NULIDADE DA SENTENÇA
FALTA DE CUMPRIMENTO PELO RECORRENTE DOS ÓNUS ESTABELECIDOS NO ART. 640º DO CPC
ENTENDIMENTO DISTINTO DO RECORRENTE FUNDAMENTADO NAS MESMAS PROVAS APRECIADAS PELO TRIBUNAL
ÓNUS DA PROVA DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO
Sumário

I - A deficiência da motivação da decisão proferida em matéria de facto não é causa de nulidade da sentença.
II - Deve ser rejeitado pela Relação o recurso sobre a matéria de facto por falta de cumprimento pelo recorrente dos ónus estabelecidos no art. 640º do Código de Processo Civil, caso aquele se limite a fazer uma indicação genérica da prova que na sua perspectiva justificaria uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal recorrido, em relação a um conjunto dos factos, quer dados como provados quer dados como não provados.
III - O cumprimento dos ónus estabelecidos naquele art. 640º exige que o recorrente concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos, ou bloco de factos relacionados entre si, sob pena de rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto.
IV - Invocando a apelante ter um entendimento distinto do que foi levado a cabo pelo Tribunal “a quo”, fundamentado nas mesmas provas apreciadas para proferir a decisão recorrida, isso configura apenas, uma diferente convicção, que não é susceptível de determinar a modificabilidade da decisão de facto pela Relação, nos termos do art. 662º, nº 1, do CPC, se nesta instância não se verificar ter ocorrido erro de julgamento na apreciação daquelas e, consequentemente, não se formar convicção diversa daquela que vem impugnada.
V – Demonstrado o contrato de trabalho celebrado entre as partes, recai sobre a empregadora o ónus de prova do pagamento da retribuição devida, em contrapartida da prestação de trabalho, bastando ao trabalhador alegar concretamente a falta de pagamento.
VI - O cumprimento da respectiva obrigação, designadamente o pagamento da retribuição devida como facto extintivo do direito de crédito invocado, incumbe ao devedor, nos termos do art. 342º, nº 2, do CC, tanto mais que, em direito, o pagamento não se presume a não ser em casos expressamente previstos na lei (cfr. art. 786.º do CC).

(da responsabilidade da Relatora nos termos do disposto no art. 663º, nº 7, do CPC)

Texto Integral

Proc. Nº 12277/22.6T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 2




Recorrente: A..., Sociedade Unipessoal, Lda.
Recorrido: AA






Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto



I – RELATÓRIO

O A., AA, residente na Rua ..., ... Porto, com o patrocínio do Ministério Público, instaurou acção declarativa sob a forma de processo comum contra a Ré, A..., Sociedade Unipessoal, Lda., com o NIPC ...72 e sede na Rua ... I, Praceta ..., ... ..., na qual pede que, “deve a presente ação ser julgada provada e procedente e, por via disso, deve a Ré ser condenada a pagar ao A.:
A) €5 952,00 de retribuições de janeiro, fevereiro e março (2 dias) e diferença de retribuições de setembro a dezembro de 2021;
B) €710,27 de subsídio de férias, proporcional á duração do contrato;
C) €460,27 de diferença de subsídio de natal, proporcional á duração do contrato;
D) juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento dos montantes acima referidos até ao efetivo pagamento, ascendendo os juros já vencidos a €103,03.”.
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que foi admitido ao serviço da Ré, mediante acordo verbal, em 14.09.2021, tendo no âmbito do mesmo, exercido as funções de diretor de obra, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, a qual se dedica á construção civil e engenharia, etc, competindo-lhe fiscalizar e gerir as obras a cargo da mesma, controlar os prazos e a execução dos trabalhos, cumprindo um período de trabalho diário não inferior a 8 horas, de segunda a sexta feira, entre as 08h00 e as 17h00. Em contrapartida, a R. comprometeu-se a pagar-lhe a retribuição líquida de impostos e contribuições de €1 500,25, contudo, ao longo do período que perdurou a relação laboral, a Ré nunca lhe pagou o montante a que se comprometeu.
Alega, ainda, que por comunicação eletrónica datada de 31-01-2022 (e-mail), pôs fim ao contrato de trabalho com efeitos a 02-03-2022.
Por fim, alega que, a denúncia do contrato, ocorreu no período experimental, uma vez que a cláusula 8ª do CIT previa um período experimental de 180 dias.

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Realizada a audiência de partes, não foi possível a sua conciliação e a ré, notificada para o efeito, apresentou contestação, argumentando, em síntese, que na sequência de negociações mantidas, autor e ré acordaram na celebração do contrato de trabalho sem termo que foi assinado por autor e ré, em 19.09.2021, ficando a cópia assinada na posse do autor, tendo tido início em 28.09.2021.
Mais, impugna e alega que o valor da remuneração que havia ficado acordado entre as partes era a remuneração ilíquido de €1.000,00, tendo o mesmo sido devidamente liquidado ao Autor, de acordo com os recibos de vencimento que juntou. Nada tendo ficado em dívida após a cessação do contrato de trabalho, sendo, pelo contrário, credora do Autor.
Para justificar o seu crédito em relação ao Autor, alega a Ré que aquele não justificou gastos que realizou com o cartão multibanco da Ré, na ordem dos €786,57 e que lhe foram pagos adiamentos de remuneração na ordem dos €908,50, razão pela qual decidiu fazer a compensação dos créditos e uma vez que o Autor teria a receber o montante de € 1.410,00, contas feitas, além de nada ter a receber, teria de pagar à Ré o montante de €285,07, por isso nada lhe pagou.
No final, requer a compensação dos créditos que reclama, apenas alegando as despesas que lhe são devidas.
Conclui que, “deve a ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, nos termos supra expostos e a ré absolvida do pedido em conformidade.”.
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O autor apresentou resposta, quanto à matéria relativa à pretendida compensação de créditos deduzida pela Ré, alegando que, refere a Ré, ter efectuado adiantamentos ao Autor, sucede que tal não é verdade e alega que, o valor de €700,00 reporta-se a um prémio por trabalhos efectuados, o valor de €208,50 reporta-se à reposição de um desconto, referente a uma penhora que, indevidamente, incidiu sobre o subsídio de Natal pago ao Autor nesse mês. E, quanto ao montante de € 786,57, refere que, importa notar que nem a Ré conseguiu afirmar que o Autor, de alguma forma, se locupletou com tal quantia, limitando-se a referir que o Autor não apresentou justificação para tais gastos.
Termos em que, “conclui como na petição inicial, devendo improceder, além do mais, a matéria de excepção invocada pela Ré.”.
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Nos termos do despacho datado de 24.10.2022, foi fixado o valor da acção em € 7.225,24 e invocando a simplicidade da causa, o Tribunal “a quo” dispensou a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
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Os autos prosseguiram para julgamento e realizada a audiência de discussão, nos termos documentados nas actas datadas de 7, 13 e 20.06.2023, (sendo que, na primeira, “o Digno Magistrado do Ministério Público, deparando-se com o lapso de escrita constante da petição inicial, onde contava 1.525,00 requereu que constasse €1.500,25, alterando, consequentemente, as demais operações aritméticas realizadas, o pedido e o valor da acção em conformidade. A Ré nada teve a opor à requerida correcção. Foi proferido despacho no sentido de ser admitida a correcção, por manifesto lapso de escrita, e determinada a correcção da petição inicial em conformidade”), foi proferida sentença que terminou com a seguinte: “DECISÃO:
Nestes termos, e em face do exposto, decido julgar a acção totalmente procedente, por estar integralmente provada e, em consequência, decido:
Condenar a Ré A..., Sociedade Unipessoal, Lda. no pagamento ao Autor AA dos montantes que se seguem, acrescidos dos respectivos juros de mora à taxa legalmente prevista, até efectivo e integral pagamento:
- €800,00 relativo ao mês de Setembro de 2021.
- €2.001,75 relativo aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2021.
- €3.000,50 relativo aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2021.
- €100,01 relativo ao mês de Março.
- €698,75 a título de proporcionais de subsídio de férias.
- €448,75 título de proporcionais de subsídio de Natal.
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Custas da acção pela Ré, por ter ficado vencida, nos termos do art. 527.º do Código Processo Civil
*
Registe e notifique.”.
*

