ARROLAMENTO
JUSTO RECEIO DE EXTRAVIO
OCULTAÇÃO OU DISSIPAÇÃO DOS BENS
Sumário

I - O justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens cujo arrolamento é pretendido requer a alegação de factos concretos e objetivos que permitam concluir pela sua seriedade e iminência ou, quando assim não seja, pela verificação já de alguns atos de extravio, ocultação ou dissipação de bens de modo a que seja razoável, de acordo com o que é normal suceder, que outros atos desse tipo se venham a verificar relativamente a outros bens, precisamente aqueles que se querem ver arrolados.
II - A existência de desentendimentos entre os herdeiros de uma herança indivisa por si só não basta para que objetivamente haja fundado receio de extravio, dissipação ou ocultação de bens integrantes dessa herança por parte do cabeça de casal.
III - A simples possibilidade de o requerido por si só proceder à disposição dos bens comuns constitui uma circunstância abstrata que não é bastante para integrar o justo receio de extravio, dissipação ou ocultação dos bens a partilhar.

Texto Integral

Processo nº 5483/22.5T8MAI-A.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 5483/22.5T8MAI-A.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório

Em 21 de outubro de 2022, com referência ao Juízo Local Cível do Porto, Comarca do Porto, AA e BB como preliminar de inventário judicial a instaurar para partilha da herança aberta por óbito de CC, mãe dos requerentes, requereram com pedido de dispensa de audição prévia, contra DD, o arrolamento de contas bancárias, quotas de sociedades e imóveis que afirmam integrar a herança aberta por óbito da mãe de ambos os requerentes.

Para fundamentar as suas pretensões os requerentes alegaram, em síntese, que são os únicos filhos de CC falecida em 24 de novembro de 2021, no estado de casada, em primeiras núpcias, no regime de comunhão de adquiridos, com o requerido; os bens do casal foram adquiridos após o casamento, com os rendimentos do trabalho da falecida e do requerido; a sociedade com a firma “A..., Lda.” tem o capital social de € 153 700,00 e à data do óbito da inventarianda[1] tinha como sócios DD, com uma quota de € 103 700,00, AA, com duas quotas, uma de € 13 000,00 e outra de € 18 500,00 e BB com duas quotas, uma de € 13 000,00 e outra de € 18 500,00; a sociedade “A..., Lda.” é gerida por DD; no ano 2000, entre a inventarianda e o requerido foi constituída a sociedade comercial com a firma “B..., Lda.”, com o capital social de € 1 000 000,00, sendo o requerido o seu único gerente[2]; à data do óbito da inventarianda, a quota da sociedade “B..., Lda.” no montante de € 725 000,000 era da titularidade da sociedade “A..., Lda.”, a quota no montante de € 125 000,00 era da titularidade de CC e as quotas nos montantes de, respetivamente, € 125 000,00, € 1 000,00 e € 1 000,00 eram da titularidade de DD; requerem o arrolamento de todas as contas bancárias e respetivos saldos à data de 24 de novembro de 2021 de que o requerido ou a inventarianda conjunta ou separadamente fossem titulares ou cotitulares à data do óbito desta, identificando para o efeito dezoito contas tituladas pelo requerido no Banco 1..., SA, uma conta titulada pelo requerido na Banco 2..., S.A., três contas tituladas pelo requerido na Banco 3..., S.A., uma conta titulada pelo requerido no Banco 4..., S.A., duas contas tituladas pelo requerido no Banco 5..., S.A., duas contas tituladas pelo requerido na Banco 6..., CRL, quaisquer aplicações financeiras (certificados de aforro) tituladas pelo requerido nos C..., quaisquer aplicações financeiras e ou seguros de capitalização titulados pelo requerido na D..., S.A., quaisquer aplicações financeiras e ou seguros de capitalização titulados pelo requerido na E... – Companhia de Seguros, S.A., uma conta titulada pela inventarianda na Banco 2..., S.A., quaisquer aplicações financeiras (certificados de aforro) tituladas pela inventarianda nos C..., quaisquer aplicações financeiras e ou seguros de capitalização tituladas pela inventarianda na D..., S.A., quaisquer aplicações financeiras e ou seguros de capitalização tituladas pela inventarianda na E... – Companhia de Seguros, S.A.; mais requerem o arrolamento das contas bancárias tituladas em nome das sociedades “A..., Lda.” e “F..., Lda.” e de todos os imóveis “parqueados”[3] em ambas as sociedades[4]; requerem ainda o arrolamento das participações sociais detidas pelo requerido e pela inventarianda nas sociedades “A..., Lda.” e “F..., Lda.” e o recheio do imóvel que constituiu a última residência habitual da inventarianda; o requerido não presta nem demonstra pretender prestar quaisquer contas ou informações aos requerentes relativamente aos ativos da herança;  porque controla sozinho as aludidas sociedades, o requerido pretende ocultar dos requerentes os respetivos ativos, operações e proveitos, bem sabendo que as referidas sociedades servem essencialmente para “aparcar” património que foi do dissolvido casal; no ano de 2021, a sociedade “A...” apresentava no balanço, só em depósitos/caixa o valor de € 1 065 517,82, inventários de € 1 739 298,12 e ativos não correntes de € 2 439 631,96, enquanto a sociedade “B...”, no mesmo ano, apresentava no balanço, só em depósitos/caixa o valor de € 13 000,00, inventários de € 1 336 713,17 e um total de ativos registado de € 1 693 537,42; os requerentes são os únicos sócios da sociedade comercial com a firma “G..., Lda.” que até agosto de 2022 foi exclusivamente gerida pelo requerido, altura em que os requerentes deliberaram pela sua nomeação como gerentes da referida sociedade que passou a ter três gerentes e pela alteração da forma de obrigar, passando a impor a assinatura de dois dos três gerentes; nessa altura, os requerentes aperceberam-se que o requerido levantava dinheiro no caixa e fazia pagamentos de viagens pessoais, tudo à custa da sociedade “G...”, usando esta sociedade para suportar encargos com despesas pessoais com mobiliário, eletricidade, telefone, internet e férias, sonegando informação aos requerentes[5], tendo-se apoderado dos computadores da sociedade, do livro de atas e recusando a entrega do livro de cheques com mais de cem cheques e, não obstante ter sido interpelado por escrito para prestar informações aos requerentes, manteve-se em silêncio; por indicação do requerido as rendas devidas à sociedade “G...” na qualidade de senhoria da fração autónoma “C”, sita no nº ..., na Avenida ..., na Maia pela inquilina EE, estão a ser faturada e pagas à “A... I”; pelo que tem vindo a suceder na sociedade “G...” de que os requerentes são os únicos sócios, tudo indica que acontecerá também nas sociedades “A...” e “B...”, estas controladas unicamente pelo requerido; o requerido voltou a casar no regime imperativo de bens com FF que não se abstém de apregoar que os filhos do requerido nada receberão deste; o requerido constituiu uma nova sociedade comercial com objeto e escopo ligado à atividade imobiliária, com a firma “H... – Unipessoal Lda.” e de que é o único sócio; o requerido não promove o fecho, encerramento e prestação de contas das sociedades “A...” e “B...”, as quais continuam sem as contas de 2021 aprovadas e sem IES submetido, não atualizando a informação contabilística e financeira junto do contabilista certificado; o requerido não recebe as cartas que lhe são endereçadas e mostra-se esquivo aos contactos.

Em 24 de outubro de 2022, decidiu-se dispensar a prévia audição do requerido, designando-se dia para inquirição das testemunhas oferecidas pelos requerentes.

Em 31 de outubro de 2022 foram inquiridas as testemunhas oferecidas pelos requerentes e em 03 de novembro de 2022 os requerentes ofereceram um documento.

Em 15 de novembro de 2022 foi proferida decisão final[6], fixando-se o valor da causa no montante de € 30 001,00 e com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, julgo o presente procedimento cautelar parcialmente procedente e, em consequência, determino que se proceda ao arrolamento requerido, nos termos constantes do requerimento inicial, e a incidir sobre:

- as quotas sociais detidas pela inventariada e pelo requerido nas sociedades “A..., Lda.” e “B..., Lda.”;

- o saldo das contas bancárias indicadas na matéria de facto e de que o requerido e a inventariada, conjunta ou separadamente, eram titulares ou co-titulares à data do óbito desta no Banco 1..., na Banco 2..., na Banco 3..., no Banco 4..., do Banco 5... e na I...;

- os saldos de certificados de aforro, contas bancárias, aplicações financeiras e seguros de capitalização de que o requerido e a inventariada, conjunta ou separadamente, fossem titulares ou co-titulares à data do óbito desta na D..., na seguradora E..., nos C..., cuja existência e montante devem ser apurados junto das respectivas instituições;

- os bens móveis que constituem o recheio do imóvel sito na Rua ..., na Maia.

O presente arrolamento deverá ser efectuado através do Sr. Agente de Execução mencionado no requerimento inicial.

Como depositário dos bens móveis nomeio o próprio requerido, nos termos do artigo 408º n.º 1 do Cód. de Processo Civil.

Para já não se revela necessário proceder à avaliação de tais bens, pelo que não se nomeia avaliador ao abrigo do disposto no artigo 405º n.º 3 do Cód. de Processo Civil.

Custas pelos requerentes, nos termos do artigo 539º do C.P.C.

Oportunamente, notifique o requerido e cumpra o disposto no artigo 373º n.º 1, alínea a) do C.P.C.

Procedeu-se ao arrolamento decretado e notificou-se o requerido da decisão final proferida nestes autos[7].

Em 30 de janeiro de 2023, o requerido deduziu oposição suscitando a ineptidão do requerimento inicial por contradição do pedido com a causa de pedir, em virtude de o arrolamento ser configurado como preliminar de inventário por óbito da mãe dos requerentes e, não obstante isso, ser requerido o arrolamento de contas bancárias e bens imóveis da titularidade, entre outros, de sociedades comerciais dotadas de personalidade jurídica; mais alega que os requerentes não alegam qualquer ato justificativo de periculum in mora, nega que tenha feito desaparecer qualquer bem da herança, negando que não preste qualquer informação relativa às sociedades que administra; alega que transferiu para os filhos e para a avó materna destes quantias referentes à meação nos bens comuns da falecida, tendo inclusivamente transferido montantes que apenas a si pertenciam, competindo-lhe a administração das quotas de sociedades integradas no acervo hereditário por ser o cabeça de casal; o arrolamento de todos os bens do requerido, incluindo contas bancárias constituídas após o óbito da mãe dos requerentes representa uma violação do sigilo bancário e da reserva da intimidade da vida privada; foi sempre uso comercial da sociedade “G...” o pagamento de férias para toda a família; o levantamento pelo requerido em numerário em 08 de agosto de 2022, no montante de dez mil euros e o levantamento pelo requerido através de cheque em 25 de fevereiro de 2022, no montante de vinte mil euros foram  a título de suprimentos que utilizou depois para completar os cento e vinte mil euros que entregou à mãe da sua falecida mulher; as despesas que os requerentes alegam no artigo 54º do requerimento inicial terem sido feitas pelo requerido prendem-se com a atividade que se insere no objeto social da “G...”, tendo a ver com remodelações de interiores de imóveis para clientes e que são depois faturados pela sociedade; a confusão relativa ao recebimento das rendas logo que detetada foi retificada, tendo a “A...” reposto os valores que recebeu à “G...”; a mulher do requerido não se intromete em matérias que se relacionem com o requerido, os seus filhos e a herança da falecida; o requerente deslocou-se à casa de morada de família e dali retirou todo o ouro existente e que pertencia ao requerido e à sua falecida mulher, levando-o para parte incerta; conclui pedindo a total procedência da oposição e a consequente decisão final de indeferimento da providência cautelar requerida por não estarem preenchidos os requisitos do justo receio e do periculum in mora.

