CONSTITUIÇÃO OBRIGATÓRIA DE ADVOGADO
CONTESTAÇÃO NÃO SUBSCRITA POR ADVOGADO
Sumário

I - O art.º 41º do CPC aplica-se às situações em que os réus apresentaram eles próprios uma contestação ou defesa que não se encontra subscrita por advogado, devendo ser, neste caso, notificados para o constituírem, sob pena de ficar sem efeito a defesa.
II - Se os réus não tiverem mandatado o Sr. Advogado para apresentar contestação, não estamos perante a prática de um ato que tem a virtualidade de ser ratificado, nem perante uma falta de procuração ou uma irregularidade de mandato nos termos preceituados pelo art.º 48º do CPC, mas sim perante a ausência de um acto válido querido pelos réus.
III - No caso dos autos, estamos em face de uma acção no âmbito da qual os Réus tendo sido citados, não constituíram mandatário apresentaram uma contestação que na tese dos mesmos sem estarem mandatados para o efeito.
IV - Assim, não havendo outra contestação para além daquela, a conclusão que deve ser retirada é a de que o acto praticado, por falta de mandato, não pode ser ratificado.
V - Daí que não seja exigível proceder nem à notificação a que alude o art.º 48º do CPC, nem à notificação que prevê o art.º 41º do mesmo código.

Texto Integral

Apelação nº3860/19.8STS.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Santo Tirso



Relator: Carlos Portela
Adjuntas: Isabel Silva
Maria Manuela Esteves Machado










Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto



I. Relatório:
AA, casada, pensionista, residente na Rua ..., Edifício ...., ... ..., na qualidade de Herdeira da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de BB e CC, intentou contra DD e EE, a presente acção declarativa de condenação, onde conclui pedindo o seguinte
1. Que se declare nula, por simulação, e consequentemente de nenhum efeito, a escritura de compra e venda celebrada por DPA em 03 de Outubro de 2015, registado sob o Ap. ...2 de 2015/10/04 a favor do Réu.
2. Que se ordene o cancelamento do registo efectuado com base no DPA que titula esse contrato, na Conservatória do Registo Predial de Setúbal, a favor do réu DD, ou a favor de qualquer terceiro adquirente;
3. Que se restitua à Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de BB e CC, o prédio identificado em 3º desta peça;
4. Que se condenem os RR. a reconhecerem a nulidade deste contrato, e do respectivo e DPA de 03.10.2015;
5. Que se condenem os RR., a reconhecerem que o imóvel descrito no DPA faz parte integrante da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de FF;
6. Que se condene o Réu DD a abrir mão do citado prédio urbano, identificado no art.º 3 desta P.I.;
7. Que se condenem os RR pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que a sua ilícita conduta causou e está a causar à A. e restantes herdeiros, em que vierem a ser liquidados em execução de sentença.
Alegou, para tanto, que, na data de 04.10.2015, os pais da autora, BB e CC, declararam, por documento escrito denominado de contrato de compra e venda com reserva de usufruto que aqueles declararam, na data, ter recebido, um imóvel correspondente à casa de morada de família: prédio urbano, destinado a habitação, composto por casa de R/Chão, 1º andar e quintal, sito na Rua ..., na União das Freguesias ... (... e ...) e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o artigo ...69, da freguesia ..., com o registo da aquisição a favor dos de cujos realizado pela Ap. ...7 de 29.04.1999, inscrito na antiga matriz predial urbana da extinta freguesia ... sob o artigo ...47 e actualmente inscrito sob o artigo ...93 da União das Freguesias ... (... e ...) e ..., concelho ...; porém, o 1.º réu DD não quis comprar o referido prédio urbano; Mais alegou, que o acto celebrado foi o resultado maquinação dos réus DD e EE, numa tentativa de subtrair o bem nele referido do património da autora e dos restantes herdeiros legitimários; Referiu também que não houve entregas de quaisquer valores a título de pagamento de preço, designadamente o referido no respectivo acto; Afirmou ainda que os réus agiram, pois, com o propósito, entre si concertado, de fazer sair do património da autora, o imóvel referido, pois, nem os de cujos quiseram vender o prédio, nem o 1.º réu quis realmente comprá-lo; na realidade, todos, agindo em comunhão de ideias e de actos, quiseram colaborar para transferir o património da autora e dos restantes herdeiros legitimários, gratuitamente e sem qualquer contrapartida financeira; Alegou ainda que, só após a morte da “de cujus” CC, é que os réus entraram na posse efectiva do imóvel; Por fim referiu que sofreu avultados prejuízos morais e patrimoniais, que não podem, ainda, ser concretizados, senão apenas em sede de execução de sentença.