Inconformada a R. interpôs recurso, nos termos das alegações juntas, que terminou com as seguintes: “Conclusões:
a) Relativamente à matéria de facto impugna, por indevidamente ter sido considerada provada a matéria de facto constante dos artigos 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 18, 21, 22, 23, 25 e 29 e ter considerada não provada a matéria de facto constante das alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), i), j) e k).
Porquanto:
b) O depoimento de parte do recorrido relevou-se manifestamente preparado, tendencioso, contraditório, parcial, inconsistente e incoerente procurando contornar as perguntas com subterfúgios quando não conseguia dar de imediato respostas e, por isso, não credível, contrariamente ao constante da fundamentação da sentença a quo, baseando-se a credibilidade atribuída a tal depoimento em notório erro, como decorre dos seguintes trechos da gravação da audiência de julgamento de 07 de junho de 2023: 1:07 a 1:25, 3:56 a 4:38, 9:37 a 13:58, 14:05 a 14:30, 19:13 a 21:21, 22:18 a 22:54, 23:14 a 23:26, 23:56 a 24:54, 26:33 a 27:04, 30:46 a 31:03, 32:46 a 36:08 e 36:16 a 39:18.
c) O teor da fundamentação da decisão a quo, quanto à matéria de facto, estriba-se exclusivamente no depoimento de parte do próprio recorrido, sendo certo que, e contrariamente ao constante da decisão a quo, este apresentou nos autos uma postura e versões contraditórias entre si, versões essas inclusivamente elas contraditadas por depoimentos testemunhais e por documentos que comprovam de per si ter aquele faltado à verdade, factos estes que o tribunal a quo, sem motivo que se vislumbre, não considerou na decisão proferida nem se tendo pronunciado sobre o pedido de litigância de má fé submetido à sua apreciação pela recorrente em manifesta violação do dever de pronuncia - artigo 608.º, n.º 2, do CPC -, o que constitui a nulidade prevista nos artigos 315.º n.º 1 al. d) e 616.º do CPC.
A título meramente exemplificativo, se num primeiro momento o recorrido alega não ter assinado qualquer contrato de trabalho, depois num segundo momento alega terem-lhe sido apresentadas várias cópias (4!) e ter rubricado as mesmas mas não ter assinado nenhuma por não concordar e, finalmente, num terceiro momento e, somente após ter sido confrontado com o contrato de trabalho assinado por este, já reconhece ter assinado, mas supostamente porque “obrigado / forçado” a tal pela recorrente.
Facto é que, durante toda a pendência do contrato, nunca o autor reclamou os valores supostamente em falta à recorrente, nem mesmo no mail remetido em 31.01.2022 a comunicar a denúncia do contrato de trabalho do qual, além do mais, consta o seguinte:
Como é do vosso conhecimento, comunique no mês passado, que não tenho a pretensão de continuar como funcionário da A....
(…)
Relembro ainda que conforme o contratado, ao dia 8 de cada mês o salário deve ser pago, sendo que este mês acrescenta os meus direitos.
Mail esse onde apenas reclama o pagamento dos seus direitos pela cessação do contrato de trabalho nunca referindo, desta forma, que não lhe era pago o valor mensal acordado desde o início da relação laboral.
d) O recorrido não apresentou qualquer justificação pela falta de entrega à recorrente dos documentos contabilísticos em falta tendo, no entanto, confirmado que o cartão pré-pago entregue pela recorrente aquando do início da relação laboral se destinava apenas e tão-somente a despesas destinadas à atividade comercial desta (combustível e material).
e) Tal decisão ainda refere o depoimento de BB, ex-trabalhador da recorrente, mas referenciando apenas partes suscetíveis de corroborar a versão do recorrido, omitindo qualquer referência ao conteúdo, e não valorando o mesmo quando confirma a versão da recorrente, desconhecendo-se o critério subjacente a tal procedimento na fundamentação, por nesta não constar.
Tal testemunha invocou que o único atrito existente com a recorrente ocorreu aquando da denúncia deste do contrato de trabalho e por esta ter efetuado “acertos” quanto a ajudas de custos com os quais ele não concordou, e não com falta de pagamento de vencimentos contrariamente ao que pretende transparecer a decisão a quo; mais também afirmou ter sido o facto de o serviço contratado em causa não corresponder às suas expetativas o motivo da rescisão do contrato, que acabou por receber os valores que lhe eram devidos e, que não auferia o valor mensal de €1.500,00 ao serviço da recorrente antes €1.200,00 “brutos”. – Vd. Audição dos seguintes trechos da audiência de julgamento de 20 de junho de 2023: 7:16 a 10:50, 11:33 a 11:41, 12:42 a 13:00, 13:42 a 14:12, 14:44 a 15:01, 18:07 a 18:46 e 19:16 a 19:28.
f) A sentença nem sequer refere o depoimento prestado pela testemunha arrolada pelo recorrido, CC, o qual foi parcial e não credível por inclusivamente ter invocado factos que não correspondem à verdade, contraditados por depoimento testemunhal (DD) e por documentos, pelo que também deveria ter sido criticamente valorado e considerado na decisão proferida e, não o tendo sido, indicados os motivos pelos quais o não foi ou, porque não considerou neste caso ter existido uma versão “orquestrada” entre esta e o recorrido.
g) Por sua vez, o depoimento das testemunhas DD e de EE confirmaram a versão dos factos indicada pela recorrente nos autos, não se percebendo a “conjetura” ou conclusão do tribunal a quo quando refere que a versão de ambas terá sido “orquestrada” “revelando evidente parcialidade e intenção de justificar algo que sabem contrariar a lei”. – Como decorre dos seguintes trechos da gravação: 3:18 a 23:45, 23:50 a 24:27, 25:05 a 27:59 da sessão realizada no dia 07.06.2023 e 3:52 a 4:05, 4:24 a 4:56, 7:45 a 10:20 e 11:07 a 14:45 da sessão realizada no dia 13.06.2023 (DD) e 3:29 a 7:17 (EE).
h) A testemunha DD confirmou terem efetivamente existido prévias negociações à celebração do contrato de trabalho em questão nos autos com o recorrido, as quais incluíam a possibilidade de celebração de contrato de prestação de serviços com emissão de recibos verdes e explicou, de forma espontânea e credível ao tribunal, o motivo da divergência de valores caso optassem por esta ou pela celebração de contrato de trabalho com o recorrido: caso fosse celebrado contrato de prestação de serviços a recorrente disponibilizava-se a pagar um valor mensal superior (até x 14 meses) por forma a poder de certa forma “compensar” o mesmo, uma “espécie de suplemento” caso trabalhasse os 12 meses completos uma vez que, este não teria desta forma direito a subsídio de férias, subsídio de Natal e baixas médicas bem como, pelo facto de a recorrente estar a precisar urgentemente de um engenheiro civil e ser esta forma de contratação mais benéfica / vantajosa para a recorrente, tratando-se de uma microempresa.
Afirmou também convictamente que, por sua vez, para celebração de contrato de trabalho sem termo, sempre foi conversado e, posteriormente acordado entre recorrente e recorrido, a remuneração mensal ilíquida no valor de €1.000,00 e ajudas de custas a apurar no final do mês, que não faziam parte da retribuição, o que o recorrido aceitou, tendo assinado o respetivo contrato de trabalho junto aos autos sem qualquer pressão ou surpresa.
Mais afirmou que o primeiro encontro presencial entre si e o recorrido ocorreu a 14 de setembro de 2022, o que alias corresponde à versão do recorrido, numa das obras em curso da recorrente, tendo a testemunha explicado ao mesmo quais seriam as funções daquele, tendo nesse mesmo ato entregue ao recorrido um cartão multibanco que a recorrente por norma entregava aos seus engenheiros civis para estes poderem fazer face à aquisição de materiais / mercadorias exclusivamente necessárias à atividade da ré, obrigando-se em momento posterior a apresentarem documento contabilístico comprovativo de tais despesas, responsabilizando-se os mesmos pessoalmente pelos prejuízos decorrentes da sua utilização indevida ou do seu extravio.
Tal testemunha ainda afirmou que o recorrido somente assinou o contrato de trabalho em 28 de setembro de 2023, data efetiva de início da relação laboral, porque até essa data o mesmo ainda apresentava incertezas e queria perceber realmente que tipo de obras a recorrente executava e, se as mesmas se enquadravam no seu perfil profissional tendo auferido a respetiva remuneração nesses dias.
Confrontada com documentos contabilísticos / lançamentos despesas, tal testemunha ainda explicou e discriminou quais os documentos e valores / despesas que se encontravam por justificar pelo recorrido e que as mesmas se reportavam a despesas exclusivamente pessoais e não da recorrente, porque motivo e como eram lançados e, elaboradas as tabelas juntas aos autos bem como, que uma vez que não haviam sido tais despesas reembolsadas pelo recorrido que as mesmas foram consideradas como “adiantamentos”.
Ainda explicou e discriminou os adiantamentos efetuados ao recorrido, e os motivos dos mesmos uma vez que, era o próprio recorrido que a contactava, alegando problemas financeiros, tendo-lhe inclusivamente feito um empréstimo pessoal que nunca devolveu.
Aliás nem sequer é credível a versão do recorrido, de que o pagamento efetuado em 20.10.2021, isto é, apenas volvidos 22 dias após a celebração do contrato de trabalho, corresponderia a um prémio atendendo ao curto espaço
temporal que mediava entre a data da celebração do contrato e a data de transferência de tal adiantamento!...
Afirmou ainda que nunca existiu qualquer litígio no Tribunal com ex-trabalhadores, que a recorrente sempre pagou os valores devidos.
Mais invocou que o recorrido não era excelente trabalhador e que começaram inclusivamente a existir reclamações por parte de clientes sendo que, perderam dois por causa dos atritos provocados pelo próprio recorrido e que este não terá igualmente aguentado a pressão.
Mais também afirmou a testemunha que enquanto diretora geral ao serviço da recorrente também ela aufere vencimento base mensal de €1.000,00 e utiliza para as suas deslocações diárias um veículo automóvel ....
i) A testemunha EE é funcionária de uma entidade terceira de contabilidade e não da recorrente, tendo esta perante o Tribunal confirmado que foi ela que comunicou a admissão do recorrido à Segurança Social tendo indicado o vencimento base de €1.000,00 de acordo com o que lhe era transmitido pela recorrente, que era ela que emitia os recibos de vencimento inclusivé do recorrido, sendo que dos mesmos constavam a remuneração base de €1.000,00 e remetia os mesmos por mail à recorrente, e que existiam, como ainda existem, faturas não entregues na contabilidade reportadas ao período em que o autor prestou serviço para a recorrente bem como, afirmou ainda não ter conhecimento de nenhum litigio em Tribunal.
Mais informou que não tem ideia de a recorrente ter ao seu serviço engenheiros civis contratados com remunerações base superiores a €1.000,00.
k) Tais depoimentos foram espontâneos, credíveis e convincentes, não tendo, contudo, sido devidamente valorizados.
A veracidade de tais depoimentos é ainda comprovada pelos documentos juntos aos autos, referidos no anterior ponto II.9, que indevidamente não foram considerados ou valorados.
Não cabe ao juiz supor ou conceber factos que poderão ter relevo, é necessário que estejamos perante factos que resultem da instrução da causa, isto é, factos que tenham aflorado no processo através dos meios de prova produzidos e, portanto, possuam já alguma consistência prática, não sejam meras conjeturas ou possibilidades abstratas.
O princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz “o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas”, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se “com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios”, sendo “antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem”.
l) Na sentença a quo não foi levada em consideração toda a prova produzida que comprova a versão da recorrente, e efetuado um correto exame crítico de toda a prova produzida quer testemunhal quer documental, condenando-a, por isso, infundadamente.
A sentença a quo valorou o depoimento do autor, sem mais, sem qualquer referência, ou ponderação critica sobre notórias contradições, podendo nesta parte afirmar-se que a sentença enferma de notória ausência de analise critica da prova produzida, limitando-se tão somente a transcrever a versão vertida na petição inicial fundamentando a decisão em excertos descontextualizados de depoimentos, tendo ainda deixado de se pronunciar sobre questões que devia apreciar.
m) A sentença a quo não atentou num conjunto de factos documentalmente provados que descredibilizam de per si a versão do recorrido, rigor da postura e veracidade do seu depoimento, a saber:
- Recibos de vencimento (Vd. docs. n.ºs 6 a 12 juntos com a petição inicial);
- Comprovativo comunicação admissão trabalhador à Segurança Social (Vd. doc. 1 junto com a contestação);
- Comprovativo admissão trabalhador Fundos Compensação do Trabalho (Vd. doc. 2 junto com a contestação);
- B..., Lda. (Vd. doc. n.º 3 junto com a contestação);
- Mail de 31.01.2022 enviado pelo recorrido a DD (Vd. doc. 4 junto com a contestação);
- Notificação penhora vencimento recorrido – execução n.º 20907/16.2T8LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo execução – Juiz 9 (Vd. doc. n.º 9 junto com a contestação);
- Mail de 08.02.2022 enviado pela recorrente ao recorrido com documentos (Vd. doc. n.º 6 junto com a contestação);
- Mail de 09.03.2022 enviado pela recorrente ao recorrido (Vd. doc. 9 junto com a contestação);
- Relação movimentos contabilísticos (Vd. docs. n.ºs. 10 a 15 juntos com a contestação);
- Carta registada remetida pela recorrente ao recorrido em 12.04.2022 e rececionada por este em 13.04.2022 (Vd. doc. n.º 16 junto com a contestação);
- Correspondência trocada entre a recorrente a empresa de recrutamento C..., S.A. juntos com o requerimento remetido em 23.02.2023 (ref. 34841911);
- Contrato de trabalho junto com o requerimento remetido em 14.06.2023 (ref. 35048461);
- Condições de faturação e fatura emitida em 29.09.2021 pela sociedade C..., S.A. pelos serviços prestados na contratação do recorrido juntas com o requerimento remetido em 09.06.2023 (ref. 35890649).
n) A decisão proferida é, salvo o devido respeito, manifestamente desconforme com a prova produzida nos autos, não se encontra devidamente fundada e comprovada pelos depoimentos das testemunhas ou prova documental, nem analisou criticamente a prova produzida extraindo ilações corretas da mesma.
o) A decisão proferida limitou-se tão somente a aceitar como verdadeira a versão do recorrido e a transcrever a mesma, não considerando, nem valorizando devidamente as contradições e falsidades.
p) Ficou demonstrado nos autos que a recorrente efetuou ao recorrido, e a solicitação deste, pelo menos, dois adiantamentos um no valor de €700,00 transferido em 20.10.2021 e outro no valor de €208,50 transferido em 21.12.2021.
Mais ficou demonstrado nos autos que o recorrido havia sido devidamente alertado para as consequências de não apresentar documento comprovativo das despesas efetuadas com o cartão multibanco que lhe havia sido entregue pela recorrente e, uma vez que, as despesas em causa foram para proveito exclusivo do recorrido foram as mesmas devidamente consideradas como “adiantamentos por conta da retribuição” no valor total de €786,57.
A compensação de valores foi operada pela recorrente ainda na pendência do contrato de trabalho, mais concretamente para pagamentos dos valores e rubricas constantes dos recibos de vencimento respeitantes aos meses de janeiro e fevereiro de 2022 a seguir discriminadas, na medida em que a recorrente podia compensar as retribuições em dívida com os adiantamentos efetuados ao recorrido por conta da retribuição. – Artigo 279.º n.º 2, al. f) do Código do Trabalho.
Relativamente aos meses de setembro, novembro e dezembro a recorrente sempre pagou o que devia ao recorrido, com efeito:
O contrato de trabalho celebrado entre recorrente e recorrido iniciou efeitos a partir do dia 28 de setembro de 2021 pelo que, em tal mês, não prestou este trabalho durante o mês completo (30 dias) tendo consequentemente, apenas tido direito a receber, a tal título, o valor correspondente aos dias em que efetivamente prestou serviço para a recorrente, no montante pago de €89,00.
Desde outubro de 2022 ( e não novembro de 2022) até à data da cessação do referido contrato de trabalho (02.03.2022), a ré teve de descontar mensalmente da retribuição devida ao autor o montante relativo a penhora do salário líquido deste e, proceder à transferência desse mesmo valor à ordem do processo de execução n.º 20907/16.2T8LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Execução – Juiz 9 e do solicitador FF pelo que, porque tal motivo, o recorrido não recebia a remuneração na sua totalidade.
q) Sem prescindir e, por mera cautela de patrocínio, sempre dirá que a sentença a quo enferma de erro manifesto de cálculo matemático uma vez que, nunca seriam devidas ao recorrido as retribuições na totalidade conforme peticionadas:
A decisão a quo não considerou / deduziu as penhoras transferidas que recaíam sobre o vencimento do recorrido, valores esse que não lhe são devidos, a saber:
No mês de outubro de 2021 recaiu sobre o vencimento do executado um desconto de €168,00, respeitante a “penhora judicial”.
No mês de novembro de 2021 recaiu sobre o vencimento do executado um desconto de €168,00 respeitante a “penhora judicial”.
No mês de dezembro de 2021 recaiu sobre o vencimento do executado um desconto de €168,00 respeitante a “penhora judicial”.
No mês de janeiro de 2022 recaiu sobre o vencimento do executado um desconto de €128,00 respeitante a “penhora judicial”.
No mês de fevereiro de 2022 recaiu sobre o vencimento do executado um desconto de €690,32 respeitante a “penhora judicial”.
Descontos esses que foram efetuados pela recorrente e devidamente transferidos para o agente de execução no cumprimento da notificação que rececionou em outubro de 2021.
Tais valores não são devidos ao recorrido, devendo serem deduzidos aos valores peticionados.
r) Acrescenta-se ainda que, se por um lado a sentença a quo refere que o autor gozou ferias nos dias 1 e 2 de março, não se percebe quando ainda refere que, relativamente ao mês de março, se encontra em dívida o pagamento de dois dias no montante de €100,01!...
Valor esse que também ele não é, por isso, devido.
Mais, atendendo à duração do contrato celebrado entre autor e ré (de 28.09.2022 a 02.03.2022), aquele tinha direito a gozar 10 dias úteis de férias e, não 11 dias úteis.
No período de 01 a 13 de fevereiro de 2022 gozou ao autor 9 dias úteis, apenas faltando gozar 01 dia de férias, dia esse constante do recibo respeitante ao mês de fevereiro e pago ao autor através da compensação efetuada.
Do dia 14 a 28 de fevereiro de 2022 gozou a respetiva licença de casamento.
s) Do supra exposto, resulta que deverá ser alterada a decisão proferida quanto à matéria de facto considerando-se não provados os transcritos pontos constantes na sentença como provados assim como, provados os transcritos pontos constantes na sentença como não provados, sendo os supra referidos documentos e prova testemunhal que impõem decisão diversa.
Mais deverá, quanto ao ponto 27 da matéria de facto provada ser o mesmo alterado, passando a constar do mesmo “Desde outubro de 2021 até à data da cessação do referido contrato de trabalho (….)” e não “desde novembro de 2022”.
t) Ao decidir-se pela forma constante da decisão “a quo” violaram-se, por erro de interpretação e aplicação, o artigo 607.º n.º 4 do Código de Processo Civil e o artigo 279.º, n.º 2 al. f) do Código do Trabalho assim como, por violação do dever de pronúncia, o artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
Nestes termos, e com o meu douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, dando-se provimento ao presente recurso, e revogando-se a sentença recorrida nos termos supra referidos far-se-á, como sempre Justiça.”.
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Notificado o A. veio contra-alegar, nos termos que constam das alegações juntas, terminando, “em conclusão:
1) A Ré impugna a matéria de facto dada por assente na douta sentença recorrida, por considerar que a prova produzida impunha a alteração, supressão ou complemento de vários pontos da matéria de facto.
2) Para tanto, começa por referir, no que concerne aos pontos 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 18, 21, 22, 23, 25 e 29 de entre os factos provados não ter sido produzida prova dos mesmos.
3) Porém, da prova produzida em julgamento, concretamente dos depoimentos do Autor AA e das testemunhas CC e BB, resulta, a nosso ver de forma clara e evidente, que tais factos estão correctamente incluídos no elenco dos factos provados.
4) A mesma ordem de razões, ou seja, a credibilidade dos depoimentos dos anteriormente indicados, bem como a falta de credibilidade evidenciada pelas testemunhas indicadas pela Ré, DD e EE, impõe uma resposta negativa à pretensão da recorrente de dar como provados os factos constantes das alíneas a) a k) dos “Factos não provados”.
5) No que à pretendida alteração da redacção do artigo 27, dos Factos Provados, nada temos a opor, devendo o mesmo passar a ter o seguinte texto: “27. Desde Outubro de 2021 até à data da cessação do referido contrato de trabalho (02.03.2022), a Ré teve de descontar mensalmente da retribuição devida ao Autor o montante relativo a penhora do salário líquido deste e, proceder à transferência desse mesmo valor à ordem do processo de execução n.º 20907/16.2T8LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Execução – Juiz 9 e do solicitador FF.”.
6) Finalmente, quanto aos descontos efectuados pela recorrente na retribuição devida ao Autor nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2022, entendemos que os mesmos não podem ser admitidos, por um lado, porque os pagamentos efectuados ao Autor não se reportavam ao conceitos de “adiantamentos por conta da retribuição” e, por outro, porque, em qualquer caso, eram em importância superior aos limites permitidos pelo artigo 279, n.º 3, do C. do Trabalho.
7) Desta forma, salvo a excepção acima indicada, que não tem qualquer relevo na apreciação global da sentença, improcedendo a impugnação e a alteração da matéria de facto, da qual a recorrente fazia depender a procedência da acção, deve manter-se a decisão recorrida, que efectuou uma correcta análise dos factos e uma adequada aplicação do Direito, não merecendo qualquer censura.
V. Exas. decidindo, farão, como sempre, a habitual JUSTIÇA”.
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Nos termos que constam do despacho de 15.11.2023, o Tribunal “a quo” admitiu a apelação, com efeito devolutivo e ordenou a sua subida a esta Relação. No mesmo foi proferido o despacho a que aludem os arts. 615º nº 4 e 617º do C.P.C, nos seguintes termos:
“Veio a recorrente A..., Lda, recorrer da sentença de 26/7/2023., invocando, além do mais, padecer a mesma de nulidades.
Afirma, assim, que a mesma é nula porquanto não apreciou o pedido de condenação do A como litigante de má fé
Invoca desta forma, a existência de omissão de pronúncia, o que acarretaria a nulidade da sentença.
Embora não o diga expressamente, o alegado, estriba-se no disposto na al. do nº1 do artigo 615º do C.P.C.
Em primeira linha deixaremos consignado que a decisão recorrida não é da nossa autoria, todavia, não se nos afigura que a mesma padeça da nulidade que lhe é imputada
No que concerne ao invocado vicio a que se reporta a al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, segundo a qual a sentença é nula “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, cumpre recordar que as questões a que se refere tal normativo são as respeitantes ao pedido e à causa de pedir (A. dos Reis, CPC anotado, V, 58 e 143) ou à matéria de excepção alegada pelo réu.
No caso dos autos é certo que a R pediu a condenação do A como litigante de má fé, porém, na sentença recorrida pode ler-se: “Tendo em conta a procedência da presente acção fica prejudicada, necessariamente, a apreciação da, eventual condenação do Autor como litigante de má fé.”
Ora tal expressão terá de ser interpretada no sentido de o Tribunal “a quo” considerar que não se verificou litigância de má fé do A, pois que, no entender desse Tribunal e conforme aplicação do Direito que esse Tribunal implicitamente fez, procedeu a pretensão do A, falecendo a alegação da R a este propósito.
É tudo quando se nos oferece dizer, por a sentença recorrida não ser da nossa autoria, parecendo-nos que, face aos pedidos formulados pelo A. e respectivos fundamentos, bem como à contestação deduzida, as “questões” sobre que, na sentença, o Tribunal se teria de pronunciar foram analisadas, não se vislumbrando que se tenha ocorrido em vício de omissão de pronúncia.
Face ao exposto, em nossa modesta opinião, de nenhuma nulidade padece a sentença recorrida, tendo em atenção, desde logo, aos fundamentos nela constantes.
No entanto, V.Excas. farão, como sempre Justiça.
Notifique.”.
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O Ex.mo Procurador Geral Adjunto teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, não tendo emitido parecer, “dado que o mesmo – neste processo – lhe está legalmente vedado.”.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, (diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir mencionados, sem outra indicação de origem) aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a apreciar e decidir consistem em saber:
- se a sentença é nula por omissão de pronúncia;
- se ocorre deficiente motivação da decisão de facto e falta de análise crítica da prova;
- se ocorre erro na decisão proferida em matéria de facto, em concreto, se o Tribunal “a quo” errou no julgamento, por ter considerado provada a matéria de facto constante dos artigos 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 18, 21, 22, 23, 25 e 29 e ter considerado não provada a matéria de facto constante das alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), i), j) e k);
- se o facto 27 deve ser parcialmente alterado;
- se o Autor tem direito aos créditos reclamados e se a Ré poderia operar a compensação.
*


II - FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

A 1ª instância, com interesse para a decisão da causa, fixou os seguintes factos provados:
“1. A Ré dedica-se, além do mais, à construção civil e engenharia.
2. O Autor foi admitido ao serviço da Ré, mediante acordo verbal, em 14.09.2021.
3. A Ré apresentou-lhe uma minuta de CIT para assinar, porém o Autor recusou-se a assinar por não concordar com as condições ali fixadas.
4. No âmbito do referido acordo verbal, o Autor exerceu as funções de diretor de obra, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, competindo-lhe fiscalizar e gerir as obras a cargo da empresa, controlar os prazos e a execução dos trabalhos.
5. Cumpria um período de trabalho diário não inferior a 8 horas, de segunda a sexta feira, entre as 08h00 e as 17h00.
6. A razão principal pela qual o Autor recusou a proposta de escrita e não assinou o contrato de trabalho, consistiu no facto de constar do contrato o valor de €1.000,00 a título de remuneração mensal, prevista na cláusula 4ª.
7. Após negociações entre as partes, a Ré havia se comprometido a pagar ao Autor, a retribuição líquida de impostos e contribuições de €1.500,25.
8. Ao longo do período que perdurou a relação laboral, a Ré nunca pagou ao Autor o montante a que se comprometeu. (Eliminado)
9. Nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2022, não pagou qualquer retribuição ao Autor. (Eliminado)
10. No mês de Setembro de 2021 o Autor recebeu €89,00, pelo que, está em dívida o montante de €800,00. (Eliminada expressão sublinhada)
11. Nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2021 procedeu ao pagamento do montante líquido de €833,00, estando em dívida o montante de 667,25. (Eliminada expressão sublinhada)
“12. Quanto aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2022 está em dívida o montante de €1.500,25.” (Eliminada expressão sublinhada).
Passa a ter o seguinte teor:
12. Os meses de Janeiro e Fevereiro de 2022 estão em dívida.
13. No mês de Março está em dívida o pagamento de dois dias no montante de €100,01. (Eliminada expressão sublinhada).
14. Por comunicação eletrónica datada de 31.01.2022 (e-mail), o Autor pôs fim ao contrato de trabalho com efeitos a 02.03.2022.
15. O Autor gozou férias entre os dias 1 e 13 de Fevereiro e nos dias 1 e 2 de Março, no total de 11 dias úteis. (Eliminada expressão sublinhada)
16. Entre os dias 14 e 28 de Fevereiro, gozou o período de 15 dias de faltas justificadas, por motivo de casamento.
17. De subsídio de Natal, a Ré pagou ao Autor a quantia de €250,00.
18. A Ré não pagou qualquer montante a título de subsídio de férias.
19. Na data da cessação contrato, o Autor estava ao serviço da Ré há 170 dias. (Eliminado)
20. As partes haviam acordado na cláusula 8ª do CIT um período experimental de 180 dias.
21. A Ré não procedeu ao pagamento ao Autor o subsídio de férias proporcional à duração do contrato, no montante de €698,75(€1. 500,25/365x170). (Eliminado)
22. A Ré não pagou ao Autor o subsídio de Natal proporcional à duração do contrato, deduzido da quantia de 250,00 paga em Dezembro de 2021, que perfaz €448,75. (Eliminado)
Mais se provou que:
23. Relativamente à remuneração, não obstante terem as partes acordo no pagamento mensal da remuneração líquida de €1.500,25, ficou a constar do contrato de trabalho que o Autor assinou em data não determinada, mas entre 14.09.2021 e 28.09.2021, que ele receberia a remuneração mensal ilíquida no valor de €1.000,00 e ajudas de custo, a apurar no final do mês, que não faziam parte da retribuição.
24. A Ré comunicou tal admissão quer aos serviços de contabilidade, quer à Segurança Social e à empresa B..., Lda. (medicina do trabalho) com efeitos a 28.09.2021.
25. Na data de início do referido contrato de trabalho, a Ré entregou ao Autor, um cartão multibanco titulado por aquela no Banco 1..., possibilitando a compra/aquisição por este de materiais/mercadorias exclusivamente necessárias à atividade da Ré, obrigando-se o Autor a, em momento posterior, apresentar documento contabilístico comprovativo de tais despesas e responsabilizado mesmo pessoalmente pelos prejuízos decorrentes da sua utilização indevida ou do seu extravio.
26. Cartão multibanco esse que, conjuntamente com outros bens da Ré que haviam sido confiados ao Autor na pendência do contrato de trabalho, foram devolvidos àquela em 2 de Fevereiro de 2022.
“27. Desde Novembro de 2022 até à data da cessação do referido contrato de trabalho (02.03.2022), a Ré teve de descontar mensalmente da retribuição devida ao Autor o montante relativo a penhora do salário líquido deste e, proceder à transferência desse mesmo valor à ordem do processo de execução n.º 20907/16.2T8LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Execução – Juiz 9 e do solicitador FF.” (Alterada, expressão sublinhada).
Passa a ter o seguinte teor:
27. Desde Outubro de 2021 até à data da cessação do referido contrato de trabalho (02.03.2022), a Ré teve de descontar mensalmente da retribuição devida ao Autor o montante relativo a penhora do salário líquido deste e, proceder à transferência desse mesmo valor à ordem do processo de execução n.º 20907/16.2T8LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Execução – Juiz 9 e do solicitador FF.
28. Por e-mail de 8 de Fevereiro de 2022, a Ré comunicou ao Autor o seguinte: “Nos dias 20 de Outubro e 21 de Dezembro de 2021, foram-lhe feitos 2 adiantamentos que perfazem 908,5euros. O valor que lhe deveria ser transferido até ao dia 10 deste mês, correspondente à retribuição de janeiro, é 705euros. Desta forma, ficam ainda por “devolver” à A... 203,50 euros, valor este que será tido em conta no fecho de contas a realizar no final deste mês. O fecho de contas é feito quando cessa o vinculo contratual entre a A... e o AA e este cessará no final de fevereiro de 2022. Para o fecho de contas a contabilidade vai necessitar do comprovativo de casamento, que pedimos que nos entregue até ao dia 5 do mês de Março.
Em anexo seguem
1) Recibos de vencimento Set 21 a Janeiro 22 (incluído);
2) Comprovativos de transferência de pagamento de salario de Set 21 a Janeiro 22 (incluído);
3) Comprovativos de pagamento da penhora de Outubro 21 a Janeiro 22 (incluído);
4) Comprovativos dos adiantamentos referidos”.
29. Em 20 de Outubro de 2021 e 21 de Dezembro de 2021 foram, transferidos os valores de, respetivamente, €700,00 e €208,50, valores esses transferidos pela Ré para a conta bancária titulada pelo Autor, a título de prémio de serviço e de rectificação do valor penhorado indevidamente, no subsídio de Natal que havia sido pago ao Autor, no âmbito do processo de execução n.º 20907/16.2T8LSB.
30. A Ré declarou perante a empresa de temporário C..., intermediária na contratação do Autor, que o Autor iria auferir a retribuição mensal ilíquida de €1.000,00, tendo procedido ao pagamento da comissão pelos serviços prestados em conformidade com o valor declarado.
*

