TRÁFICO DE SUBSTÂNCIAS ESTUPEFACIENTES
PROVA TESTEMUNHAL
DEPOIMENTO INDIRECTO
PROCESSO EQUITATIVO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário

I. Não podem valorar-se em audiência declarações de testemunha sobre o que ouviu dizer a pessoa, que nunca foi identificada, arrolada como testemunha ou tenha tido qualquer intervenção no processo.
II. A mais da proibição estabelecida no artigo 129.º CPP, a consideração de tal depoimento indireto sempre constituiria um atropelo flagrante e inadmissível aos direitos de defesa do arguido (artigos 20.º, § 4.º e 32.º, § 5.º da Constituição).

Texto Integral

I – Relatório
a. No ….º Juízo (1) Local Criminal de …, do Tribunal Judicial da comarca de …, procedeu-se a julgamento em processo comum, da competência do tribunal singular, de AA, nascido a …, com os demais sinais dos autos, a quem foi imputada a autoria, na forma consumada, de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes de menor gravidade, previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, em concurso efetivo com um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no artigo 292.º, § 1.º do Código Penal, com referência ao artigo 69.º, § 1.º do mesmo código.

b. O arguido contestou e arrolou prova.

c. A final o tribunal proferiu sentença, pela qual condenou o arguido como autor de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, numa pena especialmente atenuada (mercê da aplicação do artigo 4.º do Regime Especial Penal para Jovens) de 1 ano e 1 mês de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, com regime de prova; e como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no artigo 292.º, § 1.º CP, na pena de 60 dias de multa, à razão diária de 7€ e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses.

d. Inconformado com a condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, o arguido apresenta-se a recorrer, extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões:

«I. O presente recurso versa sobre a sentença proferida, que condenou o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, n.º 1 e 26.º, do Código Penal e 25.º, alínea a), com referência ao artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C, anexa àquele diploma legal.

II. Considera o recorrente estarmos perante ERRO NOTORIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA – art.º 410. nº 2 c) CPP, uma vez que no ponto 3 da matéria de facto dada como provada, consta ”Quando os Militares da GNR se aproximaram do arguido este deitou para o chão um saco ZIP contendo:

a) 31,356g (L) de Canábis (resina), com o grau de pureza de 28,8 (THC)] correspondente a 184 (cento e oitenta e quatro) doses médias individuais diárias;

b) 8,927g (L) de Canábis (resina), com o grau de pureza de 28,8 (THC) correspondente a 50 (cinquenta) doses médias individuais diárias [número de doses calculado segundo a Portaria 94/96 de 26 de março, cf. exame pericial constante de fls. 118].”

Ora no exame pericial constante a fls. 118 dos autos e citado na sentença pelo tribunal “a quo”, a perícia refere, contrariamente à matéria de facto dada como provada na sentença no seu ponto 3 al) b, tratar-se de 7,778g (L) de Canábis (resina), com o grau de pureza de 28,3 (THC). E não 8,927g (L) de Canábis (resina), com o grau de pureza de 28,8 (THC).

III. Contudo é nosso entendimento, note-se perfilhado também por jurisprudência em que nos apoiamos, e salvo melhor opinião, nos termos do disposto no art. 71º nº 1 c) do D.L. nº 15/93 de 22/01, a dose média individual diária é calculada com base na quantidade de produto ativo presente no produto estupefaciente que esteja em causa, sendo no caso destes autos, a Cannabis. A Portaria nº 94/96 de 26 de Março, para que remete o corpo do citado artigo 71º, indica no seu mapa a quantidade máxima de princípio ativo para cada dose média individual diária. No caso de canábis-resina essa quantidade máxima é de 0,5.

IV. Tendo sido provado que o arguido detinha (31,356+7,778)=39,134 gramas no total de Cannabis com 28,8% e 28,3% de princípio ativo respetivamente, corresponde essa quantidade a (31,356 x 28,8%)=9,030 gramas + (7,778 x 28,3%)=2,201 gramas de princípio ativo respetivamente, totalizando 11,231 gramas e a (11,231:0,5=22,46) pouco mais de 22 doses médias individuais diárias de princípio ativo.

V. Ora a afirmação factual produzida na sentença recorrida no sentido de que a Cannabis que o arguido detinha com o peso líquido de 31,356 + 7,778 = 39,134 gramas com um grau de pureza de 28,8% e de 28,3% de THC respetivamente “(…) dá-nos um número de doses médias individuais diárias que ascende a um global de 234 (184 + 50), ou seja, 234 dias de consumo (…)” , padece de um manifesto erro, pois antes deveria ter afirmado que essa quantidade de princípio ativo de Cannabis corresponde a 22,46 doses individuais.

VI. Sendo errada a afirmação implícita da validade juízo técnico-científico do exame efetuado nessa matéria; a conter uma tal afirmação, verifica-se um manifesto lapso de escrita na conclusão pericial, cujo teor serviu para fundar a convicção do tribunal recorrido.

VII. Cremos assim que o tribunal “a quo”, tendo seguido o erro, sobre o número de doses médias diárias individuais contidos no exame ao produto estupefaciente, violou regra de prova vinculada a que o dito exame também estava adstrito, imposta pelo n.º 3 do artigo 71.º do DL n.º 15/93

VIII. Pelo que os factos constantes da matéria de facto deveriam ser alterados e substituídos por:

Quando os Militares da GNR se aproximaram do arguido este deitou para o chão um saco ZIP contendo:

a) 31.356 g (L) de Canábis (resina), com o grau de pureza de 28.8 (THC) correspondente a 18,06 (dezoito virgula seis) doses médias individuais diárias;

b) 7,778 g (L) de Canábis (resina), com o grau de pureza de 28.3 (THC) correspondente a 4,4 (quatro virgula quatro) doses médias individuais diárias [número de doses calculado segundo a Portaria 94/96 de 26 de março].

IX. Considera o recorrente que o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento da matéria de fato, erro no processo cognoscitivo e valorativo da prova, violou os princípios ínsitos nos artigos 127.º (livre apreciação de prova e regras da experiência).

X. Assim no concerne à matéria de facto dada como provada consideram-se incorretamente julgados os seguintes factos dados como provados:

[factos 1. a 6.]

XI. Na sua motivação o tribunal “a quo” refere que os militares da GNR, e passamos a citar “(…) vieram a efetuar a sua detenção em flagrante delito -e não por uma questão de consumo, note-se, em flagrante delito por atividade de tráfico - e as circunstâncias da detenção evidenciam, efetivamente, que o arguido estava a exercer atividade de tráfico.” Atente-se no depoimento de BB quanto ao contexto da detenção.

