 3, n. 1), podendo esta ser uma pessoa colectiva pública (artigo 6, alínea b)), como o é o Município.

         Não se dúvida de que os arguidos estão incluídos nesta definição legal. E não se trata aqui de interpretação analógica, mas meramente declarativa, que não infringe o princípio da legalidade.

          (…)

          Na visão de Luís S. Cabral de Moncada (in Direito Económico, 2. edição, 1988, 356), o subsídio, atribuído sempre no pressuposto da prossecução pelo beneficiário de interesses públicos, é uma expressão genérica que abrange um conjunto diversificado de providências administrativas com um denominador comum: o tratar-se de atribuições pecuniárias unilaterais a favor de sujeitos económicos sem que estes fiquem constituídos na obrigação de reembolso. "É por esta razão - acrescenta - que também se chama ao subsídio subvenção, comparticipação, prémio, etc".

         (…)

         Aderimos integralmente a esta jurisprudência, cuja actualidade se nos afigura inquestionável e à qual nada mais se nos oferece acrescentar, resultando assim respondidos os óbices suscitados pelos recorrentes.

           

          Posto isto, fixada a matéria de facto provada e identificados os elementos de cujo preenchimento depende a verificação dos tipos legais imputados aos arguidos, é-nos dado verificar pela matéria de facto fixada que encontrando-se já em curso a construção dos Centros Educativos do Centro e do Sul, e tendo tomado conhecimento da possibilidade de acesso a fundos do QREN para o desenvolvimento de obras enquadráveis no âmbito do programa de coesão social e confrontados com a impossibilidade de cumprimento dos critérios de acesso a esses fundos – estavam acessíveis apenas a Municípios –  decidiu o arguido AA, com a adesão dos demais arguidos nos termos já antes aludidos,  simular a autonomização das obras dos ginásios incluídos nos Centros Educativos do Centro e do Sul para por essa via conseguirem obter fundos do QREN, procurando fazer passar a ideia de que os projectos de construção dos ginásios integrados naqueles Centros Educativos eram autónomos desses Centros. Para levar a cabo os intentos visados foi aberto um concurso que teve como resultado a adjudicação das obras correspondentes aos ginásios às empresas que já vinham executando as empreitadas dos Centros Educativos em que esses equipamentos desportivos se incluíam, nomeadamente, a B... e a A...; tendo depois procedido à autonomização dos ginásios em descrições prediais que abrangiam partes de prédios já existentes e que nem sequer estavam na disponibilidade do Município, simulando a sua autonomia física e logrando por essa via obter um financiamento que veio a ser destinado a finalidades diversas daquelas para que foi concedido, beneficiando dessa forma as empresas responsáveis pela execução dos ginásios e, consequentemente, os respectivos sócios.

         Em breve síntese do que se teve como provado destaca-se o seguinte:

         - Quando já se encontravam em curso as obras dos Centros Educativos do Centro e do Sul, promovidas pela parceria público-privada C..., S.A., incluindo cada um desses Centros Educativos um ginásio, o arguido AA decidiu lançar empreitadas autónomas para a construção dos ginásios;

         - No lançamento dessas empreitadas vieram a ser admitidos apenas a B... e a A..., em procedimento que visando deliberadamente favorecer essas empresas, violou as regras de contratação pública;

         - Quando foram proferidos os despachos de adjudicação das empreitadas dos ginásios à B... e à A... e outorgados os correspondentes contratos, já esses ginásios estavam a ser contruídos por aquelas duas empresas, no âmbito, respectivamente, do Centro Educativo do Centro e no Centro Educativo do Sul, como, de resto, já sucedia quando foram abertos os procedimentos acima referidos;

          - Acrescendo ainda que os prédios em que se implantavam aqueles edifícios, bem como o correspondente direito de superfície e, por conseguinte, as obras em curso nos Centros Educativos, aí incluídos os ginásios, foram abrangidos pela locação financeira imobiliária que a C... contratou com o BesLeasing, donde se segue que o Município não poderia dispor dos correspondentes direitos;