Regularmente citados os Réus foi apresentada por estes uma contestação na qual impugnaram a argumentação de facto e de direito trazida ao processo pela Autora.
Os autos prosseguiram os seus termos, sendo sido, entretanto, declarada a falta de constituição de mandatário, com efeitos retroactivos ao momento da citação dos Réus, pelo que a contestação apresentada, por falta de ratificação, acabou por ser desentranhada.
Subsequentemente, foi proferido despacho saneador, onde se consideram confessados todos os factos alegados pela Autora nos termos do disposto no art.º 567.º, do Código de Processo Civil.
Proferiu-se então sentença na qual se julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, se decidiu:
A. Julgar nulo e sem qualquer efeito o contrato de compra e venda com reserva de usufruto, melhor identificados no facto provado 4.
B. Se ordenou o cancelamento do registo descrito no facto provado 3, sobre o prédio melhor descrito no facto provado 4, que teve origem no negócio ora declarado nulo, concretamente a aquisição, pelo 1.º réu, do direito de propriedade do referido prédio, por compra e venda com reserva de usufruto.
C. Se condenaram os réus a reconhecer a declaração de nulidade realizada em A.
D. Se absolveram os réus do mais peticionado.

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Os Réus vieram interpor recurso desta decisão apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
A Autora respondeu.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso como sendo o próprio, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelos réus/apelantes nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
1.ª Entendem os Recorrentes, que a sentença recorrida incorreu em erro de direito, ao ter considerado confessados todos os factos alegados pela Autora na petição inicial, por entender que tendo sido declarada a falta de constituição de mandatário com efeitos retractivos ao momento da citação e não foi a contestação apresentada ratificada pelos réus, pelo que ordenou o seu desentranhamento.
2.ª Salvo o devido respeito a sentença recorrida foi proferida na sequência de nulidades cometidas (com influência no exame e decisão da causa), incorporando-a, a saber, a omissão de prévia notificação à parte para juntar a competente procuração e ratificar o processado, e omissão de pronúncia sobre a nulidade invocada, devendo ser revogada.
3.ª In casu, os Réus, ora recorrentes, apenas foram notificados do despacho de 17/01/2023, que ordenou a sua notificação para virem esclarecer se confirmavam a versão apresentada pelo mandatário subscritor, no requerimento de 15/12/2022, ou seja, se confirmavam a invocada falsidade das procurações juntas aos autos.
4.ª Mas nunca foram notificados pessoalmente, para juntarem aos autos procuração com ratificação do processado, sob a cominação do n.º 2 do artigo 48.º do C.P.C., o que se impunha.
5.ª Assim, a omissão da referida notificação, porque tem influência no exame e decisão da causa, redunda em nulidade, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 195.º do C.P.C. e tem como consequência a anulação de todos os actos subsequentes, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 195.º do C.P.C.
6.ª Em face do exposto, o Meritíssimo Juiz ad quo não deveria ter ordenado o desentranhamento da contestação, ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 570.º do Código de Processo Civil, nem considerar confessados os factos alegados pelo autor na petição inicial, nos termos do artigo 567.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
7.ª Acresce que, tendo o mandatário subscritor junto aos autos, procuração outorgada pelos Réus a seu favor, com ratificação do processado e tendo sido considerados validados os actos praticados pelo mandatário subscritor em nome dos Réus, deveria o Meritíssimo Juiz a quo, pronunciar-se acerca da nulidade invocada no requerimento datado de 12/04/2023, referente à omissão de notificação pessoal dos réus nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 48.º n.º 1 e 2 do C.P.C., o que não sucedeu.
8.ª Não se tendo pronunciado sobre a invocada nulidade, o Meritíssimo Juiz a quo, omitiu pronúncia sobre uma questão que devia conhecer, padecendo assim a sentença recorrida de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C.
9.ª Sem prescindir, sempre se dirá, que ao juntar procuração com ratificação do processado, por requerimento datado de 30/05/2023, conforme ordenado pelo Meritíssimo Juiz a quo, a falta de mandato ficou sanada e todo o processado foi validado.
10.ª E contrariamente ao que entendeu o Meritíssimo Juiz ad quo, a ratificação do processado pelos Réus, constante da procuração outorgada ao mandatário subscritor, validou todos os actos praticados no processo por quem não tinha poderes de representação, incluindo a contestação, e não apenas os actos praticados pelo mandatário subscritor, não tendo este mandatário que aderir/subscrever a contestação apresentada ou até apresentar nova contestação.
