PENHORA DE DIFERENTES IMÓVEIS EM DIFERENTES EXECUÇÕES FISCAIS
PLURALIDADE DE EXECUTADOS
PENHORA DE BENS NUMA ÚNICA EXECUÇÃO COMUM
SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
Sumário


I  - Estando penhorados diferentes imóveis, em diferentes execuções fiscais, contra diferentes executados, e tendo os mesmos sido subsequentemente penhorados numa única execução comum, existindo obstáculos dificilmente ultrapassáveis pela Administração Tributaria à venda separada dos prédios naquelas execuções, não deve  manter-se  a sustação da  execução comum nos termos do nº 1 do art. 794.º do CPC, sob pena de  violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade (art 18º/2 da CRP), da garantia do direito à propriedade privada (art 62º/ 1 da CPR), e  do acesso à justiça (art 20º/1, 4 e 5 da CRP), antes se admitindo a prossecução desta  execução com a citação  da Autoridade Tributária para reclamar nela os seus créditos, para que venham a ser  oportunamente graduados no lugar que lhes competir e com a subsequente venda conjunta dos prédios  penhorados.

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I -  Na execução para pagamento da quantia de € 46 370,85, em que são exequentes AA, BB e CC, e executadas, R..., Unipessoal Lda, e C... Unipessoal Lda, execução essa que se mostra pendente no Juízo de Execução do Soure, foram penhorados os seguintes imóveis (os três primeiros pertencentes à “R...”, e o quarto a “C...”):

- prédio rústico composto de pinhal, com área de duzentos e sessenta metros quadrados, situado em “...”, na freguesia ..., conselho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...62, na freguesia ..., conselho de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...59, tendo a penhora em causa sido registada pela ap. ...99 de 12/9/2018, pela quantia exequenda de  €14.504,40;

 - prédio rústico composto de pinhal, com área de seiscentos metros quadrados, situado em “...”, na freguesia ..., conselho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...63 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...60, tendo a penhora em causa sido registada provisoriamente e por natureza ao abrigo do art 92º/2 al b) do CRP, pela Ap. ...7 de 2018/09/11;

- prédio rústico composto de pinhal, com área de quinhentos e oitenta metros quadrados, situado em “...”, na freguesia ..., conselho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...64 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...11, tendo a penhora em causa sido registada pela ap.  ...55 de 11/9/2018,  pela quantia exequenda de € 14.504,40;

- e o prédio urbano, composto de pavilhão destinada a armazém e actividade industrial, com a área de quatro mil cento e trinta metros quadrados, situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...30, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o ...43,  tendo a penhora em causa sido registada pela ap. ...99 de 26-9-2018, pela quantia exequenda de  € 2.983,86.

Verificando-se que tais prédios haviam sido penhorados anteriormente, os três primeiros, na execução fiscal com o n.ºs ...29 e apensos, em que é executada R..., Unipessoal, Lda, e o quarto, na execução fiscal nº ...95 e apensos,  em que é executada C... Unipessoal, Lda, foram os presentes autos sustados em 09/10/2020, vindo, após, em 22/04/2021, a ser extintos, nos termos do art.794º/ 4 do CPC.  

Os aqui exequentes, em 27/10/2020, procederam à reclamação dos seus créditos, nos acima referidos processos das primeiras penhoras, encontrando-se os dois processos, desde então, parados, não obstante as insistências dos aqui exequentes para que as mesmas prosseguissem para a venda dos prédios

 Fruto dessas insistências e reuniões com a Administração Tributária, esta, por informação datada de 24/03/2023, expôs as razões quanto a não marcação das venda(s) do(s) prédio(s), relevando-se aqui o seguinte:

«(…) Tendo em conta tudo o que antecede, nomeadamente os seguintes factos:

 -A realidade física em causa abrange quatro prédios, sendo que um deles não se encontra com penhora a favor da FN;

- Os três prédios que estão penhorados a favor da FN pertencem a executados diferentes: dois pertencem à executada R...   e  o outro à executada  C...;

- O conjunto do património encontra-se vedado e não individualmente delimitado;

- Não existe certeza, sequer relativa, sobre qual a localização (extremas//vértices) e as efectivas áreas dos prédios em causa;

-É plena convicção deste Serviço que não se encontram reunidas as condições mínimas tendentes à marcação da venda de qualquer um dos três prédios penhorados a favor da FN, por falta de identificação concreta, objectiva, segura e sem margem para dúvidas, do objecto da venda;

- Na hipótese de se avançar para a marcação de três vendas – uma por cada um dos prédios penhorados -  tal poderia conduzir a uma situação, provável e não descartável,  de culminar na adjudicação a três adquirentes distintos, não trazendo esse desfecho a resolução do problema de fundo para nenhum deles – identificação concreta do objecto da venda – podendo incorrer, inclusive, estes Serviços numa situação que poderia ser, eventualmente, entendida como actuação de má fé, uma vez que a “problemática” é já, a montante, conhecida».

Dessas razões deram os exequentes conhecimento nos presentes autos, por  requerimento  de 15/03/2023 , em que concluíram e requereram:

“(…) Termos em que requerem a V. Exa. que se digne: i) notificar, desde logo, o Serviço de Finanças ... para se pronunciar quanto ao impedimento técnico aqui arguido e consequente falta de andamento processual dos processos de execução fiscal n.ºs ...29 e apensos e n.º ...95 e apensos; caso então se confirme a situação ora explanada, ii) providenciar pela renovação dos presentes autos de execução, ordenando, pois, o levantamento da sustação e o prosseguimento dos mesmos, impondo-se, neste caso, que seja promovida a citação da Autoridade Tributária para reclamar o seu crédito (art.º 786.º, n.º 1, alínea b), do CPC), o que a suceder determinará que seja oportunamente graduado no lugar que lhe competir (art.º 791.º do CPC).”

