RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
INDEMNIZAÇÃO POR RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
Sumário


I - De acordo com o Regime de Responsabilidade Civil do Estado e Demais Entidades Públicas (RJREEPC), especificamente o seu artigo 5.º, “o direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas coletivas de direito público e dos titulares dos respetivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso, prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhe aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição.”
II - Tal significa que a prescrição do direito à indemnização segue as regras gerais do Código Civil quanto ao prazo (art.º 498.º n.os 1 e 3 do CC), suspensão (art.º 318.º e ss do CC) e interrupção (art. 323.º e ss do CC).
III – Não assentando a pretensão formulada no direito à justa indemnização por expropriação (ao abrigo das disposições do Código das Expropriações), não releva a data da DUC ou da sentença/acórdão do tribunal, que fixou a indemnização.
IV - Assentando o autor o fundamento da sua pretensão na responsabilidade civil extracontratual do Estado, só com o despacho que o informou de que o processo estava findo e que havia sido entregue a apenas um dos expropriados a quantia indemnizatória, é que o autor tomou conhecimento dos atos lesivos ocorridos e da existência, em concreto, dos pressupostos da responsabilidade civil.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

AA, intentou a presente ação contra EMP01..., S.A., Estado Português e IEP - Instituto de Estradas de Portugal, pedindo a:

a. Condenação da Ré EMP01... a reconhecer o Autor como titular do direito de propriedade sobre metade da parcela n.º...18 objeto da expropriação;
b. Condenação da Ré EMP01... e o Estado Português, solidariamente, a restituir ao Autor metade do valor que recebeu a título de indemnização pelo processo de expropriação, ou seja, €44 853,14 (quarenta e quatro mil, oitocentos e cinquenta e três euros e catorze cêntimos), acrescido de juros desde a citação.

Subsidiariamente:
c. No caso de improceder o pedido da al. a) e b) ser condenada a Ré IEP a pagar o valor de 1.659.52600 (€8.277,76), devidamente atualizado de acordo com o índice de preços no consumidor até à data mais recente que poder ser atendida, a título de indemnização em sede de expropriação amigável, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento.

Os pedidos têm por base a emissão do precatório cheque a favor de EMP02..., LDA., na quantia de oitenta e nove mil, setecentos e seis euros e vinte e nove cêntimos e respetivos juros, relativa ao processo de Expropriação nº 336/1996, em que é expropriante IEP – Instituto de Estradas de Portugal e, expropriada EMP02..., LDA, não tendo o autor, sendo co-expropriado, recebido qualquer valor referente à expropriação, e não tendo sido notificado dos atos e do termo do processo.
As rés contestaram, invocando, além do mais, a prescrição do direito do Autor.

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Realizada a audiência prévia, foi proferida sentença que julgou verificada a exceção de prescrição do direito indemnizatório do autor.
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Inconformado com a sentença veio o autor interpor recurso terminando com as seguintes conclusões:

1. O Autor/Recorrente deixou de ser notificado dos atos processuais referentes ao processo de expropriação 336/1996, no qual era parte, enquanto expropriado, e não teve conhecimento dos atos praticados no processo.
2. O Autor/Recorrente recebeu a 18 de novembro de 2022, Despacho com a referência ...72, processo n.º 3703/22.... (Expropriação), em que é expropriante o Instituto de Estradas de Portugal e Expropriado a EMP03..., Ld.ª.
3. E apenas no dia 18 de novembro de 2022, o A. teve conhecimento de que o processo estava findo e não havia sido notificado dos atos processuais.
4. O A. apenas em novembro de 2002 tomou conhecimento de que o Tribunal o deixou de notificar e deste modo intervir no processo de expropriação.
5. E é também com este Despacho, que toma conhecimento de que o Tribunal Judicial de ..., entregou apenas a um dos expropriados a quantia de 89.706, 29€ (oitenta e nove mil, setecentos e seis euros e vinte e nove cêntimos) e respetivos juros, - apenas e só à expropriada EMP02..., LDA., a aqui Ré EMP01....
6. Desconsiderando a sua titularidade enquanto expropriado do artigo ...62º de ... (parcela n.º...18) do qual era comproprietário, e parte no respetivo processo de expropriação (embora não recorrente).
7. Só após o Despacho de Novembro de 2022, é que o Autor tomou conhecimento dos atos lesivos levados a cabo pelo Tribunal, dos quais resultaram danos para si.
8. A perceção dos pressupostos da responsabilidade civil, apenas se verificaram para o A., em Novembro de 2022, sendo a partir desta data que poderia, como fez, agir judicialmente e, a partir da qual se inicia a contagem do prazo de prescrição.
9. Nos termos do art. 306º do Código Civil, n.º1, 1.ª parte “o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.”
10. O termo inicial do prazo deve ter como ponto de partida a existência objetiva, no aspeto jurídico – e não de mero facto -, das condições necessárias e suficientes para que o direito possa ser exercitado, isto é, a ausência de causas (“impedimentos de natureza jurídica”, que impeçam o exercício do direito e, com ele, consequentemente, o da prescrição.
11.5. Para efeito de contagem do termo inicial do prazo prescricional estabelecido no artigo 498º, nº 1, do Código Civil, o lesado terá conhecimento “do direito que lhe compete” quando se torne conhecedor da existência dos factos que integram os pressupostos legais do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo que dispõe do direito à indemnização pelos danos que sofreu.
12.6. O início da contagem do prazo de prescrição não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, que saiba que o acto foi praticado ou omitido por alguém – saiba ou não do seu carácter ilícito – e que dessa prática ou omissão resultaram para si danos.
13. O A. intentou a presente ação no dia 18 de Abril de 2023 (referência citius 3987008), pelo que não se encontra o seu direito prescrito, nos termos invocados pela Ré Estado Português e Infraestruturas de Portugal, S.A., nos termos julgados pelo Tribunal a quo.
14. Tendo em conta que o A. alegou que não foi regularmente notificado dos actos e decisões tomados no processo, e que apenas tomou conhecimento desse facto em Novembro de 2022, sempre o tribunal “a quo” deveria ter relegado o conhecimento da prescrição invocado pelo Estado para a sentença a proferir após respectiva instrução.
15. O direito de indemnização por acto (lícito) de expropriação levado a cabo pelo Estado, por ter natureza “ex lege” e expressa consagração constitucional (art. 62º da CRP) não está sujeito ao prazo de prescrição previsto no art. 498º do Código Civil, mas antes ao prazo ordinário de prescrição (20 anos), em conformidade com o disposto nos arts. 309º e 311º, n.º 1 do mesmo Código.
16. A Ré INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A reconheceu desde sempre, como continua a reconhecer, o Autor como expropriado, enquanto dono e legitimo proprietário de ½ do artigo ...62º, parte integrante da parcela objeto de expropriação sob o n.º 218.
17. A ação judicial que determinou o valor indemnizatório pela expropriação da parcela do qual o A. era comproprietário terminou apenas em 2005, sem que o A./recorrente disso tivesse conhecimento.
18. a Ré Infraestruturas de Portugal, S.A. sempre reconheceu o A. como expropriado e como tendo direito à indemnização e tanto assim é que quando procedeu ao depósito da quantia em que foi condenado fez constar o nome do A. como expropriado.
19. O reconhecimento do A. enquanto expropriado interrompe a prescrição: artigo 325º e 326º CC.
20. E o A. intentou a presente ação no dia 18 de Abril de 2023 (referência citius 3987008), pelo que não se encontra o seu direito prescrito, nos termos invocados pela Ré Infraestruturas de Portugal, S.A., nos termos julgados pelo Tribunal a quo.
21. Por sua vez a Ré EMP01... não invocou oportunamente a exceção de prescrição, não concretizando a qual modalidade da prescrição a que se refere, nem indicando fundamentação legal.
22. O Autor era, em comum, proprietário de metade (1/2) e a Ré EMP01..., S.A., era proprietária de metade do prédio objeto da expropriação, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...88 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...62º.
23. Dispõe o Artigo 298.º, n. º 3 do Código Civil, que “Os direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície e servidão não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso nos casos especialmente previstos na lei, sendo aplicáveis nesses casos, na falta de disposição em contrário, as regras da caducidade”.
24. O direito de propriedade não está sujeito a prazo de prescrição, nomeadamente ao prazo de prescrição ordinário previsto no art. 309º.
25. Pelo que, relativamente ao direito de propriedade do A. nenhuma exceção de prescrição pode ser invocada pela Ré EMP01....
26. A referida Ré, enquanto comproprietária, não invocou qualquer facto ou