11.ª Considerando que a ratificação é a declaração de vontade pela qual alguém faz seu, ou chama a si, o ato jurídico realizado por outrem em seu nome, mas sem poderes de representação, forçoso será concluir que os Réus ao mencionar que ratificam todo o processado, estão a afirmar que validam todos os actos praticados no processo por quem não tinha poderes de representação, não só os actos praticados pelo mandatário subscritor, mas também todos os demais actos praticados pelo anterior Advogado, incluindo a contestação.
12.ª Por outro lado, a junção da procuração sanou a falta de mandato, significando que o mandatário subscritor, passa no futuro a praticar actos no processo, em representação dos Réus.
13.ª Por conseguinte, errou o Meritíssimo Juiz a quo, ao mandar desentranhar a contestação e consequentemente dar como confessados todos os factos alegados pela autora na petição inicial ao abrigo do disposto no artigo 567.º do C.P.C.
14.ª Em face do exposto, a sentença recorrida viola os artigos 48.º n.º 2, 195.º n.ºs 1 e 2, e 615.º n.º1 al. d) do C.P.C., devendo, por conseguinte, ser revogada.
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Quanto à autora/apelada a mesma nas suas contra alegações, pugna pelo não provimento do recurso interposto e pela confirmação da decisão proferida.
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Perante o exposto, resulta claro ser a seguinte a questão objecto do presente recurso:
A nulidade da sentença por violação das regras previstas nos artigos 48º, nº2, 195º, nºs 1 e 2 e 615º, nº1, alínea d), todos do CPC.
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Como antes já vimos, os Réus neste seu recurso alegam a violação nos autos das regras previstas no art.º 48º, nº2 do CPC.
Vejamos pois, se assim é de facto.
Segundo o disposto no art.º 40º, nº1, al. a) do CPC é obrigatória a constituição de advogado nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário.
No caso dos autos, a constituição de mandatário era obrigatória, atento o valor da causa (superior a € 5.000,00) e o disposto nos artigos 44º, nº 1, da LOSJ, e 629º, nº 1 do CPC.
Por outro lado, estabelece o art.41º do mesmo diploma legal que “se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, determina a sua notificação para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa”.
Finalmente, o art.48º do CPC estatui que “1 – A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal. 2 – O juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado, findo o qual, sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respectivas, e se tiver agido culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa. …”.
Da leitura conjugada de todas estas normas o que resulta é que, actuando a parte sem constituir mandatário, deve o tribunal recorrido notifica-la para o fazer, sob pena de o réu ser absolvido da instância (se a falta de mandato forense respeitar ao A.), de não ter seguimento o recurso (se a falta respeitar ao recorrente), ou de ficar sem efeito a defesa (se a falta respeitar ao R.).
Mais, sendo determinada peça processual subscrita por mandatário, sem que a procuração seja junta, só a própria parte pode suprir a insuficiência ou a irregularidade do mandato, devendo, para o efeito, ser notificada nos termos do art. 48º, bem como deve ser notificado o advogado subscritor daquela, atentas as cominações do nº2 do referido artigo.
Se não for junta a procuração forense e se se protestar juntá-la, deve o tribunal, notificar o advogado subscritor da peça processual para a juntar, nos termos do citado nº2 do art.º 48º.
Mas se o advogado não juntar aos autos a procuração, tudo se passa como se não houvesse mandato, devendo o tribunal notificar a parte para juntar a procuração e ratificar o processado.
A falta, insuficiência ou irregularidade de mandato têm consequências tanto para a parte como para o advogado que subscreveu a peça processual.
Quanto à parte verá esta precludido o seu direito de intervir nos autos, uma vez que o seu articulado/requerimento/intervenção fica sem efeito.
Já quanto ao advogado, será este condenado nas custas a que deu causa, e, se tiver agido culposamente, será condenado na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa.
Por fim cabe fazer notar que é à parte, enquanto mandante, que cumprirá suprir a falta de procuração ou ratificar o processado.
Tudo isto por se tratar de acto que a mesma deve praticar pessoalmente e para isso deve ser assegurado que chega ao seu conhecimento não só a existência de falta, insuficiência ou irregularidade do mandato, mas também o prazo que tem para a suprir e as consequências que podem advir não sendo a falta corrigida.
Neste sentido e na doutrina, cf. António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., 2ª ed., revista e ampliada, págs. 63/64, e nota 106, e Lebre de Freitas, no Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 81.