         - Da adjudicação dessas empreitadas resultaram benefícios directos e indevidos para as sociedades adjudicatárias, tanto quanto é certo que estas foram pagas pelas obras executadas nos Centros Educativos e obtiveram novo pagamento correspondente aos trabalhos executados nos ginásios, daí decorrendo uma duplicação da facturação e dos pagamentos efectuados por esses trabalhos;

         - E resultam ainda benefícios indirectos por via do acréscimo de património imobiliário da C..., sociedade de que tanto a B... como a A... são sócias, por força do ingresso nesse património dos prédios em que foram implementados os Centros Educativos e que o Município lhe vendeu;

         - Em 29 de Abril de 2009 foi apresentada à CCDR Centro uma candidatura para financiamento dos ginásios da ... e da ... por fundos FEDER no âmbito da concessão de apoios para a Coesão Local;

         - Para o efeito, foi fornecida a documentação relativa aos procedimentos de empreitada de construção dos ginásios promovida pela Câmara Municipal;

         - Esses ginásios estavam integrados nas obras de construção dos Centros
Educativos, sendo o dono da obra a C... e não o Município ..., não tendo o Município legitimidade para solicitar esses fundos;

         - As empreitadas de construção dos referidos ginásios assentavam em documentos fabricados com o intuito de aparentar a independência das obras dos ginásios relativamente às obras dos Centros Educativos;

         - E foi ficcionada a autonomia dos prédios onde estavam implantados os ginásios através da «criação» de prédios novos, a partir dos prédios onde estavam implantados os Centros Educativos, com evidente duplicação parcial das respectivas áreas.

         - Arrogando-se o Município a titularidade desses prédios;

         - Tendo omitido na candidatura toda a informação relevante correspondente à construção dos Centros Educativos, à inclusão dos ginásios nesses Centros, à titularidade dos prédios pela C... e ao contrato celebrado por esta empresa com o BESLeasing para o financiamento das obras dos Centros Educativos;

         - Tendo ainda indicado falsamente diversos elementos respeitantes às empreitadas em curso;

         - Actuação esta desencadeada com o intuito de aceder ao financiamento que sabia que não poderia obter se revelasse a verdade;

         - Tendo através destes expedientes logrado a entrega dos fundos a que se candidatou;

         - Estando largamente comprovado pelo acervo fáctico descrito que no desenvolvimento de toda esta actuação foram forjados inúmeros documentos com o intuito de comprovar procedimentos de contratação pública assentes em pressupostos inexistentes;

         - Assim como foram fabricados documentos em que foram vertidas declarações ou comprovadas situações falsas ou inexistentes, com o intuito de atribuir foros de veracidade a factos alegados na solicitação de fundos do FEDER;

         - Estão verificados ainda a consciência da actuação ilegal (consciência da condução ou decisão do processo contra direito); e

         - A intenção específica, traduzida no intuito de prejudicar ou beneficiar terceiros;

         - Bem como a qualidade pessoal de titular de órgão político;

         - Sendo certo que o financiamento veio a ser efectivamente obtido por força da deliberada actuação descrita.

         Por esta forma, tal como melhor resulta da matéria de facto assente, incorreram os arguidos AA, NN, KK, BB, CC, EE, FF, HH, II e JJ, na prática em coautoria material e na forma consumada, de um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, p. e p. pelo artigo 36.º, n.º 1, al. c), n.º 2 e n.º 5, al. a) do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, respondendo ainda por esse crime a arguida A..., nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro.

         Na verdade, lograram obter o financiamento que se haviam proposto, tendo para o efeito utilizado documentos justificativos de factos importantes para a sua concessão, obtidos através de informações inexactas, estando verificado tanto o nexo causal entre as informações inexactas ou omitidas e a obtenção do subsídio, como a intencionalidade enganatória subjacente à conduta.

