I - A inventário instaurado em abril de 2010, é-lhe aplicável quanto à sua tramitação o regime do CPC anterior [aprovado que foi então pelo DL 44129 de 28/12 de 1961, objeto de diversas alterações desde então], por força do disposto no artigo 7º da Lei 23/2013 de 05/03 que então aprovou (para além do mais) o regime jurídico do processo de inventário.
II - Não obstante e respeitada a tramitação processual específica do regime do inventário, no que respeita às regras do recurso em si, porque interposto já na vigência do atual CPC e tendo por objeto igualmente decisões proferidas já no âmbito da sua vigência, são-lhe aplicáveis as regras deste, por força do disposto no artigo 5º nº 1 e 7º nº 1 a contrario da Lei 41/2013.
III - A não observância dos ónus de impugnação e especificação elencados nas als. a) e c) do nº 1 e no nº 2 do artigo 640º do CPC, é fundamento de rejeição da reapreciação da decisão de facto.
Sem prejuízo do conhecimento oficioso da violação de regras vinculativas de direito probatório material, nomeadamente em desrespeito pelos factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no artigo 607º n.º 4 do CPC ex vi 663º do CPC.
IV - Aos recorrentes/reclamantes incumbia a prova de que a verba que identificaram estava incluída no bem imóvel que lhes fora doado pelos inventariados, por daquele destacada e autonomizada por si em momento posterior.
3ª Secção Cível
Relatora – M. Fátima Andrade
Adjunto – Manuel Fernandes
Adjunta – Maria Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Jz. Local Cível da Maia
Apelante/ AA (herdeiros de) e mulher
Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
………………………………
………………………………
………………………………
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
I- Relatório
1) BB requereu o presente inventário para partilha da herança aberta por óbito de seus pais – CC e DD.
Foi nomeado para exercer as funções de cabeça de casal AA, o qual prestou declarações de cabeça de casal, identificando como únicos herdeiros dos inventariados, o próprio declarante e a requerente BB.
Mais declarou terem os inventariados feito doação em vida com entrada do CC e por conta da quota disponível.
2) Apresentada relação de bens em 28/10/2010, identificou o CC como bens imóveis os constantes das verbas 7 a 17, dos quais as verbas 7 a 9 declarou terem a si sido doados por escritura pública celebrada em 02/12/1966, com reserva de usufruto a favor dos doadores até à morte do último.
Verbas 7 a 9 que descreveu nos seguintes moldes:
. verba 7 – prédio constituído por uma morada de casas de dois pavimentos, destinado a habitação e indústria com quintal, incluindo o Campo ... e Campo 1..., tudo formando um só prédio (…) inscrito a matriz urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob os números ... (…) e ... (…) e inscrito na matriz rústica sob os números ... e ... (…);
- verba 8 – um estabelecimento de padaria para fabrico e venda de pão de milho e trigo (…) instalado no r/ do prédio urbano (…).
Com o seguinte “ESCLARECIMENTO
Como se vê da escritura de doação, os imóveis doados constituíam o seguinte: Prédio urbano constituído por uma casa de dois pavimentos (rés-do-chão) destinado o andar a habitação e o rés-do-chão a indústria de panificação, com quintal com uma área coberta de 170 m2 dependência de 30 m2 e o quintal com 900 m2 (…) descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ... (…) e inscrito a matriz sob o artigo ... e a verba seguinte
- verba 9
Campo 1..., sito no lugar com o mesmo nome (…) a confrontar do poente com bens da herança (verba nº 7), descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ...... ... (...) e inscrito na matriz rústica sob o artigo ...”;
Após a descrição dos outros bens imóveis, “prédios livres”, tendo ainda o CC feito constar
OBSERVAÇÕES
“a. O prédio doado da verba nº 7 constitui hoje um só prédio, constituído pelo prédio urbano e Campo ..., composto por uma casa de dois pavimentos, destinada a habitação, uma dependência e quintal (...) sita no lugar ... da freguesia ... (...) a confrontar do norte com caminho de servidão, do sul com estrada municipal, do nascente com AA (ou bens da herança – Campo 1...) e do Poente com bens da herança (verba nº 9) e EE, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...... ... (...) e inscrito na matriz urbana sob o artigo ....
b. E dessa verba foi destacada a verba nº 9 (doada), ....”
Mais tendo ainda declarado que
. por escritura de 11 de abril de 2003, os donatários fizeram doação do prédio identificado na al. a) (conforme escritura junta);
. e na sequência dessa doação, os atuais novos donatários levaram a efeito no prédio por sua conta e a seu exclusivo encargo as benfeitorias que descreveu - incluindo a demolição do prédio urbano e dependência que se encontravam em ruínas e sem aproveitamento habitacional ou industrial e construção de novo prédio habitacional de r/c, andar e águas furtadas; um anexo para arrumos e adega; um edifício de r/c e andar para indústria; vedação de todo o prédio em betão armado com 3 metros de altura; pavimentação do quintal em granito e pavimentação em asfalto para zona de fabrico.
3) Notificada a relação de bens, veio da mesma reclamar a co-herdeira BB, tendo entre o mais e em relação à verba doada, alegado:
“9º
A verba que foi doada ao C.C. na escritura que está junta aos autos, constituía uma só verba como aí se invoca – casa com quintal e Campo ... e de Campo 1... (formando um só prédio) e estava inscrito na matriz sob o artigo ... urbano e ... e ... rústicos e, formado pelas descrições ... e ....
10º
O C.C já doou à sua filha o conjunto deste prédio, como se vê da certidão da Conservatória de Registo Predial da Maia descrição nº..., por onde se vê que é formado pelas descrições ... e ... e, já tem área coberta e descoberta de 1900 m2 ou seja, os 2 artigos rústicos doados já aí estão englobados – e por isso é que a sua área descoberta é de 1900 m2 e não 900 m2 que foram doados.
11º
Por isso a verba nº 9, suposto “Campo 1...” não está doado e é para partilhar sem qualquer ónus ou encargo.
12º
Pelo que deverá o C.C. juntar a Caderneta Predial do artº ... urbano com a sua composição em 1966,
13º
Aliás, se assim não fosse, não poderia ter descrição autónoma pois fazia parte da descrição única que até já foi doado à filha do C.C..
