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INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS
BENFEITORIAS
DÍVIDA DA HERANÇA
Sumário
- As benfeitorias descritas na relação de bens, porque realizadas pela cabeça de casal, que é interessada direta na partilha – e não terceiro -, e em data posterior ao falecimento da inventariada, não constituem dívidas da herança e, por isso, não devem ser relacionadas como passivo da herança.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- Relatório:
A reclamante nos autos de Inventário que correm termos no Juízo Competência Genérica de Monção, proc. nº 358/20.5T8MNC-A.G1- por não se conformar com a decisão proferida no âmbito da reclamação deduzida à relação de bens e que pôs termo a este incidente, e após nova sentença proferida na sequência da anterior anulação ordenada pelo TRG por decisão sumária datada de 11-04-20232, da mesmo vem agora interpor o competente recurso de apelação, alegando e concluindo que:
“1ª – Ao contrário do considerado pela sentença recorrida, a recorrente não reclamou o valor equivalente às rendas a incidir sobre as interessadas, AA e BB, como passivo da herança, mas sim como Ativo;
2ª – Impunha-se, no leque das questões a decidir, uma primeira e anterior às demais: Saber se foram realizadas benfeitorias/obras no bem sob a verba número um da relação de bens;
3ª – A sentença recorrida julgou incorretamente os factos dados como provados sob os nºs 4, e 6;
4ª – Mas nenhuma prova há nos autos que estas últimas interessadas tenham pago qualquer IMI;
5ª – Nenhuma prova nos autos existe sobre o facto nº 4, isto é, de que a interessada, AA habita o prédio descrito em 3, desde que nasceu até à presente data;
6ª – Pelo contrário, isso sim, que ali habita desde 2004, pois nos nove anos antes esteve com a sua irmã CC – neste sentido, vão os depoimentos das testemunhas, DD – 10:23:27 – 10:42:31 - 00.00.01 a 00.19.04: - 00:03:00, EE - 11:11:53 – 11:34:34 - 00.00.01 a 00.22.42: -00:12:20, FF - 11:37:30 – 12:03:53 - 00.00.01 a 00.26.23: -00:12:20, e GG - 14:13:35 – 14:31:38 - 00.00.01 a 00.24.58: -00:02:20, que foram unânimes em afirmá-lo;
7ª – Quanto ao facto sob o ponto nº 6, dos dados como provados, quanto ao ponto nº 6, não existe prova, por um lado, de que tenham sido efetuadas as obras aí descritas e, por outro, que tenham sido efetuadas pela herdeira interessada, BB;
8ª - Por um lado, estranha-se que a sentença se tenha estribado num documento impugnando – uma mera avaliação particular, unilateral e extrajudicial e, por outro, não existir, sequer, um orçamento de tais obras, qualquer comprovativo documental das mesmas – factura, recibo ou pagamento nem a sua circunstanciação temporal e, bem assim, quem foram os seus autores, se um só ou se vários;
9ª – Também em sede dos depoimentos gravados se atesta que os mesmo não servem de mínimo suporte ao considerado pela decisão recorrida, como é o caso de DD, que “…nega que tenham feito obras”, o que até é referido na motivação;
10ª – No entanto, a testemunha da recorrida, FF – “00:09:30: Mandat. Recorridas: Quem vive por trás da casa em questão?
T – Vive a minha prima DD”.
Pelo que não se percebe a não valorização do depoimento pela sentença recorrida do depoimento da testemunha, DD;
11ª – A qual até referiu: “00.04,39 – “A única obra que havia naquela casa foi o chão feito pelo meu pai, que, segundo sei, foi pago por todos os herdeiros”, sendo que a FF, também referiu, quanto à placa: “Aquilo era para ser pago por todos, mas parece que nem todos pagaram”.
12ª – E a FF, que 00.05:15: “Mandatário do recorrido: Houve ali melhorias?