         Em concurso real com esse crime, cometeram os arguidos AA, LL, KK, FF e EE, em coautoria material e na forma consumada, um crime de prevaricação, p. e p. pelo artigo 11.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, decorrendo a responsabilidade dos arguidos LL, KK, FF e EE do previsto no art. 28º, nº 1, do Código Penal.

         Com efeito, detendo o arguido AA a qualidade de titular de um cargo político, decidiu contra direito os processos de autonomização das empreitadas dos ginásios, intervindo no exercício das suas funções, actuando com plena consciência dessa actuação ilegal (decisão do processo contra direito) e com o intuito de beneficiar as empresas adjudicatárias das empreitadas e os respectivos sócios.

         Relativamente ao arguido DD, a matéria de facto assente poderia, quando muito ser enquadrada no tipo legal previsto no art. 37º do DL nº 28/84 (desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado), na parte em que lhe são imputadas responsabilidades no pagamento de obras com as tranches dos fundos recebidos, obras não correspondentes à finalidade para que os fundos tinham sido concedidos. Contudo, a aplicação desses fundos depois de entregues não integra o crime de fraude na obtenção de subsídio, mas desvio de subsídio, crime de que o arguido não está acusado (situação que poderia ser estendida a outros arguidos, em concurso com os crimes praticados, tema que não haverá que aprofundar face aos termos da pronúncia).

         Quanto aos arguidos MM e BB, a matéria de facto assente aponta para a impossibilidade de lhes imputar os crimes de que vinham acusados, valendo aqui o que oportunamente se referiu quanto a estes arguidos a propósito da discussão da al. I) do não provado, argumentos que agora se renovam.

         A pronúncia tinha imputado aos arguidos AA, DD, LL e KK em coautoria material, na forma consumada e em concurso real com os crimes antes mencionados, um outro crime de prevaricação, p. e p. pelo artigo 11.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, decorrendo a responsabilidade dos arguidos DD, LL e KK responsáveis nos termos do disposto no artigo 28.º, n.º 1 do Código Penal. Não obstante, da matéria de facto fixada não resultam elementos que permitam autonomizar uma outra resolução criminosa subsumível ao crime de prevaricação. No que a este crime concerne, todos os factos praticados se oferecem como decorrentes de uma só resolução e foram desenvolvidos na sequência lógica do propósito inicialmente formulado. O que se perspectiva, ante os factos relativos à aplicação do financiamento recebido, será o cometimento de um crime de desvio de subvenção, nos termos previstos no art. 37º do DL nº 28/84, crime pelo qual nenhum dos arguidos foi acusado.

         A autonomização da resolução criminosa quanto a um novo crime de prevaricação colide com um aspecto que se evidenciou na discussão da matéria de facto como subjacente a toda a actuação dos arguidos: se por um lado a utilização dos fundos obtidos em finalidades diversas daquelas para que foram concedidos terá sido desde o início o intuito dos arguidos a que agora nos reportamos, a intenção específica subjacente ao dolo, traduzida no intuito de beneficiar os próprios ou terceiros, enquanto elemento objectivo do crime de prevaricação, é também uma só, estando presente desde o início da actuação criminosa. Só artificiosamente se poderá cindir a intenção subjacente à actuação enquadrável no crime de prevaricação, que se apresenta conformado por uma solução de continuidade, abrangendo tanto a adjudicação das obras dos ginásios como a adjudicação das demais obras contratadas. De resto, a acusação, para a qual a pronúncia remete, não fornece, ab initio, elementos que permitam, ao nível do dolo, uma clara distinção de duas resoluções criminosas pressupostas por outros tantos crimes de prevaricação. Será porventura por essa razão que em sede de recurso o Ministério Público pediu apenas a condenação dos referidos arguidos por um só crime de prevaricação, assim se conformando com a unificação das respectivas condutas no âmbito de um só crime desta natureza.

