ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
ABUSO SEXUAL DE MENORES DEPENDENTES
IMPORTUNAÇÃO SEXUAL
ASCENDENTE
AGRAVAÇÃO
CONCURSO DE INFRAÇÕES
PENA ÚNICA
Sumário


I. Recorre o arguido do acórdão proferido em 1.ª instância que o condenou na pena única de 9 anos de prisão pela prática, em concurso, de treze crimes de natureza sexual (dez crimes de abuso sexual agravados, dois crimes de atos sexuais com adolescentes agravado e um crime de importunação sexual agravado).
II. Os factos que preenchem o ilícito global, reveladores de elevada censurabilidade, com repetida ofensa de bens jurídicos pessoais, de idêntica natureza, foram praticados num período de cerca de três anos, aproveitando-se o arguido da circunstância de frequentar a residência da avó materna das crianças e das relações de proximidade e confiança que estabeleceu com estas, estando com elas sozinho e levando-as a passear no seu automóvel e a visitar a casa onde morava e onde praticou os factos de maior gravidade.
III. É muito elevado o grau de ilicitude revelado pelo número de vezes em que os factos foram praticados, pelo facto de serem duas as vítimas da mesma atividade criminosa, com idades entre os 11 e 16 anos, pela forma e circunstâncias em que se materializou a conduta do arguido e pela repetida e persistente violação dos deveres de proteção, confiança e respeito que se lhe impunham, pela qualidade de avô das crianças, e também muito elevada a persistência e a intensidade do dolo, indiferente às consequências dos factos praticados sobre as vítimas, centrado na egoísta satisfação de desejos sexuais e na imposição de segredo para ocultação da sua conduta.
IV. O acórdão recorrido avalia estas circunstâncias, relevantes quer por via da culpa quer por via da prevenção, centrando-se particularmente nas necessidades de prevenção, nomeadamente de prevenção geral, tendo em conta a frequência de crimes desta natureza. Não se mostra que esta avaliação na perspetiva das exigências de prevenção geral não se comporte, no caso concreto, nos limites impostos pelos fatores reveladores da censurabilidade dos factos e inerentes às condições pessoais do arguido concorrendo por via da culpa, que devem ser adequadamente valorados em função do limite imposto por esta nos termos do artigo 40.º do CP.
V. Convoca o arguido semelhanças com o decidido em recurso no processo 424/21.0PLSNT.S1.L1.S1, em que foi aplicada uma pena de prisão de igual medida, alegando ser menor a gravidade dos factos destes autos. Se é certo que, nas decisões que proferir, o julgador deverá ter em consideração os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8.º do Código Civil), nota-se que são diferentes as particularidades de ambos os casos, nomeadamente quanto ao número de vítimas, e que o juízo a formular se reconduz, a final, à verificação da não violação dos critérios de adequação e proporcionalidade que presidem à determinação da pena.
VI. Tendo em conta a moldura da pena aplicável aos crimes em concurso, de 5 a 22 anos e 6 meses de prisão, na ponderação, em conjunto, dos factos e da personalidade do arguido revelada na sua prática (artigo 77.º, n.º 1, do CP), não se justifica uma intervenção corretiva na medida da pena única, a qual não desrespeita os critérios de adequação e proporcionalidade que presidem à sua aplicação, em vista da realização das suas finalidades (artigos 40.º, n.º 1, e 71.º do CP).

Texto Integral


Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA, arguido, com a identificação que consta dos autos, interpõe recurso do acórdão de 6.2.2024 do Tribunal da Relação de Évora, que negou provimento ao recurso do acórdão proferido pelo tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ... - Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, que o condenou:

1.1. Relativamente à menor BB pela prática, em concurso, de:

a) Seis crimes de abuso sexual de criança, na forma agravada, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, nas penas de 1 ano e 8 meses de prisão pela prática de cada um deles;

b) Um crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 171.º n.º 2 e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão;

c) Um crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 2, e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão;

1.2. Relativamente a CC, pela prática, em concurso, de:

a) Dois crimes de abuso sexual de criança, na forma agravada, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, nas penas de 1 ano e 6 meses de prisão pela prática de cada um deles;

b) Dois crimes de atos sexuais com adolescentes, na forma agravada, p. e p. pelo artigo 173.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, nas penas de 10 meses de prisão pela prática de cada um deles; e

c) Um crime de importunação sexual agravado, p. e p. pelos artigos 170.º e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão;

1.3. Em cúmulo, na pena única de 9 anos de prisão.

2. Discordando do decidido quanto à medida da pena única, apresenta motivação que termina com as seguintes conclusões (transcrição):

«1.º O recorrente foi condenado pela prática dos crimes seguintes: [transcrição]

2º Foi, ainda, o recorrente, operado o cúmulo jurídico das penas parcelares, condenado na pena única de 9 (nove) anos de prisão efetiva.