No seguimento desse requerimento, o Tribunal a quo solicitou esclarecimentos à Administração Tributária, vindo a  proferir despacho em  15/05/2023, decidindo que:

«(…)Por todo o exposto, não existindo certeza, mesmo relativa, quanto à localização (extrema e vértices) e as efetivas áreas dos prédios em causa, não se mostram reunidas as condições legais, primeiro, para se renovar a instância executiva, através do levantamento da sustação, que não possui cobertura legal (o óbice para a não concretização da venda não se prende com o n.º 2 do artigo 244.º do CPPT), quanto a 3 dos imóveis penhorados, e, em segundo, para se avançar para a fase da venda, desligado dos outros três prédios».

Os exequentes  requereram a aclaração do despacho em causa, entendendo que o mesmo enfermava de  ambiguidade ou obscuridade, chamando a atenção para o facto da Administração Tributária (AT) ter  evidenciado que, “Não existe certeza, sequer relativa, sobre qual a localização (extrema/vértices) e as efetivas áreas dos prédios em causa”, e ter explicado, adjacentemente, que, “É possível verificar que a realidade física é composta por edificações e logradouro, que formam um conjunto perfeitamente delimitado, uma vez que se encontra vedado com muro em todo o seu perímetro e com um portão frontal de acesso, e que esse conjunto é composto pelos três artigos rústicos e pelo artigo urbano anteriormente referidos, sendo que, todos os prédios rústicos se encontram a norte do prédio urbano e que o conjunto se localiza a poente da estrada», «pelo que a venda conjunta da realidade predial em causa nos presentes autos, ao contrário da separada nas duas execuções fiscais, constituiria uma forma forma de ultrapassar todo este impasse», solicitando do Tribunal recorrido que obtivesse melhores informações da Administração Tributária «para, de forma objetiva, vir informar os autos se a situação reportada poderia ser vendida numa venda em conjunto de todo o património, e se sim, qual a razão clara para que as Finanças não promovam tal venda”.

 O Tribunal recorrido oficiou a AT, nos termos requeridos, tendo esta esclarecido do seguinte modo:

“No seguimento da solicitação constante do ofício que acompanhou a mensagem de correio eletrónico abaixo transcrita, e que nos mereceu a melhor atenção, informa-se que a impossibilidade de marcação das vendas se prende, de facto, com a circunstância de não ser possível a promoção de uma venda em conjunto de todos os prédios em causa, tal como melhor explanado na comunicação n.º 2023S000071121 dirigida, em 11/04/2023, a esse Tribunal»  E posteriormente esclareceu:

No seguimento do solicitado nos V/ ofícios nº 92063490 de 08/09/2023 e no 92330896 de 09/10/2023, os quais nos mereceram a melhor atenção, somos a informar que estes serviços tiveram conhecimento, efetivo, das desconformidades entre o teor da matriz predial e a realidade física existente, por altura da verificação, no local, por perito avaliador, no seguimento do procedimento inerente à avaliação oficiosa do prédio urbano n....30 da freguesia ..., o qual veio a ocorrer em finais do ano de 2021.

Mais se informa que os processos de execução fiscal, no âmbito dos quais foi efetuada a penhora dos imóveis em causa (...29, ...63 e apensos, ...95, ...39, ...50 e apensos), se mantêm com dívida ativa, razão pela qual, tendo em vista acautelar os superiores interesses da Fazenda Publica, é entendimento deste serviço que as referidas penhoras se deverão manter.

De harmonia com o n.º 2 do artigo 235º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), "A penhora não será levantada qualquer que seja o tempo por que se mantiver parada a execução, ainda que o motivo não seja imputável ao executado”.

Foi então proferido o seguinte despacho:

« (…) «Através de pedido de esclarecimentos, a A.T. veio, em 16-10-2023, referir (…).

 Nessa sequência, os exequentes voltaram a solicitar a renovação dos presentes autos de execução e o levantamento da sustação, determinando-se a citação da Autoridade Tributária para reclamar o seu crédito (art.º 786.º, n.º 1, alínea b), do CPC) o que a suceder determinará que seja oportunamente graduado no lugar que lhe competir (v. art.º 791.º do CPC).

 A executada não se pronunciou.

Apreciando.

Nestes termos, não sendo intuito da A.T. proceder ao levantamento da penhora no âmbito das execuções fiscais pendentes, nem autorizar ou permitir que a venda conjunta ocorra nesta execução comum, perante os elementos recolhidos, não se afigura existir, salvo o devido respeito por opinião oposta, motivos legais para se alterar o despacho proferido em 15 de maio de 2023, que se mantém e que aqui se reproduz a parte final:) “ Por todo o exposto, não existindo certeza, mesmo relativa, quanto à localização (extremas e vértices) e as efetivas áreas dos prédios em causa, não se mostram reunidas as condições legais, primeiro, para se renovar a instância executiva, através do levantamento da sustação, que não possui cobertura legal (o óbice para a não concretização da venda não se prende com o nº 2 do artigo 244º do CPPT), quanto a 3 dos imóveis penhorados, e, em segundo, para se avançar para a fase da venda, desligado dos outros três prédios. Notifique».