qualquer causa donde pudesse decorrer a prescrição do direito invocado pelo A.
27. O tribunal violou, além do mais o disposto nos artigos 498º, 309º e 311º, 325º e 326º do Código Civil.
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Foram apresentadas contra-alegações pelo Ministério Público, que pugna pela manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC).
No caso vertente, são duas as questões a decidir:
- Se o processo contém todos os elementos para o conhecimento da exceção de prescrição;
- Em caso afirmativo, se o direito de indemnização do autor se encontra prescrito.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida, no despacho saneador, julgou verificada a exceção de prescrição do direito do autor.
Para apreciação daquela exceção, a factualidade que foi atendida e que para o aludido efeito não é questionada pelas partes no recurso, é a que se mostra alegada na petição inicial.
Proceder-se-á, então, a uma resenha dos factos alegados (com pertinência para a exceção e como enunciados na decisão).
Por despacho do Secretário das Obras Públicas de 21/2/95, publicado no Diário da República nº 65 II Série, de 17 de Março de 1995, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, de uma parcela de terreno (n° 218), com a área de 3.853 m2, a destacar de dois prédios com a área conjunta de 4.093 m2 inscritos na matriz sob os nº ...62 e ...63 de ....
Na sequência do qual, o Autor foi expropriado, conjuntamente com a Ré, EMP01..., S.A, à data com a designação de EMP04..., Lda. e, que desde esse momento já contou as seguintes designações: EMP05..., Lda; EMP02..., Lda.
O Autor era proprietário de metade (1/2) e a Ré EMP01..., S.A, era proprietária de metade do prédio objeto da expropriação, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...88 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...62º.
Ao referido prédio – artigo ...62º rústico da freguesia ... - foi atribuída a designação de “parcela n.º...18- Da Planta Cadastral do Projeto de Construção do Itinerário Complementar 1 – Estrada Nacional ...3 – Variante entre a ... e o Nó de ...”.
Considerando-se como expropriados desta “parcela n.º...18”, o Autor, AA proprietário de metade (1/2) do referido artigo ...62º e a Ré EMP01..., S.A, (à data EMP04..., Lda.) enquanto proprietária de metade (1/2) do artigo ...62º.
Remetido o processo ao Tribunal Judicial de ... foi proferido despacho de adjudicação da propriedade da referida parcela à entidade expropriante Junta Autónoma de Estradas, agora IEP Instituto de Estradas de Portugal. E, a entidade expropriante atribuiu a título de indemnização aos expropriados o valor de 1.659.526$00 (um milhão, seiscentos e cinquenta e nove mil, quinhentos e vinte de seis escudos).
O Autor, conformado com o valor atribuído a título de indeminização, pela sua quota parte na parcela n.º...18, comunicou à Direção de Estradas a confirmação do caráter amigável da expropriação.
Por sua vez, notificada da decisão arbitral, que fixou o valor da indemnização acima indicado, a Ré EMP01..., à data EMP03..., Lda., não satisfeita, recorreu, sustentando a fixação daquele valor em 38.687.500$00 (trinta e oito milhões, seiscentos e oitenta e sete mil e quinhentos escudos).
A entidade expropriante depositou nos autos o valor de 1.659.526$00 (um milhão, seiscentos e cinquenta e nove mil, quinhentos e vinte de seis escudos) como valor correspondente à indemnização aos expropriados.
Proferida sentença, o Tribunal decidiu fixar a título de indemnização a pagar pela expropriante o montante global atualizado de 20.931.461$00 (vinte milhões, novecentos e trinta e um mil e quatrocentos e sessenta e um escudos).
Inconformada com esta decisão, recorreu a entidade expropriante, à data a JAE (Junta Autónoma das Estradas), sustentando a fixação de montante de indemnização inferior ao fixado ou, subsidiariamente, a anulação da peritagem e a realização de uma nova.
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 22/5/00, decidido anular todos os atos e termos subsequentes à avaliação, incluindo a sentença recorrida.
Posteriormente, foi proferida nova sentença em 2003 que julgou o recurso da expropriada Ré EMP01..., à data EMP02..., Lda., parcialmente procedente, e fixou em € 89.473,00 (oitenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três euros) valor atualizado à luz dos citados critérios do art. 24° do CE – o montante indemnizatório devido pela expropriante (IEP), pela expropriação da parcela de terreno n.º ...18 sita na freguesia ..., do Concelho ..., de 3.853 m2 " a destacar de um prédio com a superfície de 6.475 m2, inscrito na matriz rústica da freguesia ..., sob os nºs ...62 e ...63.
Não se conformando com esta decisão, a expropriante JAE, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual julga a apelação improcedente e confirma a sentença recorrida, fixando o valor da indemnização no montante global de €89.473,00 (oitenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três euros).
O Autor interpôs a presente ação no dia 18 de Abril de 2023.
Sustenta, além do mais, não ter recebido qualquer valor referente ao processo de expropriação, tendo deixado de ser notificado de atos processuais referentes ao processo de expropriação, tendo apenas recebido em 18 de Novembro de 2022 despacho a informar que os autos se encontram findos e arquivados desde ../../2015 e que a indemnização fixada foi entregue à expropriante. O despacho recebido ocorre na sequência de pedido por parte do Autor a peticionar o pagamento de metade do valor da indeminização depositada pela expropriante.
Sendo estes os factos, vejamos se ocorre a prescrição do direito do autor.
O autor assume-se como comproprietário de uma parcela que foi expropriada.
O despacho de declaração de utilidade publica (DUP) é de 21 de Fevereiro de 1995, e foi publicado no Diário da República nº 65 II Série, de 17 de Março de 1995.
À data da publicação da DUP estava em vigor o Código das Expropriações (CE) de 1991, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de novembro.
Estabelecia então o artigo 9.º, nº1 do Código das Expropriações que “Para os fins deste Código, consideram-se interessados, além do expropriado, os titulares de qualquer direito real ou ónus sobre o bem a expropriar e os arrendatários de prédios rústicos ou urbanos.”
A intervenção no processo de expropriação, pelo lado do expropriado, é conferida aos titulares de um direito sobre o bem que por lei devam como tal ser considerados.
É o caso do comproprietário.
Estipulava, ainda, o preceito que “Serão tidos por interessados os que no registo predial, na matriz ou em títulos bastantes de prova que exibam figurem como titulares dos direitos a que se referem os números anteriores ou, sempre que se trate de prédios omissos ou haja manifesta desactualização dos registos e das inscrições, aqueles que pública e notoriamente forem tidas como tais” (n.º3)
Resulta, por sua vez, do artigo 40º que têm legitimidade para intervir no processo a entidade expropriante, o expropriado e os demais interessados” (nº1), sendo admitidas a intervir outras pessoas que demonstrem interesse no processo, sem que isso implique a repetição de quaisquer termos ou diligências (nº2).