T – As melhorias, foi: eles colocaram a placa e tinha uma parte em cimento…aquilo era para ser dividido por todos, nem todos pagaram…”;
13ª – Em suma, a sentença recorrida socorreu-se tão só dos depoimentos respeitantes às testemunhas da recorrida, FF, HH e GG, estas duas últimas…filhas da interessada e recorrida, BB;
14ª - Sendo que, a testemunha FF ao contrário do que reza na motivação, não descreveu de forma espontânea e objectiva as obras realizadas, bastando atentar, v.g., nas perguntas da Mmª Juiz do Tribunal “a quo” – “00.19.10:
Mmª Juiz: Sabe quando é que foram feitas essas obras? T – Srª Drª...não sei…assim, não sei.
Srª Juiz: Quando é que foi? Há cinco, dez anos? A senhora é que sabe, é que é testemunha!
T – Não recordo. Dizer assim, à data em que foi, não tenho a mínima ideia…”;
15ª - Já quanto às testemunhas, HH e GG, além de serem ambas filhas da interessada, BB, referiram residir em ..., pelo não terão acompanhado quaisquer obras;
16ª - Aliás, nenhuma destas testemunhas circunstanciou no tempo, em termos de empreiteiro, faturas, recibos ou, sequer, a quem foram pagos os trabalhos, quando começaram ou acabaram as obras;
17ª - Por exemplo, a HH - 12:04:45 – 12:298:42 -00.00.01 a 00.24.58: - 00:11:20 “Srª Juiz:- Quando é que a sua mãe começou a fazer obras e quando é que terminou essas obras?
T – Não me recordo, estava sempre a fazer obras …00:13:20 – Mandatário da recorrente:
Quem foi o empreiteiro que fez as obras? T – Não sei, foi um vizinho dali.
MR – Nome? T – Não sei
MR – Viu documentos, faturas, recibos sobre as obras feitas? T – Sim, vi.
MR – Mas nós, aqui, não temos nada! …
MR – Houve alguma reunião, por causa das obras? Quem esteve nessa reunião? T – Eu não estava na reunião.
…
MR – A sua mãe prestou contas das obras feitas? T – Só ao meu tio II.”.
18ª - Não existe, pois, a mínima prova consistente que tenham sido realizadas as obras dadas como provadas no ponto 6, dos factos dados como provados;
19ª – E, muito menos, que tenham sido levadas a cabo, pela recorrida, a interessada, BB, acontecendo até que a sentença se contradiz na motivação, pois, por um lado, quanto às testemunhas, FF e HH, sublinha que ambas disseram que “...foram feitas as obras tal qual descritas em 6”, mas, por outro lado, já quanto à testemunha, GG, já apenas “…a interessada BB realizou as obras descritas em 6, e custeou as mesmas”;
20ª – Acresce que, ao contrário do alegado do requerimento do cabeça-de-casal de 19/01/2021, no artigo 8º, nenhum documento existe nos autos quanto à aquisição pela interessada BB de materiais de construção, que comprove a realização das obras dadas como provadas em 6º;
21ª - Pelo que não pode dar-se como provado que foram realizadas as obras realizadas em 6º e, muito menos, pela interessada, BB;
22ª – Devem, assim, dar-se por não provados os factos dados como provados em 4º e 6º;
23ª - Assim, nos termos do previsto no artigo 662º, do C.P.C., deverá operar-se a modificação da decisão de facto no sentido ora defendido pela recorrente, com a necessária repercussão na relação de bens;
24ª - Sendo ainda manifesto que a sentença recorrida (novamente), não fez uma análise crítica da prova (ou falta dela), considerando, erradamente, factos assentes, por acordo – 4 e 6, valorando prova que não devia e não valorando outra como devia;
25ª – Também, no que concerne ao enquadramento jurídico andou mal a sentença recorrida, v.g., no que respeita às benfeitorias úteis, as quais terão introduzido novas utilidades, só que não sabemos quais nem a sentença o especifica;
26ª – Pelo que deveria – como deverá, a dar-se como provado que foram feitas obras, ser tal questão relegada para os meios comuns;
27ª - Porém, a não atender-se assim, sempre teria, pelo menos, que contrapor-se ao valor das benfeitorias o valor equivalente às rendas achado por perícia realizada judicialmente, essa sim, plenamente assente, e que considerou – facto dado como provado nº 7, ser o valor mensal de € 150,00;
28ª – O que sempre terá que acontecer quanto à ocupação pelas interessadas BB e AA, de um imóvel pertença da herança, onde residem;
29ª – Pois, como refere a sentença recorrida a pgs. 9, “No caso dos autos...está em causa a fixação de um montante pela utilização de um bem pertencente a essa mesma herança”, o que constitui um ativo da herança sobre quem utiliza ou usufrui desse bem, como é justo e equilibrado que assim seja;