Em 16 de maio de 2023 foi produzida a prova pessoal oferecida na oposição.

Tendo-se constatado que o Banco 5... não havia respondido ao pedido de arrolamento, insistiu-se junto desta entidade e após resposta, em 14 de julho de 2023 foi proferida decisão final[8] julgando improcedente a oposição e, consequentemente, determinando a manutenção do arrolamento decretado nos exatos termos em que foi decidido.

Inconformado com a decisão que precede, em 14 de agosto de 2023, DD interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

§

PRIMEIRA

1. Numa análise global da prova produzida em julgamento, antes e após contraditório, impunha-se que o Tribunal a quo não mantivesse o arrolamento que inicialmente decretou.

2. O ponto 26 da matéria de facto dado como indiciariamente provada, não poderia manter-se como tal, dado não ter qualquer correspondência na prova produzida, quer em sede de despacho inicial, quer em sede de despacho final, após oposição ao arrolamento e consequente produção de prova.

3. Nenhuma das testemunhas mencionadas no despacho inicial conhecem ou depuseram de forma minimamente relevante quanto ao acervo hereditário da falecida CC ou de quaisquer atos de ocultação, dissipação do acervo hereditário pelo requerido.

4. A testemunha GG, demonstrou que não tinha conhecimento acerca dos factos; depôs no sentido de que vive em união de facto com o requerente e que o corte das relação com o requerido DD foi “quando este foi para a Islândia e casou com uma senhora” (!); não apontou qualquer conhecimento de uma qualquer tentativa de dissipação ou ocultação de património do acervo hereditário pelo requerido; a testemunha também referiu que o requerido nunca falou com os filhos sobre as questões atinentes ao acervo hereditário o que viria a revelar-se falso, (uma vez que em sede de oposição ao arrolamento, em depoimento de parte, os requerentes confessaram que o requerido lhes havia transferido avultadas quantias por conta desse acervo – vide, e.g. al. A) e B) do despacho final).

5. Como é bom de ver, a testemunha GG nada sabia sobre os facto. Não assistiu a nada em concreto. Nada disse de concreto ou relevante sobre dissipação ou ocultação do património hereditário da falecida CC, sendo que quando se aproximou sobre essas matérias afirmou que “pensa que sim” e “não sei”. Focou o seu depoimento nas “empresas” sempre sem concretizar nada de relevante.

6. A testemunha HH, foi pelo mesmo “caminho” do nada de relevante, discorrendo sobre matéria de organização interna de empresas e dos seus ativos, mas sem concretizar nada sobre o acervo hereditário da falecida, ou de atos de dissipação, ocultação de património hereditário, por parte do requerido.

7. Mais uma vez, a testemunha nada sabia sobre o património hereditário da falecida, ou de qualquer ato de dissipação ou ocultação do mesmo por parte do requerido. Discorreu sobre o património de empresas e a vida interna destas, que é o que a testemunha conhece por ser contabilista das empresas, explicando que a falecida nem sequer era sócia mas apenas “gerente” daquelas. Sobre atos de dissipação e património hereditário, nem um assobio.

8. Em termos de matéria documental, nada há que prove qualquer ato de dissipação de património do requerido. O que existe é fogo fátuo e conjeturas, a que o Tribunal a quo aderiu, sem grande preocupação de apreciação crítica.

9. Face ao que as testemunhas ouvidas em sede de requerimento inicial disseram, é inacreditável como o Tribunal a quo tenha decretado um arrolamento onde o justo receio/periculum in mora são requisitos de verificação imprescindível.

10. Por outra banda, é imperioso notar que o Tribunal a quo, em sede do despacho final Tribunal a quo deu como indiciariamente provado que:

“B)O requerido transferiu para os requerentes quantias referentes a parte dos bens comuns da inventariada, a título de partilha parcial de tal acervo hereditário.”

11. Ora, ao contrário do que apregoam os requerentes, e o Tribunal a quo, no seu encalço, não é crível que o requerido se desse ao trabalho de transferir montantes na ordem das centenas de milhares para os requerentes e não lhes fornecesse informações sobre o património hereditário da falecida. Tal é contrário às regras da experiência comum e fere qualquer lógica que se digne de chamar-se como tal, além de colocar em causa o que o Tribunal a quo deu como indiciado no despacho inicial.

12. É de assinalar que foram os próprios requerentes quem, em sede de depoimento de parte, já após oposição ao arrolamento, confessaram perante o Tribunal a quo, no sentido de que já lhe haviam sido transferidos avultados montantes em dinheiro por parte do requerido (!)

13. O próprio requerente AA também admitiu que o requerido lhe transferiu, voluntariamente, importantes e avultadas quantias por conta do património hereditário da falecida, omitindo essa importante vicissitude do seu requerimento inicial, afirmando que “eu recebi estas transferências”; admitiu, a custo que foi com o seu Pai, aos “C...” para levantar certificados de aforro que “estavam só em nome da Mãe”, aduzindo que as transferências que lhe foram feitas diretamente pelas entidades bancárias e pelo seu Pai, só se poderia chamar partilha antecipada “se houvesse uma antecipação antes do falecimento da minha mãe” afirmando depois, mais à frente que as transferências feitas pelo seu pai “não foi por conta da herança, foi por partilhas”; admitiu ainda que foi informado pelo seu pai dos bens do acervo hereditário “nas poucas reuniões que tivemos”.

14. O próprio requerido DD explicou, em sede de declarações de parte, de forma coerente e assertiva ao tribunal a quo que como e porquê fez as referidas transferências e como deu aos requerentes todas as explicações pedidas por estes, nomeadamente, que fez o “levantamento” de todos os valores que existia nos bancos e que informou os seus filhos, aqui requerentes, dos mesmos; fez a “listagem e entregou-a aos seus filhos”; que nas “reuniões que tivemos, mostrei-lhes os extratos e consequentemente as contas”, anotando ainda que enviou aos seus filhos “os extratos” e as “contas”:

15. Acresce que o teor dos documentos 2 a 8 juntos com a oposição ao arrolamento demonstram partes das transferências feitas pelo requerido para os requerentes, embora estes confessassem que receberam mais.

16. Com efeito, o Tribunal a quo, conjugada toda a prova, e caso tivesse procedido a um exame crítico rigoroso da mesma, após o contraditório, nunca poderia dar como provado que:

26 - O requerido tem recusado prestar aos requerentes quaisquer contas ou informações relativamente aos ativos da herança.

17. Tal facto deverá ter-se por não provado (suficientemente indiciado), mormente, quando refere “quaisquer”, sendo que a prova que impunha decisão diversa é a seguinte:

1. Documentos 2 a 8 juntos com a oposição ao arrolamento;

2. Depoimento da Testemunha GG, na sessão datada de 31-10-2022, na faixa áudio Diligencia_5483-22.5T8MAI_2022-10-31_10-22-34; minutos 1:29 a 2:24; 7:31 a 11:36; 14:40 a 15:06;

3. Depoimento da testemunha HH, sessão datada de 31-10-2022, constante da faixa áudio Diligencia_5483-22.5T8MAI_2022-10-31_09-58-45; minutos 0:52 a 01:18, minutos 2:15-3:25, minutos 06:40 a 07:12, minutos 08:41 a 10:49, minutos

22:43 a 23:07;

4. Depoimento de parte da requerida BB, da sessão datada de 16-03-2023, constante da faixa áudio Diligencia_5483-22.5T8MAI_2023-03-16_15-18-16, minutos 08:30 a 12:48;

5. Depoimento de parte de AA, conforme o seu depoimento de parte gravado, na sessão datada de 16-03-2023, constante da faixa áudio Diligencia_5483-22.5T8MAI_2023-03-16_14-47-35, minutos 01:35-01:56, minutos 12:39 a 16:25, minutos 17:13 a 18:01, minutos 18:29 a 21:29;

6. Declarações de parte do requerido DD, sessão datada de 16-03-2023, gravadas na faixa de áudio Diligencia_5483-22.5T8MAI_2023-03-16_15-44-39, minutos 03:32 a 03:43, minutos 04:06 a 07:18, minutos 08:46 a 10:15, minutos 15:03 a 16:37, 19:36 a 19:56, 20:05 a 21:00.

§

SEGUNDA

18. Conjugada toda a prova produzida, pré e pós-contraditório, o Tribunal a quo não poderia ter dado como suficientemente indicada a matéria feita constar no ponto 27 da matéria de facto dada como suficientemente indicada.

19. Neste particular ponto da matéria de facto dada como indiciada, temos desde logo assinar uma incongruência grave do Tribunal a quo que mina a sua sentença, ab initio.

20. Para corroborar o afirmado, desde logo temos de nos socorrer das próprias palavras do Tribunal a quo que afirmou, em sede de audiência e no despacho final, que as matérias que interessavam para o arrolamento eram as relacionadas com o património hereditário da falecida e não quaisquer empresas, inclusive deixando de questionar uma dissipação de património das sociedades pelos próprios requerentes no valor de EUR. 870.000,00 mil euros;

21. Esta posição é contraditória com o que o Tribunal a quo referiu no despacho inicial quando afirmou, sem dúvidas, para fundamentar a decisão de decretar o arrolamento, na vida interna das sociedades comerciais, sendo que em algumas das sociedades, a falecida nem sequer era sócia.

22. Ora, ao contrário do que ficou dada como provado, a matéria contida no ponto 27 deveria ter sido dada como não provada.

23. Em primeiro lugar, as testemunhas que depuseram sobre esta matéria, em sede de despacho inicial, nada disseram quanto a recusa de prestação de informações por parte do requerido aos requerentes no que toca ao acervo hereditário da falecida CC.

24. Por outro lado, não há nenhuma prova, objetiva, designadamente documental, que ateste que os requerentes tenham pedido informação ao requerido sobre as referidas sociedades ou sobre qualquer outro tipo de informação, apesar de os requerentes referirem, à saciedade, a existência de “emails”.