XII. Neste sentido resulta claro das declarações da testemunha BB, militar da GNR, exaradas na ata de julgamento de 15-03-2024 com a Ref.ª …, gravadas entre as 09h48m43seg e as 10h10m33segs, em suporte digital ficheiro …, entre o minuto 05:07:81 e o minuto 05:56, a instâncias do Ilustre Procurador do M.P, que a testemunha, não observou nenhuma atividade de venda ou cedência por parte do arguido a outrem. No mesmo sentido também o auto de notícia junto aos autos, sob Ref.ª CITIUS nº….

XIII. O arguido é detido em flagrante delito, por ter no interior da sua viatura produto estupefaciente cuja quantidade, excedia a quantidade necessária para o consumo individual durante o período de dez dias, estabelecido na Portaria n.º 94/96, de 26 de Março.

XIV. Pelo que resulta evidente, de que o circunstancialismo relativo à forma como ocorreu o momento da detenção, não permite inferir que o arguido ora recorrente tivesse sido detido por estar a exercer atividade de tráfico!

XV. Circunstância corroborada pelo depoimento do arguido, exarado na ata de julgamento de dia 15-03-2024 sob a Ref.ª CITIUS nº … que se encontra gravado entre as 09h32m00segs e as 09h48m29segs, em suporte digital ficheiro …, na passagem com relevo para esta matéria entre os minuto 09:24 e minuto 10:10, e entre minuto 15:55 e 13:30.

XVI. Quanto ao depoimento prestado pelo arguido, ora recorrente, o tribunal “a quo” optou por o descredibilizar na integra. Constando da motivação da sentença que : “(…) O que arguido detinha consigo, também é, salvo melhor opinião, fortemente indiciador de que não estava num contexto de consumo, mas de venda - o arguido para além de estar na posse de uma quantia em numerário que nos parece já relevante - e ainda que o arguido tenha aduzido, nas suas declarações, que tinha o hábito de andar sempre com 100/150 euros em dinheiro, o que não se nos afigurou particularmente convincente - o arguido tinha consigo material que, consabidamente, é utilizado na atividade de tráfico, instrumentos destinados ao corte do produto e sacos de plástico individuais.

Ora realce-se que estes sacos de plástico individuais, por si só - que o arguido, é certo, também explicou como se destinando à separação do seu próprio produto, para consumo, já que não podia ter em casa pelo que andava sempre com o mesmo no carro, aspeto que também não se nos afigurou convincente, devemos dizer - constituem um indício extremamente forte de que o arguido estava a efetuar a venda de produtos estupefacientes naquele local.(…)”

XVII. Ora o depoimento do arguido, ora recorrente revelou-se consistente e coerente e é nosso entendimento que quando conjugado com as regras da experiência comum não podia deixar de ser valorado.

XVIII. Quer quanto à sua dinâmica de consumo, quer quanto às explicações prestadas relativamente às razões pelas quais guardava o produto estupefaciente no carro juntamente com os 2 xis-atos, a faca, e os três sacos Zip encontrados também no interior da sua viatura, sobre esta matéria releva o depoimento do arguido exarado na ata de julgamento de dia 15-03-2024 sob a Ref.ª CITIUS nº … que se encontra gravado entre as 09h32m00segs e as 09h48m29segs, em suporte digital ficheiro …, na passagem com relevo para esta matéria entre os minuto 05:24 e minuto 09:23, e entre minuto 11:22 e 14:18 e no suporte digital ficheiro … entre o minuto 04:32 e o minuto 06:12 e entre o minuto 07:24 e o minuto 08:02.

XIX. Ainda na senda da motivação apresentada pelo tribunal “a quo”, pode ler-se no aresto ora em crise que “(…) Agora quanto à questão central/controversa deste julgamento, se o produto estupefaciente que o arguido detinha se destinava a consumo próprio ou a venda, parece-nos que mau grado o declarado pelo arguido, procede o alegado na acusação pública/de que se destinava a venda; o arguido foi detido num contexto - claramente - revelador de que estava a efetuar a atividade de venda; julgamos que os depoimentos das testemunhas CC, DD, EE, também não infirmam/afastam relevantemente esta conclusão do tribunal; de resto não há incompatibilidade entre o facto de o arguido ser consumidor e, ao mesmo tempo, dedicar-se à venda desse produto (de que também é consumidor (…)”

XX. É possível alcançar do depoimento da testemunha CC, mas sobretudo, do depoimento da testemunha DD, que ambas têm relações de proximidade com o arguido.

XXI. Conhecem-se há vários anos, fazem parte do mesmo círculo de amigos, circulam no mesmo meio.

XXII. Numa localidade de pequena dimensão como …, não é verossímil e contraria aliás as regras da experiência comum, que se o arguido se dedicasse à venda de estupefacientes, e estas, pudessem desconhecer tal circunstância, com relevo nesta matéria as declarações da testemunhas exaradas respetivamente na ata de julgamento de 15-03-2024 com a Ref.ª CITIUS …, CC gravadas entre as 10h28m51seg e as 10h33m56segs, em suporte digital ficheiro … e DD, gravadas entre as 10h34m38seg e as 10h39m43segs, em suporte digital ficheiro …. De seguida e ainda no decurso da sua motivação o tribunal “a quo” à guisa e conclusão refere que: “(…) A versão apresentada pelo arguido, em abstrato ou em teoria, poderá não ser absolutamente impossível, de que todo o produto estupefaciente se destinava a consumo próprio, para cerca de 15 dias; mas na prática é; pelo menos se afirma que é altamente improvável ou inverosímil; para além das circunstâncias da detenção do arguido, que não se compatibilizam com uma situação de mero consumidor, como já acima assinalámos, o consumo médio individual apurado com recurso aos critérios da Portaria 94/96 de 26 de março, cf. Exame pericial constante de fls. 118, dá-nos um número de doses médias individuais diárias que ascende a um global de 234 (184 + 50), ou seja, 234 dias de consumo, é uma diferença avassaladora, mesmo para um consumidor inveterado, que não nos parece seja o caso do arguido.(…)”

XXIV. Ora note-se a sentença no seu ponto 15 da matéria de facto, dada como provada tem como assente, que este iniciou o consumo de haxixe por volta dos 14 anos de idade.

XXV. O arguido relata no seu depoimento a forma como foi progressivamente aumentando os seus consumos ao longo do tempo e, situa o período da data, próximo da sua detenção, como a fase em que o seu consumo se agudizou de forma exponencial.

XXVI. Tal circunstância note-se, é confirmada pelas testemunhas, CC, DD e EE, que afirmam ter percecionado de forma inequívoca, um aumento do consumo por parte do arguido, ora recorrente.

XXVII. A Lei nº 55/23, veio alterar o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e a lei 30/2000, de 29 de Janeiro, procedendo à alteração do art.º 71.º nº 2, acrescentando que “A portaria a que se refere o número anterior deve ser atualizada, sempre que possível, a cada seis meses, ou logo que os dados da evolução científica ou os indicadores dos consumos revelem uma necessidade de intervenção” . Ora a portaria para que remete o art.º 71. Nº 2 é a Portaria 94/96 de 26 de março, que ainda não foi objeto da necessária alteração e está em vigor desde 1996.