14º
A descrição só surge porque quem fez o registo na Conservatória de todos os prédios, não foi o C.C., mas sim um registado credor, FF, que penhorou o direito e ação do C.C. na herança, mas da qual a ora interessada nunca foi notificada e, deverá o C.C. esclarecer como está esta situação.
15º
A observação que está no fim é a prova que a interessada tem razão no que concerne aos prédios doados - “O Campo ... e de Campo 1... estão num só prédio com o artº urbano ..., sendo falso que a verba 9 “Campo 1...” tenha sido destacado.
16º
Também é falso que o prédio urbano doado tenha sido demolido, que estivesse em ruínas, pois foi lá que os de “cujus” sempre viveram, bem como o cabeça de casal.
17º
A única obra que terá sido feita pela filha do C.C. foi o simples acrescento de um quarto nas traseiras do prédio, sendo que o que existe é e foi sempre o dos pais da interessada e que foi doado ao C.C..”
Tendo arrolado prova testemunhal e requerido depoimento de parte do CC e sua mulher.
4) Respondeu o CC, aceitando o declarado em 9º.
E quanto ao alegado em 10º declarando não corresponder à verdade, já que à filha do CC apenas foi doado o prédio urbano e o Campo ....
Estando o prédio Campo 1... relacionado à parte, inexistindo do mesmo caderneta predial.
Estando aliás o crédito alegado em 14º pago há muito.
Impugnando ainda o alegado em 16º e 17º. Mais declarando que as benfeitorias foram efetuadas já após a morte da inventariada sua mãe.
Arrolou igualmente prova testemunhal.
5) Agendado dia para inquirição da prova oferecida, foi a mesma produzida.
Tendo ainda sido determinado pelo tribunal a quo (em 31/08/2011) que o CC juntasse “atento o expressamente requerido no artigo 12º da reclamação apresentada pela interessada BB (cfr. fls. 86 dos autos) (…) caderneta predial referente ao artigo matricial urbano com o n.º ..., com a sua composição em 1966.”
Tendo o CC em 25/10/2011 junto “cópia certificada do artigo ...” da freguesia ... do Concelho da Maia.
6) Em 11/01/2013 foi proferida a seguinte decisão (que em parte aqui se deixa reproduzida):
“Da discussão da causa, com interesse para a presente decisão de reclamação à relação de bens, resultaram provados os seguintes factos:
1 – Mediante escritura pública, denominada “doação”, datada de 2/12/1966, os inventariados declararam doar ao cabeça de casal:
- o prédio constituído por uma casa de dois pavimentos destinada a habitação e industria, com quintal, incluindo o Campo ... e Campo ..., tudo formando um só prédio, sito no referido lugar ..., a confrontar do Sul com a estrada municipal, do poente com outro prédio dos inventariados e outro, do norte com caminho de servidão e do nascente com GG, inscrito na matriz urbana no artigo ... e na matriz rústica nos artigos ... e ..., descrito na 2ª Secção da 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob os números ... e ...;
- um estabelecimento de padaria para fabrico e venda de pão, de milho e de trigo, instalado no rés-do-chão do referido prédio, com as respetivas licenças e alvarás e todos os utensílios e recheio nele existente.
2 – Nos termos da escritura aludida em 1), os inventariados reservaram o usufruto vitalício do prédio e estabelecimento doados até à morte do último.
3 – Nos termos da escritura aludida em 1), o donatário (ora cabeça de casal) entregou aos doadores, a título de entrada, a quantia de Esc. 200.000$00, a abater ao valor real dos bens doados, sendo que metade do valor achado pertencerá ao donatário, por força da quota disponível dos doadores e a outra metade será para começo do preenchimento da legítima que deva caber-lhe.
4 – Mediante escritura pública, denominada “doação”, datada de 11 de abril de 2003, o cabeça de casal e a sua mulher HH declararam doar a II e JJ o prédio aludido em 1), conforme documento junto a fls. 77 e 78 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
5 – Na sequência da doação aludida em 4), os mencionados II e JJ efetuaram obras no prédio aludido em 1).
6 – A inventariada residiu sempre com o cabeça de casal.
(…)
Com interesse para a decisão, nenhum outro facto se provou, designadamente não se provou que:
(…)
8 - O prédio relacionado sob a verba n.º 9 tenha sido doado ao cabeça de casal.
(…)
13 – Após 2003, o prédio aludido em 1) estivesse em ruínas.
(…)
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A questão mais relevante da reclamação apresentada, atento o impacto económico daí resultante, prende-se com a delimitação do âmbito da doação efetuada pelos inventariados ao cabeça de casal.
Conforme já supra se referiu não foi produzida qualquer prova que permita aferir a real intenção dos inventariados aquando da doação.
Nessa medida, o tribunal apenas pode atender ao teor dos documentos juntos ao processo.
Ora, sem prejuízo da análise e da interpretação efetuadas pelo cabeça de casal, entendo que a prova documental, analisada no seu conjunto, não permite concluir que a verba n.º 9 tenha sido objeto de doação.
De facto, os dois prédios que vieram a ser doados e considerados como um único prédio sempre foram distintos do prédio relacionado sob a verba n.º 9.
Como é do conhecimento comum as áreas dos prédios referidas nas respetivas matrizes e no registo predial raramente coincidem com a realidade.
Por outro lado, a ponderação das confrontações dos diversos prédios não permite estabelecer e determinar o âmbito da doação efetuada.
O prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo ... foi inscrito em 1975, sendo que nenhum elemento documental permite concluir que o mesmo tenha resultado dos prédios inscritos na mesma matriz sob os artigos ... e ..., os quais mantiveram existência nas novas matrizes.
Assim, terá necessariamente de se concluir que o prédio inscrito sob a verba n.º 9 é autónomo dos demais, não tendo sido englobado na doação.
Assim, nesta parte procede a reclamação apresentada pela interessada BB, sendo que quanto à verba n.º 9, deve deixar de ser efetuada qualquer menção ao mesmo como doado.
Por fim, na relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, o mesmo mencionou a realização de obras no prédio relacionado sob a verba n.º 7.
A realização de tais benfeitorias no prédio doado foi questionada pela reclamante.
Ora, face à prova produzida apenas se provou a realização de obras, mas não o seu âmbito e muito menos o seu valor.