30ª – E, assim sendo, não tem qualquer sustentação legal (nem sequer nos preceitos ou doutrina invocados na sentença), o que aí se defende sobre os poderes do cabeça-de casal;
31ª – Pois afirmar-se, como faz a decisão em crise, que o cabeça de casala pode dispor como bem entender, dos bens da herança, no caso, dispor do imóvel em causa, atribuí-lo gratuita ou onerosamente às interessadas em causa, não precisando do acordo dos demais herdeiros, viola manifestamente o consagrado nos artigos 2086º, nº 1, al. b), e 2091º, nº 1, do C. Civil;
32ª – Por outro lado, não tem qualquer sustentação legal, que “…quanto à interessada AA, nunca esta poderia ser condenada no pagamento de qualquer quantia por essa fruição (da casa, verba nº 3), por tal não ter sido previamente estipulado com a própria inventariada…” (???);
33ª – Como, “Em relação à interessada BB, nunca ninguém se opôs, nunca lhe foi exigida qualquer quantia monetária como contrapartida…”;
34ª – Ou, ainda, “…a posição da Reclamante manifestada nos autos não precisa do acordo dos demais herdeiros, sendo irrelevante se alguns concordam com a decisão do cabeça-de-casal de fruição do imóvel pelas interessadas, BB e AA…”.
35ª – Porquanto tais posições, é manifesto, além de não terem sustentação legal, violam frontalmente o dever consagrado no artigo 2086º, al. b) e artigo 2091º, do C. Civil;
36ª – A a sentença recorrida violou, assim, os artigos 2086º, nº 1, al. b), e 2091º, nº 1, do C. Civil, além do supra citado artigo 1105º, do C.P.C., incorrendo ainda em erro de julgamento.
37ª – E padece da nulidade, por omissão de pronúncia, al. d), do nº 1, do artigo 615º, do C.P.C., quanto às questões a decidir, elencadas a esse título sob as alíneas a e b).”
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Foram apresentadas contra-alegações concluindo, em resumo, que “ constata que não é possível responder à impertinencia e ao inconformismo infundado da interessada”.
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Após ter sido recebido o recurso neste tribunal, foram colhidos os vistos legais, pelo que cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
1- Se a decisão recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto;
2- Em caso de procedência da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela apelante, se a decisão recorrida padece de erro de julgamento.
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III. Fundamentação de facto.
“Factos provados:
1. No dia 12 de dezembro, de 1995, no lugar da igreja, freguesia ..., concelho ..., faleceu JJ no estado de viúva de KK, com quem foi casada em comunhão geral de bens e em únicas núpcias;
2. Não tendo deixado testamento ou qualquer disposição de última vontade;
3. Faz partes do acervo de bens a partilhar o seguinte prédio urbano: casa de morada, anexo e logradouro, com rossios e vinha, sita em castanhais – rua ..., ..., ..., União das freguesias ... e ..., a confrontar do nascente com LL, poente e norte com MM e do sul com caminho público, inscrito na matriz sob o artigo ...05, que teve origem no artigo 29U, da extinta freguesia ..., e omisso no registo predial, com área total de 287m2, sendo a coberta de 100m2 e a descoberta de 187m2, com o valor patrimonial de 13.800,00€;
4. A interessada AA habita no prédio descrito em 3. desde que nasceu até à presente data;
5. A interessada BB habita no prédio descrito em 3. desde ../../2004 até à presente data, onde cuida da irmã AA que é deficiente;
6. A Interessada BB realizou as seguintes obras no prédio identificado em 3.:
- colocação de uma laje;
- reboco de paredes;
- pintura de paredes;
- colocação de portas;
- reparação de telhado;
7. Em consonância com o estado do imóvel e o valor de rendas no mercado, o valor mensal da renda do prédio é de 150,00€ (cento e cinquenta euros) mensais;
B) FACTOS NÃO PROVADOS
1. As obras referidas em 6 foram também realizadas pela interessada AA;
2. As obras referidas em 6 custaram a importância de 10.617,32€;”
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1- Da apreciação da impugnação da matéria de facto
A apelante insurge-se contra a decisão da matéria de facto e que entende dever ser alterada nos seguintes termos:
- o ponto 4 e ponto 6 dos factos provados deverão ser dados como não provados.