XXVIII. Pelo que o tribunal “a quo” considerar, por reporte à portaria de 1996, como altamente improvável ou inverosímil, que as doses médias individuais se destinassem ao consumo do ora recorrente, parece-nos desajustado da realidade, volvidos 26 anos sobre a classificação da referida portaria, à data da prática dos factos.

XXIX. Note-se que dos autos consta um relatório final de investigação elaborado pelo NIC da GNR sob Ref.ª Citius … onde pode ler-se “Pelo que foi possível apurar, o arguido AA consumia produtos estupefacientes, nomeadamente haxixe (…) Não foi apurado a atividade ilícita de tráfico de estupefacientes (…)”

XXX. Em consequência do supra exposto, o tribunal “a quo” deveria ter dado como provado:

1. Que o produto estupefaciente se destinava, em exclusivo, a consumo do arguido, e que o mesmo era suficiente para o consumo do arguido durante o período de cerca de 15 dias.

2. Quando os Militares da GNR se aproximaram do arguido este deitou para o chão um saco ZIP contendo:

a) 31.356 g (L) de Canábis (resina), com o grau de pureza de 28.8 (THC) correspondente a 18,06 (dezoito virgula seis) doses médias individuais diárias;

b) 7,778 g (L) de Canábis (resina), com o grau de pureza de 28.3 (THC) correspondente a 4,4 (quatro virgula quatro) doses médias individuais diárias [número de doses calculado segundo a Portaria 94/96 de 26 de março].

XXXI. Considera-se assim que o tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, violou os princípios ínsitos nos artigos 127.º (livre apreciação de prova e regras da experiência).

XXXII. Ainda que assim não se entendesse, o que se coloca tão só e apenas por necessidade de patrocínio, e sem prescindir, a pena aplicada ao arguido, é por demais gravosa.

XXXIII. O arguido foi condenado, na pena de 1(um) ano e 1(um) mês de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, subordinada a regime de prova nos termos do art.º 53, nº 3 do C.P.

XXXIV. O arguido beneficiou da aplicação da atenuação especial para jovens, nos termos do art.º 4 do Decreto-Lei 401/82, de 23 de Setembro.

XXXV. Foi em nosso entender a sentença ora em crise, lavrado ao arrepio dos arts. 40.º nsº1 e 2, 70.º e 71.º º do Código Penal, revelando-se a pena aplicada, desajustada, por excesso face às balizas legalmente impostas.

XXXVI. Entende o ora recorrente, que a pena aplicada pelo tribunal “a quo”, por força da atenuação especial, nos termos do art.º 73 do C.P. é manifestamente desproporcional.

XXXVII. Ora no caso concreto em análise, pareceu a sentença olvidar que o arguido, ora recorrente à data da prática dos factos tinha 19 anos de idade.

XXXVIII. Atravessava como é comum a inúmeros jovens nessa idade, uma fase de instabilidade. Agravada no seu caso concreto, pela sua dependência do consumo de haxixe. Circunstância que na presente data como é possível alcançar do relatório social junto aos autos (cujo conteúdo se encontra reproduzido e dado como provado na sentença nos seus pontos a 10 a 19), se encontra totalmente ultrapassada.

XXXIX. Que o arguido ora recorrente. está em início de vida, trabalha e se encontra completamente inserido quer em termos sociais, quer em termos familiares.

XL. O arguido não tem antecedentes criminais pelo que, no caso vertente, considerando os fatores a ponderar para a determinação da medida da pena, uma pena de prisão de um mês, suspensa por igual período, será de todo, adequada e suficiente para realização das finalidades da punição.

XLI. Violou o tribunal “a quo” o disposto nos arts. 40.º, nº 1 e 2, 70.º e 71.º do Código Penal, por incorreta e imprecisa aplicação. A pena aplicada mostra-se desadequada ao caso concreto e alheia a todo o acervo probatório recolhido. Tão pouco o seu limite está balizado pela culpa do agente. Correta, seria a aplicação ao arguido de uma pena de prisão não superior a um mês, suspensa por igual período.»

c. Admitido o recurso o Ministério Público respondeu pugnando pela sua improcedência, concluindo deste modo:

«1 - Ocorre erro notório na apreciação da prova quando se constata erro de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, o que deve ser demonstrado a partir do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, o que não sucede no caso sub judice.

2 - A prova é valorada, salvo quando a lei dispuser diferentemente, em nome do princípio da livre apreciação, inserto no art.º 127, do C. P. Penal.

3 - O objetivo das penas, é a proteção, o mais eficazmente possível dos bens jurídicos fundamentais, implicando a utilização da pena como instrumento de prevenção geral.

4 - A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, sendo a pena um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele reincida.

5 - Nestas circunstâncias entendemos que as penas aplicadas ao arguido não se afiguram desproporcionais, nem desadequadas às exigências de prevenção e da culpa que, no caso, se fazem sentir.

6 – O Mm. º Juiz julgou valorando as provas corretamente, conjugando-as e analisando-as à luz das regras da experiência e das normas legais, pelo que observadas estas premissas outro resultado não pode ser obtido que não seja a justeza da condenação do arguido.

7 - O Mm. º JIC aplicou a prova pericial, a fls. 118, o que se afigura conforme com o principio da livre apreciação da prova.

8 - Na determinação das medidas das penas, foram tidos em conta os princípios da adequação e da proporcionalidade.»

d. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância emitiu parecer, no qual, no essencial, secundou a posição já assumida na resposta ao recurso, acrescentando relevantemente que deverá corrigir-se a quantidade de produto estupefaciente apreendido ao arguido.

e. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não foi exercido o direito de resposta.

f. Os autos foram aos vistos e à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A.Delimitação do objeto do recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP) (2).

Suscitando-se as seguintes questões: i) Erro de julgamento da questão de facto; ii) Erro de julgamento da questão de direito.

B. O tribunal recorrido considerou provado o seguinte quadro factológico:

«1- No dia 20-08-2022, cerca das 00H20, na Rua … – …, …, …, o arguido AA efetuava a venda de produtos estupefacientes, e tinha com ele:

a. a quantia de 220€;

b. um telemóvel;

c. um “grinder”;

d. uma faca de corte com resíduos de estupefaciente (haxixe).

2- Nas mesmas circunstâncias, no interior do seu veículo automóvel de matrícula …, o arguido detinha:

a. 3 “X-atos” de corte, sendo que dois tinham resíduos visíveis a olho nu de estupefacientes (haxixe);

b. 3 sacos de ZIP.