II – É deste despacho que os aqui exequentes apelam, tendo concluído as respectivas alegações nos seguintes termos:

I - Por douto despacho datado de 13.01.2024 foi indeferido o pedido de prosseguimento da ação executiva, sustada quanto aos imóveis penhorados nos autos por força da existência de penhora registada a favor de Processo de Execução Fiscal, embora se tenha demonstrado que o Serviço das Finanças respetivo se encontra impedido de promover a venda dos referidos prédios– por questões que se prendem com: a) a realidade física em causa abrange quatro prédios, sendo que um deles não se encontra com penhora a favor da Fazenda Nacional; b) os três prédios que estão penhorados a favor da Fazenda Nacional pertencem a executadas diferentes: dois pertencem à executada R..., Lda. e outro à executada C... Unipessoal, Lda.; c) o conjunto do patrimónios encontra-se vedado e não individualmente delimitado; d) Não existe certeza, sequer relativa sobre qual a localização (extremas/vértices) e as efetivas áreas dos prédios em causa.

II. A questão suscitada no âmbito do presente recurso consiste, em saber se, estando penhorado os mesmos imóveis primeiramente em execução fiscal e com segunda penhora registada a favor de execução comum, como sendo nos presentes Autos de recurso, e não podendo os bens em causa serem vendidos no Processo de Execução Fiscal, em virtude de questões concretas de impossibilidade de venda no âmbito desse processo, deve ou não manter-se a sustação da venda na execução comum, nos termos do n.º 4 do art. 794.º do CPC, quando ficaram demonstradas que no âmbito da execução comum tal impossibilidade de venda não se levantaria.

III. O Tribunal a quo fundamenta a sua decisão na premissa de que «(…) não sendo intuito da A.T. proceder ao levantamento da penhora no âmbito das execuções fiscais pendentes, nem autorizar ou permitir eu a venda conjunta corra nesta execução comum, perante os elementos recolhidos, não se afigura existir, salvo o devido respeito -  por opinião oposta, motivos legais para se alterar o despacho proferido em 15 de maio de 2023, que se mantém e que se reproduz a parte final: “ Por todo o exposto, não existindo certeza, mesmo relativa, quanto à localização (extrema e vértices) e as efetivas áreas dos prédios em causa, não se mostram reunidas as condições legais, primeiro, para se renovar a instância executiva, através do levantamento da sustação, que não possui cobertura legal (o óbice para a não concretização da venda não se prende com o n.º 2 do artigo 244.º do CPPT), quanto a 3 dos imóveis penhorados, e, em segundo, para se avançar para a fase da venda, desligado dos outros três prédios”».

 IV. Porém com tal entendimento não poderão os ora Recorrentes concordar.

V. Na verdade, a Administração Tributária confirma nos esclarecimentos prestados nos autos que as penhoras realizadas se mantêm apenas e tão só “em vista acautelar os superiores interesses da Fazenda Pública”, por outras palavras como garantia do crédito fiscal, sem qualquer outra consequência processual, pois que a venda não será promovida no âmbito da execução fiscal.

VI. Por outro lado, importa sublinhar que, as primeiras penhoras fiscais em apreço (e que provocaram a sustação dos presentes autos) foram registadas em 2018 (ap.  ...55. De 11/09/2018 e ap. ...99, de 12/09/2018 – referentes a uma quantia exequenda de €14.504,40 para a Fazenda Nacional- e Ap. ...93 de 26/09/2018 referente a uma quantia exequenda de €2983,86 para a Fazenda Nacional), encontrando-se o processo de execução fiscal estagnado há mais de 5 (cinco) anos.

VII. Pelo que dúvidas não sobejam, salvo o devido respeito, que os Recorrentes/ Exequentes encontram-se num verdadeiro impasse, não podendo obter nem pela via dos presentes autos, nem pela via dos autos em que reclamaram créditos, o pagamento do seu crédito (de elevado valor – à data da reclamação (em 27.10.2020) em €47.585,71) .- situação claramente lesiva dos interesses dos Recorrentes/Exequentes.

 VIII. De facto, a AT esclarece na resposta apresentada que “(…) a impossibilidade de marcação das vendas se prende, de facto, com a circunstância de não ser possível a promoção de uma venda em conjunto de todos os prédios em causa (…).

IX. Termos em que se impõe que no caso em apreço seja reconhecido o impedimento técnico/legal à promoção da venda dos prédios penhorados pela AT no âmbito das execuções fiscais, e nessa medida seja ordenada o levantamento da sustação e o  prosseguimento da presente execução, por não se verificar o circunstancialismo do art. 794.º, n.º 1 do CPC – a saber: pendência de duas ou mais execuções dinâmicas sobre o mesmo bem.

X. Não tendo, efetivamente, salvo melhor entendimento, o órgão de execução fiscal de prestar autorização da venda dos bens no âmbito do processo judicial.