ii. Da prova produzida resultaram não provados os seguintes factos:
a) Entre o Autor e Ré decorreram negociações para celebração de contrato de prestação de serviços através de emissão de “recibo verde”, nas quais foi proposto o pagamento dos valores constantes do doc. n.º 4 junto com a petição inicial.
b) Não houve acordo entre o Autor e a Ré para que a prestação de serviços ocorresse nos termos referidos no anterior artigo.
c) Na sequência de negociações mantidas o Autor e a Ré acordaram na celebração do contrato de trabalho sem termo.
d) O contrato foi assinado pelo Autor e pela Ré em 19.09.2021, ficando a cópia assinada na posse do Autor, tendo tido início em 28.09.2021.
e) A Ré sempre pagou àquele o montante a que se comprometeu e que lhe era devido. (Eliminado)
f) Nunca tendo o Autor reclamado perante a Ré, na pendência do contrato de trabalho, o pagamento de qualquer valor ou invocado pagamentos em atraso.
g) O contrato de trabalho celebrado entre a Ré e o Autor iniciou os seus efeitos a 28 de Setembro de 2021, pelo que, em tal mês, não prestou o Autor trabalho durante o mês completo (30 dias) tendo consequentemente, apenas direito a receber, a tal título, o valor correspondente aos dias em que efetivamente prestou serviço para a ré, no montante pago de €89,00. (Eliminada expressão sublinhada)
h) Para pagamento dos valores devidos ao Autor relativamente ao mês de Janeiro de 2022, no valor total líquido de €705,00, foi processado o recibo n.º 3 datado de 31.01.2022, correspondente, além do mais, a: - Vencimento base €1.000,00; - Penhora judicial, no valor de €128,00.
i) Em 20 de Outubro de 2021 e 21 de Dezembro de 2021 foram, a solicitação do Autor, por supostas dificuldades financeiras e aceite pela Ré, efetuados por esta adiantamentos por conta de retribuições vincendas nos valores de, respetivamente, €700,00 e €208,50. (Eliminada expressão sublinhada)
j) Dos extratos bancários da conta titulada pela Ré no Banco 1..., S.A. com o n.º ...03....25 ...1, constam movimentos efetuados pelo Autor no valor total de €786,57, para os quais não existe qualquer documento contabilístico de suporte.
k) Não obstante as solicitações da Ré, nomeadamente, por e-mail de 08.03.2022 e por carta registada com AR devidamente recepcionada pelo Autor em 13.04.2022, o Autor não apresentou justificação de tais movimentos / levantamentos, até à presente data.”.
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B) O DIREITO