3- Quando os Militares da GNR se aproximaram do arguido este deitou para o chão um saco ZIP contendo:

a. 31.356 g (L) de Canábis (resina), com o grau de pureza de 28.8 (THC)] correspondente a 184 (cento e oitenta e quatro) doses médias individuais diárias;

b. 8,927 g (L) de Canábis (resina), com o grau de pureza de 28.8 (THC) correspondente a 50 (cinquenta) doses médias individuais diárias [número de doses calculado segundo a Portaria 94/96 de 26 de março, cf. exame pericial constante de fls. 118]

4- O arguido sabia das características e natureza estupefaciente daquele produto, e bem assim que a sua venda não autorizada era proibida e punida por lei.

5- Não obstante detinha-o nas referidas circunstâncias, destinando-o à venda a terceiros, com o propósito de receber proveitos económicos.

6- O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.

7- No dia 21-08-2022, cerca das 06H50, na EN … Km …, …, …, o arguido AA conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula …, com um TAS de, pelo menos 1,481 g/l, correspondente a uma TAS de 1,61 g/l registada após dedução do erro máximo admissível.

8- O arguido sabia que ingerira, previamente, à condução, bebidas alcoólicas suscetíveis de elevarem a sua TAS para um índice superior a 1,2 g/l e, que, portanto não poderia conduzir, fazendo-o, ainda assim, como quis.

9- Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Relatório social

10- O arguido AA reside com a mãe numa moradia de que esta é proprietária, descrita como proporcionando boas condições de conforto; o arguido mantém uma vinculação afetiva quer com a mãe quer com o pai; o seu desenvolvimento decorreu com ambos os pais até à separação destes, quando o arguido tinha cerca de nove anos, fazendo referência a um contexto familiar equilibrado e afetivo; mantém um contacto regular e frequente com o pai, havendo acordo entre os pais para permanecer períodos com o pai quando for essa a sua vontade; a mãe manteve um companheiro até há cerca de quatro meses, que AA associa a adequação na dinâmica familiar;

11- Ao nível escolar, AA tem o 11.º ano completo, contando com duas reprovações no 10.º ano, tendo desistido em contexto da pandemia da covid-19, com 19 anos; atribui a falta de interesse pelos conteúdos escolares o desinvestimento na escolaridade; todavia, manifesta o objetivo de obter o 12.º ano de escolaridade pelas oportunidades profissionais que permite, projetando fazê-lo através do Programa Qualifica quando preencher critérios para o mesmo;

12- No âmbito laboral, AA encontra-se a desempenhar funções como operador na categoria de especializado, na fábrica de produtos químicos …., num regime de turnos, com contrato desde julho de 2023, onde obtém um vencimento líquido de cerca de 1050 euros, dependente de eventuais horas extraordinárias; valoriza esta ocupação, revelando empenho no seu desempenho, com projetos de obter experiência a fim de concorrer a postos de trabalho em fábricas da região de residência com melhor condição remuneratória;

13- À data dos factos, AA encontrava-se na mesma fábrica, mas através de uma firma prestadora de serviços, onde iniciou em agosto de 2021, tendo ainda estado um período de cerca de um mês numa fábrica na …; posteriormente, de janeiro a maio de 2023 esteve na firma …, como operador de placas de gesso laminado; manteve, assim, uma atividade laboral com regularidade; economicamente, os rendimentos do arguido proveem do seu trabalho (cerca de 1050 euros líquidos/mês), suportando como despesas a prestação da compra de um automóvel (de 320 euros/mês) e contribui pontualmente para a economia familiar através do cartão de alimentação (proveniente da sua atividade laboral), bem como ocasionais despesas domésticas concretas;

14- A mãe trabalha como …, auferindo cerca de 1300 euros líquidos, suportando despesas fixas como duas prestações bancárias decorrentes da aquisição da habitação e de um automóvel, respetivamente de 130 euros e de 180 euros, a que acrescem a eletricidade (de 60 a 70 euros/mês) e um pacote de telecomunicações (de 65 euros); deste quadro, a nível familiar, resulta uma situação económica sustentada; o pai trabalha como …, revelando condições para acolher o filho em casa quando é essa a vontade deste;

15- AA situa o início de consumo de haxixe pelos 14-15 anos, em contexto grupal, sendo no seu relato um tipo de consumo normalizado no meio social de residência; todavia, cerca de um ano antes da data dos factos, desenvolveu um consumo de haxixe de duas vezes por dia, que se traduziu em características de dependência; o consumo de álcool aparenta ter um caráter pontual, circunscrito a atividades festivas; no que se refere à ocupação dos tempos livres mantém uma atividade estruturada enquanto jogador de futebol federado, na equipa …; também pratica futsal de forma lúdica, acompanhando o pai; no tempo livre restante privilegia estar com a namorada, estudante no …;

16- A instauração do presente processo teve impacto a vários níveis junto do arguido, nomeadamente a nível social com a referenciação à intervenção da GNR e associação ao consumo de estupefacientes, com os sentimentos de vergonha associados, o que o levou a deixar o trabalho na fábrica … (onde na altura se encontrava através de uma prestadora de serviços), tendo também sido afetado ao nível da sua imagem na equipa de futebol que integra; ao nível familiar, a associação do arguido ao consumo e tráfico de estupefacientes, traduziram um impacto significativo, nomeadamente junto da mãe e do pai, pela representação negativa que ambos os pais têm para com as tipologias criminais em apreço;

17- A nível pessoal, AA faz referência a sentimentos de vergonha com o surgimento do presente processo, tendo deixado o trabalho na fábrica onde se encontrava (para onde retomou em julho de 2023, com contrato), ter lidado com a imagem negativa na equipa de futebol que integra e pelo impacto em que se traduziu junto de ambos os pais;

18- Encontra-se inscrito no Centro de Respostas Integradas do … desde 27 de novembro de 2023, aguardando marcação de consulta, a fim de iniciar um acompanhamento a este nível;

19- Revela noção do bem jurídico em apreço de ambas as tipologias criminais em apreço e das consequências inerentes, nomeadamente quanto a potenciais vítimas.

Outra factualidade

20- O arguido não possui antecedentes criminais registados.

21- Está disponível a efetuar o tratamento da adição do haxixe no quadro de eventual medida penal a aplicar; sem prejuízo, o arguido atualmente não acusa situação de dependência e os seus consumos de haxixe são meramente esporádicos ou ocasionais.

22- Sofreu detenção à ordem dos autos entre as 01h20 do dia 20 de agosto de 2022 e as 5h45 do mesmo dia (processo 213/22.4GGSTC) e entre as 07h07 do dia 21 de agosto de 2022 e as 08h45 do mesmo dia (processo …).»

B.1 E motivou a sua convicção nos seguintes termos:

«O arguido prestou declarações em audiência de julgamento alegando que o produto estupefaciente que lhe foi apreendido se destinava a consumo próprio.

Devidamente ponderada a totalidade da prova produzida/examinada em audiência de julgamento, porém, tal versão dos factos não convenceu o Tribunal; independentemente da questão de o arguido ser consumidor, o que se admite, e até mesmo de poder estar a passar um período mais conturbado da sua vida, não se conclui, porém, que as circunstâncias em que foi detido e o que nos revela todo o circunstancialismo exterior dessa detenção tenho que ver com uma questão de consumo.