 XI. Como bem refere o STJ “O regime do art. 794º, do CPC pressupõe que o processo onde irá ser efetuada a reclamação do crédito se encontre a prosseguir os trâmites normais, o que não acontece quando se verifica uma suspensão desses trâmites por período temporal longo, como ocorre no caso vertente que é superior a 10 anos. Não sendo possível fazer prosseguir a execução fiscal, porque a venda está legalmente impedida no âmbito desse processo (por se tratar de imóvel afeto a habitação própria e permanente), por força do disposto no art. 244º, nº2, do CPPT, entende-se que pode/deve prosseguir a execução comum, com citação da exequente fiscal para reclamar, na execução comum) os seus créditos. (…) Não se encontra numa situação de dinâmica processual a execução fiscal que se encontra suspensa e a decorrer longo prazo (10 anos) para cumprimento de acordo de pagamento, assim como não se verifica essa dinâmica quando se torna impossível a venda judicial por o bem penhorado ser um imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar. O regime do art. 794º, nº 1, do CPC só se entende e pressupõe a inexistência de causa legalmente impeditiva do prosseguimento normal da execução fiscal e venda do bem penhorado. (…)A razão da norma do artigo 794º, nº 1 do CPC, prevenindo a certeza jurídica de que apenas se verifica uma adjudicação ou venda relativamente ao mesmo bem, também implica que se verifique a possibilidade de prossecução normal da execução em que a penhora for mais antiga, o que não acontece em execução suspensa por longo período temporal como o é um período de mais de 10 anos, assim como não acontece em execução fiscal, quando se verifica o impedimento decorrente do art. 244º, nº 2, do CPPT.” (sublinhado nosso) – in Acórdão datado de 14.12.2021, proc. n.º 906/18.0T7AGH.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt

 XII. Note-se que a Autoridade Tributária será sempre citada para reclamar créditos, sendo que os direitos desta não serão prejudicados pelo prosseguimento da presente execução comum que por demandar os dois proprietários dos prédios aqui penhorados, não enfrentará os problemas técnicos indicados pela AT nas diligências de venda dos mesmos, já que poderá fazer uma venda em conjunto. 

XIII. Efetivamente, a disposição normativa constante do art. 794.º do CPC visa impedir a sobreposição de direitos sobre os mesmos bens, criando assim uma regra de prioridade temporal cujo objetivo é o de ordenar em um só processo (o da primeira penhora) a tramitação dos atos tendentes à venda executiva e subsequente distribuição do produto dessa venda.

XIV. Pretende o legislador, assim, impedir que o mesmo bem possa ser alienado duas ou mais vezes em dois ou mais processos distintos, ou que o direito de um primeiro exequente (o que mais cedo logrou obter penhora) possa ser postergado apenas porque outro credor posterior viu o seu processo correr em tribunal ou juízo de tramitação mais célere (ou por menor pendência ou por maior eficácia dos seus serviços) ou adstrito a solicitador de execução mais diligente.

XV. Ora, não podendo promover o serviço de finanças local o andamento dos autos de execução fiscal, o credor reclamante com execução própria instaurada e penhora registada posteriormente poderá ficar indefinidamente à espera de uma iniciativa processual que não consegue controlar e que poderá nunca vir a ocorrer.

XVI. Não foi com certeza esta situação de impasse processual que o legislador visou alcançar.

XVII. “Na verdade o art. 794º, nº 1 do C. P. Civil pressupõe que a execução em que deve ocorrer a venda do bem se encontra a correr os seus termos. Não fazendo sentido que, em face da aplicação deste preceito a venda do bem ficasse suspensa “ad eternum”, deixando o credor com a penhora posterior “de mãos atadas”, por motivos que lhe são alheios, não podendo requerer o prosseguimento da execução própria, nem das que se encontram sustadas.” – in Acórdão do TRG, datado de 17.01.2019, proc. n.º 956/17.4T8GMRC.G1, disponível em www.dgsi.pt

 XVIII. Se o legislador, na ânsia de dotar a administração fiscal de mecanismos legais céleres e eficazes expressamente previu a não sustação do processo de execução fiscal em caso de penhora de bem já apreendido (por penhora anterior) por qualquer outro tribunal (art. 218.º n.º 3 do CPPT).

XIX. Se esse mesmo legislador faz depender as diligências tendentes à venda dos bens penhorados em processo civil executivo da citação prévia da Fazenda Nacional para reclamar créditos (art. 786.º, n.º 2 do CPC).

XX. Então, nada obstará ao prosseguimento do sustado por penhora anterior da Fazenda Nacional, como é comprovadamente o caso dos autos.

XXI. Como atrás ficou referido, o prosseguimento dos presentes autos nenhum prejuízo comportará para a administração fiscal, dado que o passo processual imediatamente seguinte será o da citação da fazenda para reclamar os seus créditos ao abrigo do preceituado no art. 786.º do CPC, sendo o seu crédito graduado no lugar que lhe competir.

XXII. Assim, temos que, mantendo-se a sustação das penhoras registadas à ordem destes autos, não lograrão os Recorrentes ver satisfeito os seus créditos exequendos.

XXIII. Dado não lhes ser possível promover os autos de execução fiscal, que a Fazenda mantém em estado de absoluta suspensão.

XXIV. A não se admitir o prosseguimento da execução nestes casos, em que há um alegado impedimento técnico à venda dos prédios nas execuções fiscais, o qual não se verificaria na ação executiva comum, são postos em crise os princípios constitucionais da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2 da CRP) e da garantia do direito à propriedade privada (art. 62.º, n.º 1 da CPR), e ainda do próprio acesso à justiça, justiça essa que se pretende efetiva e célere (art. 20.º, n.º1, 4 e 5 da CRP), no sentido de deixar os Recorrentes/Exequentes sem qualquer tutela do seu direito pela impossibilidade de se fazer pagar pelo património do seu devedor no âmbito da execução comum ora sustada e pela impossibilidade de promover e fazer prosseguir a execução fiscal , ficando sujeitos a uma intolerável compressão do exercícios dos seus direitos, nomeadamente do seu direito à satisfação do seu crédito, indelevelmente ligado ao direito à propriedade privada, sendo que, por outro lado, sempre ficariam sujeito às vicissitudes próprias da suspensão da execução fiscal, determinada pelo impedimento técnico na realização da venda dos prédios em conjunto, sem que, quanto a essas, tenha a possibilidade de, por via dos competentes mecanismos legais, promover ou requer o prosseguimento

