CONTRA-ORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO
COVID-19
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário

(da responsabilidade do Relator)
1. Diferentemente do que entendeu o tribunal a quo, as suspensões do prazo de prescrição ao abrigo das chamadas Leis Covid aplicam-se a todos os tipos de processos e procedimentos, quer se iniciem antes, no decurso ou após a vigência de tais leis. Assim sendo, no que diz respeito à data da prescrição do procedimento contraordenacional julga-se ocorrer em 27-01-2025 (e não em 20-08-2024 conforme indicado na sentença recorrida).
2. Mesmo que se considerasse que o desrespeito pela entidade administrativa do preceituado no artigo 58.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RGCO, constituiria o alegado vício de nulidade, o que não é isento de controvérsia, analisada a decisão administrativa condenatória constante dos autos verifica-se que não enferma do qualquer vício por falta de descrição de factos ou de fundamentação.
3. Quanto à questão suscitada no recurso de que o tribunal a quo ao desconsiderar totalmente as declarações da testemunha arrolada pelo arguido, incorreu em clara violação do Principio da Livre Apreciação da Prova, recorda-se que o presente tribunal apenas conhece da matéria de direito (artigo 74.º, n.º 1, do RGCO), sendo certo que não resulta do texto da sentença recorrida o vício do erro notório na apreciação da prova ou qualquer outro previsto no artigo 410.º, n.º 2, do Código do Processo Penal.
4. No caso concreto, verificou-se o incumprimento pelo instalador (ora Recorrente) das obrigações previstas no n.º 1 do artigo 76.º, o que constitui contraordenação muito grave, conforme previsto no artigo 89.º, n.º 3, al. r), n.º 6 e n.º 10, al. a), do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21/05 (regime jurídico da construção, do acesso e da instalação de redes e infraestruturas de comunicações eletrónicas), sendo de manter a condenação declarada pelo tribunal a quo.

Texto Integral

Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
Recorrente/arguido: (…)
Recorrida/Entidade Supervisora: Autoridade Nacional de Comunicações (doravante, ANACOM).
1. O ora Recorrente impugnou judicialmente a decisão da ANACOM, que o condenou nas seguintes coimas:
a) uma coima no valor de € 1.200,00, pela prática, com dolo, de uma contraordenação muito grave prevista na alínea r) do n.º 3, no n.º 6 e na alínea a) do n.º 10 do artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, por ter instalado a infraestrutura de telecomunicações do edifício de natureza residencial, sita na Rua …, em Faro, em desrespeito das prescrições técnicas aplicáveis constantes do Manual ITED 3.ª Edição, mais concretamente, por ter realizado os ensaios à rede pares de cobre de acordo com os limites estabelecidos nos termos da norma ISO11801 e não nos termos da EN50173; e
b) uma coima no valor de € 1.000,00, por ter praticado, com dolo, uma contraordenação muito grave prevista na alínea b) do n.º 4, no n.º 6 e na alínea a) do n.º 10 do artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, por não ter feito constar do REF, relativo à mesma infraestrutura, todos os elementos a que estava obrigado, designadamente a cópia dos certificados de calibração dos equipamentos utilizados nos ensaios.
c) Em cúmulo jurídico, a ANACOM condenou o Recorrente em coima única no valor de € 1.550,00, que suspendeu pelo período de dois anos, ficando esta suspensão dependente da regularização da situação ilícita ainda verificada – envio à ANACOM dos resultados dos ensaios efetuados à rede de pares de cobre de acordo com os limites previstos na EN 50173  –, no prazo de 10 dias (de calendário).
2. Em 31-05-2024, foi proferida decisão pelo TCRS, com o seguinte teor:
Face ao exposto e pelos fundamentos expendidos, julgo totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pelo Recorrente P.M.P.N. contra a decisão da ANACOM – AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES e, em consequência, decido:
a) condenar o Recorrente pela prática, com dolo, de uma contraordenação muito grave prevista na alínea r) do n.º 3, no n.º 6 e na alínea a) do n.º 10 do artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, por ter instalado a infraestrutura de telecomunicações do edifício de natureza residencial, sita na Rua …, em Faro, em desrespeito das prescrições técnicas aplicáveis constantes do Manual ITED 3.ª Edição, mais concretamente, por ter realizado os ensaios à rede pares de cobre de acordo com os limites estabelecidos nos termos da norma ISO11801 e não nos termos da EN50173, na coima de € 1.200,00 (mil e duzentos euros);
b) Condenar o Recorrente, pela prática, com dolo, de contraordenação muito grave prevista na alínea b) do n.º 4, no n.º 6 e na alínea a) do n.º 10 do artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, por não ter feito constar do REF, relativo à mesma infraestrutura, todos os elementos a que estava obrigado, designadamente a cópia dos certificados de calibração dos equipamentos utilizados nos ensaios, na coima de € 1.000,00 (mil euros);
c) Operar ao cúmulo jurídico das coimas acima fixadas e condenar o Recorrente na coima única no valor de € 1.550,00 (mil, quinhentos e cinquenta euros).
3. Inconformado com a decisão judicial dela recorreu o arguido para o presente tribunal da relação, formulando as seguintes
CONCLUSÕES e PEDIDO (transcrição):
A) A notificação ao arguido do procedimento de contraordenação ocorreu em 08/08/2022, sendo esta data posterior à data da infração em 3 (três) anos e 8 dias conforme se pode comprovar no canto superior esquerdo do documento junto a processo "relatório de ensaio elaborado por Telecert Consultoria e Formação Lda.". com a data de realização do ensaio de 07/31/2019;
B) e acordo com a fundamentação elaborada pela Meritíssima Juiz do Tribunal a Quo, os prazos de suspensão criados pelas Leis Covid 19, não são de aplicar ao caso em concreto;
C) Não existe fundamentos para a interrupção da prescrição, conforme se pode depreender do artigo 28º do RGCO, relativamente à data da notificação 08/08/2022.
D) Caso V/.Exa. entendam não ter ocorrido a prescrição do presente procedimento em 08/08/2022, reitera-se a prescrição em 20-08-2024, com todos os seus efeitos legais;
E) Conforme já abundantemente invocado, o arguido não procedeu ao ensaio em questão, mas sim recorreu aos serviços de uma entidade externa, subcontratada por este para a elaboração desses testes, entidade esta que consta do processo (Telecert);
F) O arguido nunca realizou os referidos ensaios, não pode ser acusado da falta de conformidade dos mesmos, uma vez que existe manifesta ilegitimidade para a aplicação de uma coima ao arguido, por um ato que ele não cometeu;
G) A ANACOM Entidade Administrativa, não pode apenas invocar uma violação dos procedimentos, sem fundamentar quais são as violações ocorridas às obrigações inerente de determinada norma, pois nesse sentido o arguido não se poderá defender do que desconhece.