- Lapso de escrita
- Alteração parcial do facto 27

Invoca a recorrente e com a mesma concorda o recorrido, ocorrer manifesto lapso de escrita, quando no ponto 27 dos factos provados se refere a, “Desde…2022”, o que é evidenciado no próprio contexto dos factos em questão em confronto com a prova documental junta aos autos. Assim, o bastante para que se ordene a rectificação daquele ponto 27 dos factos provados por forma a que onde consta “Desde… de 2022” “passar a constar “Desde … de 2021” e, porque, como o dissemos, o recorrido, aceita que assim o seja, rectifica-se e altera-se deferindo, assim, o peticionado pela recorrente na conclusão s) da sua alegação, o ponto 27, nos termos propostos, quanto ao ano e mês a que se refere, o qual passa a ter o seguinte teor:
“27. Desde Outubro de 2021 até à data da cessação do referido contrato de trabalho (02.03.2022), a Ré teve de descontar mensalmente da retribuição devida ao Autor o montante relativo a penhora do salário líquido deste e, proceder à transferência desse mesmo valor à ordem do processo de execução n.º 20907/16.2T8LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Execução – Juiz 9 e do solicitador FF.”.
Rectificação que, assim, se considera desde já para apreciação das questões suscitadas neste recurso.
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- Da nulidade da sentença
Na alegação desta questão, diz a recorrente que, “o tribunal a quo não se pronunciou sobre questão suscitada pela recorrente, em clara violação do estatuído no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, o que constitui nulidade prevista nos artigos 315.º n.º 1 al. d) e 616.º do CPC – pedido de litigância de má fé do autor”, (diga-se, que, pese embora, repetir o lapso, em sede de conclusões que, também, aqui se verifica lapso de escrita, agora por parte da recorrente quando se refere ao “art. 315.º”, sendo manifesto que se quer referir ao art. 615º, o que se terá em consideração).
Vejamos, então.
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do art. 615º.
Nele se dispõe que, é nula a sentença quando: “a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”.
Em anotação ao art. 668º do CPC de 1961, que corresponde ao actual art. 615º, refere (Abílio Neto, in “Código de Processo Civil Anotado”, 23ª ed., pág. 948), que “os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.”.
Como ensinam, (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Revista e Actualizada, 1985, pág. 686), as causas de nulidade constantes do elenco do nº1, do art. 615º, não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”.
Ora, regressando ao caso e analisando os argumentos constantes quer das alegações quer das conclusões da recorrente, em relação ao que a mesma invoca e diz, há, desde já, que dizer que, não se descortina o cometimento de qualquer vício, susceptível de configurar qualquer nulidade da sentença, em especial, a que alude a al. d) do nº 1, do art. 615º que a recorrente invoca.
Senão, vejamos.
Na petição inicial, o Autor demanda a R., com os fundamentos acima mencionados no relatório inicial, salientando ter denunciado o contrato, durante o período experimental, reclamando que seja a R. condenada a pagar-lhe os créditos que reclama derivados da execução do contrato que mantiveram.
Apreciando, na sentença recorrida, a Mª Juíza “a quo”, após ter realizado o julgamento e decidido a factualidade que resultou provada e não provada, fundamentando a sua convicção, face ao que decorre daquela considerou que, a Ré não procedeu ao pagamento da remuneração mensal à qual se havia vinculado e, como tal condenou-a, nos termos que constam do dispositivo acima transcrito e considerou, “Tendo em conta a procedência da presente acção fica prejudicada, necessariamente, a apreciação da, eventual condenação do Autor como litigante de má fé.”.
Ora, sendo deste modo, só podemos concluir, atentos os argumentos invocados pela recorrente para sustentar a arguida nulidade da sentença, que é notório que tal não se verifica, denotando que existe por parte da mesma nítida confusão quanto aos alegados vícios que imputa à sentença recorrida defendendo, por isso, que deve ser declarada nula e, eventual, existência de erro de julgamento de que, a mesma possa padecer que, não é gerador da nulidade daquela, nos termos expressamente previstos nas diversas al.s do nº 1, do referido art. 615º, em concreto, na al. d), já que, como bem se diz no, (Ac. do STJ, de 10.12.2020, Proc. 12131/18.6T8LSB.L1.S1), “I – A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.”.
Ora, sempre com o devido respeito, em nosso entender, não invoca a recorrente quaisquer argumentos susceptíveis de se enquadrarem no referido vício.
E, da análise da sentença verifica-se que estão especificados os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão, não se verificando que tenha deixado de ser apreciada qualquer questão.
Como bem se considerou no Tribunal “a quo” a pronúncia feita na sentença, quanto ao pedido de litigância de má-fé, “terá de ser interpretada no sentido de o Tribunal “a quo” considerar que não se verificou litigância de má fé do A., pois que, no entender desse Tribunal e conforme aplicação do Direito que esse Tribunal implicitamente fez, procedeu a pretensão do A, falecendo a alegação da R a este propósito”.
Assim, o alegado pela recorrente mais não seria que um, eventual, erro de julgamento e errada apreciação das provas produzidas, com o consequente erro na decisão da matéria de facto e de direito, o que a acontecer poderá configurar erro de julgamento, mas, jamais nulidade da sentença, nos termos do dispositivo invocado pela mesma.
Não há dúvidas que, a Mª Juíza “a quo” na fundamentação da sentença tomou em consideração os factos provados, procedeu à subsunção dos mesmos ao direito e explicou as razões que levaram à procedência da acção nos termos em que o foi e nessa medida à improcedência da pretensão da Ré de condenação do A. como litigante de má-fé.
Donde só podemos concluir que a sentença, se mostra fundamentada de facto e de direito, conheceu de todas as questões que se lhe impunha apreciar, não se verificando que tenha sido cometida qualquer violação ou nulidade, nomeadamente, de modo a violar o disposto no art. 615º nº 1, al. d) que a recorrente invoca.
Improcede, assim, este aspecto da apelação.
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- Da deficiente motivação da decisão de facto e falta de análise crítica da prova
Antecedida da alusão ao art. 607º que faz na conclusão s), alega a recorrente que, “11 – Se atentarmos no teor da fundamentação da decisão, quanto à matéria de facto impugnada, esta estriba-se exclusivamente no depoimento de parte do próprio recorrido, sendo certo que, e contrariamente ao constante da decisão a quo, este apresentou nos autos uma postura e versões contraditórias entre si.
Versões essas inclusivamente contraditadas por depoimentos testemunhais e por documentos que comprovam de per si ter aquele faltado à verdade, factos estes que o tribunal a quo, sem motivo que se vislumbre, não considerou na decisão proferida, (…).
Os referidos factos foram considerados provados por o tribunal ter tão somente levado em consideração o depoimento do autor, que considerou credível, e não ter considerado a versão da recorrente corroborada pelos depoimentos prestados pelas testemunhas DD e EE, aos quais não atribuiu credibilidade.
Ora, da audição atenta dos depoimentos prestados por DD e EE inexistem razões válidas para que o tribunal não tivesse considerado credíveis tais depoimentos e valorizados os mesmos na decisão.”.
E prossegue: “(…).
O depoimento de parte do recorrido não se revelou de todo espontâneo antes, relevou-se manifestamente preparado, tendencioso, contraditório, parcial, inconsistente e incoerente procurando contornar as perguntas com subterfúgios quando não conseguia dar de imediato respostas e, por isso, não credível, contrariamente ao constante da fundamentação da sentença a quo.”.
E na continuação da análise dos depoimentos que, em seu entender, não foram apreciados correctamente pelo Tribunal “a quo”, termina com a alegação de que, “Tais depoimentos foram espontâneos, credíveis e convincentes não tendo, contudo, sido devidamente valorizados pelo tribunal a quo.
A veracidade de tais depoimentos é ainda comprovada pelos documentos juntos aos autos, referidos no anterior ponto II.9, que indevidamente não foram considerados.
Considerando o supra exposto, e fazendo uma análise crítica dos depoimentos prestados pelo autor e pelas testemunhas DD e EE, inexistem razões válidas para valorar e credibilizar o depoimento daquele, e não valorar na decisão os depoimentos destas.
Antes apurou-se que o autor faltou a verdade no seu depoimento, no propósito de condenar e prejudicar a recorrente.
O depoimento das identificadas testemunhas DD e EE foi coerente, sério, ponderado e verdadeiro, devendo ser considerado na decisão, inexistido motivos válidos para que tal não ocorresse, não existindo sequer motivo fundado e válido referenciado na sentença.
A sentença a quo valorou o depoimento do autor, sem mais, sem qualquer referência, ou ponderação critica sobre notórias contradições, podendo nesta parte afirmar-se que a sentença enferma de notória ausência de analise critica da prova produzida, limitando-se tão somente a transcrever a versão vertida na petição inicial fundamentando a decisão em excertos descontextualizados de depoimentos, tendo ainda deixado de se pronunciar sobre questões que deveria ter apreciado.
12 – A decisão proferida é, assim, e salvo o devido respeito, manifestamente desconforme com a prova produzida nos autos, não se encontra devidamente fundada e comprovada pelos depoimentos das testemunhas conjugada com a prova documental existente supra discriminadas, nem analisou criticamente a prova produzida extraindo ilações corretas da mesma.
Limitou-se a transcrever o teor da petição inicial, aceitando como integralmente verdadeira a versão do autor, mesmo nas situações em que inexistia qualquer outra prova, não considerando, nem valorizando devidamente as contradições, falsidades.
A decisão da matéria de facto é destituída de qualquer análise crítica, limitando-se a dar como provados todos os factos da petição inicial, sem prova em tal sentido, bastando para tal o depoimento do autor, não ponderando criticamente os restantes depoimentos testemunhais e prova documental.
Pois que, relativamente à prova documental também a sentença não analisou convenientemente a documentação constante dos autos, considerando provados factos que manifestamente não correspondem ao teor dos documentos, conforme supra exposto.”.
Vejamos.
Dispõe o referido art. 607º, a propósito da elaboração da sentença, sob os nºs 3 e 4, o seguinte: “3. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”.
É unânime o entendimento de que, a deficiência da fundamentação quanto à matéria de facto declarada provada ou não provada na sentença, nos termos previstos no nº 4 deste art. 607º, não gera nulidade de sentença, nos termos previstos na al. b), do nº 1, do art. 615º.
Como é sabido, esta deficiência, quando recaia sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, deve ser corrigida pela 1ª instância por determinação da Relação, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados, cfr. art. 662º, nº 2, al. d). Mas, se o facto dado, sem fundamentação, como provado ou não provado não se revelar concretamente essencial para a decisão da causa, a exigência a posteriori da fundamentação, em via de recurso, é inútil, sendo a falta de fundamentação irrelevante, ainda que da questão principal se trate.
No caso, o que se verifica é que, basicamente, a opinião da recorrente é de que o Tribunal “a quo” não fez o juízo crítico das provas, desrespeitando aquele nº 4 do art. 607º.
Nas palavras de (Lebre de Freitas, citando Antunes Varela, in “A Acção Declarativa Comum”, à Luz do Código Revisto, 2010, pág. 281), a fundamentação tem a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional.
Quando a prova é gravada, a sua análise crítica constitui complemento fundamental da gravação e evidencia a importância do modo como o depoente depôs, as suas reações, as suas hesitações e, de um modo geral, todo o comportamento que rodeou o depoimento, indo além do mero significado das palavras do depoente (registadas em audiência).
Pese embora isso, a motivação das respostas aos quesitos não têm de conter uma exteriorização integral de todo o percurso lógico que conduziu à formação da convicção do julgador, basta uma explicação sucinta do iter lógico-dedutivo que levou à conclusão encontrada, embora deva deixar à vista o «itinerário cognoscitivo», a razão de ser da exigência de fundamentação; pretende-se que o julgador se pronuncie quanto à relevância deste ou daquele depoimento, quanto ao valor dos depoimentos testemunhais, referindo-se à sua maior ou menor isenção, credibilidade, clareza e razão de ciência, deixando transparecer sensatez e prudência na apreciação livre da prova e afastando qualquer laivo de suspeição de arbitrariedade, neste sentido, entre outros, vejam-se os (Acórdãos, do STJ de 10.07.2008 e, desta Relação de 22.05.2019, Proc. nº 662/17.0T8AMT.P1 in www.dgsi.pt). Nada impondo que a fundamentação da decisão seja feita separadamente para cada facto.
Mas, o cumprimento da determinação legal em vigor constitui tarefa cuja execução se não revela fácil, uma vez que na formação da convicção dos juízes que integram o tribunal não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis.
Sendo, segundo diz, (Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, 4ª edição revista e actualizada, Volume II, pág. 249), de afastar a fundamentação que, simplesmente, indique os meios de prova, do tipo “os depoimentos prestados pelas testemunhas e a inspecção ao local”, sendo legalmente exigível que, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, se estabeleça o fio condutor entre a decisão da matéria de facto (resultado) e os meios de prova que foram usados na aquisição da convicção (fundamentos), fazendo a respetiva apreciação crítica, nos seus aspectos mais relevantes.
Ora, no caso, verifica-se que a Mª Juíza “a quo” desenvolveu a motivação da fundamentação de facto ao longo das páginas 7 a 10 da sentença e fê-lo, não se limitando a identificar os respectivos meios de prova que alicerçaram a sua convicção referindo, quanto a cada testemunha a sua razão de ciência, ré e autor ao que responderam e apelou aos documentos, especificando-os e apreciando-os, conforme nela se lê e transcreve, na íntegra, para melhor compreensão:
“O Tribunal fundou a sua convicção na articulação crítica dos meios de prova produzidos.
Desde logo, no que concerne à prova documental, foram tidos em linha de conta, designadamente:
- declaração de rendimentos do Autor;
- certidão permanente da Ré;
- e-mail de 14.09.2021 enviado pela testemunha DD, filha da gerente de direito da Ré, no qual faz referência, expressamente, na remuneração mensal líquida de €1.500,25 x 14 meses, caso não pretendesse o Autor optar pelo pagamento em duodécimos, bem como aos prémios a atribuir, ao automóvel de serviço, telemóvel, computador pessoal, gastos de gasóleo e via verde e no início da obra a 15.09.2021, ou seja, no dia seguinte.
- e-mail de 28.09.2021, enviado pela Ré ao Autor, onde envia as alterações contratuais para ver se o Autor concorda com as mesmas e informando que a contabilidade apenas comunicou a sua entrada na empresa a 28.09.2021, pelo que, teve de colocar no contrato essa data como a de início de funções.
- recibos de vencimento do Autor de 30.09.2021 a 28.02.2022, sempre por referência ao valor ilíquido de €1.000,00, portanto, tributado e ao qual acresce uma penhora no vencimento do Autor.
- contrato de trabalho por tempo indeterminado, um dos quais assinado por ambas as partes, do qual consta a retribuição mensal ilíquida de €1.000,00, acrescida de prémios, automóvel de serviço, telemóvel, computador pessoal, gastos de gasóleo e via verde e, na cláusula 8.ª faz referência ao período experimental de 180 dias, pela especificidades das funções em causa.
- e-mail de rescisão do contrato, por iniciativa do Autor, datado de 31.01.2021, com efeitos reportados a 2.03.2022 e subsequente marcação de encontro para entrega de todos os pertences da Ré.
- e-mail de 8.02.2022 enviado pela Ré ao Autor comunicando que havia realizado dois adiantamentos no valor total de €908,50, pelo que, ainda teria o Autor de reembolsar a Ré em €203,50.
- extractos bancários do movimento de um cartão multibanco da Ré do qual constam, alegadas, despesas injustificadas por parte do Autor, no valor de €786,57.
- carta registada de 13.04.2022 enviada pela Ré ao Autor a pedir documentos ao Autor para fecho de contas e alega os valores devidos pelo Autor com vista à compensação de créditos.
Mais tivemos oportunidade de ouvir as testemunhas arroladas pelas partes bem como ouvimos o Autor em sede de declarações e depoimento de parte.
Começamos por ouvir o Autor AA, seguiram-se as testemunhas arroladas pelas partes: CC, técnica de recursos humanos na empresa de trabalho temporário C... que intermediou a contratação do Autor; DD, filha da gerente de facto da direito da Ré e responsável de facto pela Ré, pelo menos no que toca aos assuntos relacionados com a contratação do Autor e atribuição de serviço ao mesmo; EE, contabilista da Ré e BB, engenheiro que antecedeu o Autor nas mesmas funções e que o Tribunal entendeu conveniente ouvir.
Das declarações do Autor ficou para nós evidente que falava com verdade, quer pela sua espontaneidade, quer pelo coerência e concretização com que nos expôs a sua versão dos factos. Aliada, inclusivamente, ao teor do correio electrónico trocado entre as partes, onde resulta claro que o contrato se iniciou a 15.09.2021, depois do contacto realizado no dia anterior. Bem como se percebe, claramente, que o Autor discordou dos termos do contrato, em particular, no que concerne à remuneração. E, sobre o tema da remuneração foi, ainda, importante o depoimento da testemunha CC, que estava a par da intermediação do contrato que nos disse que a remuneração que foi falada era na ordem dos €1.500,00.
Bem sabemos que a testemunha DD tentou convencer o Tribunal do contrário, mas ficamos convictos que a sua versão foi orquestrada com a da testemunha EE, ambas com evidente parcialidade e intenção de justificar algo que sabem contrariar a lei, pois, como nos disse o Autor, com foros de verdade, o que a Ré pretendia, representada pela testemunha DD nas conversações que manteve, era declarar valor inferior ao contratualmente alcançado.
Resultando, inclusivamente, das declarações da testemunha DD, muitas dúvidas quanto à gestão da Ré, percebendo o Tribunal que a mesma suscita algumas questões que cumprirá apurar em sede própria.
Aliás, da inquirição da testemunha BB, que trabalhou na Ré entre Junho de 2021 e Setembro de 2021 (tendo a sua saída dado lugar à contratação do Autor) percebemos que foi a falta de pagamento da remuneração contratualizada que configurou o fundamento da rescisão do contrato por sua iniciativa. Tendo conhecimento de haver precedentes de outros trabalhadores que rescindiram os seus contratos de trabalho com fundamento idêntico. Disse-nos que havia sido recrutado por uma agência de recrutamento, a remuneração mensal era na ordem dos €1200,00, com viatura, telefone e computador, despesas do carro pagas e atingindo os objectivos receberia prémios correspondentes.
Ficou evidente que a Ré tinha uma urgência imensa na contratação de um engenheiro, tendo o Autor assumido funções no dia seguinte ao contacto realizado. Isso resulta, desde logo, da prova documental junta, mas o Autor também nos reportou tal facto, atentas as obras em curso.
Ora, face à prova documental junta, às declarações do Autor e das testemunhas ouvidas, o Tribunal não tem dúvidas que a retribuição mensal do Autor que havia sido acordada era de €1.500,00 líquidos pagos 14 vezes por ano.
Tendo, igualmente, o Tribunal considerado pertinente que o pagamento realizado pela Ré no valor de €700,00 se deva a um prémio e o valor de €208,50 aos acertos reportados à penhora no vencimento que o Autor da qual o Autor vinha descontando, mensalmente, diferentes importâncias. Aliás estranho seria que, somente quando cessou o contrato de trabalho a Ré viesse reclamar esses montantes e não os tivesse imputado nos recibos processados nos meses subsequentes.
Mas toda a actuação da Ré nestes autos parece dúbia, pois que sentido faria que tais valores fossem reportados a adiantamentos e não houvesse um documento de suporte para tal. Menos sentido faz a apresentação de um extracto bancário imputando despesas ao Autor quando nem sequer foi alegado e provado o uso exclusivo do cartão pelo Autor, ou que despesas sem justificação se reporta a Ré.
Em suma, o Autor teve a capacidade de alegar e provar a sua versão, contextualizando e justificando as suas alegações, ao passo que a Ré não foi capaz de fazer prova das suas alegações, bem pelo contrário, ficamos convencidos que a versão dos factos por si apresentada não corresponde à verdade.
Assim, atendendo à repartição do ónus da prova prevista no art. 342.º do Código Civil e face a tudo o que deixámos expresso, entendemos dar como provados e não provados os factos supra elencados.”.
Atento o exposto e atendendo a que, como refere (A. Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, 2013, pág.s 242 e 243, - citando Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 28 ed., pág. 654, -) O juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 607º, nº 5), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos. Não se vislumbra que mais poderia o Tribunal “a quo” dizer, a nível da análise crítica das provas que analisou, já que, de modo que julgamos suficiente, afirma as razões pelas quais acreditou mais nalgumas do que noutras e o modo porque se convenceu.
Cremos, assim, não se verificarem os apontados vícios, acrescendo que, não justifica a recorrente, não o solicitou, nem a nós se vislumbra, qualquer necessidade de obter melhor fundamentação de qualquer facto essencial, tanto mais que houve impugnação da decisão proferida em matéria de facto e, além de toda a análise que já se efectuou, para apreciação desta questão e, também, da questão referente à arguida nulidade, ir-se-á reapreciar a prova produzida para efeito da sua possível alteração.
Sem dúvida, também quanto a esta questão, o que se verifica é que a verdadeira questão é saber se as provas produzidas implicam, necessariamente, uma decisão diferente em matéria de facto, ou seja, se ocorre erro de julgamento, o que tem a ver com o pretendido reexame das provas para modificação da matéria de facto, mas, novamente, muito longe de ser causa de nulidade da sentença ou motivo para cumprimento do disposto na al. d) do nº 2 do art. 662º.
Improcede assim, também, esta questão da apelação.
*