XXV. Ademais, com referência ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...63 (acima melhor identificado), os autos foram indevidamente sustados quanto a este bem (o que é claramente referido nos esclarecimentos prestados pela AT), pois que a  penhora fiscal registada encontra-se caducada em virtude do seu registo ter ficado provisório por natureza (Ap. ...7 de 2018/09/11) (vide certidão junta aos autos) pelo que também, por esta razão, a renovação da instância executiva cível com referência a este bem deve ser procedente, e o prosseguimento da mesma com a venda em conjunta dos imóveis penhorados por se tratar de uma única realidade predial/fiscal.

XXVI. Pelo que mal andou, salvo o devido respeito, o douto Tribunal a quo ao indeferir a pretensão dos Recorrentes na renovação dos presentes autos de execução, com o levantamento da sustação e o prosseguimento dos mesmos, com a consequente citação da Autoridade Tributária para reclamar o seu crédito (art. 786.º, n.º 1, alínea b) do CPC), , não fazendo pois correta aplicação dos artigos 794.º, n.º 1 e 4, 850.º, n.º 5 do CPC, artigo 235.º, n.º 2 do CPPT e os artigos 18.º, n.º 2, 20.º, n.º1, 4 e 5 e 62.º, n.º 1 da CRP.

Não foram produzidas contra alegações.

III – Os elementos  necessários para o conhecimento do presente recurso emergem dos circunstancialismos fáctico processuais acima relatados.

IV – Confrontando as conclusões das alegações com a decisão recorrida, resulta constituir objecto do recurso, saber se a presente execução, instaurada contra dois diferentes executados, deve prosseguir com a citação da Fazenda Nacional para esta, nela, reclamar os seus créditos, e com a subsequente venda, conjunta, dos prédios nela penhorados, pese embora estes hajam sido penhorados em primeiro lugar em duas diferentes execuções fiscais, uma por cada um dos executados, na medida em que estas execuções se mantêm desde então paradas por dificuldades que a Fazenda Nacional tem como inultrapassáveis em face da aí necessária venda em separado dos imóveis em causa.

Ou, por outras palavras mais explicitas relativamente à questão a resolver:  trata-se de saber se, estando penhorados diferentes imóveis em diferentes execuções fiscais, e tendo sido os mesmos subsequentemente penhorados numa única execução comum, existindo obstáculos sérios à venda dos mesmos naquelas execuções, se deve manter a sustação da execução comum, nos termos do nº 1 do art.794.º do CPC, quando se afigura  demonstrado que nesta  aqueles obstáculos seriam ultrapassáveis com a venda conjunta dos imóveis

Constitui igualmente questão a decidir a de saber se a resposta negativa a esta questão, e, consequentemente que se deve manter sustada a presente execução, nos termos do nº 1 do art 794º CPC, implicaria violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade (art 18º/2 da CRP),  da garantia do direito à propriedade privada (art 62º/ 1 da CPR), e  do acesso à justiça (art 20º/1, 4 e 5 da CRP).

Como se sabe, a regra na pluralidade de execuções sobre os mesmos bens é a de que  - nº 1 do art 794º CPC - «pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga» .

Segundo observava Alberto dos Reis [1], «O que a lei não quer é que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; a liquidação tem de ser única e há-de fazer-se no processo em que os bens forem penhorados em primeiro lugar».             O que bem se compreende, visto que do produto da venda do bem penhorado tem de ser dado pagamento aos créditos verificados, de acordo com a ordem da sua graduação, por vezes rateadamente, pelo que há que condensar num único processo as diligências relativas à reclamação e verificação de créditos, à venda do bem penhorado e aos pagamentos a efectuar, por forma a evitar actividades inúteis e incertezas para todos os intervenientes processuais [2].

Na verdade, e como o acentuava ainda Alberto dos Reis, «o preceito do art 871º não se inspira em razões de economia processual, visto que não se manda atender ao estado em que se encontram os processos; susta-se o processo em que a penhora se efectou em segundo lugar, ainda que a execução respectiva tenha começado primeiro e ainda que esteja mais adiantada do que aquela em que precedeu a penhora».

Mantendo-se a penhora no processo em que a mesma se mostre registada posteriormente  o exequente em causa tem faculdade de se apresentar na execução em que a penhora do mesmo bem foi registada anteriormente e reclamar nela o seu crédito.

Evidentemente, e como o frisa Rui Pinto [3], «que se exige que o devedor do crédito reclamado seja o mesmo num e noutro processo; i.e., não pode o exequente reclamar o seu crédito se o executado na causa em que a penhora foi registada em primeiro lugar não foi também demandado na execução sustada. De outro modo, o reclamante sucessivo estaria, na execução mais antiga, a executar bens de quem não é parte na causa, violando-se o art 735º/2 CPC e 818º do CC».

Na concreta situação dos autos, foram  penhorados na  presente execução, que é dirigida, em simultâneo, contra a “R...” e  a “C...”, os quatro imóveis acima referidos, sendo que, relativamente  aos inscritos na matriz sob os arts   ...64, ...63 e ...62, na execução fiscal dirigida contra  aquela executada “R...”, e relativamente ao inscrito na matriz sob o art ...30, na execução fiscal dirigida contra a “C...”, tais imóveis já se mostravam penhorados, o que determinou, como já se viu, que, em consequência do disposto no referido nº 1 do art 794º do CPC, esta execução comum tenha sido sustada em função daquelas penhoras (com registos) anteriores.