         Verificados os pressupostos da responsabilidade criminal dos arguidos haveria que proceder à individualização da responsabilidade criminal individual, fixando as correspondentes penas. Intercorrem, porém, alguns obstáculos, como se verá de imediato:

         Desde logo, constata-se que tanto os Certificados de Registo Criminal como os relatórios sociais para a determinação de sanção constantes dos autos têm quase quatro anos, estando, portanto, manifestamente desactualizados, constatação que assume tanto maior relevo quanto as exigências de prevenção especial devem ser reportadas ao momento da condenação, assim como as condições pessoais relevantes serão as contemporâneas desse momento.

         Impõe-se, pois, proceder à actualização desses elementos nos temos previstos no art. 370º, nº 1, do Código de Processo Penal.

         Poderia suscitar-se a questão da harmonização deste procedimento com a jurisprudência do Acórdão nº 4/2016, de 21/01/2016 [11], que fixou jurisprudência no sentido de que em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal.

         Contudo, importa registar que o próprio STJ, em recentíssimo Acórdão [12], interpretou restritivamente aquela jurisprudência. São retiradas do respectivo sumário, publicado nas bases de dados da DGSI, as conclusões que se seguem em itálico:

         (…)

         II- Não obstante o teor aparentemente abrangente do seu dispositivo, o AFJ 4/2016 apenas impõe ao Tribunal da Relação que proceda à determinação da sanção ao revogar decisão absolutória de 1ª instância, quando dispuser dos factos necessários para essa mesma determinação da sanção.

         III- De acordo com o nosso modelo processual de determinação da sanção, em que sobressai a opção pela regra da cisão ou césure mitigada estabelecida nos artigos 369º a 371º para a determinação da sanção em 1ª instância, o tribunal de julgamento, quando absolva o arguido, passará de imediato à elaboração da sentença absolutória, que não conterá, assim, a enumeração de factos provados que apenas relevassem para efeitos de futura e eventual determinação da sanção, pois dos nºs 1 e 2 do artigo 369º resulta que o procedimento previsto para a determinação da sanção apenas terá lugar, “Se das deliberações e votações realizadas nos termos do artigo anterior [artigo 368º “Questão da culpabilidade”] resultar que ao arguido deve ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança…».

         IV- Assente que o AFJ 4/2016 não abrange as hipóteses de revogação de decisão absolutória que não tenha apurado os factos necessários para a determinação da sanção, por não ser tal hipótese abrangida pela oposição de julgados em que assentou a fixação de jurisprudência, não tem fundamento processual suficiente o posicionamento de cariz meramente doutrinário referido na fundamentação do AFJ nº 4/2016 ao apontar para que seja o Tribunal da Relação a apurar os factos necessários para a determinação da sanção quando a decisão absolutória de 1ª instância não apurou tais factos.

         (…)

         A posição expendida neste último Acórdão vem reconhecer que, no limite, estender a vinculação da jurisprudência do Acórdão nº 4/2016 às considerações constantes da respectiva motivação corresponderia a atribuir àquela jurisprudência uma abrangência que não tem, abrindo portas, com esse pretexto, à imposição de sérias limitações ao principio do fair trial, impondo aos arguidos a conformação com prova que não poderiam contraditar [13].

         Porém, não haverá sequer que equacionar o modo de superação do problema suscitado e se deve ter lugar no tribunal ad quem ou no tribunal a quo, porquanto intercorre uma outra questão, a sobrepor-se àquela: a da omissão de pronúncia pelo tribunal a quo quanto aos factos alegados no pedido de indemnização civil, dando corpo à nulidade prevista no art. 379º, nº 1, al. a), por referência ao art. 374º, nº 2, desta feita com uma abrangência totalmente distinta daquela de que se conheceu e se supriu anteriormente, na sequência do alegado pelo M.P., mas agora sem possibilidade de sanação pelo Tribunal da Relação.

         Na verdade, o Assistente deduziu pedido cível que consta dos autos a fls. 1147 e ss., tendo alegado factos com relevo para apreciação do pedido de indemnização por danos patrimoniais, que fundamenta e quantifica, e para cuja prova arrolou testemunhas e documentos, sem que o tribunal a quo se tenha pronunciado sobre os factos correspondentes, seja considerando-os como provados, seja como não provados.