Destas disposições legais decorre que, para identificação dos sujeitos com direito a indemnização, vigora no regime da expropriação o Princípio da Legitimidade Aparente.
Este principio tem por escopo fazer intervir todos os que possam ter direitos no âmbito da expropriação, sem que o expropriante fique sujeito à repetição de diligências quando há notícia de outros ou diferentes interessados e com a intervenção tardia dos mesmos.
Não vêm esclarecidas as razões pelas quais o autor não interveio no processo de expropriação, ali fazendo valer os seus direitos, designadamente deduzindo o incidente para apuramento e decisão provisória sobre a entrega da indemnização.
A consideração de eventual preclusão de direitos, por atempadamente não terem sido exercidos em sede de processo expropriativo, extravasa o âmbito do presente recurso.
Com efeito, aqui só se cuida de saber se independentemente da questão da titularidade do direito que se arroga, o direito à indemnização está ou não prescrito.
Conforma o autor a sua pretensão indemnizatória à luz da responsabilidade civil extracontratual, mais concretamente por responsabilidade civil do Estado.
De acordo com o Regime de Responsabilidade Civil do Estado e Demais Entidades Públicas (RJREEPC), especificamente o seu artigo 5.º, “o direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas coletivas de direito público e dos titulares dos respetivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso, prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhe aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição.”
Tal significando que a prescrição do direito à indemnização segue as regras gerais do Código Civil quanto ao prazo (art.º 498.º n.os 1 e 3 do CC), suspensão (art.º 318.º e ss do CC) e interrupção (art. 323.º e ss do CC).
Estabelece o artigo 498º, nº1 que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.
Trata-se da prescrição extintiva, instituto por via do qual os direitos subjetivos se extinguem quando não exercitados durante certo tempo fixado na lei.
O fundamento último da prescrição parece dever situar-se na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado – neste sentido Carvalho Fernandes, in Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, A.A.F.D.L., pág. 554.
São, pois, razões de certeza e segurança nas relações jurídicas, que estão na base da prescrição dos direitos.
Em termos gerais e no que concerne ao início do prazo da prescrição, estabelece o artigo 306.º n.º 1 do Código Civil que o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.
Este critério de que o prazo prescricional começa a correr quando o direito puder ser exercido, tem carácter supletivo, porquanto cede perante outras soluções consagradas na lei quanto ao início do prazo prescricional – Acórdão da Relação de Lisboa de 02-07-2009, processo nº 387/08-6, disponível em www.dgsi.pt.
Este critério tem a sua justificação na própria razão de ser do instituto da prescrição, pois como esclarece Carvalho Fernandes se esta se funda na inércia injustificada do credor em não exercer o seu direito, já se vê que só a partir do momento em que ele está em condições de o exercer se deve contar o prazo que, uma vez preenchido, vai determinar a prescrição – ob cit. pag. 559.
Para aferir o conhecimento do direito o essencial é que saiba que tem direito a indemnização pela ocorrência, verificação e concretização – na sua perspetiva e independentemente da razão que lhe possa, ou, não vir a assistir – dos pressupostos fácticos que subjazem ao prejuízo e que fundamentam a responsabilidade.
Quer isto dizer quer o prazo de prescrição se inicia “com o conhecimento, por parte do lesado da existência, em concreto, dos pressupostos da responsabilidade civil, que se pretende exigir” - Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código Civil”, Vol. II, pág. 299.
Dito de outro modo, e na expressiva formulação do acórdão do STJ de 18-04-2002, com recurso ao ensinamento de Antunes Varela “quando se determina que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer significar-se que tal prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu, e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento - acessível em www.dgsi.pt.
Este entendimento foi também recentemente sufragado pelo acórdão da Relação do Porto, de 18-03-2024, onde se afirma que o lesado tem conhecimento do direito que invoca - para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição - quando se mostra detentor dos elementos que integram a responsabilidade civil, ou melhor, o início da contagem do prazo especial de três anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respetivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o ato foi praticado ou omitido por alguém-saiba ou não do seu carácter ilícito-e dessa prática ou omissão resultaram para si danos. Especifica-se que o início da contagem do prazo de prescrição depende, unicamente, do conhecimento empírico da verificação de um facto ilícito culposo causador de danos, e não de um conhecimento jurídico, e que assim sendo, há que considerar que a lei faz efetivo apelo para um dado intelectivo do titular do direito à indemnização – a tomada de consciência (em sentido amplo abrangendo, nessa medida, a consciência legal) do seu direito – acórdão proferido no processo nº 38/23.0T8PVZ.P1, disponível em www.dgsi.pt.
Na situação em concreto, o autor alega que deixou de ser notificado dos atos processuais referentes ao processo de expropriação 336/1996, no qual era parte, enquanto expropriado, e não teve conhecimento dos atos praticados no processo; que recebeu a 18 de novembro de 2022, o despacho que dava conta de que o processo estava findo e é também com este despacho, que toma conhecimento de que o tribunal entregou apenas a um dos expropriados a quantia de 89.706, 29€, desconsiderando a sua titularidade enquanto expropriado.
Assentando o autor o fundamento da sua pretensão na responsabilidade civil extracontratual do Estado, só após o despacho de Novembro de 2022, é que o autor tomou conhecimento dos atos lesivos levados a cabo pelo Tribunal, dos quais resultaram danos para si.
Note-se que a conformação fáctico-jurídica da pretensão formulada não assenta no direito à justa indemnização por expropriação (ao abrigo das disposições do Código das Expropriações), sendo irrelevante a data da DUC (1996) ou da sentença/acórdão do TRG, que fixou a indemnização.
Por conseguinte, a perceção dos pressupostos da responsabilidade civil, apenas se verificaram para o autor (de acordo com a sua alegação) em Novembro de 2022, sendo a partir desta data que poderia, como fez, agir judicialmente e, a partir da qual se inicia a contagem do prazo de prescrição.
Donde, nesta fase, não há elementos para conhecer da exceção de prescrição, havendo o processo de prosseguir para a respetiva instrução.
Prejudicado, em consequência, fica o conhecimento da segunda questão.