Regressando ao caso concreto, o que podemos verificar é o seguinte:
A resposta à questão suscitada e à nulidade invoca pelos Réus neste seu recurso e para além do que ficou dito no ponto I. desta decisão, resulta de modo claro e elucidativo, dos vários despachos que foram produzidos nos autos, a propósito, nomeadamente, dos requerimentos que os Réus vieram apresentar ao processo e cujo teor passamos aqui a reproduzir por ordem cronológica.
O despacho datado de 17.01.2023, com a Referência: 444224457:
“Antes de mais, porque o relatado no requerimento de 15.12.2022 constitui, em abstracto, a prática de um crime e infracção das normas deontológicas, extraia certidão desse requerimento e dê conhecimento ao MP e à Ordem dos Advogados para os fins que tiverem por convenientes.
Quanto ao desconhecimento dos réus da realização da audiência prévia e tendo sido os mesmos notificados na morada em que foram citados, tal notificação considera-se validamente efectuada e os réus validamente notificados da realização da audiência prévia, pelo que não podem processualmente virem agora invocar tal desconhecimento.
Por outro lado, a ser verdade a factualidade alegada pelos réus e sem prejuízo do recurso aos meios próprios contra o Sr. Advogado que alegadamente foi constituído para os patrocinarem nestes autos, a verdade e que, formalmente, os réus foram citados e sendo a procuração junta falsa - como defendem os próprios réus -, vislumbra-se haver a possibilidade de estarmos presente uma acção não contestada, com as consequências legais.
Assim, notifique-se os réus pessoalmente deste despacho para, em 10 dias, virem aos autos confirmar em requerimento por eles subscrito, a versão agora apresentada pelo Dr. GG, em sua representação (tendo em conta não existir substabelecimento válido com base numa procuração alegadamente falsa) no requerimento de 14.12.2022, com a advertência de que, em caso de silêncio, será tal realidade considerada verdadeira e, então, será dada a normal tramitação dos autos.
Notifique.”
O despacho datado de 20.03.2023 com a Referência 446450191:
“Considerando a notificação pessoal dos réus que vieram confirmar a veracidade da factualidade constante do requerimento apresentado em 15.12.2022, com a RE ...22, a presente acção não foi contestada, uma vez que os réus vieram afirmar que nunca outorgaram qualquer procuração ao subscritor da contestação, não a rectificando.
Sendo assim:
Uma vez que os réus não contestaram, tendo sido ou devendo considerarem-se citados regularmente na sua própria pessoa nem juntaram procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pela autora nos termos do art.º 567º, nº 1 do CPC.
Cumpra-se o nº 2 da citada disposição legal.”
O despacho datado de 14.05.2023 com a Referência: 448202855:
“Face ao despacho proferido em 20.03.2023, que deu como assente os fatos provados os réus vieram dizer que, em vez, desta decisão, deveria ter sido determinado o disposto no art.º 41º do CPC.
Conforme resulta dos autos os réus foram citados, não contestaram nem constituíram mandatário.
Esta conclusão é tirada da confissão dos réus nos autos, quando admitiram que a procuração junta aos autos é falsa, ou seja, na sua posição processual é inexistente porque nunca a outorgaram.
Sendo assim, não havendo procuração, o ato de apresentação da contestação não tem validade porque apresentada por alguém que alegadamente pelos réus não tinha poderes para o efeito.
Assim, há uma conclusão a tirar: os réus foram citados e não apresentaram contestação.
E independentemente de se tratar de uma acção com patrocínio obrigatório a verdade é que os réus são livres de não apresentar contestação, como aconteceu nos autos.
O art.º 41º do CPC aplica-se às situações em que os réus apresentaram eles próprios uma contestação ou defesa que não se encontra subscrita por advogado, devendo ser, neste caso, notificados para o constituírem, sob pena de ficar sem efeito a defesa.
Ora, se os réus não mandataram o Sr. Advogado para apresentar contestação, não estamos perante a prática de um ato que tem a virtualidade de ser ratificado, porque não estamos perante uma falta de procuração ou irregularidade de mandato nos termos preceituados pelo art.º 48º do CPC, mas perante a ausência de um ato válido querido pelos réus.
Em suma, estamos perante uma acção, no âmbito da qual os réus foram citados, não constituíram mandatário e não apresentaram contestação, visto que, o que aconteceu, segundo a sua posição processual, é que o advogado que veio apresentar uma contestação nunca foi mandatado para o fazer, pelo que não havendo outra contestação para além daquela apresentada por alguém que não tinha poderes para o fazer, a conclusão é que o ato praticado não tendo sido mandatado pelos réus, não pode ser ratificado.