No entanto, nesta fase processual, tal questão não assume relevo, importando apenas a comprovação de que foram efetuadas obras.
Com efeito, resulta da própria alegação do cabeça de casal que as obras em apreço foram efetuadas em data posterior a 2003.
Porém, os inventariados faleceram, respetivamente, em 2/5/1979 e em 30/7/2000, ou seja, em data anterior à realização das obras.
Dispõe o artigo 2109º do Cód. Civil que o valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da abertura da sucessão.
Assim, tendo as obras sido concretizadas em data posterior à abertura da sucessão, não releva o valor dessas mesmas obras, mas antes a definição do estado do prédio na data do óbito de cada um dos interessados.
Por outro lado, mesmo esse facto só importará se vier a concluir-se pela inoficiosidade da doação e se a interessada BB revelar interesse em licitar nos bens doados.
Nessa medida, a este propósito, e nesta fase nada há a decidir.
Notifique, sendo o cabeça de casal para, no prazo de 10 dias, apresentar nova relação de bens em conformidade com a decisão supra.”
Decisão esta notificada a 14/01/2013.
7) Na sequência do decidido em 6), o CC apresentou nova relação de bens em 05/02/2013, na qual identifica como Imóveis doados a AA, por escritura pública celebrada em 02/12/1966 (…) com reserva de usufruto a favor dos doadores até à morte do último (…).
Verbas 12 e 13 que descreveu nos seguintes moldes:
. verba 12
Prédio constituído por uma morada de casas de dois pavimentos, destinado a habitação e indústria com a área coberta de 170 m2, tendo no 1º pavimento r/c, 5 divisões, sendo 3 destinadas a indústria e no 2º pavimento 7 divisões e corredor, com a área coberta de 30 m2, quintal com cerca de 1700 m2, incluindo o Campo ... e Campo 1..., tudo formando um só prédio (…) inscrito a matriz urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob os números ... (…) e ... (…) e inscrito na matriz rústica sob os números ... e ... (…);
. verba 13
Um estabelecimento de padaria para fabrico e venda de pão de milho e trigo (…) instalado no r/ do prédio urbano (…).
Mais arrolando, ente os imóveis identificados como “Prédios Livres”, como verba 14, o imóvel [antes descrito, na relação inicial, sob o número ... como fazendo parte dos bens a si CC doados]
“Campo 1... (…) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .../... (…) e inscrito na matriz rústica sob o artigo ... (…)”.
8) Em 06/02/2013 o CC apresenta recurso da decisão referida em 6) e notificada via citius a 14/01/2013, na parte em que decidiu excluir, da relação de bens a si doados, a verba n° 9.
Alegando e a final tendo apresentado as seguintes conclusões:
“a) A escritura de doação contém no seu conteúdo três prédios, um urbano e dois rústicos, como, aliás, é revelador quer na própria doação, quer na descrição predial ... / ... que contém os três prédios;
b) Repare-se que o artigo ... - que consta da doação, ressalta que ele nunca teve descrição e que o mesmo acabou por ser identificado no registo predial com as descrições dos dois campos rústicos;
c) Assim, sendo à doação tem de dar-se o valor que ela encerra, ou seja, a existência de três prédios, sendo que as descrições aí declaradas não dizem respeito ao prédio urbano, mas na são as dos dois prédios rústicos;
d) Em lado algum da reclamação ou do despacho posto em crise se alega a existência de dois Campos de Campo 1..., mas o certo é que o Campo 1... tem descrição autónoma e foi adquirido por escritura autónoma, como tudo se vê da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal e da documentação junta em 09-03-2011.
e) De resto, vê-se, ainda, que o artigo ... urbano só foi levado à matriz em 1953, e que conforme se vê da matriz rústica os artigos ... e ... foram levados à matriz em 1975, mas pertencentes a titulares alheios à herança, enquanto o artigo 325 (verba n° 9) foi nessa data levado à matriz, e declarado pertencer à herança da inventariada, tudo conforme certidões juntas a fls., em 02-03-2011.
f) Assim, o Juiz a quo ao decidir a eliminação do Campo 1... da doação andou em erro ou equívoco manifesto, com prejuízo grave para o donatário e aqui recorrente;
g) Por isso, deve o Campo 1... manter-se como prédio doado e devidamente identificado na escritura da doação, que não foi atacada de erro ou de falsidade e, por isso, não pode o julgador dar-lhe outro sentido que não seja o declarado;
h) Ou se não for esse o entendimento, pelo menos impõe-se que o litigio seja remetido para os meios comuns;
i) Assim, o despacho posto em crise sofre de nulidade por violar os artigos 369° e segs. do Cód. Civil e artigo 668° n° 1 ais. b), c) e d) do Cód. Proc. Civil.
TERMOS EM QUE deve ser dado provimento ao recurso, anulando-se o despacho proferido ou, se assim não se entender, que o conflito seja remetido para os meios comuns.”
9) Agendada e realizada conferência de interessados, em 19/02/2013, nesta foi ordenada a avaliação de todos os imóveis, incluindo os bens doados.
Avaliação oportunamente levada a cabo.
10) Falecida na pendência dos autos a herdeira BB, foram habilitados os seus herdeiros [KK, LL e MM] por decisão de 25/02/2014, notificada via citius a 26/02/2014.
11) Foi realizada nova conferência de interessados em 21/04/2015, onde ocorreu licitação sobre as verbas 14 a 22, tendo o lanço mais elevado sido oferecido pelo interessado e CC AA quanto às verbas 14 a 16, 18 e 22.
Tendo, findas as licitações, sido as partes notificadas para efeitos do artigo 1373º do CC.
12) Apresentou o CC em 22/04/2015 novo requerimento, requerendo – na sequência da notificação para dar a forma à partilha - quanto à avaliação das verbas 12 a 14, que o Sr. Perito proceda à avaliação destas mesmas verbas, considerando o seu valor não só à data da morte do inventariado em 02/05/1979, mas também à data da morte da inventariada em 30/07/2000.
Deferido o requerido e perante os valores apresentados pelo Sr. Perito em 20/08/2015 e novo esclarecimento do mesmo prestado em 05/11/2015, foi ordenado em 25/11/2015 a consideração da avaliação efetuada pelo Sr. Perito para efeitos dos valores a considerar quanto às verbas alvo dessa mesma avaliação, no mapa à partilha a elaborar.
