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ACUSAÇÃO
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
IRREGULARIDADE
PODERES DO JUIZ
CELERIDADE PROCESSUAL
Sumário
I - Existindo dúvidas sobre a notificação da acusação ao arguido (feita por via postal simples com prova de depósito), e mesmo que se considere que o ato praticado o foi à revelia do disposto no artigo 283º, nº 6, do C. P. Penal, tal não configura a existência de qualquer nulidade, constituindo, isso sim, uma irregularidade (artigo 123º, nº 2, do C. P. Penal). II - Uma vez que essa situação afeta o espaço de garantia de direitos fundamentais do arguido (a possibilidade de o arguido reagir à acusação deduzida), o Juiz deve intervir oficiosamente, ordenando a reparação da apontada irregularidade. III - O Juiz não tem o poder de determinar que o Ministério Público repare a irregularidade em causa, devendo, isso sim, o Tribunal, oficiosamente, proceder à sua correção, porquanto assim o reclamam os princípios da economia e celeridade processuais. IV - Estando os autos na esfera de apreciação do Juiz, para designar data para julgamento, e sendo este competente para apreciar a irregularidade da notificação da acusação ao arguido, é também da competência do Juiz a ordem para o seu suprimento, a qual apenas poderá ser cumprida pelos serviços administrativos que lhe devem obediência.
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
I. RELATÓRIO
A –
Nos presentes autos de Processo Comum Singular, com o nº 10/20.1GABNV, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Benavente – Juiz 1, recorre o Ministério Público do despacho proferido em 19-09-2023, pela Mmª Juiz nos presentes autos, que declarou: “A não observância dos procedimentos de notificação legalmente previstos consubstancia uma irregularidade de conhecimento oficioso que põe em causa o direito de defesa do arguido (artigo 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal). O arguido não teve como conhecer a acusação que lhe é deduzida por parte do Ministério Público, não se tendo cuidado em notifica-lo na morada que indicou para o efeito e tendo inclusivamente sido devolvida a carta que lhe foi expedida para uma segunda morada indicada no seu TIR (que não é mencionada para efeitos de notificação). Pelo exposto, ordena-se a devolução dos autos ao Ministério Público (DIAP Benavente) para eventual sanação da irregularidade indicada.”
Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público interpôs o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões (transcrição):
1. Nos presentes autos, após ser deduzida acusação, foi determinada a notificação da mesma ao arguido, nos termos do disposto no artigo a notificação efetuada ao arguido, foi remetida para a morada (em Portugal) foi devolvida com menção “correspondência voltou ao circuito postal”.
2. Consta da prova de depósito que a “carta” foi depositada no dia 09-02-2023 no recetáculo.
3. Face ao exposto, o M.P. titular entendeu que, não obstante a notificação ter sido devolvida com a menção de depois de depositada no recetáculo da morada indicada no TIR, ter voltado ao circuito postal, o arguido quando prestou TIR foi advertido que, - conforme artigo 196º/3/c) de que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada em 2, exceto se o arguido comunicar uma outra à secretaria onde os autos se encontrassem e, por isso, o arguido encontra-se regularmente notificado o arguido. Tendo ordenado a remessa dos autos à distribuição para julgamento.
4. Foi proferido, pela Mma. Juiz em 19-09-2023, (referência CITIUS 94265027), despacho nos presentes autos que julgou verificada a irregularidade da notificação do despacho de acusação efetuado ao arguido e determinou, em consequência, a remessa dos autos ao Ministério Público em ordem à sua reparação. É este o despacho recorrido, e cujo os argumentos nele contidos, não sufragamos.
5. Entendemos que tendo o arguido sido advertido que as notificações seriam doravante, efetuadas por via postal simples, estava ciente de que tal apenas seria equacionável para uma morada nacional. Aderirmos ao entendimento segundo o qual a morada do TIR deverá ser em Portugal.
6. 6. Assim sendo, consideramos forçoso concluir que o arguido se encontra regularmente notificado da acusação proferida, já que a notificação em causa foi enviada para a morada do TIR, tendo a mesma vindo devolvida, por motivo exclusivamente imputável ao próprio arguido.