Desde já se consigna que apesar de na conclusão nº4 a apelante fazer referência, de modo isolado, a “ nenhuma prova há nos autos que as interessadas tenham pago qualquer IMI”, tal matéria de facto não é controvertida e daí não constar nesta nova sentença proferida em 20.12.2023 após anulação da primeira sentença e que é a que consta ( mal) da certidão enviada no apenso em separado.
Com efeito, na reclamação de 23.11.2020 ( reclamação à primeira relação de bens) e na segunda reclamação de 01.02.2021 ( à segunda relação de bens), a reclamante diz expressamente que aceita o pagamento do IMI comprovado documentalmente no valor de € 229,94 mas já não das multas por atraso no seu pagamento, e que nesta nova sentença recorrida se decide como matéria de direito e julga-se não dever constar da relação de bens.
Assim sendo nada há a apreciar, a respeito de qualquer matéria de facto concernente ao IMI.
Vejamos a impugnação concreta da matéria de facto.
O ponto 4 dos factos provados reza assim: “A interessada AA habita no prédio descrito em 3. desde que nasceu até à presente data”
A recorrente entende que nenhuma prova existe sobre o facto 4, admitindo que a AA ali habita desde 2004, pois nos nove anos anteriores ( e a partir data do falecimento da inventariada-1995) esteve a viver com a irmã CC. Indica neste sentido os depoimentos das testemunhas DD – 10:23:27 – 10:42:31 - 00.00.01 a 00.19.04: - 00:03:00, EE - 11:11:53 – 11:34:34 - 00.00.01 a 00.22.42: -00:12:20, FF - 11:37:30 – 12:03:53 - 00.00.01 a 00.26.23: -00:12:20, e GG - 14:13:35 – 14:31:38 - 00.00.01 a 00.24.58: -00:02:20, que foram unânimes em afirmá-lo.
E assim é.
Com efeito, todas aquelas testemunhas foram unânimes em afirmar que a AA ali vive, em conjunto com BB, pelo menos desde 2004 e que antes de tal data viveu um período de 9 anos com a irmã CC que cuidou dela desde que a mãe ( inventariada) faleceu, pessoa que antes do seu falecimento cuidava e tratava da filha AA, maior acompanhada atenta a sua incapacidade mental e física e ambas viviam no imóvel em questão, nomeadamente a AA ali sempre viveu com mãe desde que nasceu, com exceção daquele hiato temporal.
Ora, tais factos relatados pelas testemunhas são verosímeis uma vez que AA, maior acompanhada e que era cuidada pela sua mãe com quem vivia no imóvel da verba nº 3, tem de ser acompanhada por terceira pessoa atenta a sua incapacidade mental e física, nomeadamente quando a mãe faleceu passou a ser acompanhada pelas irmãs CC em casa desta e pela irmã BB na casa da inventariada, sendo certo que nenhum outro meio de prova contrariou ou infirmou tal prova testemunhal, a qual se revelou assim credível.
Por tudo o exposto, não concordamos com a recorrente quando diz que deve ser dado como não provado o facto nº4, mas sim alterada a sua redação em consonância com a prova produzida nos autos, passando a ter a seguinte redação:
Ponto 4 dos factos provados: “ A interessada AA habita no prédio descrito em 3. desde que nasceu até à presente data, com um hiato temporal de 9 anos, período em que viveu com irmã CC desde o falecimento da mãe, ora inventariada, até 2004, altura que foi viver com a irmã BB para o imóvel descrito em 3.”.