13) Foi elaborado mapa à partilha em 28/03/2019 o qual não mereceu censura.
E em 29/05/2021 foi proferida sentença de homologação de partilha constante do mapa de 28/03/2019.
14) Em 25/06/2021, o CC e mulher apresentam recurso de apelação da sentença mencionada em 13), requerendo a fixação de efeito suspensivo ao recurso. Alegando e a final aduzindo conclusões, nos termos que aqui se deixam reproduzidos:
“Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta sentença homologatória e na sequência do recurso já interposto em 6 de fevereiro de 2013.
Recurso esse que ainda não obteve despacho nem sequer mereceu comentário, apesar de notificado à parte contrária.
Por isso, há que se receber o recurso já nos autos que, pela sua relevância pode trazer prejuízos graves aos Recorrentes dada a influência determinante na partilha.
Mas por uma questão de economia processual os recorrentes consideram aqui reproduzidas as suas alegações apresentadas em 6 de fevereiro de 2013, terão de ser tomadas em conta nesta sede.
Mas mais, considerando que a verba n° 14 - “Campo 1...”, que o Tribunal considerou não se incluir na doação, o que, como se demonstra no recurso interposto, não é aceitável, certo é que nela, foram executadas benfeitorias pelos segundos donatários identificados no requerimento apresentado em 19 de janeiro de 2015, com a referência 18520957.
Ou seja, mesmo que a verba n° 14, venha a ser considerada como não incluída na doação do cabeça de casal, ao seu valor terá de ser abatido, sempre, o valor encontrado para as benfeitorias aí executadas pelos titulares da segunda doação, sob pena de ser imputado a essa verba um valor injusto, prejudicial ao donatário e um enriquecimento ilícito para os não donatários.
Daí que as conclusões apresentadas e que aqui se reproduzem, se mantenham:
a) A escritura de doação contém no seu conteúdo três prédios, um urbano e dois rústicos, como, aliás, é revelador quer na própria doação, quer na descrição predial ... / ... que contém os três prédios;
b) Repare-se que o artigo ... - que consta da doação, ressalta que ele nunca teve descrição e que o mesmo acabou por ser identificado no registo predial com as descrições dos dois campos rústicos;
c) Assim, sendo à doação tem de dar-se o valor que ela encerra, ou seja, a existência de três prédios, sendo que as descrições aí declaradas não dizem respeito ao prédio urbano, mas na são as dos dois prédios rústicos;
d) Em lado algum da reclamação ou do despacho posto em crise se alega a existência de dois Campos de Campo 1..., mas o certo é que o Campo 1... tem descrição autónoma e foi adquirido por escritura autónoma, como tudo se vê da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal e da documentação junta em 09-03-2011.
e) De resto, vê-se, ainda, que o artigo ... urbano só foi levado à matriz em 1953, e que conforme se vê da matriz rústica os artigos ... e ... foram levados à matriz em 1975 mas pertencentes a titulares alheios à herança, enquanto o artigo 325 (verba n° 9) foi nessa data levado à matriz, e declarado pertencer á herança da inventariada, tudo conforme certidões juntas a fls., em 02-03-2011.
f) Assim, o Juiz a quo ao decidir a eliminação do Campo 1... da doação andou em erro ou equívoco manifesto, com prejuízo grave para o donatário e aqui recorrente;
g) Por isso, deve o Campo 1... manter-se como prédio doado e devidamente identificado na escritura da doação, que não foi atacada de erro ou de falsidade e, por isso, não pode o julgador dar-lhe outro sentido que não seja o declarado;
h) Ou se não for esse o entendimento, pelo menos impõe-se que o litigio seja remetido para os meios comuns;
i) Assim, o despacho posto em crise sofre de nulidade por violar os artigos 369° e segs. do Cód. Civil e artigo 668° n° 1 ais. b), c) e d) do Cód. Proc. Civil.
j) Mas, considerando que a verba n° 14 - Campo 1... – sofreu benfeitorias por terceiros - segundos donatários - o seu valor tem de ser levando em conta no valor dessa verba, reduzindo-o como se impõe, sob pena de ocorrer empobrecimento para o donatário e um enriquecimento para os não donatários;
k) O que significa que aqui ocorre nulidade por violação as alíneas a), c) d) do artigo 668°, n° 1 do Cód. Proc. Civil.
NESTES TERMOS deve dar-se provimento aos recursos e anulando-se o despacho recorrido e impondo-se ainda a correção do valor atribuído à verba n° 14 referida, por ser de inteira justiça, e, assim, se fará JUSTIÇA.”
15) Contra-alegou (a herdeira habilitada) LL (em 09/09/2021), em suma pugnando pela manutenção da decisão sobre a relação de bens e sentença final.
16) Em 06/04/2023 foi indeferida a fixação do efeito suspensivo ao recurso interposto.
E consequentemente admitido o recurso interposto pelo CC como de apelação, com subida imediata e nos próprios autos com efeito devolutivo.
17) O tribunal a quo nunca emitiu pronúncia sobre o requerimento de interposição de recurso apresentado em 06/02/2013 e mencionado em 8).
18) Já na pendência do recurso, faleceu o CC, tendo sido habilitados os seus herdeiros por decisão de 22/05/2024 [HH, viúva e II e NN, filhos].
*
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes serem questões a apreciar:
i- se o despacho recorrido sofre de nulidade por violar o disposto nos artigos 369º e segs. do CC e 668º nºs 1 als. b), c) e d) do CPC;
ii- se a verba arrolada pelo CC como verba 14 [na relação de bens inicial identificada como verba 9 – vide ponto 7)] e identificada como “Campo 1...” inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na CRP sob o número ... faz parte dos bens doados ao então CC, para além do outro imóvel descrito no ponto 1) dos factos provados da decisão recorrida e como tal deve ser considerado;
iii- a assim não ser entendido, se o litígio deverá ser remetido para os meios comuns;
iv- ainda, se o valor das benfeitorias efetuadas em tal prédio por terceiros (segundos donatários), identificado como verba 14, tem de ser abatido ao valor da verba arrolada, reduzindo-o.
Para apreciação do assim decidido, importa considerar as vicissitudes processuais acima já elencadas.
Questões prévias.
i- Da lei aplicável.