Daí que não haja a notificação nos termos e para os efeitos previstos no art.º 48º do CPC nem nos termos do art.º 41º do CPC, porque os réus não apresentaram eles próprios qualquer defesa.
Aliás, nesse sentido e com a consciência das respectivas consequências, foi proferido o despacho de 17.01.2023 com o seguinte teor:
Por outro lado, a ser verdade a factualidade alegada pelos réus e sem prejuízo do recurso aos meios próprios contra o Sr. Advogado que alegadamente foi constituído para os patrocinarem nestes autos, a verdade e que, formalmente, os réus foram citados e sendo a procuração junta falsa - como defendem os próprios réus -, vislumbra-se haver a possibilidade de estarmos presente uma acção não contestada, com as consequências legais.
Assim, notifique-se os réus pessoalmente deste despacho para, em 10 dias, virem aos autos confirmar em requerimento por eles subscrito, a versão agora apresentada pelo Dr. GG, em sua representação (tendo em conta não existir substabelecimento válido com base numa procuração alegadamente falsa) no requerimento de 14.12.2022, com a advertência de que, em caso de silêncio, será tal realidade considerada verdadeira e, então, será dada a normal tramitação dos autos.
Ou seja, neste despacho o que se disse foi que se os réus a confirmarem a falsidade da procuração, estaríamos perante uma acção em que os réus forma citados e não apresentaram contestação.
E o que fizeram os réus?
Vieram confirmar que a procuração apresentada pelo advogado que juntou aos autos uma contestação não foi assinada por si, sendo falso.
Se assim é, e uma vez que não foi apresentada qualquer outra contestação a solução só pode ser aquela que foi veiculada no despacho de 17.01.2023, notificado aos réus sem qualquer recurso.
Face ao exposto indefere-se a pretensão deduzida pelo Ilustre Mandatário que continua a apresentar articulados aos autos sem procuração.
Assim, notifique-se o mesmo para, em 10 dias, apresentar procuração forense com poderes de ratificação do processado nos termos do art.º 48º, nº 2 do CPC.
Após abra conclusão.”
Por fim, o despacho datado de 14.09.2023 com a Referência 451561633:
“Requerimentos que antecedem: vistos.
A apresentação de procuração, pelos réus, com ratificação de todo o processado, por parte do seu, actual, Ilustre Mandatário, apenas conforma o preenchimento da obrigação de constituição de mandatário, atento o valor da causa aqui fixado (cfr. artigo 40.º, do Código de Processo Civil), bem como assegura a validação dos actos praticados por aquele mandatário, em nome dos réus, nos presentes autos, afastando de tal perímetro, no entanto, os actos praticados pelo Dr. HH, em alegado nome e representação dos réus e, assim, a contestação apresentada nos autos (ref.ª 25067664), questão sobre a qual, de resto, recaiu despacho, na data de 20.03.2023 (ref.ª 446450191), devidamente transitado em julgado.
Dessa feita, não só, por um lado, se considerou – e considera – inexistir apresentação de contestação, por parte dos réus – sublinhando, com relevo, que o actual Mandatário dos réus não realizou/subscreveu/aderiu à feitura/apresentação de tal articulado de defesa – como, por outro, tal articulado se revela estranho a este processo, o que deveria, e deverá justificar o seu desentranhamento, porquanto foi levado a cabo por alguém que não detinha os poderes (forenses) para o efeito.
Termos em que se admite a junção e ratificação do processado, com os limites acima identificados, bem como se determina o desentranhamento da peça contestação.
Notifique.
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Oportunamente, abra conclusão para decisão final.”
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Perante o que resulta de tais despachos, os quais e como já dissemos, não merecem qualquer censura ou reparo, o que cabe concluir é o seguinte:
Contrariamente ao que defendem os Réus neste seu recurso, não foi cometida nos autos qualquer nulidade, designadamente aquela que resulta do alegado incumprimento do disposto no nº2 do art.º 48º do CPC, a qual a ocorrer, determinaria, nos termos previstos nos nºs 1 e 2 do art.º 195º do mesmo diploma legal, a nulidade da sentença proferida (cf. art.º 615º, nº1, alínea d) do CPC).
Nestes termos, não merece pois provimento o recurso aqui interposto.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso de apelação aqui interposto e, sem mais, confirma-se a decisão proferida.
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Custas a cargos dos réus/apelantes (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.









Porto, 4 de Julho de 2024
Carlos Portela
Isabel Silva
Maria Machado