H) É muito curto, apenas a ANACOM indicar como violação dos procedimentos, por ter sido usada parâmetros da norma ISO11801 e não nos termos da EN50173, para a aplicação de uma coima por uma contraordenação, porque além disso os limites legais de avaliação dos ensaios à classe E de transmissão (250Mhz) são exatamente os mesmos nas duas normas, e é o que está em causa na presente apreciação;
I) Ora esses mesmos ensaios referem exatamente 3 dados, a saber:
1. O Dia e a Hora da realização dos Ensaios: Dia 31/07/2019 desde as 9:31 ás 9:41h
2. O Operador (Pessoa física que realizou os ensaios) Sr. (…)
3. A Avaliação da qualidade dos cabos instalados segundo a CLASSE E da Norma internacional ISO 11801 (capacidade de transmissão até 250Mhz)
J) A realização dos ensaios é de responsabilidade de uma terceira parte (Certificador) e não do arguido no que diz respeito à pessoa física/técnico que realizou os mesmos “P.R.” conforme se pode verificar no relatório oficial dos ensaios dos pares de cobre e da responsabilidade da empresa contratada para o efeito Telecert Consultoria e Formação Lda.
K) O arguido é o instalador, não é o certificador, razão para que não possa este ser responsabilizado por uma ação do Certificador;
L) A ANACOM tenta manter a sua posição, embora errada, apenas com o objetivo de iludir o Tribunal uma vez que o manual técnico ITED aceita cabos sem terem a componente LSZH para edifícios de habitação e a qualidade do cabo instalado nunca foi colocada em causa.
M) A Entidade Administrativa, não pode apenas invocar um violação dos procedimentos sem fundamentar os mesmos, nomeadamente não basta invocar que tendo usado os procedimentos da norma ISO11801 e não nos termos da EN50173, incorre numa contraordenação, pois em momento algum se pode o arguido defender do que efetivamente está em dissonância entre normas, até porque relativamente aos limites de avaliação da classe E aqui exigidos, os mesmos são iguais;
N) É entendimento do arguido, que o Tribunal a quo ao desconsiderar totalmente as declarações da testemunha arrolada pelo arguido, incorreu em clara violação do Princípio da Livre Apreciação da Prova, uma vez que o Engº. Sr. (…) é um perito e tecnico credenciado ao invés da testemunha arrolada pela Anacom;
O) Entende o arguido, que existindo uma manifesta falta de fundamentação, deverá o procedimento contraordenacional ser julgado nulo, com as suas legais consequências;
P) Ao arguido foi aplicada uma coima pela ANACOM e mantida pelo tribunal A Quo sem base legal para tal, uma vez que o artigo legal invocado "alínea r) do número 3 do artº 89 do decreto-lei 123/2009" não tem qualquer aplicabilidade para o efeito, uma vez que  o instalador em momento algum incumpriu com as obrigações que decorrem do nº 3 do artº 89 do decreto-lei 123/2009. Não existe neste processo nada que se possa imputar ao instalador, uma vez que o mesmo apenas é acusado de ter apresentado um documento de ensaio, que não foi executado por ele, nem é da sua responsabilidade e que alegadamente não evidencia os limites do cumprimento da transmissão até 250Mhz.
Termos em que:
Deverão Vªs Exªs julgar totalmente procedente o presente recurso, e, em consequência, revogar a sentença, absolvendo o arguido da prática das contra- ordenações pela qual vem acusado.
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2. A ANACOM NÃO RESPONDEU ao recurso.
3. O Ministério Público junto do tribunal de primeira instância, respondeu ao recurso, entendendo, em suma, que deve ser julgado integralmente improcedente.
4. O Ministério Público junto deste tribunal da relação apôs visto nos autos.
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II. QUESTÕES
5. Nas conclusões do recurso são suscitadas as seguintes questões:
i. A prescrição do presente procedimento contraordenacional ocorreu em 31-07-2022 ou ocorrerá em 20-08-2024?
ii. Existe uma manifesta falta de fundamentação da decisão administrativa pelo que o procedimento contraordenacional deve ser julgado nulo?
iii. O tribunal a quo ao desconsiderar totalmente as declarações da testemunha arrolada pelo arguido, incorreu em clara violação do Princípio da Livre Apreciação da Prova?
iv. O arguido não praticou a contraordenação prevista na alínea r) do número 3 do artigo 89.º do Decreto-lei 123/2009, uma vez que em momento algum incumpriu com as obrigações que decorrem do mesmo normativo?
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III. DA MATÉRIA DE FACTO
6. A sentença recorrida fixou a seguinte factualidade nos termos que se passa a expor.
A. Factos provados
1) O Recorrente encontra-se inscrito junto da ANACOM como instalador de infraestruturas de telecomunicações em edifícios, com o n.º IES55258I;
2) Executou e instalou a infraestrutura de telecomunicações do edifício de natureza residencial, sito na Rua …, em Faro – trabalho que concluiu em 20.08.2019 –, que se encontra sujeita às prescrições técnicas constantes da 3.ª Edição do Manual ITED[1];
3) Os ensaios realizados à rede pares de cobre daquela infraestrutura foram realizados de acordo com os limites estabelecidos nos termos da norma ISO11801 e não de acordo com a EN50173;
4) O Relatório de Ensaios de Funcionalidade ([2]) relativo àquela infra-estrutura não contém as cópias dos certificados de calibração dos equipamentos utilizados nos ensaios;
5) A não realização de ensaios à rede de pares de cobre de acordo com os limites previstos na EN 50173 inviabiliza a avaliação da qualidade e bom funcionamento daquela rede de forma a assegurar que se encontra apta ao fornecimento de serviços de comunicações eletrónicas;
6) O Recorrente conhecia as normas legais e regulamentares aplicáveis, bem como as obrigações que se lhe impõem quando atua como instalador de infraestruturas de telecomunicações em edifícios, designadamente que tinha de realizar os ensaios à rede de pares de cobre de acordo com os limites previstos na EN 50173 e fazer constar do Relatório de Ensaios de Funcionalidade para a infraestrutura que instalou as cópias dos certificados de calibração dos equipamentos utilizados nos ensaios;
7) O Recorrente atuou de forma livre, consciente e deliberada, querendo instalar aquela infraestrutura em desacordo com aquilo que se encontrava estipulado no Manual ITED e no Procedimento de Avaliação das ITED, ao ter emitido em 20.08.2019, o Termo de Responsabilidade de Execução n.º 12324/2019, sem que tivesse realizado os ensaios à rede de pares de cobre de acordo com os limites previstos na EN 50173, e sem que tivesse feito constar do REF as cópias dos certificados de calibração dos equipamentos utilizados nos ensaios, a que estava obrigado, bem sabendo que tais condutas não eram permitidas pelas normas legais e regulamentares em vigor, sendo proibidas e puníveis como contraordenações;
8) Em 06.10.2022, o Arguido enviou à ANACOM cópia dos certificados de calibração dos equipamentos utilizados nos ensaios, emitidos em 30.12.2021 e em 11.01.2022, ou seja, em data posterior à realização dos ensaios realizados às redes de cabos instaladas e à elaboração do REF;
9) O Recorrente auferiu rendimentos brutos, no ano de 2023, de € 12.627,38.
B. Factos não provados
Com relevo para a boa decisão causa, não existem factos não provados.