Verifica-se, entretanto, que a penhora referente ao imóvel inscrito na matriz sob o art ...63, e que o havia sido provisoriamente por natureza, nos termos do art 92º/2 al b) do CRP, se mostra já caduca, pelo que falecendo o pressuposto da dupla penhora, esta execução sempre poderá prosseguir no que lhe respeita.

Como é sabido, têm sido inúmeras as decisões em que, perante situações de penhora de imóvel registada em primeiro lugar em execução fiscal, se tem admitido  a prossecução da execução comum, contrariamente ao literalmente disposto no nº 1 do art 794º CPC, com a citação da Fazenda Nacional  para nela reclamar os seus créditos, prosseguindo depois e, naturalmente, com a venda do prédio, em virtude de estar em causa imóvel destinado a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar e se mostrar proibida na execução fiscal a venda do mesmo a requerimento da Fazenda Nacional, em função do disposto no art  244º/2 do CPPT, na redacção  que lhe foi dada pela L 13/2016 de 23/5. [4].

Dispõe esta norma que «não há lugar à realização da venda do imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim». 

E dispõe o art 219º/5 do CPPT, também na redacção da referida Lei 13/2006, que «A penhora sobre o bem imóvel com finalidade de habitação própria e permanente está sujeita às condições previstas no art 244º».

A jurisprudência em causa tem decidido, que «tendo sido suspensa, nos termos do disposto no art 794º/1 do CPC, a execução comum em que foi penhorado imóvel do executado destinado exclusivamente a sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar e sobre a qual incide penhora com registo anterior realizada em execução fiscal e encontrando-se esta execução parada por a Autoridade Tributária não poder promover a venda deste imóvel, em virtude do impedimento legal constante do art 244º/2 do Código de Procedimento de Processo Tributário, impõe-se determinar o levantamento da sustação da execução comum, que deve prosseguir os seus termos, com a citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos na execução comum» [5].

Para assim concluir, evidencia-se nessas decisões, que «a ratio legis da norma do art 794º/1 CPC, tendo subjacentes razões de certeza jurídica e de protecção tanto do devedor executado como dos credores exequentes, postula que ambas as execuções se encontrem numa relação de dinâmica processual ou, pelo menos, a possibilidade do dinamismo da execução em que primeiramente ocorreu a penhora sobre o mesmo bem e em que o credor deve fazer a reclamação do seu crédito», e que «não está nessa situação de dinamismo processual a execução fiscal em que a Autoridade Tributária está impedida, nos termos do disposto no art 244º/2 do Código de Procedimento de Processo Tributário, de promover a venda do imóvel penhorado por este constituir a habitação própria  e permanente do executado ou do seu agregado familiar».

Entendimento este necessário à satisfação dos interesses dos genéricos credores, perante o referido impedimento do exequente – verdadeiro obstáculo legal - em fazer prosseguir a execução fiscal depois de penhorado o imóvel que constitua efectiva casa de morada do executado, tanto mais que esse impedimento não é oponível àqueles credores.[6].

Salientando-se, a esse respeito, que, «de outro modo, tal solução comportaria sérios problemas quer de índole constitucional (designadamente, por referência aos princípios constitucionais da proporcionalidade – nº 2 do art 18º CRP- e do próprio acesso à justiça – art 20º CRP –) quer ao nível da própria legitimidade de o Estado dispor de direitos de que não é titular».

Sucede que, numa situação desse tipo, a execução fica efectivamente parada, e tão mais indefinidamente, quanto se tem entendido, no âmbito da jurisprudência acima referida, que o CPTT não prevê o impulso da execução fiscal por parte dos credores reclamantes, nem mesmo ao abrigo do art 850º/2 CPC.

Nessa situação, a alternativa possível ao bloqueio dos interesses dos genéricos credores é, efectivamente, admitir-se o levantamento da sustação da execução comum.

A jurisprudência anterior à que se apontou (determinada pelo recente   impedimento legal resultante do  art 244º/2 do Código de Procedimento de Processo Tributário), mostrava-se muito dividida, relativamente a saber se se exigia para  a aplicação do nº 1 do art 794º (ou do anterior nº 1 do art 871º) que a execução onde o bem foi primeiramente penhorado  estivesse  a correr os seus termos, isto é, se mantivesse  em estado dinâmico, em movimento, seguindo o seu curso normal (havendo mesmo jurisprudência a entender ser necessário que uma e outra das execuções onde foram efectuadas as penhoras, a anterior e a posterior, estivessem, ambas, numa situação dinâmica), havendo quem defendesse que, ainda que a execução  em que o bem foi primeiramente penhorado se mantivesse inerte, nomeadamente, por inércia ou negligência do exequente, ainda assim se exigia que aí  fosse feita a reclamação  [7].

A questão está, do nosso ponto de vista, em saber, se a situação impeditiva do normal andamento da execução em que a penhora foi anterior apenas implica um mero protelamento dessa execução, ou se pressupõe uma verdadeira paragem da mesma, sendo que apenas nesta situação se deverá admitir  a ultrapassagem do nº 1 do art 871º .