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O ponto 6 dos factos provados reza assim: “ A Interessada BB realizou as seguintes obras no prédio identificado em 3.: - colocação de uma laje; - reboco de paredes; - pintura de paredes; - colocação de portas; - reparação de telhado”.
Na sentença motivou-se, a propósito, nos seguintes termos: “ Resultam dos depoimentos nesse sentido das testemunhas FF, HH e GG (netas da Inventariada), que prestaram um depoimento isento, sincero e sem contradições, descrevendo de forma espontânea e objectiva as obras realizadas julgadas provadas, tendo sido confrontadas, durante o seu depoimento, com o relatório de fls. 112 e ss, confirmaram o mesmo. Não foram consideradas provadas quaisquer outro tipo de obras executadas no prédio porquanto apenas as referidas em 6 foram alegadas.”.
A recorrente entende que nenhuma prova existe sobre o facto, quer das obras feitas, e ali descritas; quer que tenham sido efetuadas pela interessada, BB, ou seja, na sua ótica, não existe sequer qualquer prova documental comprovativa das obras, e circunstâncias temporais e autores das mesmas e, por outro lado, não foi tido em conta o depoimento da testemunha DD, a qual negou que tivessem sido feitas obras, sendo certo que os depoimentos testemunhais em que assentou a convicção do tribunal não têm um mínimo de suporte: o depoimento da testemunha FF não foi objetivo, pois não sabia dizer a data das obras e as outras duas testemunhas HH e GG são filhas da cabeça de casal e para além disso referiram viver em ..., pelo que não terão acompanhado as obras.
Sem embargo, não cremos que tenha razão.
Com efeito, desde logo, aquelas testemunhas apontadas na decisão para basear a convicção todas referem perentoriamente a existência de obras feitas no imóvel em causa e após falecimento da inventariada, e feitas após BB ter ido viver para a dita casa para cuidar da sua irmã AA, ou seja, após 2004. Todas essas testemunhas foram unânimes em afirmar que as obras foram feitas de modo faseado e ao longo dos anos, e inclusive a testemunha DD que numa primeira instância negou que tivessem sido feitas obras, posteriormente até pormenorizou uma delas ( o chão) e feita no tempo do seu pai, tendo ainda referido que as obras tiveram lugar após 2004, ou seja, após a BB ter ido para lá viver para cuidar da sua irmã declarada incapaz de reger a sua pessoa e bens, pelo que se torna verosímil que tenha sido a BB a mandar fazer as obras e custear as mesmas.
Outra daquelas obras (pinturas) é referida pela própria reclamante NN, em declarações de parte, quando admite e refere que “fizeram algumas benfeitorias, tendo visto a pintura melhor, pois apenas esteve na sala da casa há cerca de 5 anos ”.
Por conseguinte, da prova produzida resultou, inelutavelmente e ao contrário do que sustenta a recorrente, que foram realizadas obras no imóvel descrito em 3 e após 2004 ( após falecimento da inventariada e após ter ido para lá viver a BB para ali cuidar da sua irmã AA, declarada maior acompanhada) e que pelo menos foi a interessada BB quem mandou fazer as obras e, logo, à mingua de mais qualquer prova naturalmente custeou as mesmas, não se tendo provado o seu valor.