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7. A sentença recorrida referiu ainda o seguinte em sede de matéria de facto fixada:
“Consigna-se que a demais matéria quer constante da acusação, quer alegada pelo Arguido que não se compreendeu nem na matéria dada como provada nem na não provada se reporta a matéria considerada pelo tribunal como irrelevante para a boa decisão da causa, matéria de direito, de cariz meramente conclusivo ou meras remissões para meios de prova que não relevam para efeitos de subsunção dos factos ao direito.
Concretamente, no tange ao alegado pelo Recorrente, no sentido não se verificarem deficiências na instalação ou do serviço estar realizado há mais de 4 anos sem se ter verificado qualquer anomalia de fornecimento de serviço por parte do operador, estando o cliente final perfeitamente satisfeito são factos totalmente inócuos para o preenchimento dos tipos objectivos dos ilícitos contra-ordenacionais em causa.
As contra-ordenações visam evitar o perigo abstracto que decorra da acção/omissão nelas contidas, não dependendo a sua consumação de um prejuízo concreto ao nível da execução da instalação.
Também não releva o facto do REF conter referências sobre a calibração, já que essas referências não são cópias do certificado de calibração. A infracção consiste em não ter sido junto ao REF as ditas cópias, sendo esse o facto relevante e não outro nesse conspecto.”.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO
8. O presente recurso segue a tramitação prevista no CPP, com as especialidades previstas no artigo 74.º, n.º 4, do RGCO.
9. No âmbito de processos de contraordenação, em recursos interpostos de decisões do tribunal de primeira instância, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, como estatui o n.º 1, do art.º 75.º, do RGCO.
10. Podem, ainda, ser conhecidos os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código do Processo Penal. Acresce a possibilidade de conhecer de nulidades que não devam considerar-se sanadas ao abrigo do n.º 3 deste preceito [3].
11. Importa também não esquecer, e constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores, que o objeto do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação de recurso (artigo 412.º, n° 1, do Código de Processo Penal), sem prejuízo da apreciação das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito.
12. De notar, por último, que os referidos preceitos do Código do Processo Penal, quando necessário, devem ser “devidamente adaptados” ao processo contraordenacional (artigo 41.º, n.º 1, do RGCO).
13. Expostos os limites cognoscentes deste tribunal vejamos, pois, as questões suscitadas nos recursos.
Questão 1: a prescrição do presente procedimento contraordenacional ocorreu em 31-07-2022 ou ocorrerá em 20-08-2024?
14. A questão da prescrição foi apreciada pelo tribunal a quo, em sede de saneamento, a p. 3 a 8, tendo-se concluído que “tendo em conta o prazo máximo da prescrição que decorre do n.º 3 do artigo 28.º do RGCO de 4 anos e meio, acrescido do prazo de suspensão de seis meses, o procedimento contra-ordenacional não prescreverá antes de 20.08.2024.” (p. 8).
15. Segundo o tribunal a quo é de afastar aqui a aplicação das suspensões do prazo de prescrição ao abrigo das Leis Covid, que tiveram vigência entre 09-03-2020 e 02-06-2020 (Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril e Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio) e entre 22-01-2021 e 06-04-2021 (Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro e Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril).
16. Neste âmbito, o tribunal a quo fundamentou a sua posição tecendo as seguintes considerações “Causas suspensivas ou interruptivas do prazo da prescrição que ocorrem antes da instauração do processo contra-ordenacional não podem ser consideradas para o referido efeito, já que o pressuposto de tais institutos é a existência de um processo de contra-ordenação, tendo as circunstâncias suspensivas ou interruptivas de ocorrer durante o processo e não fora do mesmo. Caso contrário, estaria aberta a porta para deixar na disponibilidade da entidade administrativa o instituto da interrupção e da suspensão da prescrição, que reveste natureza substantiva e de ordem pública – neste mesmo sentido, vide, mutatis mutantis, o acórdão da Relação de Lisboa de 22.04.2024, processo n.º 118/23.1YUSTR.L1, in www.dgsi.pt.”.
17. O Recorrente concorda com o entendimento ora referido.
18. Por seu turno, o Ministério Público parece discordar do entendimento do tribunal a quo, sugerindo na resposta ao recurso que “o prazo prescricional poderia contar com as suspensões constantes da dita «Legislação Covid-19» no seu todo”.
19. Ademais, alega aqui o Recorrente que “a data da contraordenação terá ocorrido quando foi emitido o relatório de ensaio, mas em 07/31/2019 e não em 20/08/2019 [como sustenta o tribunal a quo]” (artigo 2.º das alegações de recurso).
20. Mais alega o Recorrente que “O Tribunal a quo não teve em consideração que a notificação ao arguido do procedimento de contraordenação ocorreu apenas em 08/08/2022, sendo esta data posterior à data da infração em 3 (três) anos e 8 dias conforme se pode comprovar no canto superior esquerdo do documento junto a processo "relatório de ensaio elaborado por Telecert Consultoria e Formação Lda." com a data de realização do referido ensaio alegadamente incorreto de 07/31/2019 e que consta do artigo 13º, pág. 9 do presente recurso.” (cf. artigo 1.º das alegações de recurso). É, assim, entendimento do arguido, que “quando o mesmo foi notificado do processo de contraordenação em 08/08/2022, já o procedimento tinha prescrito à 8 (oito) dias [ou seja, a 31-07-2019]”.
21. Conclui, assim, o Recorrente sustentando que “Caso V/.Exa. entendam não ter ocorrido a prescrição do presente procedimento em 08/08/2022, reitera-se a prescrição em 20-08-2024, com todos os seus efeitos legais” (conclusão D).
Apreciação deste tribunal
22. Em primeiro lugar há que tomar posição sobre o entendimento do tribunal a quo de afastar aqui a aplicação das suspensões do prazo de prescrição ao abrigo das denominadas Leis Covid.
23. Como já é por demais conhecido nos tribunais nacionais, a suspensão dos prazos de prescrição durante o período da pandemia foi determinada, em primeiro lugar, pelo artigo 7.º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, segundo o qual:
“3 - A situação excecional [de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19] constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.”.
24. Por sua vez, relativamente que o início da vigência da causa de suspensão do prazo de prescrição prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, foi fixado em 9 de março de 2020 (cf. artigo 10.º da Lei n.º1-A/2020, artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 e artigos 5.º e 6.º, n.º 2 da Lei 4-A/2020).
25. Em 6 de abril de 2020 foi publicada a Lei n.º 4-A/2020, que alterou o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, mas manteve os citados n.ºs 3 e 4.
26. A Lei n.º 16/2020, de 29/5, revogou o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 (artigo 8.º) e no seu nº 2 aditou um artigo – o 6.º-A – a essa mesma lei, contendo um «Regime processual transitório e excecional» (artigo 2.º), e deixou de prever a  suspensão de quaisquer prazos. Esta lei entrou em vigor no quinto dia seguinte ao da sua publicação, pelo que tendo sido publicada em 29 de maio, o início da vigência aconteceu a 3 de junho (artigo 10.º).