- Da impugnação da matéria de facto
A recorrente vem impugnar a decisão sobre a matéria de facto, quanto aos pontos que indica na Conclusão a) da sua alegação, o que fundamenta naquela, no essencial, nos termos que supra transcrevemos, aquando da apreciação da anterior questão, concluindo ser sua opinião que, “por indevidamente ter sido considerada provada a matéria de facto constante dos artigos 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 18, 21, 22, 23, 25 e 29 e ter considerada não provada a matéria de facto constante das alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), i), j) e k).”.
Vejamos.
Dispõe o nº 1 do art. 662º, que: “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Aqui se enquadrando, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão de facto feita pelos recorrentes.
Nas palavas de (Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 221 e 222) “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1ª instância”.
No entanto, como continua o mesmo autor (págs. 235 e 236), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.”.
Esta questão da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e a sua apreciação por este Tribunal “ad quem” pressupõe o cumprimento de determinados ónus por parte do recorrente, conforme dispõe o art. 640º ex vi do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.Trabalho, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando, neste novo regime, os ónus de alegação impostos ao recorrente, impondo-se que especifique, em concreto, os pontos de facto que impugna e os meios probatórios que considera impunham decisão diversa quanto àqueles e deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Ou seja, tendo em conta os normativos supra citados, haverá que concluir que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância, já que só assim, como se refere no (Ac. STJ de 24.09.2013 in www.dgsi.pt (sítio da internet onde se encontram disponíveis os demais acórdãos a seguir citados, sem outra indicação)) poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão do Tribunal “a quo”, exigindo-se à parte que pretenda usar daquela faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente, apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção - não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem, face ao princípio da livre apreciação da prova que impera no processo civil, art. 607º, nº 5 do CPC, cfr. (Ac. STJ de 28.05.2009).
Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exactidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Além disso, nas palavras, novamente, de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. …”. E, do mesmo Tribunal no (Ac. de 07.07.2016) observa-se o seguinte: “… para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo art. 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”.
Neste mesmo sentido, lê-se no (Ac. desta Relação de 15.04.2013, relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho) que, “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”, (sublinhado nosso).
Transpondo o regime exposto para o caso, verifica-se que houve gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante impugna a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos que tendo sido considerados provados e não provados, em seu entender, se mostram incorrectamente julgados e a resposta que considera deverá ser dada aos mesmos, atentos os depoimentos que indica e os documentos que, em seu entender, não foram correctamente valorizados (conclusão m)), mas, sem que relacione cada facto, ou grupo de factos com o concreto meio de prova que, em seu entender sustentaria diferente decisão.
Ou seja, se atentarmos nas alegações e conclusões da recorrente, verificamos que quanto a todos os factos objecto de impugnação, indica a mesma todas as provas que foram produzidas, limitando-se a dizer que, “na sentença a quo não foi levada em consideração toda a prova produzida que comprova a versão da recorrente e efetuado um correto exame crítico de toda a prova produzida quer testemunhal quer documental, condenando-a, por isso, infundadadamente”.
Ora, sendo deste modo, analisadas quer as alegações quer as conclusões da recorrente, verificamos que não é possível dizer, que a mesma cumpre, satisfatoriamente, os ónus a seu cargo para que neste Tribunal se admita a reapreciação da decisão proferida pelo Tribunal “a quo” e, em relação a todos aqueles factos, os dados como não provados e os dos pontos dados como provados.
Para uma melhor compreensão do que diremos a seguir, importa proceder à transcrição dos factos impugnados.
Começando pelos provados: “3. A Ré apresentou-lhe uma minuta de CIT para assinar, porém o Autor recusou-se a assinar por não concordar com as condições ali fixadas.
4. No âmbito do referido acordo verbal, o Autor exerceu as funções de diretor de obra, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, competindo-lhe fiscalizar e gerir as obras a cargo da empresa, controlar os prazos e a execução dos trabalhos.
6. A razão principal pela qual o Autor recusou a proposta de escrita e não assinou o contrato de trabalho, consistiu no facto de constar do contrato o valor de €1.000,00 a título de remuneração mensal, prevista na cláusula 4ª.
7. Após negociações entre as partes, a Ré havia se comprometido a pagar ao Autor, a retribuição líquida de impostos e contribuições de €1.500,25.
8. Ao longo do período que perdurou a relação laboral, a Ré nunca pagou ao Autor o montante a que se comprometeu.
9. Nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2022, não pagou qualquer retribuição ao Autor.
10. No mês de Setembro de 2021 o Autor recebeu €89,00, pelo que, está em dívida o montante de €800,00.
11. Nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2021 procedeu ao pagamento do montante líquido de €833,00, estando em dívida o montante de 667,25.
12. Quanto aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2022 está em dívida o montante de €1.500,25.
13. No mês de Março está em dívida o pagamento de dois dias no montante de €100,01.
18. A Ré não pagou qualquer montante a título de subsídio de férias.
19. Na data da cessação contrato, o Autor estava ao serviço da Ré há 170 dias.
21. A Ré não procedeu ao pagamento ao Autor o subsídio de férias proporcional à duração do contrato, no montante de €698,75(€1. 500,25/365x170).
22. A Ré não pagou ao Autor o subsídio de Natal proporcional à duração do contrato, deduzido da quantia de 250,00 paga em Dezembro de 2021, que perfaz €448,75.
23. Relativamente à remuneração, não obstante terem as partes acordo no pagamento mensal da remuneração líquida de €1.500,25, ficou a constar do contrato de trabalho que o Autor assinou em data não determinada, mas entre 14.09.2021 e 28.09.2021, que ele receberia a remuneração mensal ilíquida no valor de €1.000,00 e ajudas de custo, a apurar no final do mês, que não faziam parte da retribuição.
25. Na data de início do referido contrato de trabalho, a Ré entregou ao Autor, um cartão multibanco titulado por aquela no Banco 1..., possibilitando a compra/aquisição por este de materiais/mercadorias exclusivamente necessárias à atividade da Ré, obrigando-se o Autor a, em momento posterior, apresentar documento contabilístico comprovativo de tais despesas e responsabilizado mesmo pessoalmente pelos prejuízos decorrentes da sua utilização indevida ou do seu extravio.
29. Em 20 de Outubro de 2021 e 21 de Dezembro de 2021 foram, transferidos os valores de, respetivamente, €700,00 e €208,50, valores esses transferidos pela Ré para a conta bancária titulada pelo Autor, a título de prémio de serviço e de rectificação do valor penhorado indevidamente, no subsídio de Natal que havia sido pago ao Autor, no âmbito do processo de execução n.º 20907/16.2T8LSB.”
Passemos aos factos dados como não provados:
“a) Entre o Autor e Ré decorreram negociações para celebração de contrato de prestação de serviços através de emissão de “recibo verde”, nas quais foi proposto o pagamento dos valores constantes do doc. n.º 4 junto com a petição inicial.
b) Não houve acordo entre o Autor e a Ré para que a prestação de serviços ocorresse nos termos referidos no anterior artigo.
c) Na sequência de negociações mantidas o Autor e a Ré acordaram na celebração do contrato de trabalho sem termo.
d) O contrato foi assinado pelo Autor e pela Ré em 19.09.2021, ficando a cópia assinada na posse do Autor, tendo tido início em 28.09.2021.
e) A Ré sempre pagou àquele o montante a que se comprometeu e que lhe era devido.
f) Nunca tendo o Autor reclamado perante a Ré, na pendência do contrato de trabalho, o pagamento de qualquer valor ou invocado pagamentos em atraso.
g) O contrato de trabalho celebrado entre a Ré e o Autor iniciou os seus efeitos a 28 de Setembro de 2021, pelo que, em tal mês, não prestou o Autor trabalho durante o mês completo (30 dias) tendo consequentemente, apenas direito a receber, a tal título, o valor correspondente aos dias em que efetivamente prestou serviço para a ré, no montante pago de €89,00.
h) Para pagamento dos valores devidos ao Autor relativamente ao mês de Janeiro de 2022, no valor total líquido de €705,00, foi processado o recibo n.º 3 datado de 31.01.2022, correspondente, além do mais, a: - Vencimento base €1.000,00; - Penhora judicial, no valor de €128,00.
i) Em 20 de Outubro de 2021 e 21 de Dezembro de 2021 foram, a solicitação do Autor, por supostas dificuldades financeiras e aceite pela Ré, efetuados por esta adiantamentos por conta de retribuições vincendas nos valores de, respetivamente, €700,00 e €208,50.
j) Dos extratos bancários da conta titulada pela Ré no Banco 1..., S.A. com o n.º ...03....25 ...1, constam movimentos efetuados pelo Autor no valor total de €786,57, para os quais não existe qualquer documento contabilístico de suporte.
k) Não obstante as solicitações da Ré, nomeadamente, por e-mail de 08.03.2022 e por carta registada com AR devidamente recepcionada pelo Autor em 13.04.2022, o Autor não apresentou justificação de tais movimentos / levantamentos, até à presente data.”.
Ora, atento o teor dos pontos e alíneas que antecedem que, alega a recorrente, não correspondem ao convencimento a extrair da prova testemunhal e documental produzida nos autos, previamente, a analisarmos se lhe assiste ou não razão, importa que se diga o seguinte:
Dispõe o, já citado, art. 607º, sob a epígrafe “Sentença”, nos seus nºs 3 e 4, que:
“3. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os facos que considera provados…”.
“4. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, …”.
Como ensina o Professor (Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, págs. 206 a 215): “(…).
a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior;
b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei;
(…).
Entendemos por factos materiais as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens.
(…)”.
O mesmo refere, (Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, 1982) onde se lê que, “(…). A aplicação da norma pressupõe, assim primeiro, a averiguação dos factos concretos, dos acontecimentos realmente ocorridos, (…).
Esses factos e a averiguação da sua existência ou não existência constituem, respectivamente, os factos e o juízo de facto – juízo histórico dirigido apenas ao ser ou não ser do facto. (…).
Igualmente indiferente é a via de acesso ao conhecimento do facto, isto é, que a ele possa ou não chegar-se directamente, ou, somente através de regras gerais e abstractas, ou seja, por meio de juízos empíricos (as chamadas regas da experiência). (…).”.
E, como é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, (vejam-se entre outros, os Acórdãos deste de 23.09.2009, Proc. nº 238/06.7TTBGR.S1, de 19.04.2012, Proc. nº 30/08.4TTLSB.L1.S1, de 23.05.2012, Proc. nº 240/10.4TTLMG.P1.S1, de 14.01.2015, Proc. nº 488/11.4TTVFR.P1.S1 e Proc. nº 497/12.6TTVRL.P1.S1 e de 29.04.2015, Proc. nº 306/12.6TTCVL.C1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt (sítio da internet onde se encontrarão todos os arestos a seguir citados, sem outra indicação)) as conclusões, apenas, podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada.
Ou seja, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova.
Seguindo idêntico entendimento, (no Acórdão, do mesmo STJ, de 12.03.2014, Proc. nº 590/12.5TTLRA.C1.S1), decidiu-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes”.
Ainda, mais recentemente, sobre esta questão da delimitação entre factos, juízos de valor sobre factos, e valorações jurídicas de factos, que é essencial à ponderação da intervenção levada a cabo por este Tribunal “ad quem”, relativamente à decisão recorrida, pronunciou-se (o Ac. do STJ de 28.01.2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1), nele se fazendo constar o seguinte: “Conforme se considerou no acórdão desta Secção de 24 de novembro de 2011, proferido na revista n.º 740/07.3TTALM.L1.S2, «o n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, dispõe que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”» e «atento a que só os factos podem ser objeto de prova, tem-se considerado que o n.º 4 do artigo 646.º citado estende o seu campo de aplicação às asserções de natureza conclusiva, “não porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum» — acórdão deste Supremo Tribunal, de 23 de setembro de 2009, Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, da 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt.”»”.
E continua: “Por thema decidendum deve entender-se o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado,…”.
Concluindo com a formulação do seguinte: “Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de facto que se insira de forma relevante na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta ou componente relevante da resposta àquelas questões, ou cuja determinação de sentido exija o recurso a critérios jurídicos, deve o mesmo ser eliminado.”.
Decorre do que se deixa exposto que, quando tal não tenha sido observado pelo Tribunal “a quo”, ou não o tenha sido na totalidade, e o mesmo se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, que essa pronúncia deve ter-se por não escrita. E, significa, também, atentos os mesmos argumentos enunciados, que o Tribunal “ad quem” não pode considerar provadas alegações conclusivas.
Só não sendo desse modo, não devendo ter-se como não escritas, aquelas respostas que, embora possam ter uma componente conclusiva, ainda assim se tiverem um substrato de facto relevante.
Neste sentido, veja-se o (Acórdão do STJ de 24.09.2008, Proc. nº 07S3793), onde quanto ao facto: “todas as funções estão preenchidas por pessoal especificamente formado, não existindo vagas cujas funções possam ser atribuídas ao A.”, dado como provado, se considerou que não lhe retirava a natureza, de matéria de facto, “a circunstância de se estar, digamos, perante uma resposta ampla ou de síntese, que fez um “apanhado” de dados diversos, certamente equacionados e abordados em sede de julgamento”.
E ainda, seguindo idêntico entendimento, bem mais recente, veja-se, o (Acórdão do STJ de 14.07.2021, Proc. nº 19035/17.8T8PRT.P1), em cujo sumário consta que, “I- Importa verificar se um facto, mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa.”.
Regressando ao caso, atento o exposto, o que se verifica é que daquela factualidade impugnada, alguns pontos e alíneas na totalidade e outros no que toca, a expressões neles vertidas, reportam-se ao “thema decidendum”, consubstanciando-se num conteúdo totalmente conclusivo, por isso, devem eliminar-se os pontos e alíneas dos factos provados e não provados em que tal aconteça.
Assim, face a tudo o que ficou exposto, previamente, à análise da impugnação deduzida pela recorrente, no âmbito dos poderes oficiosos deste Tribunal “ad quem”, estabelecidos no art. 662º 1, em conjugação com o disposto no art. 607º nºs 4 e 5, impõe-se alterar a decisão sobre a matéria de facto para a expurgar de factos que se encontram fixados com formulação conclusiva e, tendo em conta as regras do ónus da prova, eventualmente, nuns casos acrescentando a matéria em falta para que fique concretizado, noutros eliminando-os na totalidade ou parcialmente, em concreto, da factualidade que se mostra impugnada e, também, daquela que não tendo sido impugnada, se reveste das características enunciadas, eliminam-se, na totalidade, os pontos e alíneas seguintes:
- Pontos 8, 9, 19, 21 e 22;
- Alínea e).
Parcialmente, eliminam-se:
- do ponto 10, a expressão “pelo que está em dívida o montante de €800,00”;
- do ponto 11, a expressão “estando em dívida o montante de 667,25”;
- do ponto 12, a expressão “o montante de €1.500,25”.
- do ponto 13, a expressão “no montante de €100,01”.
- do ponto 15, “não impugnado” a expressão “no total de 11 dias úteis”.
- da alínea g) a expressão “…, pelo que, em tal mês, não prestou o Autor trabalho durante o mês completo (30 dias) tendo consequentemente, apenas direito a receber, a tal título, o valor correspondente aos dias em que efetivamente prestou serviço para a ré, no montante pago de €89,00”.
- da alínea i) a expressão “por supostas dificuldades financeiras”.
*