Tendo o presente inventário sido intentado em abril de 2010, é-lhe aplicável quanto à sua tramitação o regime do CPC anterior [aprovado que foi então pelo DL 44129 de 28/12 de 1961, objeto de diversas alterações desde então, relevando nomeadamente a alteração introduzida pelo DL 329-A/95 de 12/12], por força do disposto no artigo 7º da Lei 23/2013 de 05/03 que aprovou então (para além do mais) o regime jurídico do processo de inventário.
Sendo que só com a entrada em vigor então desta Lei foram revogadas as normas relativas à tramitação do processo de inventário, nomeadamente artigos 1326º a 1392º, 1395º e 1396º, 1404º a 1406º do anterior CPC[1].
Acresce que a Lei 117/2019 que, entretanto, revogou o regime jurídico do processo de inventário aprovado em anexo à Lei 23/2013 e aprovou o regime do inventário notarial, por força do disposto no seu artigo 11º em nada alterou o afirmado quanto à aplicação da lei no tempo e nomeadamente à aplicação a este inventário da tramitação prevista no CPC, na sua redação anterior à alteração de 2013.
Como tal e por força do disposto no artigo 1396º do CPC na redação então vigente, as decisões interlocutórias - como aquela que agora é objeto deste recurso e proferida em janeiro de 2013 - porquanto inseridas na tramitação processual própria do processo de inventário, só com o recurso da sentença de partilha podiam ser impugnadas.
Não obstante e respeitada a tramitação processual específica do regime do inventário, no que respeita às regras do recurso em si, porque interposto já na vigência do atual CPC e tendo por objeto igualmente decisões proferidas já no âmbito da sua vigência – recurso da decisão de 29/05/2021 - são-lhe aplicáveis as regras deste, por força do disposto no artigo 5º nº 1 e 7º nº 1 a contrario da Lei 41/2013.
ii- Do recurso de que se conhece e que foi admitido.
A afirmada aplicação das regras do recurso do atual CPC ao recurso interposto pelo recorrente, tem por referência o recurso de que se vai conhecer, interposto em junho de 2021 pelos recorrentes e pelo tribunal a quo admitido.
Justifica-se este esclarecimento porquanto, tendo os recorrentes interposto recurso da decisão interlocutória em 06/02/2013 logo após a sua notificação, facto é que esse recurso não era então admissível, nessa fase.
Impunha-se que logo o tribunal a quo o tivesse declarado.
Mas na verdade, nem o tribunal o fez, nem os recorrentes então de tal omissão de pronúncia reclamaram. Certamente por estarem cientes de que o momento próprio para a interposição do recurso, era com o recurso a interpor da sentença da partilha. Como acabaram por o vir a fazer.
Assim, aqui se deixa expresso o entendimento da não admissibilidade do recurso interposto em 2013 – por extemporâneo. Sem que desta não admissibilidade se retire uma qualquer consequência em sede tributária, atendendo ao tempo decorrido sem pronúncia sobre tal questão.
iii- Consequências do decidido em ii.
O objeto do recurso é delimitado por via das conclusões, não podendo o tribunal de recurso conhecer de questões que nas mesmas não sejam elencadas – em obediência ao disposto no artigo 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do CPC.
Sendo as conclusões a síntese ou súmula do que foi invocado/exposto/argumentado e/ou justificado no corpo alegatório, entende-se não só que o tribunal ad quem deve conhecer apenas das questões elencadas no recurso, como também não pode o mesmo conhecer de questões que constem das conclusões, mas não tenham sido explanadas no corpo alegatório.
Tal como expressamente prevê o artigo 635º nº 4 acima citado, o recorrente pode nas conclusões de recurso restringir o objeto inicial do recurso, expressa ou tacitamente.
Objeto inicial exposto na alegação de que aquelas são pressuposto – vide artigo 639º nº 1 do CPC.
Implicando que o tribunal ad quem apenas deve conhecer das questões elencadas nas conclusões do recurso, mas que encontram prévia exposição no corpo alegatório.
Restrição (nas conclusões) que é tácita quando “se verifique a falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é, quando apesar da maior amplitude decorrente do requerimento de interposição do recurso e até da sua motivação, o recorrente restrinja o seu objeto através das questões identificadas nas conclusões. Inversamente devem ser desatendidas as conclusões que não encontrem correspondência na motivação”[2]
É o que tanto a doutrina como a jurisprudência têm entendido de forma pacífica, como resulta nomeadamente do Ac. do STJ proferido em 06/06/2018, ali citando, quer jurisprudência quer doutrina no sentido afirmado, por referência à delimitação do objeto do recurso inferido das conclusões, mas de cuja argumentação se retira igualmente o raciocínio inverso – da exigível prévia alegação dos fundamentos do recurso no corpo alegatório, de que as conclusões são a síntese.
Neste sentido, extrai-se do citado Ac. a seguinte referência:
“Para Fernando Amâncio Ferreira[...] “[n]o momento de elaborar as conclusões da alegação pode o recorrente confrontar-se com a impossibilidade de atacar algumas das decisões desfavoráveis. Tal verificar-se-á em dois casos; por preclusão ocorrida aquando da apresentação do requerimento de interposição do recurso, ou por preclusão derivada da omissão de referência no corpo da alegação[3],[4]».
O Tribunal Constitucional também já se pronunciou sobre esta questão, declarando o acolhimento do entendimento de deverem ser desatendidas as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação e sem que seja dada ao recorrente oportunidade de suprir tal omissão, citando ainda “José Alberto dos Reis, segundo o qual a lei, ao exigir «que a alegação conclua pela indicação resumida dos fundamentos, pressupõe necessariamente que antes da conclusão se expuseram mais desenvolvidamente esses fundamentos» (cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra Editora, Reimpressão, Coimbra, 1981, pág. 357).”, para além dos já citados Fernando Amâncio Ferreira e António Abrantes Geraldes – vide Ac. do T. Constitucional nº 462/2016 in tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
Concluindo: “a) não julgar inconstitucional a interpretação conjugada dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, no sentido de que tendo uma questão de inconstitucionalidade sido submetida à consideração do Tribunal da Relação apenas nas conclusões da alegação do recurso, mas não tendo sido explanada no corpo da alegação, deve uma tal questão ser desconsiderada pelo referido tribunal, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tal omissão;”
Valem estes considerandos para assinalar a inadequação dos termos em que os recorrentes deduziram o recurso sob apreciação, remetendo no corpo alegatório para o que antes, em outro recurso, haviam alegado.