Para além daquelas obras referidas pela testemunha DD e pela própria reclamante, as testemunhas FF e HH e GG enumeraram as ditas e as restantes referidas no ponto 6, pelo que não tendo sido contrariadas por qualquer outra prova e inclusive corroboradas pelo teor do “relatório” junto aos autos em que atesta a sua existência, não vislumbramos como não dar credibilidade ao depoimento daquelas testemunhas, apesar de as duas últimas serem filhas da ora cabeça de casal BB, conforme referido pelo tribunal a quo, não sendo obstáculo ao conhecimento das obras o facto de as testemunhas residirem em ..., mais concretamente em ... a cerca de uma meia hora de viagem de .... Aliás, conforme dizia a testemunha EE, que vive em ..., todos os fins-de-semana ia a ... com os seus pais, tal como HH e GG também sempre vieram aos fins de semana a ... ver a sua mãe BB e, antes de falecer a avó, também se deslocavam ali para ver a avó. Estas testemunhas explicaram a razão de não haver faturas de algumas obras, para além das juntas no requerimento de 09.11.2020, como por exemplo da obra da laje e feita pelo pai da DD, sendo certo que os pagamentos foram feitos em dinheiro, pelo que não há documentos de recebimento de preço de obras.
Assim sendo, a não existência de documentos que atestem a compra pela BB de material de construção, conforme invocado pela recorrente, não é de molde a colocar em causa a convicção do tribunal de que aquela interessada mandou fazer aquelas obras quando para lá foi viver para conseguir um mínimo de condições de habitabilidade da casa, porquanto a mesma encontrava-se “degradada” na expressão da testemunha FF.
Destarte, e sem mais, mantém-se a resposta aquele ponto 6 da matéria de facto dada como provada, porquanto resultou evidente nos autos, que na motivação da decisão sobre a matéria de facto, neste particular, o tribunal recorrido elencou de forma clara os seus argumentos, não se vislumbrando qualquer contradição na sua fundamentação, conforme sustentado pela recorrente, nomeadamente a respeito da ponderação dos depoimentos daquelas testemunhas que foram unânimes em afirmar que foi a BB quem fez as obras ( HH afirmou “ mãe apresentou contas ao tio II, cabeça de casal”; FF afirmou “ tia BB é que fez melhoramentos pois casa estava degradada”; e GG afirmou que sua mãe BB fez obras e pagamentos em dinheiro, daí não terem na sua posse faturas).
Logo, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, decide-se pela improcedência da impugnação da matéria de facto quanto ao ponto 6 dos factos provados nos moldes feitos pela recorrente.
Agora, nos termos do art. 662º nº1 do CPC impõe-se apenas fazer uma correção naquele ponto 6, atenta toda a prova produzida e supra referida, apenas em relação à data das obras e tal como foi alegado desde sempre pelo cabeça de casal ( cfr. art. 7º do requerimento de 9-11-2020- primeira relação de bens e que na segunda relação de bens não sofreu alteração) e que cremos ser a posição da atual cabeça de casal, pelo que daquele ponto deverá constar o seguinte segmento “ obras essas feitas desde o decesso da inventariada”.
Assi sendo deverá ficar a constar o seguinte no ponto 6 dos factos provados:
6. A Interessada BB realizou as seguintes obras no prédio identificado em 3., obras essas feitas desde o decesso da inventariada:
- colocação de uma laje;
- reboco de paredes;
- pintura de paredes;
- colocação de portas;
- reparação de telhado”.
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IV
Considerando que houve alteração introduzida na decisão relativa à matéria de facto, a factualidade a atender para efeito da decisão a proferir é a já constante de III, com a alteração à redação do ponto 4 e redação do ponto 6.
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V. Reapreciação de direito.
Como resulta das conclusões do recurso da apelante, a alteração da decisão, na parte da matéria de direito, dependia, em parte, da modificação/alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo.
No que respeita à questão das benfeitorias realizadas no imóvel descrito em 3 e tendo-se provado as mesmas, com exceção do seu valor, a questão da remessa para os meios comuns ainda é pertinente?
A apelante entende que não sabemos quais as novas utilidades que tais benfeitorias introduziram de molde a se concluir se tratar de benfeitorias úteis, conforme dito na sentença.
Vejamos.
A sentença depois de refutar se tratar de benfeitorias voluptuárias e necessárias, concluiu serem benfeitorias úteis, na medida em que “através da introdução de novas utilidades, aumentaram o valor do prédio”.