7. A não ser assim, sairia esvaziada de conteúdo e de efeito prático a alteração legislativa realizada pelo D.L. nº 320-C/2000 de 15-12, consistente na possibilidade de prosseguimento dos autos até julgamento, inclusive à revelia, desde que o arguido tenha validamente prestado TIR, como é o caso, sendo representado pelo seu defensor.
8. O próprio preâmbulo daquele Decreto-lei 320-C/2000, se pode ler o seguinte: “Nestas situações não se justifica a notificação do arguido mediante contacto pessoal ou via postal registada, já que, por um lado, todo aquele que for constituído arguido é sujeito a termo de identidade e residência (artigo 196º, nº 1), devendo indicar a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha. Assim sendo, como a constituição de arguido implica a sujeição a esta medida de coação, justifica-se que as posteriores notificações sejam feitas de forma menos solene, já que qualquer mudança relativa a essa informação deve ser comunicada aos autos, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento.”, o qual espelha bem a intenção do legislador.”
9. Mas ainda que se aquiescesse nesta parte quanto à eventual necessidade de notificação do arguido para a morada inglesa por este indicada no mesmo TIR, de forma anómala, - mas que não é o caso - sempre se diria que caso se verificasse uma irregularidade, nos termos do disposto no artigo 123º do Código de Processo Penal, na omissão da notificação da acusação ao arguido, a verdade é que a Mm.ª Juiz não só conheceu da mesma oficiosamente, como determinou a remessa destes autos ao Ministério Público, para sanação da irregularidade constatada.
10. Na verdade, tratando-se de uma mera irregularidade entendemos que a mesma não é de conhecimento oficioso e depende de arguição pelo interessado no prazo de 3 (três) dias, já que a omissão da notificação da acusação ao arguido «não afecta as suas garantias de defesa, já que, chegado o processo à fase de julgamento, e tendo o Tribunal conhecimento do paradeiro do arguido, sempre seria notificado da acusação – podendo então requerer a instrução, no prazo normal para o efeito.
11. Estamos, assim, perante uma irregularidade com previsão no nº 1 do art. 123º do Cód. Proc. Penal, e não no nº 2. Desta forma, a falta de notificação da acusação do Ministério Público ao arguido constitui uma irregularidade que tem de ser arguida pelos interessados no prazo de 3 dias, não sendo de conhecimento oficioso (neste sentido, cfr. o Acórdão do TRE, de 14-04-2009, in CJ XXXIV, tomo II, p. 294) » – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-02-2013 (Processo nº 406/10.7GALNH-A.L1-5).
12. Contudo, ainda que se entendesse que a notificação da acusação efetuada ao arguido tinha sido omitida, tal omissão consubstanciaria uma mera irregularidade que, por não afetar os direitos do arguido, não é de conhecimento oficioso, dependendo de arguição pelo interessado no prazo de 3 (três) dias – cfr. artigo 123º, nº 1 do Código de Processo Penal, pelo que estava vedado o seu conhecimento pela Mm. ª Juiz.
13. Por outro lado, ainda que se considerasse que estamos perante uma irregularidade de conhecimento oficioso (cfr. artigo 123º, nº 2 do Código de Processo Penal), à Mm.ª Juiz estava vedado anular o despacho do Ministério Público que considerou regularmente notificado arguido e muito menos, ordenou a remessa dos autos à distribuição para julgamento, estando-lhe igualmente vedado determinar a remessa/devolução dos autos ao Ministério Público para sanação da irregularidade que a própria conheceu.