Não são admissíveis remissões para articulados anteriores, como fundamento alegatório do recurso interposto e que é admitido para apreciação por este tribunal.
Invocaram os recorrentes a nulidade da decisão recorrida, por violação do disposto nos artigos 369º[5] e segs. do CC e 668º nºs 1 al.s b), c) e d) do CPC;
A convocação por parte do recorrente do previsto no artigo 668º nº 1 als. b) a d) tem em vista o previsto no artigo 615º do CPC na redação conferida após a reforma de 2013 e respeita à nulidade da decisão recorrida (previsão legal anteriormente a 2013 contida no convocado artigo 668º do CPC).
As nulidades invocadas pelos recorrentes têm como pressuposto da sua verificação, a prolação de decisão que:
“b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”-
Estando as nulidades da sentença previstas de forma taxativa no (atual) artigo 615º do CPC é pacificamente aceite que estas respeitam a vícios formais decorrentes “de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito”[6], motivo por que nas mesmas se não incluem quer os erros de julgamento da matéria de facto ou omissão da mesma, a serem reapreciados nos termos do artigo 662º do CPC, quando procedentes e pertinentes, quer o erro de julgamento derivado de errada subsunção dos factos ao direito ou mesmo de errada aplicação do direito[7].
No que ao vício da falta ou insuficiência da fundamentação previsto na al. b) do nº 1 do artigo 615º do CPC concerne, é entendimento dominante na jurisprudência e com apoio na doutrina que a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito, e apenas esta e já não a sua deficiência, em que assenta a decisão, são causa de nulidade da mesma[8].
Já a nulidade por vício da contradição previsto na al. c) do nº 1 do artigo 615º do CPC – sanciona a contradição entre a decisão e seus fundamentos ou a ininteligibilidade/obscuridade da decisão.
Em causa, a verificação de um vício expositivo da decisão alvo de censura. Devendo a decisão ser, num procedimento silogístico, a conclusão lógica deduzida de premissas anteriores, verifica-se o vício da contradição quando os fundamentos antes expostos conduziriam a decisão oposta à seguida. Ou a mesma não for percetível.
Finalmente, a nulidade por omissão ou excesso de pronúncia a que se reporta a al. d) do mesmo nº 1 do artigo 615º, respeita ao não conhecimento [ou conhecimento para além] de todas as questões que são submetidas a apreciação pelo tribunal, ou seja, de todos os pedidos, causas de pedir ou exceções cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo conhecimento de outra(s) questão(ões). Não se confundindo questões com argumentos ou razões invocadas pelas partes em sustentação das suas pretensões.
Encontra este dever a sua consagração legal no disposto no artigo 608º nº 2 do CPC.
Sendo ainda de distinguir questões a resolver (para efeitos do artigo 608º nº 2 do CPC) da consideração ou não consideração de um facto em concreto que e quando se traduza em violação do artigo 5º nº 2 do CPC, deverá ser tratado em sede de erro de julgamento e não como nulidade de sentença [9].
Assim caraterizados os vícios que justificam a sanção da nulidade sobre a decisão que dos mesmos padeça, analisados os argumentos apontados pelos recorrentes para fundamentar os mesmos, no confronto com o teor da decisão recorrida, resulta claro não lhes assistir razão.
A decisão recorrida contém basta fundamentação, exposta pelo tribunal a quo de forma lógica, respeitando na conclusão apresentada as premissas anteriormente expostas, de forma percetível.
O que das alegações de recurso se extrai, é o desacordo dos recorrentes quanto ao decidido.
Mas tal é questão que respeita ao eventual erro de julgamento, a ser apreciado oportunamente. Como tal não enquadrável nem no vício da falta de fundamentação, nem no vício da contradição.
Por último e quanto ao vício da omissão de pronúncia, tão pouco do mesmo padece a decisão recorrida.
Do alegado pelos recorrentes, o putativo vício de omissão de pronúncia da decisão recorrida fundar-se-á na não consideração das benfeitorias que alegam foram realizadas na verba 14 (assim identificada na relação de bens corrigida, inicialmente identificada sob verba 9) já que outro fundamento se não vislumbra do alegado. Verba 14 que por via deste recurso pugnam seja considerada como fazendo parte dos bens doados ao então recorrente AA por escritura realizada em 06/12/66. E assim não sendo que seja então considerado o valor das benfeitorias nele executadas.
Basta uma leitura atenta da decisão recorrida para da mesma se inferir uma expressa pronúncia sobre a questão das benfeitorias e do motivo por que o tribunal a quo entendeu nada ser a considerar na fase em que proferiu a mesma.
O mesmo é dizer que claramente se não verifica a mencionada omissão de pronúncia.
Os recorrentes discordarão do decidido. Mas tal é questão que não respeita, nem é fundamento da arguida nulidade da decisão, desta feita na vertente da omissão de pronúncia. Antes respeitando o invocando a erro de julgamento, a ser apreciado oportunamente.
Concluindo, improcede a pelos recorrentes invocada nulidade da decisão recorrida, com fundamento no previsto no artigo 615º nº 1 als. b) a d) do CPC.
II- Se a verba arrolada pelo CC como verba 14 [na relação de bens inicial identificada como verba 9 – vide ponto 7)] e identificada como “Campo 1...” inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na CRP sob o número ... faz parte dos bens doados ao então CC e como tal deve ser considerado.
Causa do recurso interposto pelos recorrentes é o seu desacordo quanto ao facto de o tribunal a quo não ter considerado procedente a sua pretensão de ver a verba 14 (na relação de bens inicial – verba 9) incluída nos bens doados ao então CC AA por escritura de 1966.
Tal como resulta da decisão recorrida – vide ponto 6 do relatório supra – o tribunal a quo julgou então não provado que:
“8- O prédio relacionado sob a verba nº 9 tenha sido doada o cabeça de casal”.
Para a procedência da pretensão dos recorrentes, era indispensável que este ponto factual da decisão recorrida fosse alterada.