25. Mais e mais decisivamente, o Tribunal a quo olvidou que o requerido, sendo o cônjuge sobrevivo, é o cabeça de casal. E quanto a quotas indivisas é ao cabeça de casal que compete exercer os direitos sociais. Não aos requerentes.

26. Face a isto, existe uma total ausência de prova que não permitia ao Tribunal a quo dar como indiciariamente provado este ponto da matéria de facto, e dele retirar quaisquer conclusões e/ou ilações para a decisão que proferiu.

27. Como tal, deverá a matéria elencada no ponto 27 do despacho inicial, trazida e mantida para o despacho final, ser dada como não provado, por manifesta ausência de prova e, ainda, por o Tribunal a quo não ter permitido ao requerido discutir essa matéria com a mesma amplitude que permitiu aos requerentes.

§

TERCEIRA

28. No ponto A) da matéria indiciada no despacho final, o Tribunal a quo deu como indiciado que:

“A) O requerido transferiu para os requerentes quantias referentes a parte dos bens comuns da inventariada, a título de partilha parcial de tal acervo hereditário. “

29. Ora, este segmento da matéria de facto contém expressões conclusivas e que devem dele ser extirpadas.

30. Com efeito, o Tribunal a quo considerou que o requerido transferiu as quantias referentes a “parte dos bens comuns da inventariada” tecendo uma conclusão que não é de facto pois o Tribunal a quo desconhece, se foi o montante total ou não.

31. Tais conclusões só poderão ser retiradas em sede de partilha/inventário, quando se apurar, ali, no momento e processos próprios, qual o montante global do acervo a partilhar, e.g., se os requerentes não terão de repor à herança valores que receberam a mais, já que são herdeiros minoritários, em termos de quota ideal, porque concorrem à herança com o cônjuge sobrevivo, o aqui requerido.

32. Atravessou-se, assim, o Tribunal a quo a antecipar um julgamento de matéria da qual não tem qualquer conhecimento, fazendo uma afirmação de facto que é conclusiva e apressada.

33. O que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado, neste ponto, é as quantias que os requerentes confessaram ter do requerido, rectius, o montante de EUR. 164 160,30 pela requerente BB e EUR. 171 990,39 pelo requerente AA, como estes CONFESSARAM em sede de depoimento de parte, mas OMITIRAM do seu requerimento inicial.

34. Como tal, deverá ser alterada a matéria indicada em A), para constar que:

A) O requerido transferiu para o requerente AA o montante de EUR. 171 990,39, e para a requerente BB, o montante de EUR. 164 160,38 quantias referentes aos bens comuns da inventariada, a título de antecipação de partilha de tal acervo hereditário.

35. A prova que impõe a alteração da matéria de facto é:

a. Depoimento de parte da requerida BB, da sessão datada de 16-03-2023, constante da faixa áudio Diligencia_5483-22.5T8MAI_2023-03- 16_15-18-16, minutos 08:30 a 12:48;

b. Depoimento de parte de AA, conforme o seu depoimento de parte gravado, na sessão datada de 16-03-2023, constante da faixa áudio Diligencia_5483-22.5T8MAI_2023-03-16_14-47-35, minutos 01:35-01:56, minutos 12:39 a 16:25, minutos 17:13 a 18:01, minutos 18:29 a 21:29.

36. Face ao exposto, deverá ser alterada a resposta à matéria de facto nos termos ora propostos.

§

QUARTA

37. A matéria de facto dada como suficientemente indicada no despacho final, al. B), deverá ser alterada, tendo sido mal julgada pelo Tribunal a quo, uma vez que deveria ter dado como provado que a grande parte do ouro que integra a herança da falecida está na posse do requerente assim como ouro pertencente ao requerido.

38. Foram os próprios requerentes a confessar que o outro está na posse do requerente, quando este nem sequer é cabeça de casal.

39. Ademais, os requerentes OMITIRAM a posse do ouro também do requerimento inicial, de forma a dar mais credibilidade ao fogo fátuo de “justo receio” que permeia e incendeia os autos recorridos.

40. O ouro que integra o acervo hereditário da requerida foi retirado da habitação do requerido em clima de crispação. É o próprio Tribunal a quo que dá como garantido esse clima de crispação.

41. A própria linguagem dos requerentes, nos depoimentos acerca da matéria é uma linguagem de quem se arroga único e exclusivo proprietário do ouro, notando-se o que a requerente BB diz, ao referir-se a apenas duas peças com que o requerido ficou, “nós deixamos” e que que o ouro está avaliado e existe uma listagem desse ouro mas já “não sabe” se essa listagem foi entregue ao seu Pai, aqui requerido, que é o cabeça de casal.

42. Também da prova coligida, não era possível ao Tribunal a quo dizer que apenas o ouro de “uso pessoal da inventariada” foi levado e está na posse do requerente AA, que não é cabeça de casal. A prova produzida simplesmente não permite chegar a essa conclusão.

43. Como tal, a resposta ao ponto B) da matéria de facto dada como indiciariamente provada deverá ser alterada passando a ter a seguinte redação:

“o ouro que integra o acervo hereditário da inventariada encontra-se na posse do requerente”.

44. A prova que impõe a alteração deste ponto da matéria de facto é:

a. Declarações de parte do requerido DD, prestadas na sessão datada de 16-03-2023, constantes da faixa áudio Diligencia_5483-22.5T8MAI_2023-03-16_15-44-39, minutos 10:23 a 12:52;

b. Depoimento de parte do requerente AA, prestado na sessão datada de 16-03-2023, constante da faixa áudio, Diligencia_5483-22.5T8MAI_2023-03-16_14-47-35, minutos 21:57 a 23:45, 24:15 a 25:25, minutos 25:43 a 26:03;

c. Depoimento de parte da requerente BB, prestado na sessão datada de 16-03-2023, constante da faixa áudio Diligencia_5483-22.5T8MAI_2023-03-16_15-18-16, minutos 13:58 a 15:11, minutos 23:29 a 24:07;

§

QUINTA

45. O Tribunal a quo deveria ter considerada como suficientemente indiciado que que o requerido não negou ou omitiu aos requerentes, informações relativas às sociedades que administra; deveria, consequentemente, ter dado como suficientemente indicada a matéria da al. C) do despacho final.

46. Os requerentes não são sócios nem gerentes das sociedades que o requerido administra.

47. O requerido é cabeça de casal e não existe nos autos qualquer prova objetiva no sentido de que tenha sido interpelado para prestar informações sobre as sociedades, inclusive, por quem não é socio.

48. Acresce, por outro lado, que como o Tribunal a quo referenciou, em plena audiência de julgamento, matéria relacionada com a vida interna e bens das empresas, não é relevante para o arrolamento – sessão n.º datada de 16-03-2023, faixa áudio Diligencia_5483-22.5T8MAI_2023-03-16_14-47-35, 08:21 a 09:32 – ficando por explicar o levantamento e transferências de 870 mil euros que os requerentes fizeram da sociedade G... que os mesmos dizem administrar “património familiar”.

49. Como tal, apesar de esta matéria ter sido dada como indiciariamente não provada pelo Tribunal a quo, que limitou a possibilidade de o requerido sobre ela se pronunciar e sobre ela versar, a prova produzida em julgamento, mesmo assim, demonstra que o requerido sempre procurou dar todas as informações, como bem se retira das suas declarações de parte.

50. Consequentemente, tem de ser alterada a matéria inserida na al. C) do despacho final, passando a mesma a ser dada como suficientemente indicada, sendo que a prova que impõe a alteração dessa matéria é a que se passa a indicar:

Declarações de parte do requerido DD, sessão datada de 16-03-2023, gravadas na faixa de áudio, Diligencia_5483-22.5T8MAI_2023-03-16_15-44-39, minutos 03:32 a 03:43, minutos 04:06 a 07:18, minutos 08:46 a 10:15, minutos 15:03 a 16:37, 19:36 a 19:56, 20:05 a 21:00.

§

SEXTA

51. O Tribunal a quo também errou ao não dar como suficientemente indicada a matéria inserida na al. D) do despacho final.

52. Neste ponto crucial da matéria de facto, o Tribunal a quo desconsiderou a própria confissão dos requerentes no sentido de que o seu pai, aqui requerido, lhes transferiu avultadas quantias monetárias, por conta da herança da inventariada, além de lhes ter fornecido informações sobre tais bens, de se ter deslocado com os requerentes aos bancos, de ter feito com estes reuniões e de lhes ter franqueado a porta do cofre onde se encontrava guardado ouro pertencente à herança.

53. Tudo isto resulta dos docs. 2 a 8 juntos com a petição inicial e dos depoimentos de parte, com natureza confessória dos requerentes, e das declarações de parte do requerido.

54. O requerente AA confessou que o requerido lhe transferiu, voluntariamente, importantes e avultadas quantias por conta do património hereditário da falecida, omitindo essa importante vicissitude do seu requerimento inicial, afirmando que “eu recebi estas transferências”, afirmando a custo que foi com o seu Pai, aos “C...” para levantar certificados de aforro que “estavam só em nome da Mãe”, aduzindo que as transferências que lhe foram feitas diretamente pelas entidades bancárias e pelo seu Pai, só se poderia chamar partilha antecipada “se houvesse uma antecipação antes do falecimento da minha mãe” afirmando depois, mais à frente que as transferências feitas pelo seu pai “não foi por conta da herança, foi por partilhas”; admitiu ainda que foi informado pelo seu pai dos bens do acervo hereditário “nas poucas reuniões que tivemos” e que o seu Pai, lhe transferiu por conta da sua parte na herança:

55. O requerido DD explicou, em sede de declarações de parte, de forma coerente e assertiva ao Tribunal a quo que como e porquê fez as referidas transferências e como deu aos requerentes todas as explicações pedidas por estes, nomeadamente, que fez o “levantamento” de todos os valores que existia nos bancos e que informou os seus filhos, dos mesmos; fez a “listagem e entregou-a aos seus filhos”; que nas “reuniões que tivemos, mostrei-lhes os extratos e consequentemente as contas”, anotando ainda que enviou aos seus filhos “os extratos” e as “contas”.

56. Face a tudo o exposto, tem de ser alterada a matéria de facto inserida na al. D) do despacho final, passando a mesma a ser dada como suficientemente indicada, face à prova que impunha decisão diversa e que aqui se indica:

1. Documentos 2 a 8 juntos com a oposição ao arrolamento;

2. Depoimento da Testemunha GG, na sessão datada de 31-10-2022, na faixa áudio Diligencia_5483-22.5T8MAI_2022-10-31_10-22-34; minutos 1:29 a 2:24; 7:31 a 11:36; 14:40 a 15:06;

3. Depoimento da testemunha HH, sessão datada de 31-10-2022, constante da faixa áudio Diligencia_5483-22.5T8MAI_2022-10-31_09-58-45; minutos 0:52 a 01:18, minutos 2:15-3:25, minutos 06:40 a 07:12, minutos 08:41 a 10:49, minutos

22:43 a 23:07;

4. Depoimento de parte da requerida BB, da sessão datada de 16-03-2023, constante da faixa áudio Diligencia_5483-22.5T8MAI_2023-03-16_15-18-16, minutos 08:30 a 12:48.