Na verdade, a execução em que foi efectuada a penhora mais antiga pode não estar em movimento, mas «estar em fase processual de onde a sua prossecução seja possível, à luz da tramitação processual prevista»[8]. Estando a execução em que ocorreu a penhora mais antiga em posição de poder prosseguir, ainda que não imediatamente, e sobretudo quando esse compasso de espera não se fique a dever à inércia do exequente [9] , não se veem motivos que permitam a ultrapassagem da norma do nº 1 do art  794º.

Assim tem sido decidido [10] em situações em que a espera no andamento da execução fiscal se fique a dever  à satisfação prestacional do crédito aí exequendo e que venha sendo realizada, referindo-se, como no  Ac R P  29/10/2012 [11], que «o problema  é (tão-só) do tempo de satisfação do crédito». O credor na execução comum «é certamente afectado, atenta a vicissitude ocorrida, (n)o seu interesse na realização mais atempada do respectivo direito de crédito; mas não é excludente (ou intoleravelmente dificultada) essa realização». Tanto mais que no pagamento em prestações se mantém a susceptibilidade de o processo de execução fiscal  vir a chegar à fase da venda, «bastando, para que tal aconteça, que o programa prestacional seja inteiramente cumprido ou, mais rápido ainda, que deixe de o ser, posto que o não pagamento de uma das prestações tornará exigível a totalidade da dívida e o consequente prosseguimento da execução com a venda do bem penhorado, mantendo-se, consequentemente, as razões que ditam a aplicabilidade do nº 1 do artigo 794º do CPC à situação»

Não poderá, pois, aceitar-se, sem mais, o entendimento de que  nas situações de concorrência entre execução comum e fiscal, para que o artigo 871º do CPC produza efeito útil, constitua pressuposto  necessário que a execução em que foi primeiramente registada a penhora  se encontre em  movimento, e que, em qualquer caso em que o não esteja, a defesa dos credores genéricos implica a desaplicação do n.º 1 do art 794º do CPC, com o consequente levantamento da sustação da execução comum, até porque ficaria sempre a dúvida relativamente ao tempo necessário de espera que viesse a permitir a reactivação da execução comum perante o silêncio da lei a esse respeito.  

Mas nos presentes autos não estamos perante uma situação desse tipo – de um mero retardamento na satisfaço do interesse do credor comum.

O que a Administração Tributária evidencia nas suas comunicações como razões para a não prossecução de uma e outra das duas execuções fiscais não se reconduz a um  simples  obstáculo temporário que se mostre razoavelmente ultrapassável  - e tudo indica que se tentou aí essa ultrapassagem – mas um obstáculo para a qual a  mesma não encontrou e não encontra solução. 

Com efeito, o que sucede, é que os quatro prédios em causa - sendo que um deles, o único urbano, pertence a  executado diferente - não se encontram individualmente delimitados, mas vedados como se se tratasse de um apenas, não havendo «certeza, sequer relativa, sobre qual a localização (extremas//vértices) e as efectivas áreas dos prédios em causa», o que determinaria a «falta de identificação concreta, objectiva, segura e sem margem para dúvidas, do objecto da venda, sendo que se avançasse para a realização de  três vendas – já se viu que um dos prédios já não se mostra penhorado por caducidade da sua penhora provisória - «tal poderia conduzir a uma situação, provável e não descartável,  de culminar na adjudicação a três adquirentes distintos, não trazendo esse desfecho a resolução do problema de fundo para nenhum deles – identificação concreta do objecto da venda».

A ultrapassagem da inexacta delimitação física destes quatro prédios, sobretudo sem o concurso dos dois executados, que estarão natural e irreversivelmente desinteressados desse esforço,  implicaria dispêndio económico e sobretudo temporal muito significativo, e de resultado incerto, que se mostra injustificado e injustificável perante a possibilidade de fazer prosseguir a presente execução com a citação da Fazenda Nacional para nela reclamar os seus créditos e se vir a promover nela uma venda conjunta dos prédios.

Rui Pinto admite que «o credor com segunda penhora que tivesse o ónus de se apresentar numa execução já de si parada, tanto veria sustada a sua acção executiva actual, como a já pendente» e, citando Isabel Meneres Campos [12], fala a este propósito numa «inconstitucional “situação de bloqueio”», com violação da garantia constitucional do art 20º/1 da CRP.

A única solução, tal como encontrada nas recentes situações geradas nas execuções fiscais pela norma do art 244º/2 do Código de Procedimento de Processo Tributário, é a de permitir que o primeiro exequente venha reclamar a sua penhora no segundo processo, com a ultrapassagem do nº 1 do art 794º CPC, mantendo, naturalmente,  a prevalência da sua penhora como  mais antiga sobre as posteriores, como resulta do nº 1 do art 822º CC, que não pode ser postergado por não se poder ignorar o direito do credor prioritário.            

A solução alternativa que Rui Pinto parece defender [13]– a de o credor na execução mais recente, enquanto parte principal que é na execução mais antiga, promover o andamento dos termos deste  primeiro processo - se, se mostra  admissível e mesmo exigível noutras situações- designadamente quando a paragem da primeira execução se deva a pura inércia do exequente -  não parece quadrar à situação dos autos, tanto mais  que o CPTT parece não prever o impulso da execução fiscal por parte dos credores reclamantes, nem mesmo ao abrigo do art 850º/2 CPC.

Por assim se entender, e sob pena de efectiva violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade (art 18º/2 da CRP), da garantia do direito à propriedade privada (art 62º/ 1 da CPR), e  do acesso à justiça (art 20º/1, 4 e 5 da CRP), há que julgar procedente a apelação, e revogar a decisão recorrida, admitindo-se a renovação da instância nos presentes autos de execução,com o  levantamento da sua sustação e a sua prossecução  com a citação  da Autoridade Tributária para reclamar aqui os seus créditos para que venham a ser  oportunamente graduados no lugar que lhes competir, e com a subsequente venda conjunta dos prédios penhorados.