27. Em 2021, devido a novo agravamento da crise pandémica, a Lei n.º 4-B/2021, de  01/02, veio novamente declarar suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1 do respetivo artigo 6.º-B (cf. n.º 3 do art.º 6º-B), prevalecendo o disposto no número anterior sobre quaisquer regimes que estabelecessem prazos máximos imperativos de prescrição, aos quais acrescia o período de tempo em que a suspensão vigorasse (n.º 4 do artigo 6.º-B). A Lei n.º 4-B/2021 entrou em vigor no dia a seguir ao da sua publicação (artigo 5.º), em  2 de fevereiro e veio retroagir a produção de efeitos a data anterior, determinando a produção de efeitos a 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências e atos processuais entretanto realizados e praticados (artigo 4.º).
28. O artigo 6.º-B da Lei 1-A/2020 foi depois revogado pela Lei n.º 13-B/2021, de 05/04 (artigo 6.º) que entrou em vigor em 06-04-2021 (artigo 7.º).
29. Ou seja, por força das medidas excecionais adotadas em decorrência da pandemia por covid-19, operou-se uma suspensão dos prazos de prescrição de 86 dias, no período que mediou entre 09-03-2020 e 02-06-2020 (vide Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril e Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio) e uma suspensão de 74 dias, no período que mediou entre 22-01-2021 e 06-04-2021 (vide Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro e Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril).
30. A questão ora em foco consiste, portanto, em saber se as suspensões dos prazos de prescrição com causa nas aludidas Leis Covid, se aplicam aos presentes autos, quando é certo que os factos imputados ao arguido são anteriores ao início da vigência da causa de suspensão do prazo de prescrição, ou seja, ao dia 09-03-2020 (quer na versão do arguido – 31-07-2019, quer na versão do tribunal a quo – dia 20-08-2019), mas o processo contraordenacional apenas se iniciou após a vigência das Leis Covid, em concreto em 26-07-2022.
31. Admitimos que a questão não é de resposta fácil. Adianta-se, contudo, que discordamos do entendimento do tribunal a quo – no sentido da não aplicabilidade das suspensões do prazo de prescrição ao abrigo do supra citado conjunto normativo. Ou seja, julgamos que as suspensões do prazo de prescrição são aqui aplicáveis.
32. Em primeiro lugar cremos que o tribunal a quo labora em erro quando afirma que “Causas suspensivas ou interruptivas do prazo da prescrição que ocorrem antes da instauração do processo contra-ordenacional não podem ser consideradas para o referido efeito, já que o pressuposto de tais institutos é a existência de um processo de contra-ordenação, tendo as circunstâncias suspensivas ou interruptivas de ocorrer durante o processo e não fora do mesmo.”.
33. Quanto a esta argumentação deve ser desde logo feito um reparo, pois nas ditas Leis Covid inexiste qualquer previsão sobre a interrupção dos prazos de prescrição. Como é sabido a suspensão do prazo de prescrição é um mecanismo bastante diverso da interrupção, implicando este, diferentemente daquele, o início de um “novo prazo” (cf. artigo 121.º, n.º 2, do Código Penal). Cremos, pois, que não se deve colocar “no mesmo saco” a interrupção e a suspensão.
34. Em segundo lugar não nos parece verdade que não podem existir causas de suspensão do prazo de prescrição sem processo, tendo as circunstâncias suspensivas de ocorrer durante o processo e não fora do mesmo. Com efeito, resulta desde logo do artigo 27.º-A, n.º 1, alínea a) do RGCO, que a primeira causa de suspensão prevista na lei geral ocorre precisamente quando o procedimento não pode legalmente iniciar-se.
35. Note-se, ademais, que o prazo de prescrição inicia sempre a sua contagem a partir da consumação do facto ilícito, independentemente de haver ou não um processo instaurado (artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal), sendo as causas de suspensão (e interrupção) meras circunstâncias processuais que poderão ou não ocorrer durante o decurso do respetivo prazo.
36. Também não podemos concordar com o tribunal a quo quando afirma “Caso contrário, estaria aberta a porta para deixar na disponibilidade da entidade administrativa o instituto da interrupção e da suspensão da prescrição, que reveste natureza substantiva e de ordem pública”.
37. Quanto à citada argumentação do tribunal a quo no sentido de que caso as suspensões do prazo de prescrição fossem de aplicar em casos como o presente, abrir-se-ia a porta ao arbítrio da entidade administrativa, parece-nos precisamente o contrário.
38. Efetivamente, ao fazer depender a aplicação das causas de suspensão dos prazos de prescrição, da instauração de um processo pela entidade administrativa durante a vigência das Leis Covid, ficaria nas mãos daquela entidade determinar tal início processual com a consequente suspensão dos prazos em causa. Nestes termos, apenas se pode evitar este poder arbitrário, caso a suspensão do prazo não dependa do aludido ato de abertura do processo por parte da entidade administrativa.
39. Ou, porventura, entende o tribunal a quo que mesmo que o processo se iniciasse no decurso da vigência das Leis Covid, não se aplicariam as respetivas suspensões? Ou seja, o tribunal a quo limitaria, assim, a aplicação das causas de suspensão extraordinárias a processos que já corriam os seus termos antes daquelas Leis. Contudo, tal interpretação afigura-se-nos manifestamente estreita.
40. A ser assim, mesmo que o início do processo ocorresse durante a vigência daquelas leis, já não se aplicariam as suspensões. A aplicação das suspensões ficaria, assim, condicionada a situações perfeitamente acidentais, em manifesto prejuízo do princípio da igualdade (artigo 13.º, da CRP). Efetivamente, no plano do Direito Penal, teríamos que a aplicação das suspensões ficaria dependente, por exemplo no que a crimes semipúblicos diz respeito, à apresentação da queixa pelo respetivo titular durante a aludida vigência (cf. artigo 49.º, n.º 1, do Código do Processo Penal). Ou seja, caso o ilícito se tivesse consumado, por exemplo, no dia 08-03-2020, mas a queixa apenas fosse apresentada em 08-05-2020 (manifestamente dentro do prazo previsto no artigo 115.º, n.º 1 do Código Penal) já não se aplicaria a suspensão, mas caso a queixa tivesse sido apresentada no dia 08-03-2020 com imediata abertura de processo, já se aplicaria.
41. Note-se, aliás, que a instauração de um processo está logicamente dependente do conhecimento do facto, conhecimento este, mais uma vez, contingente. Imagine-se, por exemplo, um homicídio doloso com ocultação de cadáver (ou qualquer outro crime público), cometido no dia 08-03-2020, que apenas vem a ser descoberto anos depois da consumação, com a consequente abertura do processo. Mais uma vez, seguindo o entendimento do tribunal a quo, considerar-se-ia não aplicável a suspensão do prazo de prescrição, em contraposição com um caso idêntico onde houvesse conhecimento imediato do facto e reporte imediato às autoridades.
42. Como é sabido, em sede de hermenêutica jurídica o intérprete deve presumir que o Legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil). Ora, não nos parece minimamente razoável que o Legislador tenha querido introduzir distorções tão graves no princípio da igualdade.
43. Neste contexto, com vista a evitar as ditas arbitrariedades e contingências, com manifesto prejuízo para o princípio da igualdade, afigura-se-nos que apenas o entendimento segundo o qual as suspensões do prazo de prescrição ao abrigo das chamadas Leis Covid se aplicam a todos os tipos de processos e procedimentos, quer se iniciem antes, no decurso ou após a vigência destas leis, pode ser válido[4].