§

SÉTIMA

57. A matéria inserida na al. I) do despacho final deveria ter sido dada como provada.

58. Em primeiro lugar, existe uma confissão parcial do requerente no sentido de que se encontra na posse do ouro que integra o acervo hereditário da falecida. O requerido, descreve, por sua vez, a forma tumultuosa como esse ouro foi retirado de sua casa, pelo requerente, apesar de o requerido ser o cabeça de casal e não o requerente.

59. O requerente chegou mesmo a afirmar o motivo que o levou a tirar o ouro de casa pois não queria que mais ninguém usasse o ouro da sua falecida mãe, e que o requerido “comprasse o que quisesse para quem estivesse com ele”. O requerente confessou que o ouro “era só da mãe” e a requerente BB, numa atitude despótica e que revela as suas intenções, referiu que o requerido ficou com apenas algumas peças porque “nós o deixamos”, olvidando que o requerido é, também herdeiro e com a maior quota ideal no acervo, e portanto o ouro pertence à herança e não apenas aos requerentes que têm apenas uma quota ideal e não direito a qualquer bem em específico.

60. Como é bom de ver, a esmagadora maioria das peças em ouro foi levada pelo requerente AA, num contexto de diatribe entre as partes, em que tal ouro, que integra uma herança indivisa, esta na posse de quem não é cabeça de casal, que promoveu a sua avaliação, sendo que a listagem e avaliação do ouro nem sequer foi fornecida ao requerido, como confessou a requerente.

61. Como tal, a prova produzida, coadunada com as regras da experiência comum, e para se alcançar alguma coerência intrínseca nas conclusões do Tribunal a quo no que toca à apreciação da matéria de facto, impunha que se desse como parcialmente provada a matéria elencada na al. I) do elenco dos factos não suficientemente indiciados no despacho final, devendo ser alterada a referida matéria e ser dado como provado que:

I)o requerente, em dia e hora não apurados, deslocou-se à casa de morada de família e dali retirou ouro que integra o acervo hereditário a partilhar, com peças de uso pessoal do requerido.

62. A prova que impõe a alteração deste ponto da matéria de facto é:

a. Declarações de parte do requerido DD, prestadas na sessão datada de 16-03-2023, constantes da faixa áudio Diligencia_5483-22.5T8MAI_2023-03-16_15-44-39, minutos 10:23 a 12:52;

b. Depoimento de parte do requerente AA, prestado na sessão datada de 16-03-2023, constante da faixa áudio, Diligencia_5483-22.5T8MAI_2023-03-16_14-47-35, minutos 21:57 a 23:45, 24:15 a 25:25, minutos 25:43 a 26:03;

c. Depoimento de parte da requerente BB, prestado na sessão datada de 16-03-2023, constante da faixa áudio Diligencia_5483-22.5T8MAI_2023-03-16_15-18-16, minutos 13:58 a 15:11, minutos 23:29 a 24:07.

§

OITAVA

63. O Tribunal a quo deveria ter dado como suficientemente indicada a matéria inserida na al. J) do despacho final, porque a prova produzida assim o impunha.

64. Mais uma vez, não é crível, num contexto de diatribe como o admitido pelo Tribunal a quo, que o ouro tenha sido retirado com autorização e conivência do requerido.

65. Foi o próprio a descrever a forma conturbada como a retirada do ouro pelo requerente AA ocorreu, com o ouro a ser levado por este.

66. As provas que impunham decisão diversa são:

a. Declarações de parte do requerido DD, prestadas na sessão datada de 16-03-2023, constantes da faixa áudio Diligencia_5483-22.5T8MAI_2023-03-16_15-44-39, minutos 10:23 a 12:52;

b. Depoimento de parte do requerente AA, prestado na sessão datada de 16-03-2023, constante da faixa áudio, Diligencia_5483-22.5T8MAI_2023-03-16_14-47-35, minutos 21:57 a 23:45, 24:15 a 25:25, minutos 25:43 a 26:03;

c. Depoimento de parte da requerente BB, prestado na sessão datada de 16-03-2023, constante da faixa áudio Diligencia_5483-22.5T8MAI_2023-03-16_15-18-16, minutos 13:58 a 15:11, minutos 23:29 a 24:07.

67. Como tal, deverá ser alterada a resposta dada à al. J) dos factos não suficientemente indiciados, devendo a mesma dar-se como suficientemente indiciada, uma vez que a prova produzida, coadunada com as regras da experiência comum, assim o impõe.

Face a tudo isto,

68. O Tribunal a quo não tinha bases factuais para manter o arrolamento, já que a prova produzida pré e pós-contraditório, com as alterações que devem ser julgadas procedentes por via do presente recurso, não permitiam dar como preenchidos os requisitos previstos nos n.º 1 e 2 do art. 405.º do CPC, sendo notórios os erros de julgamento apontados, onde inclusive se ignorou a natureza confessória de vários segmentos de depoimentos de parte.

§

NONA

69. Além de ter procedido a uma errada e esguia apreciação e julgamento da matéria de facto, o Tribunal a quo também andou mal no julgamento da matéria de direito, procedendo a uma errada interpretação e aplicação de vários preceitos legais ao caso concreto.

70. O Tribunal a quo julgou como indiciado que o requerido não prestou informações relevantes aos requerentes. Mas a sentença nem sequer identifica, que informações eram essas.

71. Nesta parte, a sentença proferida padece se não de um vício de falta de fundamentação, de uma titubeante e parca fundamentação.

72. Tendo sido omitido que “tipo” de informação “relevante” o Tribunal a quo considerou para fundamentar a sua decisão, verifica-se, de facto, uma notória insuficiência da matéria de facto para a decisão que deferia ter sido decidida no sentido de não sustentação do requisito do justo receio, necessário para a providência cautelar de arrolamento.

Por outro lado,

73. A titularidade ou contitularidade de uma quota é uma participação no capital social, mas não no património da sociedade e por isso não confere ao sócio qualquer direito sobre os bens, móveis ou imóveis, da sociedade.

74. Surpreende portanto, que no despacho final, após a oposição ao arrolamento e exercício do contraditório o Tribunal a quo tenha vindo afirmar o contrário do que disse quando fundamentou o despacho inicial, quando deu como indicada matéria de facto relativa à vida interna de sociedades comerciais e utilizou esse fundamento para decretar o arrolamento (cfr. pontos 26 e 27 do despacho inicial e respetivas considerações críticas, na motivação).

75. Como é bom de ver, o Tribunal a quo afirmou uma e outra coisa.

76. No entanto, conforme se expôs, nem estas considerações são verdadeiras, pois foi dado como provado, em sede de oposição ao arrolamento que o requerido, que o requerido partilhou com os requerentes, de de livre vontade património integrado no acervo hereditário, deslocando-se com eles aos bancos para aferir e conferir desse património, reunindo com eles para acertar a divisão e franqueando-lhes a porta do cofre onde estava depositado ouro integrado no acervo hereditário.

77. De acordo com as regras da experiência comum ninguém que queira ocultar ou dissipar património faz isto.

78. Não existe qualquer facto dado como indiciariamente provado nos autos que demonstre que o requerido dissipou, escondeu ou ocultou património do acervo hereditário da falecida, o contrário é que é verdade!

79. Mister se faz ressaltar que os requerentes OMITIRAM do seu requerimento inicial o recebimento de importantes quantias integradas no acervo hereditário da falecida, que lhes foram transferidas pelo requerido, assim como OMITIRAM estar na posse do ouro que integra o acervo da falecida.

80. Face a tudo o exposto, o Tribunal a quo não podia considerar demonstrada a seriedade do risco de extravio ou dissipação dos bens arrolados.

81. O justo receio de extravio ou dissipação dos bens a arrolar é uma conclusão de facto, sendo necessário alegar e provar factos que demonstrem que tal receio é sério e real, e no caso presente não era, e não é.

82. A situação de justo receio/periculum in mora no arrolamento, deve ser perspetivado objetivamente, e apresentar-se com um fundamento real que não corresponda a uma mera fantasia dos requerentes.

83. No caso vertente, não existiam em razões objetivas, para ser decretado o arrolamento com base num fundado e justo receio. Não quando os próprios requerentes omitem que receberam quantias avultadas e estão na posse de importantes bens que integram o acervo hereditário e ainda por partilhar.

84. Nos autos, não há a prova da existência de atos de delapidação de bens, a transferência de bens para locais desconhecidos, a apropriação ilegítima de valores depositados, a intenção de vender bens comuns, a declaração fiscal de inexistência de bens, etc.

85. Não se pode afirmar que a requerido tenha extraviado, ocultado ou dissipado qualquer bem que integra ao cervo hereditário da sua falecida mulher; não há indício de qualquer bem que esteja perdido, descaminhado, nem foi escondido, sonegado, nem foi gasto, ou dissipado.

86. Não existe assim qualquer justo e fundado receio que permitisse ao Tribunal a quo decretar e manter a providência cautelar de arrolamento.

87. Andou mal assim o Tribunal a quo, ao interpretar e aplicar o disposto no art. 405.º do CPC, devendo a decisão revidenda ser revogado e substituída por outra que considera como não preenchidos os requisitos do justo receio/periculum in mora inerentes a providência cautelar de arrolamento, com todas as consequências legais, o que desde já se requer.

88. Foram violados, entre outros, o disposto nos n.º 1 e 2 do art. 405.º do CPC.

Em 11 de setembro de 2023, AA e BB responderam ao recurso pugnando pela sua total improcedência, enfatizando a imediação do tribunal recorrido face à prova produzida, a não impugnação de alguma factualidade dada como provada na decisão que decretou o arrolamento e de que, no entender dos recorridos, decorre a prova de alguma da matéria impugnada pelo recorrente e, além do mais, o recurso na parte em que impugna aquela decisão, não é sequer atendível, pois que para tanto deveria ter recorrido dessa decisão impugnando esses pontos de facto, além de que a intervenção do tribunal de recurso na apreciação da impugnação não anula a livre apreciação do tribunal recorrido.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado, com efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da falta de fundamentação da decisão recorrida[9];

2.2 Da impugnação dos pontos 26 e 27 da decisão que decretou o arrolamento e das alíneas A), B), C), D) I) e J) da fundamentação de facto da oposição;

2.3 Da falta de factos concretos integradores de justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens a arrolar.

3. Fundamentos

3.1 Da falta de fundamentação da decisão recorrida

O recorrente imputa à decisão recorrida falta de fundamentação, ou, pelo menos uma titubeante ou parca fundamentação ou até uma insuficiência da decisão de facto. Estas patologias resultariam, na perspetiva do recorrente, de o tribunal recorrido ter afirmado que o ora recorrente não prestou informações relevantes aos recorridos, mas não cuidou de identificar que informações eram essas.