Conforme se retira dos depoimentos dos militares da GNR BB e FF, que montaram uma ação de vigilância ao arguido por suspeitas de o mesmo se dedicar à atividade de tráfico - informação que receberam no âmbito de diligências efetuadas noutro processo -, vieram a efetuar a sua detenção em flagrante delito - e não por uma questão de consumo, note-se, em flagrante delito por atividade de tráfico - e as circunstâncias da detenção evidenciam, efetivamente, que o arguido estava a exercer atividade de tráfico.

Atente-se no depoimento de BB quanto ao contexto da detenção - o arguido foi abordado por um individuo - realce-se que a operação decorreu no período noturno, cerca das 24h00, num local público - deslocando-se depois à sua viatura, momento em que os militares intervieram - e notaram um movimento brusco tentando o arguido desfazer-se do produto estupefaciente que tinha dentro da viatura, mas que foi logo recuperado.

O que arguido detinha consigo, também é, salvo melhor opinião, fortemente indiciador de que não estava num contexto de consumo, mas de venda - o arguido para além de estar na posse de uma quantia em numerário que nos parece já relevante - e ainda que o arguido tenha aduzido, nas suas declarações, que tinha o hábito de andar sempre com 100/150 euros em dinheiro, o que não se nos afigurou particularmente convincente - o arguido tinha consigo material que, consabidamente, é utilizado na atividade de tráfico, instrumentos destinados ao corte do produto e sacos de plástico individuais.

Ora realce-se que estes sacos de plástico individuais, por si só - que o arguido, é certo, também explicou como se destinando à separação do seu próprio produto, para consumo, já que não podia ter em casa pelo que andava sempre com o mesmo no carro, aspeto que também não se nos afigurou convincente, devemos dizer - constituem um indício extremamente forte de que o arguido estava a efetuar a venda de produtos estupefacientes naquele local.

É certo que as testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, CC e DD, na melhor das hipóteses descrevem o arguido como um consumidor, não revelando conhecimento quanto ao arguido se dedicar à venda de produtos estupefacientes.

A testemunha JEE, pai do arguido, prestou um depoimento que, segundo nos parece, vai essencialmente de encontro ao que resulta do relatório social, quanto às condições de vida do arguido.

A questão de o arguido se encontrar inscrito no CRI do …, conforme a declaração/comprovativo junto pelo arguido em audiência de julgamento, também já se mostra indicada no relatório social, pelo que nos parece que neste tocante - das condições pessoais do arguido e do seu contexto de vida - não haverá matéria adicional a considerar e que se mostra reproduzida nos factos provados 10- a 19-.

Agora quanto à questão central/controversa deste julgamento, se o produto estupefaciente que o arguido detinha se destinava a consumo próprio ou a venda, parece-nos que mau grado o declarado pelo arguido, procede o alegado na acusação pública/de que se destinava a venda; o arguido foi detido num contexto - claramente - revelador de que estava a efetuar a atividade de venda; julgamos que os depoimentos das testemunhas CC, DD, EE, também não infirmam/afastam relevantemente esta conclusão do tribunal; de resto não há incompatibilidade entre o facto de o arguido ser consumidor e, ao mesmo tempo, dedicar-se à venda desse produto (de que também é consumidor).

Sendo que o os depoimentos dos militares da GNR BB e FF sem dúvida confirmam os factos descritos na acusação pública; note-se que a testemunha FF, a instâncias da defesa, referiu-nos que de acordo com a sua experiência os consumidores costumam comprar ou para consumo esporádico ou para consumo semanal;

Portanto, em pequenas quantidades, seguramente não se associado o contexto de detenção do arguido, e tudo o que tinha na sua posse, a um mero consumidor; tal será até, em bom rigor, manifesto.

A versão apresentada pelo arguido, em abstrato ou em teoria, poderá não ser absolutamente impossível, de que todo o produto estupefaciente se destinava a consumo próprio, para cerca de 15 dias; mas na prática é; pelo menos se afirma que é altamente improvável ou inverosímil; para além das circunstâncias da detenção do arguido, que não se compatibilizam com uma situação de mero consumidor, como já acima assinalámos, o consumo médio individual apurado com recurso aos critérios da Portaria 94/96 de 26 de março, cf. exame pericial constante de fls. 118, dá-nos um número de doses médias individuais diárias que ascende a um global de 234 (184 + 50), ou seja, 234 dias de consumo, é uma diferença avassaladora, mesmo para um consumidor inveterado, que não nos parece seja o caso do arguido.

Assim resultou provada a integralidade da matéria descrita na acusação pública a de índole subjetiva por mera presunção - facto(s) provado(s) 1- a 6-; não provado ficou que o produto estupefaciente se destinava a consumo próprio do arguido - facto(s) não provado(s) a-.

A matéria descrita no facto(s) provado(s) 6- a 9- foi objeto de confissão pelo arguido.

Realce-se que a testemunha GG interveio na ação de fiscalização rodoviária relacionada com a matéria atinente ao crime de condução sob efeito do álcool, que foi objeto de confissão.

Os facto(s) provado(s) 20- a 22- tem por base o teor do certificado do registo criminal e do auto de libertação (e as declarações do arguido quanto ao facto(s) provado(s) 21-).»

C. Apreciando

C.1 Do erro de julgamento da questão de facto

Considera o recorrente que o tribunal cometeu um erro de transcrição dos dados quantitativos apurados no exame pericial realizado à substância apreendida, referindo a sentença serem:

- 31,356g canábis resina com o grau de pureza de 28,8 (THC)]; e 8,927g de canábis resina, com o grau de pureza de 28,8 (THC);

Mas, segundo o exame pericial, serem afinal, quanto ao segundo valor indicado, 7,778g (L), com o grau de pureza de 28,3 (THC).

Adiantemos que o recorrente tem parcialmente razão na desconformidade assinaladas. Mas não estamos perante um vício da decisão (erro notório na apreciação da prova), antes diante de erro de julgamento da questão de facto - conforme o recorrente também assinala na conclusão X., ali afirmando estarem «incorretamente julgados os seguintes factos dados como provados: [factos 1. a 6.]». Não ocorre o apontado vício da decisão («erro notório na apreciação da prova»), previsto na al. c) do § 2.º do artigo 410.º CPP, porquanto este verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugado com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. Ocorrendo também quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. (3) Ora, não é isso que aqui sucede. Do que se trata (na parte em que se trata) é de um erro de apreciação dos dados fornecidos por um concreto (e qualificado) meio de prova.

Esse erro é, em primeiro lugar, um erro de transcrição dos dados constantes do relatório pericial (quanto às quantidades das substâncias apreendidas e ao respetivo grau de pureza). E, em segundo lugar, um erro de direito, pois fixando a lei os parâmetros relativos à dose individual diária, a operação aritmética respetiva não integra o juízo pericial, sendo antes matéria de julgamento do tribunal.