         Independentemente daquela que viesse a ser a decisão sobre a vertente criminal da causa, o tribunal recorrido estava vinculado a tomar posição sobre essa matéria de facto, posto que disposição alguma o isentava dessa apreciação em caso de absolvição. A necessidade de pronúncia sobre essa matéria de facto deve considerar-se incluída no nº 2 do art. 374º do CPP, tanto mais que o art. 377º, nº 1, do mesmo diploma, impõe que a sentença, mesmo em caso de absolvição, condene o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, suposto as partes não terem sido remetidas para os meios civis, como prevê o art. 82º, nº 3. Acresce um argumento de ordem prática: podendo a decisão de primeira instância ser impugnada por via de recurso, na hipótese de se revelar a viabilidade, em recurso, do pedido cível – que até comporta recurso autónomo, nos termos do art. 403º, nº 2, al. b), do CPP – o tribunal de recurso terá que ser apetrechado com a pertinente matéria de facto, sob pena de o processo regressar à primeira instância para apreciação desses factos, como agora sucederá, tudo a implicar actos processuais e delongas que poderiam ser evitadas.

         Precisamente por força da cindibilidade dos factos atinentes à matéria cível, não resulta obstáculo à ampliação em primeira instância da matéria de facto agora fixada.

         Acresce, por fim, questão de apreciação também omitida, mas igualmente de pronúncia obrigatória pelo tribunal do julgamento, atento o disposto no art. 39º do DL nº 28/84 (restituição das quantias ilicitamente obtidas ou desviadas dos fins para que foram concedidas). O tribunal a quo não se pronunciou sobre a restituição das quantias indevidamente recebidas e sobre a correspondente responsabilidade dos arguidos, posto que a jurisprudência vem apontando a necessidade de condenação na restituição mesmo em caso de absolvição, suposto, claro está, estarem verificados os pressupostos que a ela devem conduzir, questão que suscita também a indagação (jurídica) dos vinculados a essa obrigação de restituição, nomeadamente, na vertente de averiguar se incide apenas sobre a entidade que recebeu indevidamente as quantias ou se recai também sobre os responsáveis individualmente considerados.

III – DISPOSITIVO:

            Pelo exposto, acordam na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

         - Em dar provimento aos recursos concernentes ao erro de julgamento por via da reapreciação da matéria de facto impugnada, procedendo à alteração da matéria de facto nos termos suprarreferidos;

         - Em revogar, consequentemente, a decisão absolutória quanto aos arguidos AA, CC, EE, FF, HH, II, JJ, KK, LL e A..., S.A.

         - Em julgar verificado o vício de omissão de pronúncia quanto ao pedido cível formulado e quanto à obrigação de restituição das quantias indevidamente recebidas, devendo o tribunal a quo supri-lo, pronunciando-se sobre os factos do pedido cível cuja apreciação omitiu, podendo para o efeito, se necessário, reabrir a audiência, e ainda sobre a obrigação de restituir as quantias indevidamente recebidas;

         - Devendo o tribunal a quo, em todo o caso, e antes de proferir nova decisão, proceder à actualização dos Relatórios Sociais para Determinação de Sanção e dos Certificados de Registo Criminal.

         Sem taxa de justiça.


*


                                                              Coimbra, 28 de Junho de 2024

               (Processado pelo relator, revisto por todos os signatários e assinado electronicamente)