3.º Ora, de acordo com o disposto no art.º 40.º do C.P., a pena visa não só proteger os bens jurídicos, mas também tem em vista a reintegração do agente na sociedade.

4.º Além disso, a determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial), sendo que na determinação concreta da pena o Tribunal deve atender a todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente ou contra ele, conforme estipula o art.º 71º do C.P.

5.º Além disso, de acordo com o art.º 77.º do C.P. na medida da pena única são considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente.

6.º O Recorrente encontra-se reformado, tem atualmente 67 anos de idade, sendo que no próximo dia ........2024 irá completar 68 anos de idade, o que significa que o mesmo tem perto de 70 anos de idade, facto que não foi atendido pelos tribunais de primeira e segunda instâncias.

7.º O Recorrente é primário, logo não tem quaisquer antecedentes criminais, tendo esclarecido o Tribunal que não mais contactou as netas e que não tenciona mais fazê-lo.

8.º Assim, o comportamento anterior (ausência de antecedentes criminais) e posterior aos factos (ausência de quaisquer contactos entre o Recorrente e as netas, aliado ao facto de não haver notícia da prática de factos da mesma natureza ou de outra) não foi tido em consideração pelo tribunal Recorrido.

9.º O arguido é reformado, vive com a companheira e alguns familiares desta, encontrando-se inserido laboral, familiar e socialmente.

10.º O arguido negou a prática dos factos, e por esse motivo não podia o mesmo ter demonstrado qualquer arrependimento.

11.º Acresce que, pese embora se admita que os factos em causa assumem relevância penal, contudo, os mesmos não revestem gravidade tal que justifique a aplicação de uma pena única de prisão tão pesada, bem como não se justifica a opção pela pena privativa da liberdade, ou seja, pena de prisão efetiva.

12.º No entender da defesa, a pena única aplicada ao Recorrente é excessiva.

13.º Pese embora no caso vertente os factos tenham sido praticados sobre duas ofendidas, não deixa de ser despiciendo referir que o arguido apenas se cingiu a ter tais comportamentos em relação às netas, aqui ofendidas, e que as condutas ocorreram em datas e num período coincidentes.

14.º Além disso, os factos praticados na CC e na BB não revestem a mesma gravidade tanto pelos crimes em causa como pelas idades que as menores apresentavam à data dos factos.

15.º Ademais, não existe nenhuma prova testemunhal e documental que confirme que a BB efetivamente terá tentado pôr termo à vida, conforme sustentam as Ex.mas Senhoras Dr.ªs Juízes Desembargadoras do Tribunal da Relação de Évora, sendo que para tanto é crucial a informação facultada pelo senhor perito médico em sede de julgamento quando o mesmo explicou que a informação sobre as duas tentativas de suicídio que consta no Relatório Pericial teve como única fonte as declarações da própria BB, sem que tenha tido qualquer outro suporte (testemunhal ou documental), e a informação prestada pela testemunha Dr. DD, diretor da Instituição onde as menores estavam internadas que esclareceu que se a BB tivesse tentado se suicidar a Instituição teria tido conhecimento dessa situação, o que não aconteceu.

16.º Além disso, caso a BB se tivesse tentado suicidar, ditam as regras da experiência que para além das próprias menores outras pessoas adultas, designadamente alguns dos profissionais da Instituição onde as menores residiam e/ou a avó materna das menores, teriam necessariamente de ter conhecimento de tal circunstância, tanto mais que, se de facto a BB se tentou matar por ingestão medicamentosa a mesma teria tido necessidade de ter assistência hospitalar ou/e médica, sendo que não existe qualquer prova testemunhal ou documental que suporte tal conclusão.

17.º Por outro lado, no que concerne às automutilações da BB, a testemunha, Dr. DD, esclareceu que a BB se auto mutilava por motivos distintos (desgostos de amor por não ser correspondida por outras raparigas por quem se apaixonava e ausência da irmã da instituição por esta ter atingido a maioridade).