O mesmo é dizer que sobre os recorrentes recaía o ónus de ter validamente impugnado a decisão recorrida, para que nomeadamente a decisão de facto fosse alterada em conformidade, eliminando dos factos não provados o ponto 8) e transpondo para os factos provados a matéria factual que aos recorridos incumbia expressamente ter indicado qual, como necessária à procedência da sua pretensão.
Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao(s) recorrente(s) [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Sendo ainda ónus do(s) mesmo(s) apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede(m) a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que as conclusões têm a função de delimitar o objeto do recurso, conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.
Analisadas, quer as conclusões quer o corpo alegatório, resulta a manifesta não observância dos requisitos exigidos pelas als. a) e c) do nº 1 do artigo 640º, bem como do nº 2. al. a) do mesmo artigo.
Os recorrentes claramente não identificaram nas conclusões quais os pontos factuais que da decisão recorrida impugnavam.
Nem sequer o fizeram no corpo alegatório. Tal como do mesmo não resulta a indicação da alteração a introduzir na decisão de facto – seja quanto aos factos provados, seja não provados.
Ainda e quanto aos meios probatórios, limitaram-se os recorrentes a invocar prova documental. Ignorando a prova testemunhal produzida e gravada, sobre a qual omitiram pronúncia, em clara violação do previsto no nº 2 al. a) deste artigo 640º do CPC.
A não observância dos ónus de impugnação e especificação elencados nas als. a) e c) do nº 1 e no nº 2 do artigo 640º do CPC, é fundamento de rejeição da reapreciação da decisão de facto.
O que assim se decide.
Ainda que assim se não entendesse, nomeadamente perspetivando o fundamento do recurso em violação de regras vinculativas de direito probatório material, nomeadamente em desrespeito pelos factos admitidos por acordo, ou provados por documentos [por referência ao valor probatório de documentos autênticos se entende a convocação por parte dos recorrentes do previsto nos artigos 369º e segs. do CC] ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no artigo 607º n.º 4 do CPC ex vi 663º do CPC – caso em que se imporia o conhecimento oficioso de tal violação, sempre se dirá que tão pouco nesta perspetiva se impõe uma qualquer alteração da decisão de facto.
Na verdade, os recorrentes convocaram diversa prova documental para daí inferir que o denominado Campo 1... descrito sob a verba 14 (antes 9) está integrado na escritura de doação, constituindo (por dele destacado) um prédio autónomo do outro prédio descrito sob a verba 12 (na relação inicial verba 7) e identificado em 1) da decisão recorrida).
Analisando a prova documental oferecida aos autos, da mesma não é possível retirar a conclusão pretendida pelos recorrentes.
Da prova documental oferecida, extraem-se os seguintes elementos:
a) na escritura de doação celebrada em 1966 (a qual constitui o fundamento da questão suscitada pelos interessados) os inventariados declararam doar a seu filho AA, então ainda solteiro, com reserva de usufruto para si doadores:
- o prédio constituído por uma casa de dois pavimentos destinada a habitação e industria, com quintal, incluindo o Campo ... e Campo ..., tudo formando um só prédio, sito no referido lugar ..., a confrontar do Sul com a estrada municipal, do poente com outro prédio dos inventariados e outro, do norte com caminho de servidão e do nascente com GG, inscrito na matriz urbana no artigo ... e[10] na matriz rústica nos artigos ... e ..., descrito na 2ª Secção da 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob os números ... e ...;
- um estabelecimento de padaria para fabrico e venda de pão, de milho e de trigo, instalado no rés-do-chão do referido prédio, com as respetivas licenças e alvarás e todos os utensílios e recheio nele existente;
b) (do requerimento junto em 09/03/2011 extraem-se os seguintes elementos)
. o inventariado, no estado de casado adquiriu em 1941, por escritura pública, o prédio denominado “Campo 1...”, a lavadrio, descrito na CRP sob o nº ... e na matriz sob o artigo ...;
. o inventariado, no estado de casado, adquiriu no ano de 1936, por escritura pública, o prédio denominado Campo ..., a lavradio, descrito na matriz sob o artigo ... e descrito na CRP sob o artigo ...;
c) os prédios descritos em b) foram ambos integrados / anexados e as respetivas descrições inutilizadas por via de tal anexação (vide doc. 4 do requerimento em menção) no prédio descrito na conservatória sob o nº ... conforme av.2 / ap. ... de ambos os prédios;
d) da descrição deste prédio descrito na conservatória sob o nº ... consta, em conformidade que o mesmo é formado pelos antigos prédios inscritos na matriz sob os artigos ... e ... e descritos que estavam na CRP sob os nºs ... e ... (vide doc. 5 do mesmo requerimento), estando inscrito na matriz sob o artigo ....
Sendo que e de acordo com as certidões das Finanças oferecidas ainda com o mesmo requerimento de março de 2011 (doc. 3), em 1953 já estava inscrito na matriz urbana o prédio a que corresponde o artigo ..., com uma descrição de composição similar à do prédio mencionado em 1) dos factos provados da decisão recorrida.
Igualmente do teor do artigo ... junto aos autos por requerimento de 25/10/11 se extrai uma descrição da composição do prédio idêntica à descrição constante do prédio doado e com menção a essa mesma doação em 66.
Destes documentos nada se pode retirar no sentido pretendido pelo recorrente de existir um prédio autónomo – nomeadamente o descrito sob o nº ... e com a matriz predial nº ..., cuja origem / proveniência seja a do prédio descrito na escritura da doação, ou na mesma estivesse incluído.
Bem pelo contrário.
Era aos recorrentes que incumbia aportar a prova do que alegaram, nomeadamente que o prédio relacionado sob a verba nº 9 e descrito como Campo 1... descrito na CRP sob o nº ... e na matriz rústica sob o número ... era prédio incluído também na escritura de doação e que por destaque passou a autónomo do identificado em 1) da decisão recorrida.
O que pelos motivos expostos e em sede documental não está demonstrado.
Não se evidencia, pois, a violação de regras de direito probatório material.
Aos recorrentes/reclamantes incumbia a prova de que a verba que identificaram estava incluída no bem imóvel que lhes fora doado pelos inventariados, por daquele destacada e autonomizada por si em momento posterior.
Motivo por que e nesta perspetiva nenhuma alteração se impõe à decisão recorrida.