Cumpre apreciar e decidir.

De acordo com o previsto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Tradicionalmente, invocando-se os ensinamentos do Professor Alberto Reis[10], é recorrente a afirmação de que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito.

No entanto, no atual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório[11].

A falta de especificação das informações relevantes que o recorrente não prestou aos recorridos, a constituir algum vício, não é seguramente um vício na construção da sentença, seja na vertente da fundamentação de facto, seja na vertente da fundamentação de direito.

A nosso ver, a falta de especificação das informações relevantes que o requerido não prestou aos requerentes, poderá, quando muito, constituir uma falta de concretização da factualidade provada, mas nunca constituirá uma falta de fundamentação de facto ou de direito da decisão recorrida.

A falta de concretização da factualidade provada, a existir, poderá traduzir-se numa insuficiência factual para o preenchimento de alguma previsão legal e, se assim for, constitui um típico erro de julgamento, de todo distinto do erro na construção da sentença gerador da sua nulidade.

Pelo exposto, conclui-se que a decisão recorrida não enferma de falta de fundamentação, improcedendo esta questão recursória.

3.2 Da impugnação dos pontos 26 e 27 da decisão que decretou o arrolamento e das alíneas A), B), C), D) I) e J) da fundamentação de facto da oposição

O recorrente insurge-se contra os factos provados nos nºs 26 e 27 da decisão que decretou o arrolamento e bem assim contra as alíneas A) e B) dos factos provados da oposição e ainda contra as alíneas C), D), I) e J) dos factos não provados da oposição.

Os pontos de facto impugnados pelo recorrente têm o seguinte teor:

- O requerido tem recusado prestar aos requerentes quaisquer contas ou informações relativamente aos ativos da herança (ponto 26 dos factos provados da decisão que decretou o arrolamento);

- E tem ocultado aos requerentes informações sobre os ativos, operações e proveitos das sociedades “A..., Lda.” e “B..., Lda.” (ponto 27 dos factos provados da decisão que decretou o arrolamento);

 - O requerido transferiu para os requerentes quantias referentes a parte dos bens comuns da inventariada, a título de partilha parcial de tal acervo hereditário (alínea A) dos factos provados da decisão que conheceu a oposição);

- O ouro de uso pessoal da inventariada – que integra o acervo hereditário da mesma - encontra-se na posse do requerente (alínea B) dos factos provados da decisão que conheceu a oposição);

- O requerido nunca tenha negado [negou] e nunca tenha omitido [omitiu] aos requerentes informações relativas às sociedades que administra (alínea C) dos factos não provados da decisão que conheceu a oposição);

- O requerido nunca tenha ocultado [ocultou] aos requerentes informações relativamente aos bens integrantes do acervo hereditário da inventariada que se encontra a administrar (alínea D) dos factos não provados da decisão que conheceu a oposição);

- O requerente se tenha deslocado [deslocou] à casa de morada de família e dali tenha retirado todo o ouro existente que integra o acervo hereditário a partilhar, designadamente o ouro de uso pessoal do requerido (alínea I) dos factos não provados da decisão que conheceu a oposição);

- O ouro aludido em B) tenha sido [foi] levado da casa de morada de família sem conhecimento e sem autorização do requerido (alínea J) dos factos não provados da decisão que conheceu a oposição).

O recorrente pugna por que os factos provados nos nºs 26 e 27 da decisão que decretou o arresto sejam julgados não provados.

Quanto à alínea A) dos factos provados da oposição, pretende que passe a ter a seguinte redação:

- O requerido transferiu para o requerente AA o montante de € 171 990,39, e para a requerente BB, o montante de € 160 164,38, quantias referentes aos bens comuns da inventariada, a título de antecipação de partilha de tal acervo hereditário.

No que respeita à alínea B) dos factos provados da oposição, o recorrente pretende que passe a ter a seguinte redação:

- O ouro que integra o acervo hereditário da inventariada encontra-se na posse do requerente.

Relativamente às alíneas C), D) e J) dos factos não provados da oposição pugna por que sejam julgados provados.

Finalmente, pretende que a alínea I) dos factos não provados da oposição seja julgada provada com a seguinte redação:

- O requerente, em dia e hora não apurados, deslocou-se à casa de morada de família e dali retirou ouro que integra o acervo hereditário a partilhar, com peças do uso pessoal do requerido.

As razões e provas avançadas pelo recorrente para fundamentar as suas pretensões recursórias em sede de impugnação da decisão da matéria de facto são, em síntese, as seguintes:

- no que respeita ao ponto 26 dos factos provados da decisão que decretou o arrolamento, o recorrente refere que nenhuma das testemunhas mencionadas no despacho inicial conhecem ou depuseram de forma minimamente relevante quanto ao acervo hereditário da de cujus ou de quaisquer atos de ocultação ou dissipação do referido acervo, asserção que justifica com a indicação dos depoimentos das testemunhas inquiridas antes do decretamento do arresto, localizando as passagens da gravação que alegadamente firmam a sua afirmação; refere ainda o recorrente que os documentos nºs 2 a 8 por si oferecidos com a oposição ao arresto, tal como as declarações prestadas pelos requerentes e requerido, revelam que o ora recorrente transferiu valores elevados para os recorridos, não sendo crível que nesse contexto não lhes fornecesse informações sobre o património hereditário da falecida;  

- relativamente ao ponto 27 dos factos provados da decisão que decretou o arrolamento, refere que as testemunhas que depuseram antes de ser decretado o arrolamento nada disseram a propósito do acervo hereditário da falecida CC, asserção que fundamenta com a localização das passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas; além disso, refere-se que  não existe qualquer prova objetiva, nomeadamente documental, que comprove que os requerentes tenham pedido informações ao requerido sobre as referidas sociedades, apesar de os requerentes referirem a existência de mensagens de correio eletrónico; o tribunal a quo não teve em consideração que quanto a quotas indivisas, como é o caso dos autos, é ao ora recorrente, cabeça de casal, que compete exercer os direitos sociais das referidas quotas e, além disso, o tribunal recorrido não permitiu ao ora recorrente discutir esta matéria com a mesma amplitude que permitiu aos recorridos;

- no que respeita à alínea A), o recorrente sustenta que constam do mesmo expressões conclusivas que dele devem ser retiradas, pois só em sede de inventário é que se poderá concluir se as importâncias transferidas constituem ou não parte dos bens comuns da de cujus, pugnando por que sejam dadas como provadas as concretas importâncias transferidas que os recorridos confessaram ter recebido em sede de declarações prestadas na oposição ao arrolamento, localizando na gravação as passagens que suportam esta pretensão;

- quanto à alínea B), o recorrente sustenta a sua pretensão recursória nas declarações de parte do ora recorrente e nos depoimentos de parte dos ora recorridos, localizando na gravação as passagens destas provas pessoais que reputa pertinentes;

- no que tange a alínea C), o recorrente assenta a sua pretensão recursória na circunstância de não ter sido produzida qualquer prova objetiva de que o ora recorrente tenha sido interpelado para prestar informações sobre as sociedades, ao que acresce a circunstância de o tribunal recorrido ter referido em plena audiência que a matéria relacionada com a vida interna e bens das empresas, não é relevante para o arrolamento e, pelo contrário, o ora recorrente prestou declarações de parte que suportam a sua pretensão recursória, asserção que fundamenta com a localização na gravação das passagens que reputa pertinentes;

- relativamente à alínea D), o recorrente suporta a sua pretensão recursória no que resulta dos documentos 2 a 8 que ofereceu com a oposição, nos depoimentos das testemunhas inquiridas antes da decisão que decretou o arrolamento, nas passagens que destaca e localiza na gravação e ainda no depoimento de parte da recorrida na passagem que destaca e localiza na gravação;

- no que tange a alínea I), o recorrente apoia-se nas suas declarações de parte e nos depoimentos de parte dos recorridos nas passagens que destaca e localiza na gravação;

- finalmente, relativamente à alínea J), o recorrente estriba-se nas suas declarações de parte e nos depoimentos de parte dos recorridos nas passagens que destaca e localiza na gravação.

Em sede de decisão que decretou o arrolamento, o tribunal recorrido motivou a sua decisão da matéria de facto nos termos que seguem:

“O tribunal fundamentou a sua convicção no conjunto da prova testemunhal e documental junta aos autos, analisada à luz das regras da experiência comum e da lógica, sendo que aquela se encontra devidamente gravada.

Assim, o Tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas HH, contabilista, e GG, ajudante de acção educativa, que revelaram ter conhecimento dos factos em virtude de serem, respectivamente, o contabilista pelas diversas sociedades mencionadas na matéria de facto e a companheira do requerente AA.

Prestaram os seus depoimentos de forma clara e convincente, descrevendo o relacionamento existente entre o requerido e os requerentes, o qual caracterizaram como litigioso.

Descreveram os desentendimentos verificados entre o requerente e os requeridos, designadamente na gestão das empresas da família.

Pronunciaram-se ainda quanto aos bens detidos pela falecida CC e quanto à gestão que o requerido tem efectuado relativamente aos mesmos.

Foram ainda tidos em consideração os documentos juntos ao processo.

O Tribunal não deu como indiciado o teor de qualquer outro artigo dos articulados por os mesmos encerrarem em si matéria irrelevante para a decisão da causa, matéria conclusiva ou de direito.”

Posteriormente, o tribunal recorrido motivou a decisão de facto proferida em sede de oposição nos seguintes termos:

“Para determinação da matéria de facto ora indiciada e não indiciada, o tribunal fundamentou a sua convicção na apreciação conjunta e crítica da prova produzida nos presentes autos, analisada à luz das regras da experiência comum e da lógica.

Assim, foram atendidos os depoimentos de parte:

- do requerente AA, empresário, que revelou ter conhecimento dos factos em virtude da sua intervenção directa nos mesmos:

Prestou o seu depoimento de forma clara, pormenorizada e coerente, confirmando que não mantém relações com o requerido, existindo diversos litígios judiciais entre ambos.

Referiu que em diferentes ocasiões solicitou ao requerido informações sobre as sociedades familiares, descrevendo a forma e as circunstâncias em que tal sucedeu.

Esclareceu que o requerido sempre negou o acesso ao arquivo relativo à sociedade “G...”.

A este propósito, esclareceu que o requerido por regra se mantém em silêncio não, omitindo qualquer resposta aos pedidos de informações, sendo que uma vez recusou expressamente a prestação das informações solicitadas.

Confirmou o recebimento de diversas quantias monetárias a título de partilha parcial da

herança, referindo os valores recebidos, bem como as circunstâncias em que foram recebidos.