[1] - No acórdão recorrido existe um erro manifesto na identificação inicial dos arguidos submetidos a julgamento, repetido na identificação constante do dispositivo. Em ambos os momentos, para além dos arguidos agora identificados, o tribunal fez ainda constar «SS e de TT», porventura erro material decorrente da utilização da ferramenta copy/paste com origem na filiação de HH (UU e de TT).
[2] - Quanto à configuração do tipo, vejam-se os Acórdãos da Relação de Lisboa de 09/11/2011, proc. nº 311/09.0TAPTS.L1-3; e do Tribunal da Relação de Évora, de 16/12/2021, proc. nº 3627/17.8T9PTM.E1
[3] - Sobre o tema, cf. Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, págs. 380/381
[4] - Comentário das Leis Penais Extravagantes, anotação ao art. 11º da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, Vol. 1, pág. 751.
[5] - Sobre os crimes de mão própria, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18/06/2003, proc. 0311088, de cujo sumário, publicado nas bases de dados da DGSI extraímos o seguinte:
 I - Crimes "comuns" são os que podem ser praticados por qualquer pessoa.
  - Crimes "próprios" ou "especiais" são aqueles que só podem ser cometidos por um núcleo restrito de agentes, detentores de determinadas qualidades ou condições pessoais.
 - Os crimes "de mão própria", também denominados de "actuação pessoal", são aqueles em que o sujeito activo possui uma condição especial e somente por ele em pessoa pode ser praticado, só admitindo a forma de autoria directa, imediata ou material.
II - Enquanto que nos crimes "próprios" o sujeito activo pode determinar a outrem a sua execução, nos de mão própria ninguém o pratica por intermédio de outrem, embora admita a cumplicidade.
[6] - Cujo teor é o seguinte: Se a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependerem de certas qualidades ou relações especiais do agente, basta, para tornar aplicável a todos os comparticipantes a pena respectiva, que essas qualidades ou relações se verifiquem em qualquer deles, excepto se outra for a intenção da norma incriminadora.
[7] - Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, pág. 792.
[8] - Cf. o Acórdão do STJ (fixação de jurisprudência) nº 2/2006, publicado no DR, I Série, de 04/01/2006.
[9] - Proc. 96/92
[10] - Acórdãos de 8 de Novembro de 1995, C.J. - S.T.J., III, 230; de 23 de Setembro de 1992, B.M.J. nº 419, p. 428; de 30 de Janeiro de 1990, B.M.J. nº 393, p. 301; de 2 de Novembro de 1995, B.M.J. nº 451, p. 56; de 3 de Fevereiro de 1994, B.M.J. nº 434, p. 262; de 17 de Outubro de 1996, no recurso nº 469/96; e de 5 de Fevereiro de 1997, no recurso n. 809/96.
[11] - Publicado no DR nº 36, Série I, de 22/02/2016.
[12] - Datado de 11/01/2024, proferido no Proc. nº 2063/18.3T9ALM.L1.S1
[13] - Com uma abrangência diversa, mais ampla do que o óbice que suscitamos, mas deixando já antever preocupação similar, veja-se o voto de vencido formulado pelo Exmº. Senhor Conselheiro Nuno Gomes da Silva no citado Acórdão nº 4/2016: Vencido por considerar que um recurso de uma decisão absolutória só pode versar, naturalmente, a questão da culpabilidade pois foi só essa que o tribunal recorrido analisou e sobre a qual decidiu, inexistindo omissão de pronúncia por o tribunal da relação não se debruçar sobre a determinação da sanção, na medida em que, a decisão recorrida não se debruçou sobre esta. O que o tribunal da relação tem que fazer, uma vez fixada a matéria de facto e decidida a questão da culpabilidade, é determinar que o tribunal recorrido, como tribunal de julgamento, complete a sua tarefa que será então a de levar a cabo a 2ª parte do julgamento – que é a da determinação da sanção com a reabertura da audiência para eventual produção de prova, se isso for necessário, mas seguramente para a acusação e a defesa se pronunciarem sobre essa sobejante questão, sobre a qual não houvera pronúncia e sobre a qual a relação não tivera de se pronunciar, insiste-se. É este , o melhor meio de superar as questões de legalidade que a solução consagrada no acórdão a meu ver pode vir a suscitar e, principalmente, de acautelar plenamente as garantias de defesa do arguido, nomeadamente o seu direito ao recurso e o seu direito de estar perante o juiz (tribunal) que lhe fixa a pena.