Quer-se dizer, cabe ao perito indicar a natureza da substância, seu peso e percentagem de pureza (de princípio ativo). Mas já não indicar o número de doses correspondente (essa decorre de mera operação aritmética).

Atentemos. As substâncias cuja detenção não está autorizada ou cujo tráfico é ilícito, constantes das tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, respeitam às ditas substâncias puras. Sendo o princípio ativo «a substância de estrutura definida responsável por produzir uma alteração no organismo que pode ser de origem vegetal ou animal». Sucede que na generalidade dos casos das drogas traficadas, a percentagem de produto ativo (substância que atua sobre o sistema nervoso central) é bastante reduzida. E assim porquanto, visando incrementar o seu lucro, os traficantes vão adicionando às substâncias estupefacientes outros produtos que nada têm que ver com a substância cuja detenção é ilícita.

Se bem que para o ilícito de tráfico de substâncias estupefacientes esse detalhe seja irrelevante, já assim não sucede se estivermos perante o ilícito de consumo (de simples consumo). Nestes casos torna-se necessário apurar o grau de grau de pureza da substância em causa, para aferir da relevância quantidade detida, por referência ao número da «dose média individual diária».

Ora, o arguido alega precisamente que é – e que é apenas - consumidor.

Senso do conhecimento comum que às substâncias cuja circulação é ilícita (para quem não esteja devidamente autorizado) se adicionam outros produtos - de circulação mundana/não ilícita - para aumentar o lucro de transação, se estivermos face a consumidores estes produtos adicionados não poderão considerar-se como se fossem substância ilícita.

Tratando-se canábis resina o princípio ativo em causa é o Tetrahidrocanabinol (THC). E estando-se a falar de consumo só a este se deverá atender. (4)

Conforme dispõe o artigo 71.º do DL n.º 15/93, de 22 janeiro:

1. - Os membros do Governo responsáveis pelas áreas da justiça e da saúde, ouvidos o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P., e o Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, determinam, mediante portaria:

(…)

c) Os limites quantitativos máximos de princípio ativo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV, de consumo mais frequente.

Preceituando o artigo 1.º da Portaria 94/96, de 26 de março, que:

«A presente portaria tem como objeto a definição:

c) Dos limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, de consumo mais frequente.»

Prescrevendo, por seu turno, o seu artigo 9.º que:

«a média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, de consumo mais frequente, são os referidos no mapa anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante.»

Da conjugação deste artigo 9.º com as Tabelas a que se referem os artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro; com o teor das normas incriminatórias dos artigos 21.º, § 1.º do DL n.º 15/93 e artigo 2.º, § 2.º da Lei n.º 30/2000 de 29 de novembro (ou com o artigo 40.º, § 2.º e 3.º do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro – com a redação introduzida pela Lei n.º 55/2023, de 8 de setembro), resulta claro que o valor que releva considerar para a dose individual diária de canábis resina, é 0,5.

Pois bem.

Tendo os produtos apreendidos ao arguido, de acordo com o exame pericial, o peso de 31,356 gramas, com o grau de pureza de 28,8% THC; e de 7,778 gramas, com o grau de pureza de 28,3% THC; e correspondendo a quantidade para o consumo médio diário de tal substância a 0,5 gramas, apura-se uma detenção total de 11,73 gramas de THC, que daria para cerca de 23 doses diárias (5).

Importará dizer que neste conspecto nada colhe a opinião das testemunhas apreensoras (militares da GNR), apesar de o próprio tribunal as ter questionado a tal propósito! Esta matéria – como se afigura óbvio - é reservada à prova pericial e aos parâmetros da lei (artigo 163.º CPP – ex vi artigo 71.º, § 3.º DL n.º 15/93, de 22 de janeiro).

E de tudo o que se deixa dito resulta que a factualidade que na sentença recorrida se considerou provada no ponto 3. foi erradamente considerada.

Mas dizendo isto não significa que o vem alegado pelo arguido/recorrente esteja correto. Porque também não está.

Vejamos.

Diz o relatório da Polícia Judiciária que recebeu para exame:

- 31,998g canábis resina com um grau de pureza de 28,8%;

- 8,927g canábis resina com um grau de pureza de 28,3%.

O mesmo documento também informa que quantidades de material sobrante após exame (amostra cofre) se devolveram ao titular da investigação:

- 31,356g

- 7,778g

Ora, quando na sentença se refere ao material aprendido ao arguido (na sequência da acusação) indicam-se as seguintes quantidades:

- 31,356g

- 8,927g

E, por sua vez, o arguido/recorrente - querendo o melhor dos dois mundos - diz que as quantidades corretas da apreensão são:

- 31,356g;

- 7,778g.

Mas os valores corretos são os correspondentes às quantidades apreendidas ao arguido e remetidas ao laboratório. E não os da «amostra-cofre» - como é óbvio.

Isto é, foram apreendidos ao arguido:

- 31,998g canábis resina com um grau de pureza de 28,8%;

- 8,927g canábis resina com um grau de pureza de 28,3%.

Operando o exercício aritmético pertinente, considerando as quantidades apreendidas, o respetivo grau de pureza e o valor correspondente à «dose média individual diária» (indicado na lei, que é de 0,5), apuram-se, por junto, 11,73g de canábis resina (substância pura), que daria para 23,46 doses diárias.

A sentença (na sequência da acusação) errou na transcrição das quantidades apreendidas e também na operação aritmética de cálculo do correspondente número de doses diárias, com referência ao «grau de pureza» do produto apreendido (nesta parte o erro começa no laboratório da PJ e vai até ao parecer do Ministério Público).

Mas o arguido/recorrente também errou, conforme se viu.

Vejamos agora a prova relativamente ao facto afirmado no ponto 1.º da factologia julgada provada pelo tribunal recorrido.

Ali consta que:

«no dia 20-08-2022, cerca das 00H20, na Rua … – …, …, o arguido AA efetuava a venda de produtos estupefacientes.»

E na motivação do assim decidido refere o tribunal recorrido que:

«Conforme se retira dos depoimentos dos militares da GNR BB e FF, que montaram uma ação de vigilância ao arguido por suspeitas de o mesmo se dedicar à atividade de tráfico - informação que receberam no âmbito de diligências efetuadas noutro processo -, vieram a efetuar a sua detenção em flagrante delito - e não por uma questão de consumo, note-se, em flagrante delito por atividade de tráfico - e as circunstâncias da detenção evidenciam, efetivamente, que o arguido estava a exercer atividade de tráfico.

Atente-se no depoimento de BB quanto ao contexto da detenção - o arguido foi abordado por um individuo - realce-se que a operação decorreu no período noturno, cerca das 24h00, num local público - deslocando-se depois à sua viatura, momento em que os militares intervieram - e notaram um movimento brusco tentado o arguido desfazer-se do produto estupefaciente que tinha dentro da viatura, mas que foi logo recuperado.»