44. E não se diga, contra este entendimento que o mesmo não encontra um mínimo de correspondência com a letra da lei (artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil). Efetivamente, o uso do termo “todos”, quando o Legislador se refere aos tipos de processos e procedimentos cujos prazos de prescrição ficam suspensos, é mais do que suficiente para sustentar a nossa posição. “Todos” quer dizer não só todos os “tipos”, mas todos que já foram instaurados e todos a instaurar.
45. Nestes termos, não nos cingindo à letra da lei mas antes reconstituindo o pensamento legislativo a partir dos textos, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9.º, n.º 1 e 2, do Código Civil), deve ser entendido que o verdadeiro marco de que depende a aplicação das ditas causas de suspensão dos prazos de prescrição, é a da consumação do facto ilícito, momento a partir do qual se inicia a contagem do prazo de prescrição, independentemente de ser ou não de imediato instaurado o respetivo processo. Este é o único marco temporal que estará a coberto das descritas contingências processuais e da vida. Assim sendo, quando tal marco ocorra antes ou no decurso da vigência das Leis Covid, julgamos aplicáveis as causas de suspensão em causa.
46. Contra este entendimento também não colhe a argumentação no sentido da inconstitucionalidade por aplicar-se a referida legislação a factos anteriores ao início da respetiva vigência. Sobre a não inconstitucionalidade deste entendimento pronunciou-se, com o qual concordamos, o Ac. TC. n.º 500/2021 (entendimento reiterado pelo mesmo tribunal nos Acórdãos n.ºs 660/2021, 798/2021 e na decisão sumária n.º 177/2023).
47. Por fim, consignamos que não vislumbramos como a jurisprudência citada pelo tribunal a quo  - Acórdão da Relação de Lisboa de 22.04.2024, processo n.º 118/23.1YUSTR.L1 -, suporta o seu entendimento. O relator do presente acórdão inclusivamente subscreveu tal decisão, na qualidade de adjunto. Ora, se bem que o referido acórdão do TRL cite a sentença recorrida aí em causa, em passagem de igual teor ao aqui analisado (cf. p. 130), não chega a pronunciar-se sobre a concreta questão ora em análise (cf. p. 132 a 137).
48. Aliás, aquele acórdão refere, a p. 137, o seguinte “Finalmente, por reporte à aplicação do artigo 28.º, n.º 1, do RGCO, tendo presente a realização dos exames realizados aos equipamentos, quer em 26 de março de 2018 quer em 23 de julho de 2018, porque ainda não havia sido instaurado o procedimento contraordenacional, aqui sim, por relevante para efeitos do citado artigo, já que as diligências devem decorrer no âmbito do processo, o que manifestamente não se verificou, pois que, como já assinalado, o processo foi instaurado em 25 de fevereiro de 2022, não se aplica ao caso em análise.”. Ou seja, aquele acórdão considerou relevante o momento da instauração do procedimento contraordenacional apenas para efeitos de aplicação da interrupção da prescrição (artigo 28.º do RGCO). Reiteramos aqui, a suspensão e a interrupção tratam de mecanismos diversos entre si.
49. Já quanto ao início da contagem do prazo de prescrição julga-se inexistir o erro apontado pelo Recorrente, concordando-se aqui com o tribunal a quo.
50. Neste âmbito, o tribunal a quo considerou o seguinte “Ora, in casu, ambos os ilícitos – atinentes à execução e instalação da infra-estrutura de telecomunicações do edifício de natureza residencial sita na Rua …, em Faro e à elaboração do Relatório de Ensaios de Funcionalidade dessa infra-estrutura – são instantâneos, já que a situação antijurídica se esgota com a conclusão da obra com violação dos procedimentos em causa. Assim, ambos foram praticados em 20.08.2019, ou seja, a data em que o Arguido emitiu o Termo de Responsabilidade de Execução n.º 12324/2019, de 20 de Agosto.”.
51. Diferentemente, entende o Recorrente que o ato ilícito, a verificar-se, ocorreu em 31-07-2019, data do "relatório de ensaio elaborado por Telecert Consultoria e Formação Lda.", que, segundo o mesmo, é o certificador enquanto o Recorrente é o instalador (cf. conclusões J e k).
52. Conforme resulta do Relatório, as contraordenações imputadas ao Recorrente são as seguintes:
- uma contraordenação muito grave prevista na alínea r) do n.º 3, no n.º 6 e na alínea a) do n.º 10 do artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, por ter instalado a infraestrutura de telecomunicações do edifício de natureza residencial, sita na Rua …, em Faro, em desrespeito das prescrições técnicas aplicáveis constantes do Manual ITED 3.ª Edição, mais concretamente, por ter realizado os ensaios à rede pares de cobre de acordo com os limites estabelecidos nos termos da norma ISO11801 e não nos termos da EN50173;
- uma contraordenação muito grave prevista na alínea b) do n.º 4, no n.º 6 e na alínea a) do n.º 10 do artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, por não ter feito constar do REF, relativo à mesma infraestrutura, todos os elementos a que estava obrigado, designadamente a cópia dos certificados de calibração dos equipamentos utilizados nos ensaios.
53. Segundo o artigo 76.º n.º 1, alíneas b) e c) do referido diploma, é obrigação do instalador emitir um termo de responsabilidade de execução da instalação e submeter tal termo à ANACOM, ao dono da obra, ao diretor da obra, ao diretor de fiscalização da obra e ao proprietário ou à administração do edifício, no prazo de 10 dias a contar da data da conclusão da instalação.
54. É, portanto, apenas com a entrega do dito termo de responsabilidade que pode considerar-se concluída a obra e verificar-se a eventual violação dos procedimentos aplicáveis. Assim, nada há a apontar ao tribunal a quo quando conclui que ambos os ilícitos foram praticados em 20.08.2019, ou seja, a data em que o Arguido emitiu o Termo de Responsabilidade de Execução n.º 12324/2019, de 20 de Agosto.
55. Nestes termos, ao abrigo do artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal, aqui aplicável ex vi artigo 32.º do RGCO, é a partir do dia 20-08-2019 que deve considerar-se o início da contagem do prazo de prescrição.
56. Tendo em conta as coimas abstratamente aplicáveis às ditas contraordenações, o prazo de prescrição a ter em conta é de 3 anos (alínea b) do artigo 27.º do RGCO).
57. Após a instauração do processo contraordenacional (em 26.07.2022) e antes do terminus do prazo de 3 anos (antes de 20.08.2022), verificaram-se as seguintes causas interruptivas da prescrição, segundo as alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 28.º do RGCO:
- em 08-08-2022, com a notificação para exercício do direito de audição e defesa do arguido no presente processo de contraordenação (fls. 165 do processo administrativo);
- em 16-02-2024, com a decisão administrativa condenatória;
- em 27-02-2024, com a notificação dessa decisão ao arguido;
- em 31-05-2024, com a notificação da sentença do tribunal a quo ao arguido.