No mais e tendo presente o acima já assinalado, quanto à deficiente impugnação da decisão de facto, nada mais nos cumpre analisar.
Implicando a manutenção da decisão de facto.
III) Improcedente esta pretensão, igualmente é improcedente a pretensão de remessa dos interessados para os meios comuns para apreciação desta questão.
Tal pretensão, a ser pertinente, deveria ter sido aduzida oportunamente antes de o tribunal facultar às partes a produção de toda a prova que para o efeito tiveram como pertinente e adequada.
Sem que em momento algum tivessem sequer questionado essa mesma liberdade de instruir os autos em conformidade com o que entenderam necessário e adequado à defesa dos seus interesses. Produzindo as partes a prova que ofereceram, em igualdade de circunstâncias e com recurso a todos os meios de prova legais e admissíveis e que oportunamente aduziram. Tal como a análise dos autos o denota.
O tribunal não teve dúvidas sobre o decidido. Antes apreciou a pretensão dos recorrentes em função da prova produzida, respeitando os ónus de prova.
A pretensão assim formulada é como tal carecida de fundamento legal e improcede.
IV) Resta, por último, apreciar a pretensão relativa às benfeitorias.
Da factualidade provada elencada na decisão recorrida consta que foram realizadas obras no prédio referido em 1) por II e JJ – ou seja na verba identificada sob o nº 7 da relação inicial (vide factos provados 1 e 4 da decisão recorrida) na sequência da doação que a estes foi efetuada por escritura de 11/04/2003.
Então os inventariados já haviam falecido (em 1979 e 2000).
O tribunal a quo justificou a não consideração das benfeitorias em tal prédio com base no previsto no artigo 2109º, por nos termos de tal artigo ser o valor dos bens aferido à data da abertura da sucessão e assim em data anterior à realização dessas mesmas obras.
E a avaliação que foi oportunamente efetuada, inclusive sobre o bem objeto de obras, teve por base precisamente este princípio, conforme determinado pelo tribunal a quo.
Os recorrentes quanto ao valor dos bens fixado na sequência da avaliação elaborada, nada mais suscitaram (vide nomeadamente a decisão de 30/12/2015).
Nesta perspetiva, nenhuma censura merece o decidido.
Acresce justificar-se fazer ainda a seguinte observação: os recorrentes tendo por referência a decisão recorrida proferida em 11/01/2013, reportam-se em sede de recurso a benfeitorias realizadas na verba nº 14 (ou seja, a verba 9 na inicial relação), quando a decisão recorrida se pronunciou sobre obras sim, mas realizadas no prédio doado descrito na inicial verba 7 e não na verba 9 (depois14). Em conformidade aliás com o que o CC declarou nas declarações que prestou (vide requerimento de 28/10/2010) e consta nos factos provados[11].
Assim sendo, a questão agora suscitada pelos recorrentes por referência à verba 14 configura uma questão nova não tratada na decisão recorrida e como tal inadmissível.
Por qualquer uma destas vertentes, sempre a pretensão dos recorrentes improcede.
Com a consequente improcedência do recurso interposto e a manutenção da decisão recorrida.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente mantendo a decisão recorrida.
Custas do recurso pelos recorrentes.
Porto, 2024-07-10
Fátima Andrade
Manuel Domingos Fernandes
Fernanda Almeida
_______________
[1] Recorda-se que a Lei 29/2009 de 29/06 (entretanto revogada pela Lei 23/2013) viu a produção dos seus efeitos adiada por aguardar a publicação da Portaria mencionada no seu artigo 87º nº 1 – vide sobre esta questão Ac. T. Constitucional nº 327/2011 de 06/07/2011.
Quanto ao regime dos recursos, sendo aplicável a lei processual em vigor à data da decisão proferida – vide artigo 7º da Lei 41/2013 de 26/06.
[2] Cfr. Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, p. 135 em anotação ao artigo 635º do CPC.
[3] Realce nosso.
[4] Neste sentido vide Ac. STJ de 06/06/2018, nº de processo 4691/16.2T8LSB.L1.S1 e demais jurisprudência no mesmo igualmente citado.
[5] A referência ao artigo 369º do CC será oportunamente apreciada, porquanto manifestamente respeita a erro na apreciação da prova por alegada violação de regras de direito probatório material.
[6] Cfr. Ac. STJ de 23/03/2017, nº de processo 7095/10.7TBMTS.P1.S1, in www.dgsi.pt
[7] Vide também Ac. STJ de 30/05/2013, nº de processo 660/1999.P1.S1, sobre a distinção entre nulidade da sentença (no caso por oposição entre os fundamentos e decisão) versus erro de julgamento; ainda Ac. TRP de 24/01/2018, nº de processo 19656/15.3T8PRT.P1 sobre a distinção entre erro ou vício da decisão de facto e nulidade de julgamento. Ambos in www.dgsi.pt
[8] Vide neste sentido Ac. TRP de 11/01/2018, Relator Filipe Caroço; Ac. TRL de 03/12/2015, Relator Olindo Geraldes; Ac. TRG de 21/05/2015, Relatora Ana Duarte in http://www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido Francisco Almeida in ob. cit., p. 371; Ac. STJ de 30-09-2010, Relator Álvaro Rodrigues, Ac. STJ de 06/12/2012, Relator João Bernardo e mais recentemente Ac. STJ de 23/03/2017, Relator Tomé Gomes (ambos in www.dgsi.pt/jstj), este último convocando o ensinamento de José Alberto dos Reis in CPC anotado, vol. V, 1981, p. 144-146 sobre a distinção entre erro de julgamento e nulidade de sentença nos seguintes termos (ainda por referência ao anterior 664º do CPC, hoje artigo 5º do CPC e no caso considerando o excesso de pronúncia, mas aplicável por identidade de razões à omissão): “(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.»
[10] Conforme da mesma escritura consta, em tempo foi ainda aditado que o prédio doado, para além da inscrição na matriz urbana ..., tinha também inscrição na matriz rústica sob os artigos ... e ..., conforme certidões das Finanças que então foram presentes à Sra. Notária que declarou as mesmas ter verificado e arquivado. Prédio este descrito na CRP sob os artigos ... e ....
[11] Embora no seu requerimento de 19/01/2015, quando a decisão alvo de recurso já tinha sido proferida, tenha vindo alegar coisa diversa.