Mas ouvidos neste Tribunal da Relação os registos dos depoimentos desses dois militares na audiência de julgamento, constatamos que não houve, afinal, nenhum «flagrante delito» de venda ou tentativa de venda!

Com efeito, nenhuma das referidas testemunhas referiu que no contexto da vigilância efetuada ao arguido na noite em que se procedeu à sua detenção, avistaram alguém a interagir com ele! Muito menos que tenham visto este a entregar qualquer substância seja a quem for!

O que as testemunhas referiram nesses depoimentos foi coisa bem diversa: disseram que na sequência de uma informação «obtida noutro processo», fornecida «por um suspeito de tráfico» (nesse outro processo), o aqui arguido venderia canábis a terceiros…

Foi com base nessa «informação» que a GNR montou uma operação de vigilância ao arguido, procurando «apanhá-lo».

Sendo esse o contexto da atalaia na noite de 20 de agosto de 2022, em que, pouco depois da meia noite, os militares BB e FF se encontravam a vigiar o arguido AA, depois de este estacionar a sua viatura na Rua do …, na ….

Sucede que a dado passo da noite, nada se passando entretanto – isto é, sem que até então alguém tenha interagido com o arguido – cogitando os militares vigilantes que o vigiado estaria fornecido de «material» para vender a terceiros, resolveram abordá-lo. E se bem resolveram, melhor agiram.

Mas, assim que o arguido se apercebeu da investida dos militares, procurou desfazer-se do «material» que tinha consigo. Manobra essa que não passou despercebida, por isso logo foi manietado pelos militares da GNR, e se recolheu tudo o que ele detinha, isto é, os produtos, objetos e valores, que lhe foram apreendidos.

Nada mais que isto.

Ora, na audiência os militares referidos, depondo como testemunhas, fizeram referência a um suspeito que «no âmbito de outro processo» lhes teria fornecido a «informação» de que o arguido venderia a terceiros…

Mas não disseram - em nenhuma ocasião - que naquela noite de vigília viram alguém a contactar o arguido, a interagir com ele… Muito menos a comprar-lhe fosse o que fosse!

E quanto a tal suspeito, que noutro processo terá aludido ao arguido como sendo pessoa que vendia canábis a terceiros… nada mais se sabe!

Quem é ele?

Arrolado como testemunha nestes autos é que não foi!

Nada se tendo também apurado relativamente ao contexto exato em que tal «relato» ou «informação» terá sido obtida!

Daí que as declarações das referidas testemunhas (dos dois militares da GNR inquiridos na audiência), únicas provas em que o tribunal estribou a sua decisão quanto à suposta «venda», não tenham – quanto àquela referência - nenhum valor probatório, como linearmente decorre do disposto no artigo 129.º CPP. A sua consideração como tal constituiria um atropelo flagrante aos direitos de defesa do arguido (artigos 20.º, § 4.º e 32.º, § 5.º da Constituição).

Dizia Einstein - parece que com alguma razão - que «é mais fácil desintegrar um átomo que um preconceito», sendo de algum modo esse o patamar de partida neste caso!

Afigurando-se-nos claro que o tribunal não tem de percorrer o inquérito, nem de valorar um auto nele constante, que nem sequer foi indicado como prova (referimo-nos ao auto da GNR de 23 de junho de 2023 – indicado pelo recorrente); seguro é que o tribunal tem um estrito dever da prudentia, de ser sagaz, criterioso e exigente com as provas que a acusação traz a juízo. Pois o juiz (o tribunal) é o único terceiro imparcial em quem as pessoas acusadas podem confiar. Ele é o último reduto da garantia dos seus direitos fundamentais, desde logo dos seus direitos de defesa.

Sempre se dirá – porque o recorrente invoca o citado «auto» da GNR (referência Citius …) – em que consiste tal documento. Trata-se do «relatório final», que como o seu nomen logo indicia, foi redigido no termo da investigação a que a GNR procedeu (no âmbito da qual decorreu a vigilância à atividade do arguido). Informa esse auto («relatório final»), relativamente à atividade do arguido, que: «não foi apurada a atividade de tráfico de produtos estupefacientes, mas sim de consumo esporádico.»

Mas ainda que se desconsidere tal auto, o devido escrutínio dos depoimentos das testemunhas BB e FF, militares da GNR, prestados na audiência, feito com o rigor devido e valorados sem preconceito, esclarecem tudo o que importa conhecer.

Sendo que a ausência da indicação como testemunha do tal «informante» logo deveria – como um sinal – ter alertado o tribunal. Teria de se questionar se se poderia valorar como prova, uma declaração de alguém que não se sabe quem seja e cujo «depoimento» não foi sujeito ao contraditório na audiência!

Enfim, concluindo: não há rigorosamente nenhuma prova do que a sentença recorrida afirma nos pontos 1.º, 4.º e 5.º dos «Factos Provados» relativamente à ali aludida «venda»! E o ponto 3.º terá de ter por referência as quantidades efetivamente apreendidas e o número correto de «doses médias individuais diárias» correspondentes. Isto é, apreenderam-se ao arguido:

- 31,998g canábis resina, com um grau de pureza de 28,8%;

- 8,927g canábis resina, com um grau de pureza de 28,3%;

- correspondendo, por junto, a 11,73g de canábis resina (substância pura);

- a qual dá para 23 doses diárias.

Sendo, pois, o recurso merecedor de provimento nesta parte da impugnação factológica.

C.2 Do erro de julgamento da questão de direito

O recorrente conforma-se com a condenação pelo crime de tráfico de menor gravidade, uma vez que se provou que a quantidade de canábis detida é superior à necessária para o consumo médio individual diário. Considera, porém, a pena excessiva. O Ministério Público, por seu turno, mostra-se confortável com a sentença nos exatos termos em que foi proferida.

Pois bem.

Releva a circunstância, indubitavelmente provada, de o arguido ter sido encontrado com uma quantidade de canábis resina superior à referência normativa da «quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias» (artigo 2.º, § 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro - vigente à data dos factos). É pacífico que a consumação do crime de tráfico pode ocorrer com a mera detenção das substâncias ilícitas (ainda que se não se demonstre a intenção de venda), desde que não se destinem na sua totalidade ao consumo pessoal do agente - conforme expressamente se prevê no artigo 21.º, § 1.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro (conjugado com o artigo 2.º, § 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro - vigente à data dos factos).

Neste exato conspecto refere o Tribunal Constitucional (6), que «consumo e tráfico são “tipos alternativos”, caem no tipo “tráfico” os comportamentos que não respeitarem os elementos do tipo “consumo”, mormente a estatuição aí definida sobre o que há de entender-se por “consumo próprio”».