No entanto, esclareceu que só uma parte dos valores foram partilhados e que mesmo assim só recebeu parte das quantias que lhe seriam devidas.

Reconheceu que se deslocou à casa de morada de família para recolher bens pessoais.

Referiu anda que nessas circunstâncias, o requerido abriu o cofre e lhe entregou o ouro de uso pessoal da inventariada.

Esclareceu que o requerido e os requerentes procederam então à divisão do ouro da inventariada, afirmando que tal foi efectuado com conhecimento e autorização do requerido.

Esclareceu estar na posse do ouro dividido por acordo.

- da requerente BB, enfermeira e gestora de uma residência sénior, que revelou ter conhecimento dos factos em virtude da sua intervenção directa nos mesmos.

Depôs de forma clara, serena e credível, corroborando o depoimento prestado pelo seu irmão.

Pronunciou-se quanto ao relacionamento mantido com o requerido, o qual caracterizou como litigioso.

Descreveu os pedidos de informação formulados ao requerido quanto aos bens a partilhar, referindo que este assumiu uma conduta de constante omissão de resposta, nunca tendo facultado a informação solicitada, designadamente quanto aos documentos de suporte.

A este propósito, esclareceu que o seu pai nunca facultou os documentos oficiais, limitando-se a dar resumos por si elaborados.

Reconheceu ter recebido diversas quantias de dinheiro por parte do requerido, mas referiu que este não transferiu tudo o que lhe era devido.

Esclareceu que os requerentes e o requerido dividiram o ouro de uso pessoal da mãe por

acordo, sendo que o requerente tem parte desse ouro na sua posse, tendo procedido à avaliação do mesmo.

O tribunal atendeu ainda às declarações de parte do requerido, a qual se pronunciou quanto ao relacionamento que mantém com os filhos, imputando-lhes diversos actos lesivos quanto à administração dos bens.

Depôs de forma parcial e incoerente, não tendo logrado convencer o tribunal da veracidade das suas declarações.

Apesar de ter referido que sempre prestou informações aos requerentes, não logrou convencer o tribunal da veracidade das suas declarações.

De facto, não só foi infirmado pelos depoimentos dos requerentes, os quais se afiguraram mais credíveis, como foi também contraditado pelos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelos requerentes.

Acresce que as suas declarações a este propósito não se mostram corroboradas pelo teor dos documentos juntos ao processo.

Atendeu-se ainda ao depoimento da testemunha II, agente imobiliária, que referiu conhecer o requerido do exercício da sua actividade profissional.

Depôs de forma clara, revelando não ter conhecimento de factos com relevo para a decisão da causa.

O Tribunal ponderou ainda o teor dos documentos juntos ao processo com a oposição, salientando que parte dos mesmos se revelam irrelevantes para a decisão a proferir e que o teor dos restantes não permite abalar a convicção subjacente aos factos inicialmente considerados como suficientemente indiciados.

A matéria de facto não indiciada resulta da total ausência de prova ou da falta de credibilidade da prova produzida nos termos supra referidos.

Importa salientar que à semelhança do que sucedeu com os requerentes – que solicitaram o arrolamento de bens pertencentes a terceiros -, também o requerido alegou factos irrelevantes para a decisão da causa, uma vez que respeitante a tais bens de terceiros.

Por outro lado, o requerido deduziu oposição a factos que não foram considerados como

fundamento da decisão proferida e que como tal se mostram irrelevantes para a decisão a proferir

Na verdade, o requerido alega que foram invocados factos falsos, designadamente que ficou enraivecido com a conduta dos requerentes e que contraiu novo casamento de forma apressada.

Porém, esses factos não serviram de fundamento ao decretamento do procedimento cautelar e, nessa medida, também são irrelevantes para a apreciação da oposição.

Por fim, parte da factualidade invocada não se afigura relevante para permitir e justificar a modificação da decisão proferida aquando do decretamento parcial do procedimento cautelar.

Assim, a circunstância do requerido ter procedido à distribuição de quantias monetárias pelos requerentes, não abala o fundamento do procedimento.

Com efeito, não se provou que tenha sido concretizada a partilha total do acervo hereditário, sendo que o requerido se mantém a administrar o património remanescente.

Acresce que parte da factualidade alegada quanto à conduta dos requerentes – a comprovar-se - poderia ser susceptível do recurso a outros meios de tutela jurídica por parte do requerido, mas não contende com o arrolamento decretado, designadamente em face da demonstrada ausência de prestação de informações relevantes por parte do requerido aos requerentes.

Em suma, não foi produzida qualquer prova que permita abalar os fundamentos em que se baseou o decretamento do presente procedimento cautelar.

Cumpre apreciar e decidir.

O recorrente observa suficientemente os ónus que impendem sobre o impugnante da decisão da matéria de facto e não obstante o uso alternativo do recurso e da oposição à providência decretada decorrente do disposto no artigo 372º, nº 1 do Código de Processo Civil, perante normativo similar já entendia António Santos Abrantes Geraldes[12] que nada obsta a que o requerido deduzindo oposição e improcedendo esta, recorra da decisão final invocando então outros fundamentos que porventura existissem relativamente à decisão inicial, nomeadamente impugnando a decisão da matéria de facto dessa decisão.

Se não se seguisse esta interpretação, dada a alternatividade do uso dos referidos meios processuais, cercear-se-ia injustificadamente o direito de defesa do requerido em procedimento cautelar, assim se pondo em crise as exigências constitucionais do processo equitativo (parte final do nº 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa).

Por outro lado, na cognição da impugnação da decisão da matéria de facto, o tribunal de segunda instância deve buscar a formação de uma convicção probatória própria e autónoma[13], não se cingindo este labor a uma mera apreciação crítica da motivação, antes envolvendo a reapreciação das próprias provas.

Analisou-se a prova documental junta aos autos oferecida pelos requerentes e pelo requerido e ouviu-se a prova pessoal produzida antes do decretamento parcial do arrolamento requerido e bem assim a prova pessoal produzida antes do conhecimento da oposição deduzida pelo requerido.

A prova pessoal produzida antes de ser decretada a decisão de arrolamento reduziu-se aos depoimentos testemunhais de HH e de GG.

HH é contabilista, sendo os requerentes e o requerido seus clientes, cuidando da contabilidade das sociedades “G...”, “A...” e “B...”; referiu que apesar de alguma turbulência, as exigências fiscais têm vindo a ser cumpridas, exigindo o requerido exige que os pedidos de informações relativas às sociedades lhes sejam dirigidos pois que é o gerente das sociedades “A...” e “B...”, não autorizando o depoente a prestar diretamente as informações pretendidas pelos requerentes. Esta testemunha apenas depôs sobre matéria referentes às sociedades.

GG, declarou primeiramente namorar com o requerente, dizendo depois morar com ele e, finalmente, depois de instada pelo Sr. Juiz a quo declarou viver como unida de facto com o requerente AA, sem contudo precisar desde quando mantinha esta relação; descreveu o mau relacionamento que se verifica entre os requerentes e o requerido, referindo que após o falecimento da mãe dos requerentes o comportamento do requerido se alterou, especialmente depois que conheceu a sua atual esposa, denotando uma personalidade frágil e dependente; referiu que falaram em partilhas e que o requerido dizia que sim, ficando os requerentes à espera sem que as coisas fossem para a frente.

II, trabalhadora em part-time numa imobiliária nada revelou saber de relevante para a matéria em discussão nestes autos.

AA, filho do requerido, empresário, referiu que há uns meses que o requerido deixou de falar consigo e com a irmã; enviou “emails” ao requerido solicitando informações sobre as sociedades e sobre a contabilidade das mesmas, comunicações que não obtiveram qualquer resposta do requerido; instado pelo Sr. Advogado do requerido admitiu ter recebido variadas importâncias por conta da sua parte na herança da sua falecida mãe, no valor global de € 171 990,39, valores que ficam aquém dos que lhe eram devidos de acordo com um documento que seu pai lhe enviou sobre o saldo das contas de seus pais e das contas exclusivamente de sua mãe e que respeitavam a dinheiro que era da sua avó; referiu que recebeu alguns valores diretamente de seguradoras e que relativamente a certificados de aforro deslocou-se aos C... com sua irmã e o requerido e depois de comprovado o pagamento do imposto de selo devido pela abertura da herança de sua mãe, cada um deles recebeu a sua parte nesses bens; no que respeita aos objetos em ouro declarou que com o acordo do requerido levou consigo os objeto em ouro de sua mãe e que estavam guardados no cofre do requerido na sua residência equipada com câmaras de vigilância; além dos objetos em ouro de sua mãe, seu pai retirou do cofre também umas medalhas e um relógio Cartier que disse serem seus e que não entravam nas partilhas; a pedido de seu pai, o mesmo ficou com uma cruz enorme em ouro e bem assim com um fio grosso também em ouro; os restantes objetos em ouro retirados do cofre do requerido foram levados pelo depoente para a sua residência, onde ainda se encontram, tendo sido entretanto avaliados; seu pai ajudou-o a transportar os objetos em ouro para o seu carro; seu pai deixou de falar consigo  a partir do final de junho, tendo sido informado por ele que tinha trocado as fechaduras da sua casa; afirmou que os bens da “A...” terão um valor na ordem dos dez milhões de euros e que a “B...” tem um loteamento para construção em ..., não sabendo qual o seu valor, embora seja um valor na ordem dos milhões de euros.

BB, filha do requerido, enfermeira, a gerir uma residência sénior disse não se relacionar com o pai desde que este foi para a Finlândia, em junho do ano passado; declarou ter pedido informações a seu pai e ao contabilista sobre as sociedades, não obtendo resposta de seu pai, tendo sido feitos pedidos por escrito, nomeadamente “emails”; instada pelo Sr. Advogado do requerido referiu que depois de muita pressão recebeu por conta da herança de sua falecida mãe o valor global de € 164 160,38 e que foi aos bancos com seu irmão e seu pai, tendo-se reunido todos a muito custo; seu pai entregou-lhes o ouro, tendo este ficado para si com uma cruz e um fio, ambos em ouro; o ouro está em poder de seu irmão, tendo já sido avaliado; a última vez que falou com seu pai foi em junho, quando trouxeram o ouro; declarou que a “A...” é a sociedade com o património mais valioso; não tem informações sobre os suprimentos dos sócios às sociedades e bem assim do ativo das mesmas.