14. Vide a este propósito com grande interesse o atual Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo 535/22.4GESLV.A.E1, de 18-04-2023, que a respeito da remessa dos autos para o M.P. faz apelo à “máxima da economia processual, entendida como a proibição da prática de atos inúteis / supérfluos / desnecessários / estéreis, o qual impõe a todos que evitem / abstenham / atalhem a prática de passos que não surtindo o menor efeito na substância / mérito do processo, apenas encerram o puro efeito de o complicar / emaranhar / protelar, com acolhimento no artigo 130º do CPCivil, não tendo normação direta equivalente no CPPenal, tem aqui aplicação por força do plasmado no seu artigo 4º.” e também que “Podendo o juiz ordenar ex officio a reparação / correção de qualquer irregularidade, não tem o mesmo o poder de determinar que o Mº Pº a repare, sendo que de todo o regime consignado no artigo 123º do CPPenal, tendo o tribunal, oficiosamente, detetado a irregularidade, não está o mesmo impedido, antes o reclamam os princípios da economia e celeridade processuais, de a reparar / corrigir, sem necessidade de dar sem efeito a distribuição e de ordenar a remessa dos autos aos serviços do Ministério Público para que o fizesse. VI – Estando os autos na esfera de apreciação do juiz para designar data para julgamento, e sendo este competente para apreciar a irregularidade de notificação da acusação aos arguidos, é também da competência do juiz a ordem para o seu suprimento, a qual apenas poderá ser cumprida pelos serviços administrativos que lhe devem obediência.” E “ao princípio da economia processual e ponderando a máxima da celeridade, estando o processo no domínio do juiz, nada ressaltando da lei que o proíba de o fazer (…) que se determine a imediata reparação do vício, evitando-se delongas com devoluções, baixas de distribuição, recursos e, consequentemente a prática de atos inúteis sem qualquer vantagem / peso / interesse na realização da justiça material”.
15. Entendimentos que, subscrevemos e que se adequam bem face à realidade vivenciada nos dias de hoje nos Tribunal (e serviços do M.P.) com a sobejamente conhecida falta de funcionários e a inerente necessidade de reduzir e adequar processos e procedimentos.
16. Com efeito, a ordem da Mm.ª Juiz “a quo” tendo em vista reparação da mencionada irregularidade jamais poderá ser dirigida ao Ministério Público que, por ser uma magistratura autónoma, não está sujeita ao cumprimento de quaisquer ordens emanadas pela Mm.ª Juiz, dispondo antes de uma hierarquia própria.
17. Deste modo, as diligências tendentes à reparação da irregularidade conhecida pela Mm.ª Juiz deverão ser realizadas pelos serviços do Juízo onde exerce funções, sendo ilegal e inconstitucional, por violar os princípios do acusatório e da autonomia do Ministério Público, a ordem para devolução dos autos ao Ministério Público com vista à reparação da irregularidade conhecida pela Mm.ª Juiz “a quo”.
18. Destarte, porque o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 123º; 311º e 312º do Código de Processo Penal, bem como os artigos 32º e 219º da Constituição da República Portuguesa, - o que se invoca - deverá ser concedido provimento ao presente recurso, (1) revogando-se a decisão recorrida, e determinando-se ainda que o despacho recorrido seja substituído por outro que (2) receba a acusação deduzida pelo Ministério Público (por se considerar regularmente notificado o arguido, não o tendo sido, por não estar em causa qualquer irregularidade de conhecimento oficioso, carecendo ao invés, de ser invocada pelo interessado), ou,
19. (3) Caso se considere que o arguido não está regularmente notificado, e que existe a assinalada irregularidade e que é conhecimento oficioso, (4) substituir o despacho recorrido por outro despacho que determine a reparação dessa irregularidade pela secretaria do Juízo Local Criminal de Benavente – J1.
Porém, V. Exas. farão, como sempre inteira e acostumada Justiça.
Inexistem respostas ao recurso interposto.
Neste Tribunal da Relação de Évora, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta limitou-se a acompanhar a fundamentação do recurso interposto, pugnando pela sua procedência.
Procedeu-se a exame preliminar.
Cumpridos os vistos legais, foi realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
B –
O despacho de 19-09-2023, ora recorrido, encontra-se fundamentado nos seguintes termos (transcrição):
“Compulsados os presentes autos remetidos a distribuição para julgamento, constata-se que:
- O arguido C foi constituído como tal e prestou Termo de Identidade e Residência a fls. 17 e 18;
- De tal TIR consta que:
Morada para notificação – Descritivo: (…………..), País: Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.
- Decorre do simples compulsar dos autos que o arguido se encontra a residir em Inglaterra, Londres, motivo pelo qual indicou a morada supra no seu TIR para efeito de notificação, morada aliás para onde lhe foram sendo expedidas notificações durante o inquérito, com exceção da notificação referente ao despacho de acusação;
- Nos autos foi deduzido despacho de acusação a 10-11-2022, tendo sido expedida notificação do arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 277º, nº 3 ex vi artigo 283º, nº 5 do Código de Processo Penal para morada que figura do TIR mas que não foi indicada pelo arguido como a morada tendente às suas notificações, fácil sendo de concluir que o mesmo não foi notificado na morada que indicou como sendo a correspondente ao seu efetivo local de residência, ademais se constatando que a carta expedida contém a expressa menção de que “já não reside nesta morada”.