58. Aplica-se, assim, o prazo máximo da interrupção de 1 ano e 6 meses (artigo 28.º, n.º 3, do RGCO).
59. Ao abrigo da Lei Geral verifica-se, ainda, o prazo de 6 meses de suspensão decorrente do estipulado no artigo 27º-A nºs 1 al. c) e 2 do RGCO.
60. Temos assim um prazo de 3 anos + 1 ano e 6 meses + 6 meses = 5 anos.
61. Caso não se aplicasse as suspensões do prazo ao abrigo das Leis Covid o presente procedimento contraordenacional prescreveria, assim, no dia 20-08-2024.
62. Contudo, como vimos supra, diferentemente do que entendeu o tribunal a quo, as suspensões do prazo derivadas das Leis Covid são aplicáveis ao caso concreto, pelo que à referida data deve somar-se 86 dias + 74 dias num total de 160 dias (cf. supra n.º 29).
63. Nestes termos, no presente procedimento contraordenacional o terminus do prazo de prescrição será atingido no dia 27-01-2025.
Questão 2: existe uma manifesta falta de fundamentação da decisão administrativa pelo que o procedimento contraordenacional deve ser julgado nulo?
64. Segundo a conclusão O do recurso “Entende o arguido, que existindo uma manifesta falta de fundamentação, deverá o procedimento contraordenacional ser julgado nulo, com as suas legais consequências”.
65. No âmbito de uma alegada falta de fundamentação, refere-se ainda o seguinte nas conclusões do recurso:
“G) A ANACOM Entidade Administrativa, não pode apenas invocar uma violação dos procedimentos, sem fundamentar quais são as violações ocorridas às obrigações inerente de determinada norma, pois nesse sentido o arguido não se poderá defender do que desconhece.
H)   É muito curto, apenas a ANACOM indicar como violação dos procedimentos, por ter sido usada parâmetros da norma ISO11801 e não nos termos da EN50173, para a aplicação de uma coima por uma contraordenação, porque além disso os limites legais de avaliação dos ensaios à classe E de transmissão (250Mhz) são exatamente os mesmos nas duas normas, e é o que está em causa na presente apreciação;
(…)
M) A Entidade Administrativa, não pode apenas invocar um violação dos procedimentos sem fundamentar os mesmos, nomeadamente não basta invocar que tendo usado os procedimentos da norma ISO11801 e não nos termos da EN50173, incorre numa contraordenação, pois em momento algum se pode o arguido defender do que efetivamente está em dissonância entre normas, até porque relativamente aos limites de avaliação da classe E aqui exigidos, os mesmos são iguais”.
66. Já em sede de fundamentação das alegações de recurso, no respetivo artigo 16.º, o Recorrente faz uma citação longa (com mais de 5 páginas), de um acórdão que incidiu sobre uma questão de nulidade de decisão administrativa condenatória.
Apreciação deste tribunal
67. Em matéria de decisões administrativas condenatórias dispõe o artigo 58.º do RGCO:
“Decisão condenatória
1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
2 - Da decisão deve ainda constar a informação de que:
a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º;
b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.
3 - A decisão conterá ainda:
a) A ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão;
b) A indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima.”.
68. O recorrente invoca aqui uma nulidade por falta de fundamentação, sem contudo especificar qual a base legal do alegado vício.
69. Depreende-se, contudo, que o Recorrente referir-se-á à falta de indicação das “violações ocorridas às obrigações inerente de determinada norma”, sendo certo que para o mesmo é “muito curto” ou insuficiente “a ANACOM indicar como violação dos procedimentos, por ter sido usada parâmetros da norma ISO11801 e não nos termos da EN50173”, mais concluindo que a entidade administrativa “não pode apenas invocar um violação dos procedimentos sem fundamentar os mesmos, nomeadamente não basta invocar que tendo usado os procedimentos da norma ISO11801 e não nos termos da EN50173, incorre numa contraordenação, pois em momento algum se pode o arguido defender do que efetivamente está em dissonância entre normas, até porque relativamente aos limites de avaliação da classe E aqui exigidos, os mesmos são iguais”.
70. O vício apontado estará, portanto, relacionado com a descrição factual e a fundamentação em sede de Direito.
71. Conforme resulta da norma supra citada a decisão administrativa condenatória deve indicar “b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão”.
72. Mesmo que se considerasse que o desrespeito da referida norma constituiria o alegado vício de nulidade, o que não é isento de controvérsia[5], analisada a decisão administrativa condenatória constante dos autos verifica-se que não enferma do qualquer vício por falta de descrição de factos ou de fundamentação.
73. Efetivamente, a decisão administrativa descreve os factos imputados ao arguido, destacando-se da mesma, no que é aqui especialmente relevante, o seguinte:
“2. O arguido executou e instalou a infraestrutura de telecomunicações do edifício de natureza residencial, sito na Rua …, em Faro – trabalho que concluiu em 20.08.2019 -, que se encontra sujeita às prescrições técnicas constantes da 3.ª Edição do Manual ITED.
3.Os ensaios realizados a rede pares de cobre daquela infraestrutura foram realizados de acordo com os limites estabelecidos nos termos da norma ISO11801.

5. A não realização de ensaios a rede de pares de cobre de acordo com os limites previstos na EN 50173 inviabiliza a avaliação da qualidade e bom funcionamento daquela rede de forma a assegurar que se encontra apta ao fornecimento de serviços de comunicações eletrónicas.
6. O arguido conhecia as normas legais e regulamentares aplicáveis, bem como as obrigações que se lhe impõem quando atua como instalador de infraestruturas de telecomunicações em edifícios, designadamente que tinha de realizar os ensaios a rede de pares de cobre de acordo com os limites previstos na EN 50173 e fazer constar do Relatório de Ensaios de Funcionalidade para a infraestrutura que instalou as cópias dos certificados de calibração dos equipamentos utilizados nos ensaios.”.
74. Mais resulta, agora em sede de fundamentação de direito, que a decisão administrativa consignou:
“Dispõe o Manual ITED (3.ª Edição), quanto aos ensaios obrigatórios a realizar pelo instalador à rede de pares de cobre, que, para avaliar a garantia da classe da ligação E, deve considerar-se o resultado do teste efetuado, com base nos parâmetros estabelecidos na serie EN 50173 (ponto 6.1.2).
Nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 76.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, constitui obrigação dos instaladores de infraestruturas de telecomunicações em edifícios instalá-las de acordo com as normas e prescrições técnicas aplicáveis (no caso, o Manual ITED - 3.ª Edição) - o que não sucedeu na situação em causa dos presentes autos.

Ao adotar a conduta descrita nos factos provados n.ºs  2, 3, 6 e 7, o arguido violou, com dolo, o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 76.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, praticando uma (1) contraordenação muito grave, punível com coima de 1 000,00 euros a 10 000,00 euros, nos termos do disposto na alínea r) do n.º 3, no n.º 6 e na alínea a) do n.º 10 do artigo 89.º do Decreto Lei n.º 123/2009, por ter instalado a referida infraestrutura de telecomunicações sem que respeitasse as normas técnicas aplicáveis.”.