 DD, engenheiro civil, negou que se tivesse recusado a prestar informações sobre o património do casal que formava com a falecida mãe de seus filhos, referindo que tem os “emails” que a esse propósito trocou com seus filhos, tendo feito um levantamento exaustivo das contas que entregou a seus filhos; declarou que tem aplicações financeiras suas, em seu nome; declarou que o ouro foi retirado da sua casa contra a sua vontade por seu filho que o abordou aos berros e tratando-o por tu, coisa que nunca antes tinha feito, não querendo o depoente entrar em conflito com seu filho; o ouro foi por si retirado do cofre e exposto no chão do hall de entrada, tendo ficado com duas peças de ouro; a instâncias do Sr. Advogado dos requerentes referiu que participou criminalmente por causa da retirada do ouro de sua casa; declarou não saber precisamente quando prestou as informações bancárias a seus filhos mas que terá sido uns dias antes da primeira transferência que fez para eles; nas duas reuniões que teve com seus filhos mostrou-lhes os extratos bancários; transferiu para seu filho tudo quanto tinha que lhe transferir e que para a sua filha ainda falta transferir-lhe uns dezoito mil euros; declarou que seus filhos têm a listagem de todo o património das empresas e que estes devem pedir-lhe as informações que pretendem e não ao contabilista.

Resumido o essencial da prova pessoal produzida tendo em conta a matéria impugnada, é tempo de apreciar a impugnação deduzida.

Comecemos pelo ponto 26 dos factos provados.

No que respeita esta matéria, os depoimentos das duas testemunhas que foram inquiridas antes de ser decretado o arrolamento é de todo insuficiente, mesmo tendo em conta a menor exigência probatória em sede de procedimentos cautelares, não tendo nenhuma delas revelado conhecimentos concretos e fiáveis sobre esta matéria.

Ao invés, o manancial de informação[14] que consta do requerimento inicial revela que os requerentes estavam na posse de múltipla e detalhada informação que coloca em crise o alegado défice informativo de que se queixam e que imputam ao requerido.

Tendo em conta a qualidade profissional de requerentes e requeridos que amiúde se referiram a variados documentos e mensagens eletrónicas, impressiona que nenhuma dessa documentação esteja junta aos autos.

Impressiona também que volvido mais de um ano e meio sobre a instauração do procedimento cautelar de arrolamento ainda não tenha sido instaurado inventário judicial.

É notório que os requerentes omitiram factos que punham em crise os fundamentos invocados no requerimento inicial, como seja a partilha parcial de alguns valores da herança da sua falecida mãe, de montante superior a trezentos mil euros e a detenção de objetos em ouro pertencentes à referida herança.

Ao contrário do que sustentam os recorridos, a factualidade provada nos pontos 6, 7, 10 e 11 dos factos provados não é por si bastante para que se julgue provada a matéria vertida no ponto 26 dos mesmos factos, pois que esta não se acha numa qualquer relação consequencial ou de dependência necessária relativamente a tais outros factos.

Assim, tudo sopesado, nesta parte, procede a impugnação da decisão da matéria de facto pois a prova pessoal produzida antes do decretamento do arrolamento não permite a formação de um juízo de verosimilhança sobre essa matéria.

Debrucemo-nos agora sobre o ponto 27 dos factos provados.

A nosso ver, esta matéria é inócua e impertinente porque se relaciona com a pretensão dos requerentes de arrolamento de bens de sociedades que não eram parte no procedimento, a qual foi indeferida, não merecendo qualquer reação por banda dos requerentes.

A nosso ver, relativamente a esse pedido deveria ter sido proferido despacho de indeferimento liminar parcial e desde logo, porque era evidente a ilegalidade da pretensão de arrolamento de bens da titularidade de entidades que não eram parte no procedimento e, ainda que assim não fosse, porque tais bens da titularidade de sociedades comerciais não integram a herança de uma pessoa singular.

Neste contexto, estando em causa matéria impertinente[15], deve a mesma ser extirpada dos fundamentos de facto da decisão recorrida.

Vejamos agora a alínea A) dos factos provados.

Antes de mais, deve vincar-se que este ponto, corresponde, em substância, ao que o ora recorrente alegou no artigo 36º da sua oposição, pelo que mal se percebe a impugnação que ora formula.

Ao contrário do que afirma o recorrente, os recorridos não confessaram a matéria que pretende seja julgada provada e, desde logo, porque não foi por si alegada e, além disso, porque nem se pode considerar concretizadora da que alegou na sua oposição.

Embora os requerentes tenham reconhecido ter recebido os valores que o recorrente pretende sejam julgados provados, não admitiram que os mesmos vieram integrar as suas esferas jurídicas por força de transferências realizadas pelo recorrido e, pelo contrário, referiram que alguns desses valores foram entregues diretamente por entidades que os tinham na sua disponibilidade.

O caráter conclusivo de que se queixa o recorrente relativamente a este ponto de facto corresponde à sua própria alegação e, neste contexto, não repugna que o tribunal recorrido o tenha relevado positivamente.

Assim, face ao que precede, improcede a impugnação da alínea A) dos factos provados.

Vejamos agora a alínea B) dos factos provados.

 No que respeita esta impugnação, atendendo aos depoimentos dos requerentes e às declarações do requerido, é notória a convergência de todos eles que o requerido ficou em seu poder com pelo menos dois objetos em ouro, não tendo sido produzida qualquer prova que permita concluir que não se integram na herança aberta por óbito da falecida mãe dos requerentes.

Assim, pelo exposto, improcede a impugnação deste ponto de facto.

Vejamos agora a impugnação das alíneas C) e D) dos factos provados.

A prova produzida relativamente a esta matéria, em sede de oposição, foi contraditória, sendo certo que os interesses de requerentes e requerido são antagónicos.

As versões de requerentes e do requerido não se acham corroboradas, nomeadamente por elementos documentais a que todos foram fazendo referência, sem cuidarem de os juntar aos autos.

É seguro que os requerentes tinham muito informação sobre a composição do património hereditário da herança da sua falecida mãe, como é bem evidenciado pelo próprio requerimento inicial, mas daí não se pode extrair a conclusão de que o requerido lhes facultou toda a informação pretendida.

Deste modo, deve manter-se não provada a matéria vertida nas alíneas C) e D) dos factos não provados, improcedendo neste ponto a impugnação do recorrente.

Vejamos agora a impugnação das alíneas I) e J) dos factos não provados.

 Uma vez mais a prova produzida relativamente a esta matéria, em sede de oposição, foi contraditória, sendo certo que os interesses de requerentes e requerido são antagónicos.

As versões de requerentes e do requerido não se acham corroboradas, nomeadamente por elementos documentais a que todos foram fazendo referência (referimo-nos neste caso às imagens do sistema de vigilância instalado na moradia), sem cuidarem de os juntar aos autos.

Não obstante, é seguro que o requerido ficou na posse pelo menos de dois objetos em ouro, não tendo sido produzida qualquer prova que permita concluir que não se integram na herança aberta por óbito da falecida mãe dos requerentes.

Assim, face ao exposto, improcede também nesta parte a impugnação do recorrente.

Pelo exposto, a impugnação procede quanto ao ponto 26 dos factos provados que deve passar para a matéria não provada, excluindo-se dos factos provados o ponto 27 dos factos provados por ser manifestamente impertinente, improcedendo a restante impugnação requerida pelo recorrente.

3.3 Fundamentos de facto exarados na decisão recorrida com as alterações decorrentes da parcial procedência da impugnação da decisão da matéria de facto e da expurgação do ponto 27 dos factos indiciariamente provados dos fundamentos de facto

3.3.1 Factos indiciariamente provados


3.3.1.1

CC faleceu no dia 24 de novembro de 2021, no estado de casada com o requerido DD.

3.3.1.2

A mencionada CC e o requerido DD contraíram matrimónio no regime de comunhão de adquiridos.

3.3.1.3

Os requerentes AA e BB são filhos do requerido DD e da falecida CC.

3.3.1.4

Os requerentes e o requerido são os únicos e universais herdeiros da falecida CC.

3.3.1.5

O requerido DD e a falecida CC casaram no dia 26 de agosto de 1979.

3.3.1.6

Os bens do casal foram adquiridos após o casamento com os respetivos frutos ou rendimentos de trabalho de ambos.

3.3.1.7

Na pendência do respetivo casamento, o requerido e a falecida CC adquiriram o capital social da sociedade comercial “A..., Lda.”, cujo capital social ascende ao montante de € 153 700,00.

3.3.1.8

Na data do óbito da inventariada, a sociedade comercial “A..., Lda.” tinha como sócios:

- o requerido DD, com uma quota no valor de € 103 700,00;

- o requerente AA, com duas quotas, uma no valor de € 13 000,00 e outra no valor nominal de € 18 500,00;

- a requerente BB, com duas quotas, uma no valor de € 13 000,00 e outra no valor nominal de € 18 500,00.


3.3.1.9

A sociedade “A..., Lda.” é gerida em exclusivo pelo requerido DD.

3.3.1.10

No decurso do ano de 2000, foi constituída a sociedade comercial “B..., Lda.”, sendo o requerido o seu único gerente.

3.3.1.11

Na data do óbito da inventariada, o capital social da sociedade comercial “B..., Lda.” estava distribuído da seguinte forma:

- uma quota no valor de € 725 000,00, detida pela sociedade “A... Lda.”;

- uma quota no valor de € 125 000,00, detida pela inventariada CC;

- uma quota no valor nominal de € 125 000,00, detida pelo requerido DD;

- uma quota no valor nominal de € 23 000,00, detida pelo requerido DD;

- uma quota no valor nominal de € 1 000,00, detida pelo requerido DD;

- uma quota no valor nominal de € 1 000,00, detida pelo requerido DD.


3.3.1.12

Na data do óbito da inventariada eram gerentes desta sociedade o requerido e a própria inventariada.

3.3.1.13

O requerido e FF casaram, um com o outro, no dia 4 de agosto de 2022, no regime de separação de bens.

3.3.1.14

Após o casamento aludido em 13) [3.3.1.13], o requerido deixou de se relacionar com os requerentes.

3.3.1.15

O requerido é titular de diversas contas bancárias no Banco 1..., S.A., designadamente:

a) Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 1..., SA;

b) Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 1..., SA;

c) Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 1..., SA;

d) Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 1..., SA;

e) Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 1..., SA;

f) Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 1..., SA;

g) Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 1..., SA;

h) Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 1..., SA;

i) Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 1..., SA;

j) Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 1..., SA;

k) Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 1..., SA;

l) Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 1..., SA;

m) Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 1..., SA;

n) Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 1..., SA;

o) Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 1..., SA;

p) Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 1..., SA;

q) Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 1..., SA;

r) Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 1..., SA;


3.3.1.16

O requerido é titular de contas bancárias na Banco 2... S.A.,

designadamente a conta n.º ....


3.3.1.17

O requerido é titular de contas bancárias na Banco 3..., S.A., designadamente:

- Conta nº ... titulada pelo requerido na Banco 3...;

- Conta nº ... titulada pelo requerido na Banco 3...;

- Conta nº ... titulada pelo requerido na Banco 3....        


3.3.1.18

O requerido é titular de contas bancárias no Banco 4..., S.A., designadamente a conta n.º ....