*
Por tal, atento o circunstancialismo exposto, vislumbra-se que o arguido não se encontra regularmente notificado da acusação que contra si foi deduzida, o que se impõe, não tendo sido notificado na morada que consta do respetivo TIR para o efeito e não tendo sido sequer encetadas as diligências necessárias tendentes a tal notificação, constatando-se que o processo foi prematuramente remetido à distribuição para julgamento.
De harmonia com o disposto nos artigos 283º, nº 5 e 277º, nº 3 do Código de Processo Penal, o processo apenas deve prosseguir para julgamento quando se tenham revelado ineficazes os procedimentos tendentes à notificação pessoal da acusação ao arguido.
Donde, não podiam os autos ser remetidos a julgamento sem, pelo menos, se tentar a notificação pessoal na efetiva morada indicada pelo arguido como a morada onde pretende ser notificado, sendo que nenhuma razão de urgência é aludida que imponha a postergação de tais procedimentos legalmente impostos.
A não observância dos procedimentos de notificação legalmente previstos consubstancia uma irregularidade de conhecimento oficioso que põe em causa o direito de defesa do arguido (artigo 123º, nº 2, do Código de Processo Penal).
O arguido não teve como conhecer a acusação que lhe é deduzida por parte do Ministério Público, não se tendo cuidado em notifica-lo na morada que indicou para o efeito e tendo inclusivamente sido devolvida a carta que lhe foi expedida para uma segunda morada indicada no seu TIR (que não é mencionada para efeitos de notificação).
Pelo exposto, ordena-se a devolução dos autos ao Ministério Público (DIAP Benavente) para eventual sanação da irregularidade indicada.
Dê baixa”.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1 - Âmbito do Recurso
De acordo com o disposto no artigo 412º, do Código de Processo Penal e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19-10-95, publicado no D.R. I-A de 28-12-95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo nº 07P2583, acessível em www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.
Assim, vistas as conclusões do recurso interposto, verificamos que a questão suscitada é a seguinte:
- A revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que receba a acusação deduzida pelo Ministério Público (por se considerar regularmente notificado o arguido ou, não o tendo sido, por não estar em causa qualquer irregularidade de conhecimento oficioso, carecendo ao invés, de ser invocada pelo interessado), ou, caso se considere que o arguido não está regularmente notificado, e que existe a assinalada irregularidade e que é de conhecimento oficioso, substituir o despacho recorrido por outro despacho que determine a reparação dessa irregularidade pela secretaria do Juízo Local Criminal de Benavente – J1.
2 - Apreciando e decidindo:
A questão em discussão é eminentemente jurídica e de fácil resolução, atenta a jurisprudência recente do Tribunal da Relação de Évora, constante do Processo nº 535/22.4GESLV-A.E1, de 18-04-2023, em foi relator o Juiz Desembargador Carlos Campos Lobo, e que vai no sentido apontado no recurso interposto.
Nos presentes autos, trata-se de um cidadão português que indicou uma morada no TIR que prestou e uma outra no estrangeiro, mais concretamente no Reino Unido, para notificação.
Decorre do disposto no artigo 113º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, que as notificações efectuam-se mediante via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos, constando do artigo 196º, nº 2, que o TIR tem por efeito ser o arguido notificado por via postal simples, nos termos da alínea c) do nº 1, do artigo 113º, na residência indicada pelo arguido, no local de trabalho ou em outro domicílio à sua escolha.
No presente caso, resulta que no TIR prestado pelo arguido consta uma morada em território português e uma outra morada denominada para notificação, que não se encontra prevista no artigo 196º, pois a morada aí prevista apenas tem efeitos para a notificação do prestador de TIR e não para qualquer outro efeito.
Contudo, dada esta especificidade do TIR em causa, surge efectivamente a questão relativa à morada a adoptar para a notificação do arguido via postal, nos termos do artigo 113º do Código de Processo Penal, tendo o Ministério Público optado pela constante do TIR e remetido os autos para julgamento, dando por finda a fase de inquérito, e o juiz de julgamento a quem os mesmos foram distribuídos, entendendo existir uma irregularidade de conhecimento oficioso que põe em causa o direito de defesa do arguido (artigo 123º, nº 2, do Código de Processo Penal), determinou a devolução dos autos ao Ministério Público (DIAP Benavente) para eventual sanação da irregularidade indicada.