Importando lembrar que logo a partir da citada Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, se pretendeu encarar o fenómeno da toxicodependência como um problema de saúde pública, considerando a dependência de estupefacientes uma doença. Tendo sido com base nessa consideração que se descriminalizaram as situações em que esteja em causa, apenas, o consumo de estupefacientes.

Neste caso temos por seguro que o arguido é consumidor de canábis resina («haxixe») desde os 14 anos de idade. E que na data da detenção tinha 19 anos de idade, mas já trabalhava e encontrava-se familiarmente bem inserido (factos provados da sentença).

A circunstância de no momento em que ocorreu a sua detenção, ter consigo duas laminas («x-atos») com resíduos de canábis não impressiona. Porque sendo consumidor, naturalmente as usava para cortar a quantidade certa que escolhia para consumir em cada momento. A vida é assim mesmo: é preciso cortar o pedaço de «haxixe» que se quer consumir.

Daí que o único facto relevantemente suspeito pudesse, deveras, ser a detenção de 220€!

Sucede que este facto, só por si, desacompanhado de algo mais significativo, se mostra irrelevante, porque inconsistente para que se possa considerar que tal pecúlio seja produto de «vendas», correspondentes a uma atividade, que embora imputada, se não provou. Nunca ninguém as viu, designadamente a GNR, que sobre ele exerceu apertada vigilância.

Entende-se que o § 2.º do artigo 2.º da Lei n.º 30/2000 de 29 de novembro, ao estabelecer o limite da quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de dez dias, pretende fornecer um critério - que não pode ser mais do que orientador - entre o consumo e o que possa já ser tráfico de estupefacientes. Tal como hoje refere a nova redação do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.

Não há realmente diferença significativa quer na letra quer no espírito da nova lei (nova redação dada ao artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro - introduzida pela Lei n.º 55/2023, de 8 de setembro), nela se dispondo que:

«Artigo 40.º

Consumo

1 (…)

2 - A aquisição e a detenção para consumo próprio das plantas, substâncias ou preparações referidas no número anterior constitui contraordenação.

3 - A aquisição e a detenção das plantas, substâncias ou preparações referidas no n.º 1 que exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias constitui indício de que o propósito pode não ser o de consumo.

4 - No caso de aquisição ou detenção das substâncias referidas no n.º 1 que exceda a quantidade prevista no número anterior e desde que fique demonstrado que tal aquisição ou detenção se destinam exclusivamente ao consumo próprio, a autoridade judiciária competente determina, consoante a fase do processo, o seu arquivamento, a não pronúncia ou a absolvição e o encaminhamento para comissão para a dissuasão da toxicodependência.

5 – (…)»

Sendo, pois, essencialmente idêntico o padrão definidor, não se poderá em todo o caso afirmar que a lei nova seja mais favorável (artigo 2.º, § 4.º CP). Isto é, que a detenção de substância ilícita que exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, constitui indício de que o propósito possa não ser o de consumo.

Relembra-se que o único sinal de que a detenção das substâncias pudesse não ser o consumo próprio exclusivo advém do valor que o arguido/recorrente trazia na sua carteira no momento em que foi detido (220€). Nada mais – rigorosamente nada mais.

E neste contexto deverá preponderar a circunstância de o arguido ter estado sob vigilância da GNR, que não vislumbrou nenhuma outra conduta relacionada com as substâncias apreendidas distintas do consumo individual do seu detentor.

Por assim ser, o facto ilícito (detenção para consumo exclusivo de quantidade superior à necessária para o consumo médio diário para 10 dias), constitui contraordenação (artigo 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro - vigente à data da prática dos factos), para o conhecimento da qual é competente a Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência (artigo 5.º, § 1.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro). O recurso é, pois, merecedor de provimento, nos exatos termos que se deixaram expostos.

III – Dispositivo

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

a) Julgar não provados os pontos 1.º, 4.º e 5.º dos «factos provados» da sentença recorrida na parte referente à «venda»;

b) Julgar provados os factos do ponto 3., als. a) e b), com a seguinte redação:

«3. Quando os Militares da GNR se aproximaram do arguido este deitou para o chão um saco ZIP contendo:

i. 31,998g canábis resina com um grau de pureza de 28,8%

ii. 8,927g canábis resina com um grau de pureza de 28,3%

o que tudo corresponde a 11,73g de canábis resina (substância pura), que corresponde a 23,46 doses diárias.»

c) Absolver o arguido da prática do crime de tráfico de substâncias estupefacientes de menor gravidade, previsto no artigo 25.º, al. a) do decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.

d) Ordenar a comunicação dos factos provados 1.º a 6.º com a redação resultante deste acórdão, à Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência (artigo 2.º, § 3.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, com a redação introduzida pela Lei n.º 55/2023, de 8 de setembro.

e) Sem custas (artigo 515.º, § 1.º a contrario).

Évora, 11 de julho de 2024

J. F. Moreira das Neves (relator)

Artur Vargues

Nuno Garcia

..............................................................................................................

1 A utilização da expressão ordinal (1.º Juízo, 2.º Juízo, etc.) por referência ao nomen juris do Juízo tem o condão de não desrespeitar a lei nem gerar qualquer confusão, mantendo uma terminologia «amigável», conhecida (estabelecida) e sobretudo ajustada à saudável distinção entre o órgão e o seu titular, sendo por isso preferível (artigos 81.º LOSJ e 12.º RLOSJ).

2 Em conformidade com o entendimento fixado pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28dez1995.

3 Cf. acórdãos STJ de 18nov2021, proc. 2029/17.0GBABF.E2.S1, Cons. Helena Moniz; e de 23jun2022, proc. 11/20.0GACLD.C1.S1, Cons. António Gama, disponíveis em www.dgsi.pt

4 Neste preciso sentido cf. Vítor Paiva, Breves notas sobre a penalização do pequeno tráfico de estupefacientes, RMP, 99, pp. 145 ss.; Eduardo Maia Costa, Direito penal da droga: breve história de um fracasso» RMP n.º 74, pp. 115 ss.; Carlos Almeida, Legislação penal sobre droga: problemas de aplicação, RMP, n.º 44, pp. 92 ss.; João Conde Correia, Droga: exame laboratorial às substâncias apreendidas e diagnóstico da toxicodependência», Revista do CEJ, n.º 1, pp. 82 ss. E também, na jurisprudência, por todos: deste Tribunal da Relação de Évora, acórdão de 28/2/2023, proc. 179/21.8T9STC.E1, Desemb. Gomes de Sousa; e de 29/3/2016, proc. 271/14.5PFSTB.E1, Desemb. Gomes de Sousa; do Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão de 10/3/2022, proc. 41/21.4PDAMD.L1-9, Desemb. Lígia Trovão.

5 O valor exato resultante das operações aritméticas é 23,46.

6 Acórdão n.º 587/2014, relatado por José Cunha Barbosa, proferido a 17/9/2014.