75. Ou seja, resulta de forma muito clara da decisão administrativa, quer em sede de factos imputados, quer em sede de considerações jurídicas, que a contraordenação em causa consistiu, segundo a entidade administrativa, na instalação da referida infraestrutura de telecomunicações sem que se respeitasse as normas técnicas aplicáveis, neste caso as normas e prescrições técnicas previstas no Manual ITED - 3.ª Edição, que remetia para os limites estabelecidos nos termos da norma EN 50173 e não para a norma ISO11801, que foi o efetivamente utilizado.
76. Não se vislumbra, assim, qualquer afetação da capacidade de defesa do arguido nestes autos.
77. Aliás, resulta manifesto que os direitos de defesa do arguido não foram afetados, até porque alega no presente recurso que “relativamente aos limites de avaliação da classe E aqui exigidos, os mesmos são iguais [EN 50173 e ISO11801]”. Ora, só porque resultava clara a imputação feita ao arguido, quer em sede de facto quer em sede de Direito, é que foi possível ao arguido defender-se desta forma, tendo-se garantindo, assim, a tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º, da CRP) e o exercício dos direitos fundamentais de defesa (artigo 32.º, n.º 2 e 10, da CRP).
78. Já quanto a saber se a contraordenação em causa efetivamente se verificou, tal trata da questão de fundo a tratar a final.
79. Conclui-se, assim, que o recurso deve ser aqui julgado improcedente.
Questão 3: o tribunal a quo ao desconsiderar totalmente as declarações da testemunha arrolada pelo arguido, incorreu em clara violação do Princípio da Livre Apreciação da Prova?
80. Resulta da conclusão N que “[é] entendimento do arguido, que o Tribunal a quo ao desconsiderar totalmente as declarações da testemunha arrolada pelo arguido, incorreu em clara violação do Princípio da Livre Apreciação da Prova, uma vez que o Engº. Sr. (…) é um perito e tecnico credenciado ao invés da testemunha arrolada pela Anacom”
81. Mais resulta da fundamentação de recurso – artigos 14.º e 15.º - que o que está em causa é a apreciação crítica que o tribunal a quo fez do depoimento da testemunha arrolada pelo arguido – (…)
82. Conforme já deixamos supra consignado, o presente tribunal apenas conhece da matéria de direito, como estatui o n.º 1, do art.º 75.º, do RGCO.
83. O ora Recorrente ao invocar a violação do princípio da livre apreciação da prova na valoração de um depoimento testemunhal, está manifestamente a suscitar uma questão relativa ao julgamento da matéria de facto que ultrapassa os poderes cognitivos do presente tribunal.
84. Nem se deteta do texto da sentença recorrida qualquer erro notório na apreciação da prova ou qualquer outro vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, do Código do Processo Penal.
85. Assim sendo, o recurso não poderá proceder.
Questão 4: o arguido não praticou a contraordenação prevista na alínea r) do número 3 do artigo 89.º do Decreto-lei 123/2009, uma vez que em momento algum incumpriu com as obrigações que decorrem do mesmo normativo?
86. Nesta sede, recorde-se o teor das conclusões de recurso que aqui assumem particular relevância:
E) Conforme já abundantemente invocado, o arguido não procedeu ao ensaio em questão, mas sim recorreu aos serviços de uma entidade externa, subcontratada por este para a elaboração desses testes, entidade esta que consta do processo (Telecert);
F) O arguido nunca realizou os referidos ensaios, não pode ser acusado da falta de conformidade dos mesmos, uma vez que existe manifesta ilegitimidade para a aplicação de uma coima ao arguido, por um ato que ele não cometeu;

I) Ora esses mesmos ensaios referem exatamente 3 dados, a saber:
4. O Dia e a Hora da realização dos Ensaios: Dia 31/07/2019 desde as 9:31 ás 9:41h
5. O Operador (Pessoa física que realizou os ensaios) Sr. P.R.
6. A Avaliação da qualidade dos cabos instalados segundo a CLASSE E da Norma internacional ISO 11801 (capacidade de transmissão até 250Mhz)
J) A realização dos ensaios é de responsabilidade de uma terceira parte (Certificador) e não do arguido no que diz respeito à pessoa física/técnico que realizou os mesmos “P.R.” conforme se pode verificar no relatório oficial dos ensaios dos pares de cobre e da responsabilidade da empresa contratada para o efeito Telecert Consultoria e Formação Lda.
K) O arguido é o instalador, não é o certificador, razão para que não possa este ser responsabilizado por uma ação do Certificador;
L) A ANACOM tenta manter a sua posição, embora errada, apenas com o objetivo de iludir o Tribunal uma vez que o manual técnico ITED aceita cabos sem terem a componente LSZH para edifícios de habitação e a qualidade do cabo instalado nunca foi colocada em causa.
M) A Entidade Administrativa, não pode apenas invocar um violação dos procedimentos sem fundamentar os mesmos, nomeadamente não basta invocar que tendo usado os procedimentos da norma ISO11801 e não nos termos da EN50173, incorre numa contraordenação, pois em momento algum se pode o arguido defender do que efetivamente está em dissonância entre normas, até porque relativamente aos limites de avaliação da classe E aqui exigidos, os mesmos são iguais;

P)  Ao arguido foi aplicada uma coima pela ANACOM e mantida pelo tribunal A Quo sem base legal para tal, uma vez que o artigo legal invocado "alínea r) do número 3 do artº 89 do decreto-lei 123/2009" não tem qualquer aplicabilidade para o efeito, uma vez que  o instalador em momento algum incumpriu com as obrigações que decorrem do nº 3 do artº 89 do decreto-lei 123/2009. Não existe neste processo nada que se possa imputar ao instalador, uma vez que o mesmo apenas é acusado de ter apresentado um documento de ensaio, que não foi executado por ele, nem é da sua responsabilidade e que alegadamente não evidencia os limites do cumprimento da transmissão até 250Mhz.”
87. Conforme resulta destas alegações o arguido defende-se com duas linhas de argumentação: i) não foi o arguido, enquanto instalador, quem realizou os ensaios, mas sim o certificador, não podendo, assim, ser responsabilizado; ii) os procedimentos da norma ISO11801 e da EN50173, relativamente aos limites de avaliação da classe E aqui em causa, são iguais.
88. Vejamos.
89. Dispõe o artigo 76.º do DL n.º 123/2009, de 21 de Maio (define o regime jurídico da construção, do acesso e da instalação de redes e infraestruturas de comunicações eletrónicas), com especial relevância para os autos, o seguinte:
“Obrigações do instalador ITED
1 - Constituem obrigações dos instaladores ITED:

c) Instalar as infraestruturas de telecomunicações de acordo com o projeto e com as normas técnicas aplicáveis;
d) Emitir termo de responsabilidade de execução da instalação;
e) Submeter à ANACOM, ao dono da obra, ao diretor da obra, ao diretor de fiscalização da obra e ao proprietário ou à administração do edifício o termo de responsabilidade referido na alínea anterior, no prazo de 10 dias a contar da data da conclusão da instalação;

3 - Compete à ANACOM aprovar o modelo de termo de responsabilidade a que se refere a alínea d) do n.º 1, bem como as condições da respetiva emissão.