Assim, nos termos já referidos, adota-se a jurisprudência deste Tribunal da Relação de Évora, a que aderimos pela sua razoabilidade e bem ponderada e fundamentada posição, passando a transcrever a mesma decisão para todos os efeitos:
“Com efeito, estando em causa uma situação passível de afetar / diminuir o espaço de garantia de direitos fundamentais, como seja o reagir atempada e prontamente a uma acusação e, nessa medida, esta ter que chegar devidamente ao seu destinatário, crê-se que se trata de situação em que o julgador deve intervir oficiosamente por não ter havido arguição tempestiva.
Alinhe-se, então, a ponderação considerando o entendimento de que se perfila a previsão do artigo 123º, nº 2 do complexo normativo em referência, ou seja, que se mostra desenhado, o vício da irregularidade tal como foi entendido pelo tribunal recorrido e aceite e (sufragado) pelo recorrente.
Face a tal, e tendo o tribunal recorrido conhecido oficiosamente tal mácula, cumprirá apurar qual a consequência a retirar.
Desde logo, parecendo questionável o procedimento tido pelo tribunal recorrido quanto à forma / modo de ação pois, ao que se pensa, o juiz na fase de julgamento não pode conhecer irregularidades cometidas pelo Ministério Público no inquérito (…) outro entendimento prejudicaria, respectivamente, o poder constitucional do MP de direcção do inquérito e, (…), em certas circunstâncias, poria em causa a estrutura acusatória do processo e a separação funcional e orgânica que lhe está implícita, entende-se como claro que podendo o juiz ordenar “ex officio” a reparação / correção de qualquer irregularidade, não tem o mesmo o poder de determinar que o MP a repare.
Por seu turno, retira-se de todo o regime consignado no artigo 123º do CPPenal , ao que se entende, que tendo tribunal, oficiosamente, detetado a irregularidade, não está o mesmo impedido, antes o reclamam os princípios da economia e celeridade processuais, de a reparar / corrigir, sem necessidade de dar sem efeito a distribuição e de ordenar a remessa dos autos aos serviços do Ministério Público para que o fizesse.
Com efeito, constatada uma irregularidade que afete o valor do ato, como parece ser o caso, poderá ser a mesma corrigida / ultrapassada oficiosamente pela autoridade judiciária competente para aquele ato, enquanto mantiver o domínio dessa fase processual, pelo que, estando os autos já em fase de julgamento e não na fase de inquérito no momento da deteção, parece que caberia ao tribunal agir e não proceder como fez, ou seja, devolver os autos ao MP
Ou seja, uma vez que os autos estão na esfera de apreciação do juiz para designar data para julgamento, e sendo este competente para apreciar a irregularidade de notificação da acusação aos arguidos, é também da competência do juiz a ordem para o seu suprimento, a qual apenas poderá ser cumprida pelos serviços administrativos que lhe devem obediência.
Por seu turno, apelando ao já afirmado princípio da economia processual e ponderando a máxima da celeridade, estando o processo no domínio do juiz, nada ressaltando da lei que o proíba de o fazer, e tratando-se de um processo de natureza urgente, recomendam a cautela / ponderação / razoabilidade, que se tivesse determinado a imediata reparação do vício, evitando-se delongas com devoluções, baixas de distribuição, recursos e, consequentemente a prática de atos inúteis sem qualquer vantagem / peso / interesse na realização da justiça material.
Ante o expendido, é-se de parecer que o recurso merece provimento” - citado Processo nº 535/22.4GESLV-A.E1, de 18-04-2023.
Sem custas, atenta a procedência do recurso.
III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
- Julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar o despacho recorrido e determinar a substituição por outro, que ordene aos próprios serviços a reparação da irregularidade em causa, seguindo-se os regulares termos do processo em função do que vier, ou não, a ser requerido na decorrência da notificação em falta.
Sem custas, atenta a procedência do recurso.
Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente Acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários.
Évora, 11-07-2024
Fernando Pina
Renato Barroso
Filipa Costa Lourenço