V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar procedente a  apelação e revogar a decisão recorrida, admitindo  a renovação da instância nos presentes autos de execução, com  o  levantamento da sua sustação e a prossecução da mesma com a citação  da Autoridade Tributária para reclamar aqui os seus créditos, para que venham a ser  oportunamente graduados no lugar que lhes competir, e com a subsequente venda conjunta dos prédios  penhorados.

           

Sem custas.

Coimbra, 18 de Junho de 2024         

(Maria Teresa Albuquerque)

(Cristina Neves)

(António Marques da Silva)

(…)




[1] - «Processo de Execução», vol II, 1985, p 28, em função do então art 871º, paralelo ao acima referido 794º

            [2]-  Ac   R E 16/5/2019, Relatora, Graça Araújo

            [3] - «Manual da Execução e do Despejo», 2013, p 866
               [4] -   Acs. da Relação de Coimbra de 26.9.2017, proc. 1420/16.4T8VLS-B.C1, Rel. Fonte Ramos; da Rel. de Évora de 12.7.2018, proc. 893/12.9TBPTM.El, Rel. Maria João Sousa e Faro; da Rel. de Guimarães, de 17.01.2019, proc. 956/17.4T8GMR-C.G1, Rel. Alexandra Rolim Mendes; da Rel. de Lisboa de 07.02.2019, proc. 985/15.2T8AGH-A.L1-6, Rel. Carlos Marinho; Rel. de Évora, 30.5.2019, proc 402/18.6T8MMN.El, Rel. Tomé Ramião; Rel. de Guimarães, 30.5.2019, proc. 2677/10.0TBGMR.G1, Rel. Alcides Rodrigues (acima citado); Rel. de Lisboa, 12.9.2019, proc. 1183/18.9T8SNT.L1-2, Rel. Pedro Martins; Rel. de Lisboa, 22.10.2019, proc. 2270/07.4TBVFX-B.L1-7, Rel Luís Pires de Sousa (atrás citado); Rel. de Lisboa, 21.5.2020, proc. 19356/18.2T8SNT-B.L1-8, Rel. Carla Mendes e Rel. de Lisboa, 04.6.2020, proc. 13361/19.9T8SNT-A.L1-2, Rel. Nelson Borges Carneiro, todos publicados em www.dgsi.pt, acórdãos este mencionados no Ac STJ 2/6/2021 (Relator, Tibério Nunes da Siva), mas muitos outros poderiam ser mencionados.

               [5]- Ac STJ  23/1/2020, Relatora, Rosa Tching, Proc nº 1303/17.0T8AGD-B.P1.
               [6] - Como é referido no Ac R G 30/5/2019 [6]: «Sendo compreensível e aceitável que a tutela da habitação do executado possa ser feita por sacrifício do Estado, já não é aceitável que o possa ser a coberto dos demais credores».
               [7] - A respeito destas posições jurisprudenciais, cfr Rio Pinto, obra citada, p 868
               [8] -Ac STJ 9/6/2005, Relator, Araújo Barros 
               [9] -O Ac R C 5/4/2005 (Jorge Arcanjo) admite a reactivação da execução comum quando a execução fiscal se encontra parada por inércia do exequente, e entende que o pagamento prestacional não corresponde a esse tipo de situação, antes se trata de uma suspensão ditada por imperativos legais. Menciona como situações em que se desaplicou o art 871º por se entender ocorrer inércia do exequente, as implicadas nos processos do AC R P 21/7/83, CJ IV, 230; Ac R P 24/4/94, 20/2/95, 19/3/97 20,10/97 26/11/97 11/10/2004 e Ac R L 17/10/95.
               [10]-Ac. RL de 30/10/2006 nº 8559/2006-8; Ac R E 25/11/2021José Manuel Barata; Ac R C 18/3/2003, António Piçarra, Proc. 221/03; Ac R E 22/3/2018, Rui Machado Moura, Proc. 122/16.6T8CBA-A.E1; Ac R E 4/6/2020 (Cristina Dá Mesquita);  o já referido Ac R C 5/4/2005 (Jorge Arcanjo).
               Faça-se notar que este entendimento não se mostra efectivamente uniforme. De facto, na doutrina, Amâncio Ferreira, é de opinião que, «Encontrando-se a execução fiscal suspensa, na sequência da autorização para pagamento da dívida em prestações, deve a mesma prosseguir se o credor reclamante o solicitar em vista à satisfação do seu crédito, ante o estatuído no artigo 885º» («Curso de Processo de Execução», 11ª edição, página 354)
                Já assim o não entende, Salvador da Costa («O concurso de credores», 4ª edição, página 305), referindo  «Tendo em conta a natureza da execução fiscal e o interesse específico que lhe está subjacente, propendemos a considerar que o disposto no artigo 885º, nº 1 [do CPC] não é aplicável à sua suspensão para pagamento da quantia exequenda em prestações que nela tenha sido decidida”; com a consequência de então o reclamante (exequente comum) ter de aguardar o termo da suspensão a que naquela (na fiscal) haja lugar».
               [11] - Relator, Luís Filipe Brites Lameiras
               [12] - «As questões não resolvidas da reforma da acção executiva, ST 29/Out/Dez (2004)» p 65
               [13] - Obra e lugares citados