Cremos que aquele raciocínio está correto, porquanto efetivamente, atento o disposto no artº 216º, nºs 1, 2 e 3, do C. Civil, as benfeitorias em causa ( - colocação de uma laje; - reboco de paredes; - pintura de paredes; - colocação de portas;- reparação de telhado; ), não podem ser consideradas benfeitorias necessárias, já que não tiveram por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa. Também não podem classificar-se de voluptuárias por não poder dizer-se que serviram apenas para recreio dos benfeitorizantes.
Assim, têm de classificar-se como úteis porque, ainda que não indispensáveis, objetivamente aumentaram o valor do prédio, porquanto a integração de obras no imóvel em causa não pode deixar de o ter valorizado, pelo menos na proporção do valor das mesmas é bem certo ainda não apurado.
A sentença ainda considerou que “ Por outro lado, tratam-se de obras que não podem ser levantadas sem detrimento da coisa, pelo que, a interessada BB tem direito a ser ressarcida pelo valor despendido na sua realização, constituindo este um passivo da herança.”.
Concordamos que se tratam de obras que não podem ser levantadas sem detrimento da coisa, pelo que, a interessada BB tem direito a ser ressarcida pelo valor despendido na sua realização.
Mas já não concordamos que deverá ser relacionado como passivo da herança.
Cremos que o equívoco está na interpretação do nº7 do art. 1098º do CPC ( antigo art. 1345º, nº5 do CPC).
Este preceito legal dispõe o seguinte: “ “As benfeitorias efetuadas por terceiros em prédio da herança são descritas como dívidas, quando não possam, sem detrimento, ser levantadas por quem as realizou.”
Porém, na realidade, desde logo, a interessada BB e atualmente cabeça de casal não é um terceiro, para que lhe possa aproveitar a disposição aludida, visto que é herdeira ela própria; e, por outro lado, as benfeitorias em causa não constituem dívida da herança, pois que estas se reconduzem aos débitos da responsabilidade da inventariada (e obviamente que tais benfeitorias também não podem considerar-se encargos da herança), sendo certo que foram feitas após o falecimento da inventariada.
Veja-se a este respeito (responsabilidade da herança) o disposto no art. 2068º do Código Civil.
Dívidas da herança são por definição aquelas que os falecidos tinham à data da sua morte; e a elas são equiparadas as previstas no art. 1098º, n.º 7, do CPC; as restantes responsabilidades da herança mencionadas no art. 2068º constituem encargos (v. g. com o funeral, com a administração, etc.); mesmo os legados a cumprir são tratados na lei como encargos da herança.
Como se lê no AC da R Ac. da RL de 24-05-2005 proferido no Proc. nº 10145/2004-7, “As benfeitorias realizadas por terceiros, ou mesmo por um herdeiro, em bens da herança, após o óbito do inventariado, constituem matéria alheia ao inventário e, por isso, não devem ser relacionadas como passivo da herança, pois não são dívidas da herança, pelo que não devem como tal ser relacionadas.”.
Existe sem dúvida uma grande diferença entre as dívidas contraídas antes e depois do falecimento. As primeiras são dívidas da herança, pois se trata de relações jurídicas patrimoniais da titularidade do falecido e existentes à data da morte; o mesmo não sucede, naturalmente, com as outras.
Resumindo: as benfeitorias descritas na relação de bens e dadas como provadas, porque realizadas pela ora cabeça de casal, que é interessada direta na partilha – e não terceiro -, e em data posterior ao decesso da inventariada, não constituem dívidas da herança, por realmente não terem essa natureza, sendo certo que o facto de não constituírem dívida da herança basta só por si para determinar a sorte da presente apelação.
Consequentemente, não pode subsistir a decisão impugnada, a qual ficou notoriamente a dever-se a uma interpretação equivocada da norma contida no n.º 7 do art. 1098º do CPC.
Desta forma, e sem necessidade de análise mais aturada, conclui-se que é procedente a apelação em apreço, mas com outros fundamentos, impondo-se em consequência a revogação da decisão recorrida, eliminando-se da relação de bens aquelas benfeitorias enquanto passivo e constantes das verbas nº 2 e 3 do passivo.