Continuemos, então, agora na análise que se interrompeu, tendo em atenção, agora, ao teor dos factos impugnados.
“3. A Ré apresentou-lhe uma minuta de CIT para assinar, porém o Autor recusou-se a assinar por não concordar com as condições ali fixadas.
4. No âmbito do referido acordo verbal, o Autor exerceu as funções de diretor de obra, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, competindo-lhe fiscalizar e gerir as obras a cargo da empresa, controlar os prazos e a execução dos trabalhos.
6. A razão principal pela qual o Autor recusou a proposta de escrita e não assinou o contrato de trabalho, consistiu no facto de constar do contrato o valor de €1.000,00 a título de remuneração mensal, prevista na cláusula 4ª.
7. Após negociações entre as partes, a Ré havia se comprometido a pagar ao Autor, a retribuição líquida de impostos e contribuições de €1.500,25.
10. No mês de Setembro de 2021 o Autor recebeu €89,00.
11. Nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2021 procedeu ao pagamento do montante líquido de €833,00.
12. Os meses de Janeiro e Fevereiro de 2022 estão em dívida.
13. No mês de Março está em dívida o pagamento de dois dias.
18. A Ré não pagou qualquer montante a título de subsídio de férias.
19. Na data da cessação contrato, o Autor estava ao serviço da Ré há 170 dias.
23. Relativamente à remuneração, não obstante terem as partes acordo no pagamento mensal da remuneração líquida de €1.500,25, ficou a constar do contrato de trabalho que o Autor assinou em data não determinada, mas entre 14.09.2021 e 28.09.2021, que ele receberia a remuneração mensal ilíquida no valor de €1.000,00 e ajudas de custo, a apurar no final do mês, que não faziam parte da retribuição.
25. Na data de início do referido contrato de trabalho, a Ré entregou ao Autor, um cartão multibanco titulado por aquela no Banco 1..., possibilitando a compra/aquisição por este de materiais/mercadorias exclusivamente necessárias à atividade da Ré, obrigando-se o Autor a, em momento posterior, apresentar documento contabilístico comprovativo de tais despesas e responsabilizado mesmo pessoalmente pelos prejuízos decorrentes da sua utilização indevida ou do seu extravio.
29. Em 20 de Outubro de 2021 e 21 de Dezembro de 2021 foram, transferidos os valores de, respetivamente, €700,00 e €208,50, valores esses transferidos pela Ré para a conta bancária titulada pelo Autor, a título de prémio de serviço e de rectificação do valor penhorado indevidamente, no subsídio de Natal que havia sido pago ao Autor, no âmbito do processo de execução n.º 20907/16.2T8LSB.”
Passemos aos factos dados como não provados:
“a) Entre o Autor e Ré decorreram negociações para celebração de contrato de prestação de serviços através de emissão de “recibo verde”, nas quais foi proposto o pagamento dos valores constantes do doc. n.º 4 junto com a petição inicial.
b) Não houve acordo entre o Autor e a Ré para que a prestação de serviços ocorresse nos termos referidos no anterior artigo.
c) Na sequência de negociações mantidas o Autor e a Ré acordaram na celebração do contrato de trabalho sem termo.
d) O contrato foi assinado pelo Autor e pela Ré em 19.09.2021, ficando a cópia assinada na posse do Autor, tendo tido início em 28.09.2021.
f) Nunca tendo o Autor reclamado perante a Ré, na pendência do contrato de trabalho, o pagamento de qualquer valor ou invocado pagamentos em atraso.
g) O contrato de trabalho celebrado entre a Ré e o Autor iniciou os seus efeitos a 28 de Setembro de 2021.
h) Para pagamento dos valores devidos ao Autor relativamente ao mês de Janeiro de 2022, no valor total líquido de €705,00, foi processado o recibo n.º 3 datado de 31.01.2022, correspondente, além do mais, a: - Vencimento base €1.000,00; - Penhora judicial, no valor de €128,00.
i) Em 20 de Outubro de 2021 e 21 de Dezembro de 2021 foram, a solicitação do Autor e aceite pela Ré, efetuados por esta adiantamentos por conta de retribuições vincendas nos valores de, respetivamente, €700,00 e €208,50.
j) Dos extratos bancários da conta titulada pela Ré no Banco 1..., S.A. com o n.º ...03....25 ...1, constam movimentos efetuados pelo Autor no valor total de €786,57, para os quais não existe qualquer documento contabilístico de suporte.
k) Não obstante as solicitações da Ré, nomeadamente, por e-mail de 08.03.2022 e por carta registada com AR devidamente recepcionada pelo Autor em 13.04.2022, o Autor não apresentou justificação de tais movimentos / levantamentos, até à presente data.”.
*

E, ainda, antes de prosseguirmos na análise da questão da impugnação da decisão de facto, para que que melhor se compreenda, importa ainda relembrar, que nos termos do disposto no nº1 do art. 5º do CPC, “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles que se baseiam as excepções invocadas”.
E, sendo deste modo, atenta a concreta situação em apreciação, a propósito da prova dos factos em causa, importa ainda dizer o seguinte.
Quanto ao ónus da prova, como é sabido, numa acção, como a presente, em que o trabalhador pretende ver reconhecidos créditos salariais, deve ele alegar e provar os factos constitutivos do seu direito (nº 1 do art. 342º do CC), ou seja, a celebração e vigência do contrato de trabalho e a prestação de trabalho em determinado período (ou a sua suspensão sem perda de retribuição) relativamente ao qual formula o seu pedido de pagamento destes créditos.
Mais, deve ele alegar, também, as retribuições/subsídios que efectivamente auferiu no período em causa, para possibilitar a quantificação das diferenças que lhe sejam devidas.
E, uma vez demonstrada a vigência do contrato de trabalho (como facto jurídico genético de direitos e obrigações para as partes) e igualmente demonstrado que o trabalhador realizou a prestação a que se obrigou pelo mesmo (ou que, apesar de suspenso, mantém o direito à mesma), será de concluir que nasceu na sua esfera jurídica o direito à contraprestação. Contraprestação, esta, consubstanciada na obrigação retributiva que recai sobre a entidade empregadora por força do disposto nos art.s 11º e 258º e ss. do CT.
Por sua vez, o cumprimento desta obrigação (pagamento das retribuições, subsídios, etc.) traduz-se, num facto extintivo dos direitos que o trabalhador pretende fazer valer (cfr. os art.s 762º e ss. do CC).
E, sendo o pagamento um facto extintivo do direito do credor, (no caso o trabalhador) constitui o mesmo uma excepção de cariz peremptório a invocar pelo eventual devedor, (no caso a empregadora) a quem incumbe o respectivo ónus probatório, neste sentido, vejam-se (Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, pp.132 e ss., e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.06.2003 (Proc. nº 1198/03 e nº 3707/02, da 4ª Secção), e de 30.01.2002 (Proc. nº 1433/01 da 4ª Secção).
No caso, não se discute que entre a recorrente e o recorrido vigorou um contrato de trabalho, a que este pôs fim, durante o período experimental. Incontroverso se apresentando, também, que por virtude da vigência do contrato de trabalho o último tinha direito à retribuição e a férias e subsídio de férias e Natal, proporcionais ao período que trabalhou. Controverso, apenas, o sustentado pela apelante de que sempre pagou àquele o montante a que se comprometeu e lhe era devido.
Assim, dúvidas não se suscitam que à mesma compete a prova do pagamento das quantias devidas pelo trabalho prestado por aquele, sendo que, se não lograr provar tal pagamento, não pode a questão deixar de ser decidida contra si, empregadora.
E, em sede de matéria de facto o que releva é que entre a apelante/empregadora e o apelado/trabalhador existiu um contrato de trabalho, que cessou em 2 de Março de 2022, durante o período experimental.
Em relação a tais factos não parece existir litígio das partes; este circunscreve-se à questão de saber se o trabalho, férias e subsídios foi pago àquele pela apelante, nos termos entre eles acordado, sendo certo, como se afirmou, que a esta última compete essa prova. Daí que em sede de matéria de facto, importa ter em atenção que é a prova de tal pagamento que deve constar da factualidade a apurar. Face ao que se afirmou, é inócuo afirmar-se, na matéria de facto, que não foram pagas ao Autor as quantias devidas. O que deve constar é a prova do pagamento e, esse ónus compete, como se afirmou, à empregadora.
Obviamente, não sendo feita tal prova, a questão terá sempre que ser decidida contra ela que, por consequência, deverá ser condenada nesse pagamento.
Considerações, assim, relevantes e a ter em atenção, na análise a efectuar quanto à pretendida alteração da matéria de facto.
Neste sentido, veja-se, o (Ac. desta Relação, de 21.10.2020, Proc. nº 4925/17.6T8OAZ.P1, relatado pelo Desembargador Jerónimo Freitas e com intervenção da, agora, 1ª Adjunta), onde se lê: “recai sobre o empregador o ónus de prova do pagamento da retribuição, bastando ao trabalhador alegar concretamente a falta de pagamento. O cumprimento da respectiva obrigação, designadamente o pagamento da retribuição devida em contrapartida da prestação de trabalho, como facto extintivo do direito de crédito invocado, incumbe ao devedor, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do CC, tanto mais que, em direito, o pagamento não se presume a não ser em casos expressamente previstos na lei (cfr. art. 786.º do CC).”.
*