3.3.1.19

O requerido é titular de contas bancárias no Banco 5..., S.A., designadamente:

- Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 5..., SA;

- Conta nº ... titulada pelo requerido no Banco 5..., S.A..


3.3.1.20

O requerido é titular de contas bancárias na Banco 6..., CRL, designadamente:

- Conta nº ... titulada pelo requerido na Banco 6..., CRL;

- Conta nº ... titulada pelo requerido na Banco 6..., CRL.


3.3.1.21

O requerido é ainda titular de outras aplicações financeiras.

3.3.1.22

Na data do óbito, a inventariada era titular de na Banco 2..., S.A. da conta n.º ....

3.3.1.23

Na data do óbito, a inventariada era titular de outras aplicações financeiras.

3.3.1.24

As sociedades “A..., Lda.” e “B..., Lda.” são titulares de contas bancárias e proprietárias de diversos imóveis.

3.3.1.25

O acervo hereditário da inventariada é integrado pelos bens móveis que constituem o recheio do imóvel que constituiu a última residência habitual da mesma, sito na Rua ..., na Maia.

3.3.1.26

Os requerentes são os únicos sócios da sociedade comercial “G..., Lda.”.

3.3.1.27

Até agosto de 2022, a sociedade comercial “G..., Lda.” foi exclusivamente gerida pelo requerido.

3.3.1.28

Sendo que até essa data o requerido procedeu a levantamentos de dinheiro em caixa no seu benefício pessoal e fez pagamentos de viagens pessoais.

3.3.1.29

O requerido constituiu uma nova sociedade comercial, também com objeto ligado à atividade imobiliária, com a firma “H... - Unipessoal Lda.”, da qual é o único sócio.

3.3.1.30

O requerido encontra-se a residir na moradia aludida em 25) [3.3.1.25].

3.3.1.31

O requerido transferiu para os requerentes quantias referentes a parte dos bens comuns da inventariada, a título de partilha parcial de tal acervo hereditário.

3.3.1.32

O ouro de uso pessoal da inventariada – que integra o acervo hereditário da mesma – encontra-se na posse do requerente.

3.3.2 Factos indiciariamente não provados


3.3.2.1

O requerido tem recusado prestar aos requerentes quaisquer contas ou informações relativamente aos ativos da herança.

3.3.2.2

O requerido nunca negou e nunca omitiu aos requerentes informações relativas às sociedades que administra.

3.3.2.3

O requerido nunca ocultou aos requerentes informações relativamente aos bens integrantes do acervo hereditário da inventariada que se encontra a administrar.

3.3.2.4

As férias da inventariada, do requerido e dos requerentes sempre foram pagas com dinheiro das sociedades da família.

3.3.2.5

O pagamento de tais férias constituiu um prémio de gratificação da gerência.

3.3.2.6

Os levantamentos aludidos em 30) [3.3.1.28] foram realizados para ressarcimento de suprimentos anteriormente efetuados pelo requerido à respetiva sociedade.

3.3.2.7

Os pagamentos aludidos em 30) [3.3.1.28] se destinaram a remodelações de interiores de imóveis para clientes que foram depois faturados pela respetiva sociedade.

3.3.2.8

O requerente se tenha deslocado à casa de morada de família e dali tenha retirado todo o ouro existente que integra o acervo hereditário a partilhar, designadamente o ouro de uso pessoal do requerido.

3.3.2.9

O ouro aludido em B) [3.3.1. 32] foi levado da casa de morada de família sem conhecimento e sem autorização do requerido.

4. Fundamentos de direito

Da falta de factos concretos integradores de justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens a arrolar

O recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida em função da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto por que pugnou, mas também porque, na sua perspetiva, os factos indiciariamente dados como provados pelo tribunal recorrido não integram o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens cujo arrolamento é pretendido.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 403º do Código de Processo Civil, havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles.

O justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens cujo arrolamento é pretendido requer a alegação de factos concretos e objetivos que permitam concluir pela sua seriedade e iminência[16] ou, quando assim não seja, pela verificação já de alguns atos de extravio, ocultação ou dissipação de bens de modo a que seja razoável, de acordo com o que é normal suceder, que outros atos desse tipo se venham a verificar relativamente a outros bens, precisamente aqueles que se querem ver arrolados.

Na decisão que decretou o arrolamento concluiu-se pelo preenchimento dos requisitos necessários à procedência do arrolamento requerido pelos seguintes fundamentos:

Ora, no que concerne ao caso concreto, face à factualidade indiciada, conclui-se sem margem para dúvidas que os requerentes lograram fazer prova da procedência do direito exercido, uma vez que resultou comprovado que existem desentendimentos entre os herdeiros, que o requerido tem praticado actos que se traduzem em prejuízo para os interesses patrimoniais dos requerentes enquanto herdeiros da sua falecida mãe e que o requerido pode por si próprio proceder livremente à disposição dos bens comuns, designadamente à movimentação das contas bancárias onde estão depositados os valores que integram o acervo hereditário.

Mais tarde, na decisão que conheceu a oposição, no que respeita este pressuposto do arrolamento escreveu-se o seguinte:

Para além da existência do direito, conclui-se igualmente pela produção de prova quanto a um justo receio de dissipação patrimonial.

Com efeito, nenhuma prova foi produzida que permita infirmar o já decidido quanto ao justo receio invocado pelos requerentes.

Que dizer?

A existência de desentendimentos entre os herdeiros de uma herança indivisa por si só não basta para que objetivamente haja fundado receio de extravio, dissipação ou ocultação de bens integrantes dessa herança por parte do cabeça de casal.

Os atos que o requerido praticou em prejuízo para os interesses patrimoniais dos requerentes (3.3.1.26 a 3.3.1.28 dos factos indiciariamente provados) não respeitam a uma sociedade cujas participações sociais integrem a herança da falecida mãe dos requerentes.

A simples possibilidade de o requerido por si só proceder à disposição dos bens comuns constitui uma circunstância abstrata que não é bastante para integrar o justo receio de extravio, dissipação ou ocultação dos bens a partilhar[17] e, além disso, alguns desses atos requerem forma legal, o que obsta a que tal possibilidade abstrata se possa vir a normalmente concretizar.

Na falta de prova, ainda que indiciária, de um circunstancialismo factual que faça objetivamente temer que o requerido venha a praticar atos de extravio, ocultação ou dissipação de bens integrantes da herança a partilhar por óbito da falecida mãe dos requerentes, há que concluir pela inverificação do pressuposto fulcral do procedimento cautelar de arresto e, em consequência, pela procedência do recurso e revogação da decisão recorrida, com levantamento da providência decretada.

As custas quer do procedimento de arrolamento, quer do recurso, são da responsabilidade dos recorridos em virtude de terem improcedido integralmente as suas pretensões (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

5. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto, neste recurso de apelação interposto por DD e em que são recorridos AA e BB, acordam em julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos antes enunciados e em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida proferida em 14 de julho de 2023 e que constitui complemento e parte integrante da que foi inicialmente proferida em 15 de outubro de 2022, ordenando-se o levantamento da providência cautelar de arrolamento decretada pelo tribunal recorrido.

Custas do procedimento cautelar e do recurso a cargo dos requerentes e recorridos, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.


***

O presente acórdão compõe-se de trinta e seis páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.


Porto, 10 de julho de 2024
Carlos Gil
Manuel Domingos Fernandes
Fernanda Almeida
____________________
[1] “Inventarianda” porque, não obstante o tempo entretanto decorrido, não há notícia de que tenha sido instaurado inventário judicial.
[2] No entanto, mais adiante, os requerentes alegam que à data do óbito da inventarianda eram gerentes desta sociedade o requerido e a inventarianda.
[3] Usam-se aspas porque os imóveis são como o próprio nome indica imóveis e por isso insuscetíveis de serem objeto de parqueamento no sentido próprio do termo, como sucede com um automóvel, não cuidando os requerentes de alegar factos concretos que constituam o alegado “parqueamento” dos imóveis.
[4] São identificados dezassete imóveis “parqueados” na sociedade “A..., Lda.” e sete imóveis “parqueados” na sociedade “B..., Lda.”.
[5] No artigo 56 do requerimento inicial alega-se a sonegação de “informação aso requeridos” e a interpelação do requerido, por escrito, “para prestar informações aos requeridos”, alegações que enfermam de ostensivos lapsos pois nem há requeridos neste procedimento e são os requerentes que têm interesse na prestação das aludidas informações.
[6] Notificada aos requerentes mediante expediente eletrónico elaborado em 16 de novembro de 2022.
[7] O requerido foi notificado por carta registada com aviso de receção nos termos e para os efeitos previstos no nº 6 do artigo 366º e das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 372º, ambos do Código de Processo Civil em 25 de janeiro de 2023.
[8] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 19 de julho de 2023.
[9] Identifica-se, à cautela, esta questão como sendo uma questão a decidir apesar de o recorrente não qualificar juridicamente esta alegada falta de fundamentação como uma nulidade da sentença, patologia que de acordo com o que alega o recorrente também pode ser uma titubeante ou parca fundamentação ou até uma insuficiência na decisão da matéria de facto (veja-se a página 47 das alegações de recurso e as conclusões septuagésima a septuagésima segunda).
[10] Veja-se o Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140.
[11] Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de março de 2011, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Sérgio Poças, no processo nº 161/05.2TBPRD.P1.S1 e acessível no site da DGSI.
[12] Veja-se Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, (4ª Edição Revista e Actualizada), Almedina 2010, último período do ponto 81.3 na página 275.
[13] Assim veja-se Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, António Santos Abrantes Geraldes, página 352, alínea d).
[14] E não resulta dos autos que os requerentes tenham obtido tais informações com recurso às bases de dados oficiais e prevalecendo-se da sua qualidade de sucessores da de cujus.
[15] Sublinhe-se que este juízo de impertinência não colide com a necessidade de numa fase mais avançada do processo de inventário se ter em conta a situação patrimonial das sociedades a que pertencem as quotas sociais integradas na herança a partilhar, a fim de se determinar o valor de tais posições jurídicas.
[16] A este propósito vejam-se: Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Reimpressão, Coimbra 1981, Professor José Alberto dos Reis, página 117, terceiro parágrafo; Providências Cautelares, Marco Carvalho Gonçalves, Almedina 2015, página 258, penúltimo e último parágrafo do ponto 2.2.
[17] No campo das possibilidades só o impossível não é possível... A simples possibilidade de ocorrência de certo ato não basta para concluir pela existência de um justo receio de extravio, dissipação ou ocultação dos bens a arrolar. Como refere o primeiro autor citado na precedente nota de rodapé “[c]omo no arresto e nas providências cautelares, a lei não se contenta com qualquer receio, mais ou menos vago, mais ou menos definido; exige que o receio seja justo, isto é, fundado; exige que haja razões sérias para temer o extravio ou a dissipação dos bens.”