4 - A ligação das ITED às redes públicas de comunicações, ou a sua utilização para a prestação de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, só pode ser efetuada após a emissão do termo de responsabilidade de execução da instalação e a sua submissão à ANACOM.”
90. O incumprimento pelo instalador das obrigações previstas no n.º 1 do artigo 76.º constitui contraordenação muito grave, conforme previsto no artigo 89.º, n.º 3, al. r), n.º 6 e n.º 10, al. a), do mesmo Decreto-Lei.
91. Mais resulta do artigo 3.º, n.º 1, al. l) da mesma lei a seguinte definição “«Manual ITED» o conjunto das prescrições técnicas de projeto, instalação e ensaio, bem como das especificações técnicas de materiais, dispositivos e equipamentos, que constituem as infraestruturas de telecomunicações em edifícios (ITED), bem como os procedimentos a aprovar pela ANACOM”.
92. Resulta, assim, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 76.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, que constitui obrigação dos instaladores de infraestruturas de telecomunicações em edifícios, instalá-las de acordo com as normas e prescrições técnicas aplicáveis, no caso, o Manual ITED.
93. Segundo o Manual ITED na versão aqui aplicável (3.ª Edição, datada de 2015, sendo que a 4.ª edição data de 2020[6]), há que ter em especial consideração o capítulo 6, intitulado “Ensaios”.
94. Tal capítulo abre com a seguinte frase “Os ensaios às redes de cabos são obrigatórios para todos os tipos de edifícios e são da responsabilidade do instalador”.
95. Ou seja, quanto à primeira linha de argumentação do Recorrente - não foi o arguido, enquanto instalador, quem realizou os ensaios, mas sim o certificador, não podendo, assim, ser responsabilizado –, não se pode concordar com a mesma, uma vez que resulta claro da lei e do dito Manual para o qual remete, que é o instalador o responsável pelos ensaios, independentemente de quem materialmente os realiza.
96. Mais resulta, sob o ponto 6.1.2. do aludido capítulo, relativo a ensaios de redes com pares de cobre, que “Para avaliar a garantia da classe E da ligação deve considerar-se o resultado do teste efetuado, com base nos parâmetros estabelecidos na série EN 50173 e nas observações registadas na tabela anterior.”.
97. Ou seja, resulta inequívoco do dito manual que os parâmetros dos ensaios de redes com pares de cobre devem ser feitos com base nos parâmetros estabelecidos na série EN 50173.
98. Sobre a alegada equivalência entre os standards previstos no EN 50173 e ISO 11801, o tribunal a quo pronunciou-se em sede de motivação de facto de forma bastante detalhada e exaustiva, analisando a prova pertinente nesta matéria, inclusive testemunhal (cf. p. 14 a 19). Em tal sede, destaca-se a avaliação crítica do depoimento da testemunha M.C., que mereceu credibilidade ao tribunal a quo e segundo a qual “apesar de ter sido dado cumprimento à norma ISO11801, o certo é que não foi dado cumprimento à norma EN50173, explicando, de forma assertiva, que as normas não são equivalentes e tanto assim não são que quando as normas internacionais reflectem os interesses europeus, as normas internacionais são tornadas equivalentes às normas europeias, o que não sucedeu com a norma ISO11801”. Conforme já deixamos supra consignado, o presente tribunal não tem poderes para reapreciar a matéria de facto.
99. Acresce, agora em sede de fundamentação de Direito, que a sentença recorrida voltou a pronunciar-se, em detalhe, sobre as diferenças entre os dois standards (p. 21 a 23), esclarecendo, desde logo, que “não compete ao Recorrente escolher a norma aplicável aos ensaios realizados à rede pares de cobre de qualquer infra-estrutura, não existindo qualquer tipo de lex shopping admitida por lei.”.
100. Mais concluiu que “como já observámos anteriormente, em sede da motivação de facto, as normas são efectivamente distintas, sendo a EN 50173 mais rigorosa que a ISO 11801, pois adiciona requisitos baseados quer da referida TIA 568, quer na ISO 11801, diferindo em vários aspectos.”.
101. Não se vislumbram quaisquer razões para discordar do tribunal a quo. Assim sendo, quanto à segunda linha de argumentação do Recorrente – no sentido da equivalência do standard ISO 11801 ao standard EN 50173 -, o recurso também não poderá proceder.
102. É, pois, manifesto que o Recorrente praticou a contraordenação muito grave prevista na alínea r) do n.º 3, no n.º 6 e na alínea a) do n.º 10 do artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 123/2009. Mais se consigna que inexistiu qualquer aplicação de contraordenação por “analogia”, como alega o Recorrente no artigo 24.º da fundamentação do recurso.
103. Deixamos ainda consignado que apesar de o Recorrente suscitar questões na fundamentação do recurso, em concreto nos artigos 17.º a 23.º, atinentes à segunda contraordenação que lhe foi imputada, prevista no artigo 89.º, n.º 4, al. b), n.º 6 e n.º 10, al. a), do Decreto-lei 123/2009, o certo é que nenhuma questão nesta sede se refletiu nas conclusões. Ora, como deixamos já dito, as conclusões delimitam o objeto do recurso. Por outro lado, da leitura dos aludidos artigos do recurso constata-se que o Recorrente, mais uma vez, suscita questões atinentes à matéria de facto que ultrapassam os poderes cognitivos deste tribunal. Assim sendo, quanto à contraordenação aludida, nada haverá aqui a conhecer.
104. Nestes termos, o recurso deve ser julgado integralmente improcedente, sem necessidade de mais considerações.
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V. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar o recurso interposto por (…) integralmente improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida, exceto no que diz respeito à data da prescrição do procedimento contraordenacional indicada na mesma, que aqui se julga ocorrer em 27-01-2025 (e não em 20-08-2024).
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s (artigo 93.º, n.º 3, do RGCO, e artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III do RCP).
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Lisboa, 11-07-2024
Alexandre Au-Yong Oliveira
Carlos M. G. de Melo Marinho   
Armando Manuel da Luz Cordeiro
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[1] “Manual ITED”: o conjunto das prescrições técnicas de projecto, instalação e ensaio, bem como das especificações técnicas de materiais, dispositivos e equipamentos, que constituem as infra-estruturas de telecomunicações em edifícios (cfr. a alínea l) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 92/2017, de 31 de Julho). Adiante, quanto se referir apenas “Manual ITED”, refere-se ao “Manual ITED (3.ª Edição)”.
[2] Adiante também designado apenas por “REF”.
[3] Cf. fundamentação do Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2019, DR. n.º 124/2019, Série I de 2019-07-02.
[4] Neste sentido, José Joaquim Fernandes Oliveira Martins, “A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e a terceira vaga da pandemia COVID-19”, in Revista Julgar (online), Fevereiro de 2021, p. 7.
[5] No sentido da mera irregularidade, António Beça Pereira, Regime Geral das Contraordenações e Coimas, Almedina, 13.ª ed., p. 174.
[6] Disponíveis, respetivamente, em https://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1327353 e https://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1519402 (acedidos em 08-07-2024).