Regressemos, então, ao caso e, tendo em conta o que se deixou exposto e os supra transcritos pontos da matéria de facto provados e não provados que a recorrente considera incorretamente julgados, e que por isso impugna, considerando que a análise crítica de toda a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e da prova documental junta aos autos, infra discriminada, impõe decisão diversa da proferida, enfermando a decisão proferida de erro de apreciação e de contradição, violando o disposto no art.º 607.º n.º 4 do CPC, analisemos se assim é.
Alega a recorrente que, “As provas que impõem decisão diversa da recorrida sobre a supra identificada matéria de facto é a prova testemunhal decorrente dos seguintes depoimentos:
- AA (depoimento parte): depoimento constante nos seguintes trechos da gravação CD: 1:07 a 1:25, 3:56 a 4:38, 9:37 a 13:58, 14:05 a 14:30, 19:13 a 21:21, 22:18 a 22:54, 23:14 a 23:26, 23:56 a 24:54, 26:33 a 27:04, 30:46 a 31:03, 32:46 a 36:08 e 36:16 a 39:18.
- DD: depoimento constante nos seguintes trechos da gravação CD: 3:18 a 23:45, 23:50 a 24:27, 25:05 a 27:59 da sessão realizada no dia 07.06.2023 e 3:52 a 4:05, 4:24 a 4:56, 7:45 a 10:20 e 11:07 a 14:45 da sessão realizada no dia 13.06.2023.
- EE: depoimento constante nos seguintes trechos da gravação CD: 3:29 a 7:17.
- CC: depoimento constante nos seguintes trechos da gravação CD: 9:52 a 15:00.
- BB: depoimento constante nos seguintes trechos da gravação CD: 7:16 a 10:50, 11:33 a 11:41, 12:42 a 13:00, 13:42 a 14:12, 14:44 a 15:01, 18:07 a 18:46 e 19:16 a 19:28.
9 – Além da prova testemunhal supra indicada, a alteração da decisão proferida quanto à matéria de facto resulta da seguinte prova documental:
- Recibos de vencimento (Vd. docs. n.ºs 6 a 12 juntos com a petição inicial);
- Comprovativo comunicação admissão trabalhador à Segurança Social (Vd. doc. 1 junto com a contestação);
- Comprovativo admissão trabalhador Fundos Compensação do Trabalho (Vd. doc. 2 junto com a contestação);
- B..., Lda. (Vd. doc. n.º 3 junto com a contestação);
- Mail de 31.01.2022 enviado pelo recorrido a DD (Vd. doc. 4 junto com a contestação);
- Notificação penhora vencimento recorrido – execução n.º 20907/16.2T8LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo execução – Juiz 9 (Vd. doc. n.º 9 junto com a contestação);
- Mail de 08.02.2022 enviado pela recorrente ao recorrido com documentos (Vd. doc. n.º 6 junto com a contestação);
- Mail de 09.03.2022 enviado pela recorrente ao recorrido (Vd. doc. 9 junto com a contestação);
- Relação movimentos contabilísticos (Vd. docs. n.ºs. 10 a 15 juntos com a contestação);
- Carta registada remetida pela recorrente ao recorrido em 12.04.2022 e rececionada por este em 13.04.2022 (Vd. doc. n.º 16 junto com a contestação);
- Correspondência trocada entre a recorrente a empresa de recrutamento C..., S.A. juntos com o requerimento remetido em 23.02.2023 (ref. 34841911);
- Contrato de trabalho junto com o requerimento remetido em 14.06.2023 (ref. 35048461);
- Condições de faturação e fatura emitida em 29.09.2021 pela sociedade C..., S.A. pelos serviços prestados na contratação do recorrido juntas com o requerimento remetido em 09.06.2023 (ref. 35890649).”.
A finalizar, alega, ainda que, “Estes documentos não foram considerados na sentença proferida nos autos, como decorre da sua fundamentação, pois que ora é omissa quanto à sua existência, ora não lhes deu a devida relevância / consideração. O julgador não considerou, assim, os sobreditos documentos, que inclusivamente nem foram impugnados pelo recorrido, e assim se devem considerar aceites.”.
Que dizer?
Verifica-se, assim, que o que decorre da motivação e conclusões da recorrente, no que se refere à prova que indica para fundar a alteração que pretende, é que essa é indicada de modo genérico, em bloco, ou seja, para todo aquele conjunto de factos, (que se mantêm, após, a intervenção oficiosa realizada, nesta sede) os que entende deveriam ser dados como não provados, os pontos 3, 4, 6, 7, 10, 11, 12, 13, 18, 23, 25 e 29 dos factos dados como provados e os que entende deveriam ter sido dados como provados, as alíneas a), b), c), d), f), g), h), i), j) e k), o que bem o demonstra a sua alegação constante, nomeadamente, da conclusão l., quando diz que todos, assim, deveriam ter sido dados, respectivamente, não provados e provados, alegadamente, porque é o que considera decorre de, “toda a prova produzida” que, comprova a “versão da recorrente” e por isso, requer a alteração daquela referida factualidade, alegadamente, “efetuado um correto exame crítico de toda a prova produzida quer testemunhal, quer documental,…” não concretizando pois, por referência a cada facto impugnado, nem para cada bloco de factos relacionados, quais os meios probatórios que no seu entender, dentro dos que genericamente indica, para aquele conjunto de factos, imporiam decisão diversa daquela que foi dada pelo Tribunal “a quo”, de modo a permitir que, este Tribunal “ad quem”, face a tais provas indicadas, procedesse à reapreciação de cada um deles, em cumprimento ao que dispõe o art. 640º, nº 1, al. b), referido.
Ou seja, impugna a matéria de facto em bloco e indica todos os meios de prova, mas sem indicar os concretos meios que determinavam uma decisão diversa, sendo que aqueles blocos de factos, de um lado os dados como provados, de outro os dados como não provados, além de, retratarem versões diferentes, retratam, também, diversas realidades. Sendo deste modo, em consequência do que se disse, resulta que este Tribunal vê-se afinal, confrontado com uma pretensão da recorrente para que seja reapreciada genericamente a prova, em particular a que a mesma considera que serve a sua pretensão, como se de um novo julgamento se tratasse, neste caso em 2ª instância, em relação a todo um conjunto de factos, a demonstrá-lo basta atender à sua alegação como já referido, especificamente, na conclusão l., quando após, as considerações que tece, defende que todos aqueles factos objecto de impugnação, merecem a resposta que indica como sendo a correcta e tendo em conta, todo o conjunto de provas, nomeadamente documental que, apenas, genericamente refere (veja-se conclusão m), ou seja, alegadamente, com fundamento em “toda a prova produzida” quer testemunhal quer documental que, reitera-se, alega “comprova a versão da recorrente”.
Mas, não é esta a solução estabelecida na lei, nem defendida na doutrina e acolhida na jurisprudência, como se deixou exposto anteriormente, em que o entendimento é no sentido de que a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º, não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que a recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida, indique a resposta alternativa que pretende obter e, com particular relevo no caso, “quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos”, como refere (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 132).
Ou seja, deveria relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, o que é manifesto não fez, em relação a todos aqueles factos referidos, que impugna, nem em relação àquele conjunto de factos que estejam entre si relacionados.
Daí que, não possamos dizer que a apelante, como era seu ónus e se lhe impunha, tenha cumprido o que dispõe o art. 640º, nº 1, al b), quanto a cada um dos factos, ou conjunto relacionado de factos, que impugna e considera deveriam fazer parte da factualidade provada e aqueles que, em seu entender, deveriam ser dados como não provados, por não se satisfazer aquele, como se referiu, com a mera indicação genérica da prova que na sua perspectiva justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal recorrido, em relação a todos os factos provados e não provados que impugna, como é a situação. Pois, exige-se o que aqui não ocorre, que a apelante concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos ou conjunto de factos relacionados que, por as ter como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas.
Em suma, o que se constata é que todos os factos são impugnados em bloco, isto é, a recorrente não faz uma impugnação individualizada e concreta relativamente a cada um dos factos impugnados. Certo que, pretendendo a mesma impugnar a decisão sobre a matéria de facto, impunha-se-lhe que procurasse evidenciar que aqueles factos não deveriam ter sido considerados provados ou não provados, mas fazendo-o individualmente, indicando para cada um deles os meios de prova e formulando o juízo crítico para justificar a pretendida alteração, elencando as razões pertinentes relativamente a cada um deles.
Mas, não foi esse o método seguido pela recorrente, como se disse, antes fazendo a impugnação em bloco.
Assim, porque não o fez nem nas conclusões nem na motivação destas, por inobservância do disposto no art. 640º, nº 1, al. b), o recurso tem de ser rejeitado quer quanto à pretendida reapreciação da matéria de facto dada como provada, quer quanto à dada como não provada importando, assim, que, com excepção das alterações, oficiosamente, determinadas nesta sede, se mantenha inalterada e definitivamente assente a factualidade dada como provada pela 1ª instância.
*

Pese embora, aquela conclusão, importa que se diga que, ainda que por aquela razão não fosse, face à análise que, já referimos, tivemos de efectuar, nos presentes autos, para apreciação das questões antes analisadas, em concreto, quanto à invocada nulidade e, alegada, deficiência da decisão de facto, é nossa firme convicção, que não assistia razão à recorrente, quanto a esta concreta questão da impugnação de facto.
Senão, vejamos.
Como decorre das suas alegações, a apelante discorda da fundamentação da decisão de facto, supra transcrita, no essencial, por considerar que da apreciação das provas produzidas, deveria ter-se dado, respectivamente, como não provada e provada aquela factualidade que impugna, ou seja, provada a sua versão. Pugnando, assim, pela alteração da decisão recorrida e da factualidade, dada como provada e não provada e, consequentemente, pela revogação da sentença recorrida.
Mas, sempre com o devido respeito adiantamos, desde já, sem razão.
Importa que se diga que, da análise que fizemos, o que se constata é que, o recorrente, apenas, veio e está a pôr em causa a convicção do Tribunal “a quo”. Não aponta a R. qualquer erro na apreciação das provas que foram produzidas nos autos (todas elas, provas sujeitas à livre apreciação do julgador), limitando-se a dizer que a Mª Juíza “a quo” o que fez foi dar mais credibilidade à versão trazida pelo A., do que à dela, ou seja, a aceitar como verdadeira a versão do recorrido, o que desde logo revela que, do que a recorrente discorda, é da convicção que a Mª Juíza “a quo” firmou, fundamentada na globalidade e apreciação conjunta de todas as provas produzidas nos autos, considerando aquela que não é a correcta.
Mas, além deste não ser argumento para que se proceda à pretendida reapreciação da decisão de facto, acresce que ao contrário do que defende a apelante, em nosso entender, o Tribunal “a quo” fundamentou e bem a decisão de facto quanto aos factos provados que se mostram impugnados, todos, no sentido em que foram decididos e nenhuma prova em contrário, logrou a recorrente produzir nos autos, susceptível de impor a sua alteração nos termos sugeridos, ou seja, dados como não provados, os primeiros e “em contraposição” provados, os demais. Não bastando para convencer sobre o que não foi dado como provado e infirmar o que se mostra provado, a alegada convicção da recorrente.
Ou seja, em nossa convicção, ao contrário do que a R. sustenta, as provas produzidas nos autos que, a mesma, alegadamente, defende mereceriam diferente credibilidade por parte da Mª Juíza “a quo”, não têm a virtualidade de infirmar o que decorre da decisão recorrida com base na interpretação integrada e conjugada que, de todas elas, foi efectuada, não resultando que esteja incorrecta a decisão proferida, quanto àqueles factos. Não tendo, as provas em causa, a virtualidade de convencer do modo que a mesma pretende, demostrar e infirmar, nos termos que ela considera que não resultaram provados, os primeiros que indica e provados os demais, ou seja, como diz, comprovando “a versão da recorrente”.
Assim, coincidindo, a nossa convicção, com o que a Mª Juíza “a quo” transcreveu na motivação da decisão de facto (que, diga-se, revela a análise crítica e apreciação das provas, que se lhe impunha, nos termos prescritos, no art. 607º, nº 4, do CPC), e não com a apreciação que consta do recurso, também, por esta via, não ocorreriam motivos para que se alterassem aqueles factos impugnados.
Donde, estarmos convictos que, pela via da reapreciação, a pretensão da recorrente não teria acolhimento, já que é nossa convicção que não tinha aquela outro fundamento que não fosse a sua própria convicção, evidentemente, diversa da que foi a livre convicção da Mª Juíza julgadora.
Em suma, também, por o que se acaba de expor, a decisão de facto fixada na 1ª instância haveria, com a ressalva das alterações que lhe foram introduzidas, nesta sede, de manter-se inalterada.
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E, aqui chegadas, fixada que está, definitivamente, a matéria de facto provada, não sendo as alterações, oficiosamente, determinadas, nesta sede, susceptíveis de alterar o que se concluiu na decisão recorrida, improcedem, também, sem necessidade de outras considerações, as conclusões referentes à decisão de direito, já que como delas e da alegação da recorrente decorre a análise das questões colocadas pela mesma, no que toca à decisão de direito, tinham como premissa a confirmação, por este Tribunal, da conclusão expressa de que deveriam ser alterados os pontos de facto impugnados, fruto da alegada incorrecta apreciação da prova produzida nos autos, com a consequente alteração da factualidade dada como provada pelo Tribunal “a quo”, o que não aconteceu.
Pese embora isso, diga-se, apenas, que face à factualidade que se apurou nos presentes autos e que ficou, definitivamente, assente, nesta sede, a conclusão a retirar, feita a subsunção jurídica daquela factualidade, é que a decisão recorrida, não merece qualquer censura, sendo de elogiar, o modo ponderado e fundamentado como a Mª Juíza “a quo”, abordou a questão colocada, além do acerto com que o fez, por isso, só podemos subscrever aquela, não tendo os argumentos, reiterados pela recorrente, em sede de recurso, qualquer virtualidade para que seja revogada aquela decisão, como pretende, desde logo, sob a conclusão, não demostrada, de que sempre pagou ao A. o montante a que se comprometeu e lhe era devido.
Pois, como decorre da factualidade assente, não logrou a recorrente, sendo que à mesma o cabia fazer, provar ter efectuado o pagamento dos montantes devidos ao A., na sequência do contrato que celebraram e vigorou entre si.
E, não o tendo feito, terá a questão que ser decidida contra ela., como bem consta da decisão recorrida, nos termos que, em síntese, se transcrevem: «(…).
Como resulta dos factos provados, a Ré não procedeu ao pagamento da remuneração mensal à qual se havia vinculado, como tal, estão em dívidas os seguintes montantes:
No mês de Setembro de 2021 o Autor recebeu €89,00, pelo que, está em dívida o montante de €800,00, pois ficou por demais evidente que foi contratado a 14.09.2021 e a 15.09.2021 estava a iniciar funções.
Nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2021 procedeu ao pagamento do montante líquido de €833,00, pelo que está em dívida o montante de €667,25 (x3) = €2.001,75.
Quanto aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2022 está em dívida o montante de €1.500,25.
No mês de Março está em dívida o pagamento de dois dias no montante de €100,01.
O Autor gozou férias entre os dias 1 e 13 de Fevereiro e nos dias 1 e 2 de Março, no total de 11 dias úteis. Entre os dias 14 e 28 de Fevereiro, gozou o período de 15 dias de faltas justificadas, por motivo de casamento. De subsídio de Natal, a Ré pagou ao autor a quantia de €250,00.
A Ré não procedeu ao pagamento ao Autor o subsídio de férias proporcional à duração do contrato, no montante de €698,75(€1. 500,25/365x170).
A Ré não pagou ao Autor o subsídio de Natal proporcional à duração do contrato, deduzido da quantia de 250,00 paga em Dezembro de 2021, que perfaz €448,75.
Tudo nos termos dos artigos 245.º, 263.º, 264.º e 249.º do Código do Trabalho.
(…).».
Com efeito, como se deixou afirmado, estando demonstrado que entre as partes vigorou um contrato de trabalho, até 02.03.2022, e que o Autor/recorrido trabalhou desde 15.09.2021, reclamando o pagamento de parte da remuneração mensal acordada e também os subsídios de férias e de Natal, proporcionais ao tempo trabalhado, sobre a Ré/apelante competia a prova do facto extintivo do direito do trabalhador, isto é, a prova de que procedeu aos pagamentos devidos.
Assim, não tendo logrado fazê-lo, sem necessidade de outras considerações, a sua pretensão que, como dissemos era, nesta parte, tributária da pretendida alteração da matéria de facto, não tendo obtido êxito nesta, necessariamente que terá também que improceder o pedido de revogação da sentença, quanto ao pagamento das quantias em que a condenou.
Por último, diga-se, apenas que, também, não logrou a recorrente, demonstrar nos autos, qualquer factualidade susceptível de gerar a situação prevista na al. f), do nº 2, do art. 279º, do CT, não se vislumbrando a sua violação, nem de qualquer outro dispositivo legal.
Improcedem, por consequência, também nesta parte, ou são irrelevantes as conclusões da apelação.

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III – DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
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Custas pela R./apelante.
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Porto, 28 de Junho de 2024

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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Relatora: (Rita Romeira)
1ª Adjunta: (Teresa Sá Lopes)
2º Adjunto: (Germana Ferreira Lopes)