Procede, pois, a apelação.
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Sumário:
I - De acordo com o Regime de Responsabilidade Civil do Estado e Demais Entidades Públicas (RJREEPC), especificamente o seu artigo 5.º, “o direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas coletivas de direito público e dos titulares dos respetivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso, prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhe aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição.”
II - Tal significa que a prescrição do direito à indemnização segue as regras gerais do Código Civil quanto ao prazo (art.º 498.º n.os 1 e 3 do CC), suspensão (art.º 318.º e ss do CC) e interrupção (art. 323.º e ss do CC).
III – Não assentando a pretensão formulada no direito à justa indemnização por expropriação (ao abrigo das disposições do Código das Expropriações), não releva a data da DUC ou da sentença/acórdão do tribunal, que fixou a indemnização.
IV - Assentando o autor o fundamento da sua pretensão na responsabilidade civil extracontratual do Estado, só com o despacho que o informou de que o processo estava findo e que havia sido entregue a apenas um dos expropriados a quantia indemnizatória, é que o autor tomou conhecimento dos atos lesivos ocorridos e da existência, em concreto, dos pressupostos da responsabilidade civil.
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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e, consequentemente, determinando o prosseguimento dos autos.
Custas pelos recorridos (artigo 527.º, nº2, do CPC).
Guimarães, 11 de Julho de 2024

Assinado digitalmente por:                                                   
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Jorge Santos
2º Adj. - Des. Margarida Pinto Gomes