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Consigna-se ainda que aquelas verbas nº2 e 3 sob a epígrafe “Passivo” contemplavam a soma do valor das benfeitorias e de uma verba a respeito de impostos ( IMI) pagos pelas herdeiras.
Na reclamação e no presente recurso apenas se suscitou a questão da verba paga a título de impostos conter a quantia de multas ( mais o imposto em causa).
E na verdade, a apelante tem razão quando se insurge contra a falta de pronúncia no dispositivo acerca da questão que foi enunciada e apreciada a respeito.
Foi apreciada a questão nos seguintes termos: “ Saber se deve integrar o passivo da herança as coimas no valor de 103,71€ por pagamento atrasado de IMI (já em sede de execução fiscal) - sendo certo que a Reclamante aceitou o valor de 229,94€; Além de nenhuma prova ter sido realizada no sentido de quem efectuou o pagamento das multas em processo de execução fiscal, o certo é as mesmas assumem natureza pessoal, pelo que não são transmissíveis (atente-se no artº 62º do RGIT que dispõe que as obrigações de pagamento da coima e de cumprimento das sanções acessórias relativas a contra-ordenações tributárias extinguem-se com a morte do arguido). Pelo exposto, não devem estas ser relacionadas como dívidas da responsabilidade dos restantes herdeiros, sendo imputáveis ao infractor.”
Por conseguinte e colmatando a falta de pronúncia expressa no dispositivo da decisão a respeito deverá passar a constar que a reclamação nesta parte é julgada procedente, pelo que do passivo deverá passar a consta uma verba nº2 com o valor do imposto pago de 229,94€, por ser valor que a reclamante aceitou e não estar em discussão.
Diga-se que entendemos igualmente que o pagamento dos impostos relativamente a bens da herança, como o IMI, e efetuado pelo cabeça de casal, em data posterior ao óbito da inventariada, devem ser pagos pelos herdeiros, constituindo despesas de administração da herança. Não sendo dívidas dos inventariados não deveriam sequer integrar a relação de bens. Contudo, e como não é alvo de discussão, e não é matéria de apreciação oficiosa, manter-se-á a decisão a respeito e nos moldes supra referidos.
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Quanto à questão do uso exclusivo dos bens da herança pela cabeça de casal BB (e sua irmã AA) e as rendas peticionadas, discordamos da apelante quando diz ser nula a decisão por falta de pronúncia acerca da mesma, quando na al. D) da decisão e sob a epígrafe “ enquadramento jurídico” há a pronúncia expressa acerca da mesma.
Agora, esta questão foi suscitada no recurso apenas na hipótese de se considerar o relacionamento como passivo das benfeitorias, pelo que atenta a decisão supra torna-se inútil a sua apreciação.
Sem embargo, e ainda assim dir-se-á o seguinte: atentas as considerações tecidas quanto à composição da herança, a reclamada indemnização pelo uso pelo cabeça de casal e sua irmã do imóvel a partilhar, em data posterior ao decesso da inventariada, não constitui qualquer crédito da herança, pois não fazia parte da esfera jurídico patrimonial daquela.
Deve também tal questão ser decidida fora do inventário, entre os contitulares do direito à herança, nos termos do disposto nos art.ºs 1406º, 1403º e 1405º do CC, ex vi do art.º 1404º do mesmo diploma.
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VI - DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, e em consequência revogar a decisão recorrida, e ordenar a eliminação da relação de bens do passivo sob a epígrafe verba nº2 e 3 e consideradas “ dívida da Herança às duas referidas Interessadas/Herdeiras AA e BB” e a respeito das benfeitorias e ainda deverá ficar a consta a verba nº2 no passivo a respeito do IMI pago pelas Interessadas/Herdeiras AA e BB, no valor aceite por todos de € 229, 94€.
Custas do incidente e do recurso a cargo dos interessados, na proporção do que lhes caiba na partilha (cfr. art. 1130º, n.º 1, do C do CPC).
Guimarães, 11 de julho de 2024
Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Elizabete Coelho de Moura Alves e
Fernanda Proença Fernandes