18.º A propósito do estado emocional da ofendida BB de salientar que nas próprias Declarações para Memória Futura é possível verificar que a menor fala como se já tivesse superado ou estivesse perto de superar o trauma que terá sofrido, consequência dos abusos que terão sido praticados pelo Recorrente.

19.º No que concerne ao efeito da pena sobre o comportamento futuro do Recorrente, entendemos de igual modo que a fixação de uma pena única de 5 anos de prisão já comporta em si só um efeito dissuasor no Recorrente mais do que suficiente de molde a afastá-lo no futuro da prática de crimes de idêntica natureza.

20.º Acresce que, o facto de o Recorrente ter sido acusado e submetido a julgamento pela prática dos crimes de abuso sexual de crianças na pessoa das netas já implica em si um castigo, um estigma social que o mesmo terá de carregar para sempre consigo.

21.º Além disso, já decorreu um período superior a três anos desde a última vez (... de 2020) que o Recorrente terá praticado os atos delituosos contra as ofendidas, sem que haja notícia de que o Recorrente tenha praticado posteriormente novos delitos de idêntica natureza (ou de qualquer outra natureza) contra as ofendidas ou outras pessoas.

22.º Ademais, num caso muito semelhante ao dos presentes autos em que também estão em causa crimes idênticos e da mesma natureza mas cujo número é bastante superior comparado com o caso em apreço, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que se mostrava adequada e proporcional a pena única de 9 anos de prisão que havia sido aplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa – conforme douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.02.2024, Relator: Senhor Dr. Juiz Conselheiro Lopes da Mota, Proc. 424/21.0PLSNT.S1.L1.S1. (disponível na internet).

23.º De salientar, ainda, que, em relação ao crime mais grave (art.º 171.º, n.º 2 e art.º 177.º do CP) cometido pelo ora Recorrente na pessoa da BB (13 anos) esta possuía a mesma idade da ofendida (13 a 15 anos) do caso que ora se compara, sendo certo que no caso mencionado no artigo antecedente foram praticados muitos crimes graves (art.º 171.º, n.º 2 e art.º 177.º CP) e no caso em apreço foram praticados apenas dois crimes p. e p. nos art.º 171.º, n.º 2 e art.º 177.º CP, sendo que um deles foi na forma tentada (teria a BB 11 anos) e outro na forma consumada (teria a BB 13 anos).

24.º Não obstante o número elevado de crimes em causa no âmbito do Proc. 424/21.0PLSNT.S1.L1.S1. (o limite máximo da moldura pela abstrata, devido ao número elevado de crimes em causa, cifrou-se em 121 anos de prisão, pese embora por imposição legal, o limite máximo da moldura penal abstrata tenha ficado nos 25 anos) a pena única aplicada no referido processo é precisamente idêntica à pena única aplicada nos presentes autos (o limite máximo da moldura penal abstrata cifra-se em 22 anos e 6 meses de prisão, não chegando a atingir os 25 anos de prisão, porquanto o número de crimes em causa no caso vertente é bastante inferior), ou seja, 9 anos de prisão efetiva.

25.º Sucede, que o caso vertente não reveste tanta gravidade porque o número de crimes praticados não só é bastante inferior como a maior parte dos crimes reveste gravidade inferior e, no entanto, no caso em apreço a pena única encontra-se precisamente fixada em nove anos de prisão!

26.º Atento os motivos supra expostos, o Recorrente discorda da pena única de prisão aplicada em que foi condenado na medida em que considera tal pena demasiado excessiva.

27.º Assim, a pena aplicada excede o limite da culpa do Recorrente, sendo desajustada, desproporcional, desadequada e injusta, devendo tal pena ser reduzida, sendo a sua aplicação suspensa na sua execução.

28.º Assim, a defesa entende que a fixação da pena única em 5 anos de prisão mostra-se mais adequada e proporcional.

29.º Além disso, sendo fixada a pena única em 5 anos de prisão, tal pena deverá ser suspensa na sua execução porquanto, atento os motivos supra expostos, ainda existe um juízo de prognose favorável, até porque o arguido não mais voltou a praticar atos da mesma natureza, não tendo mais contactado as queixosas, tendo inclusive dito que não tencionava mais conviver com as netas e nem há notícia de que tenha praticado factos semelhantes, sendo que já se passaram mais de 3 anos após a prática dos factos, afigurando-se mais justa e adequada a aplicação de uma pena inferior à aplicada.

30.º Assim, a defesa considera proporcional ao caso em apreço a aplicação de uma pena não superior a cinco anos de prisão, pena essa suspensa na sua execução sujeita a regime de prova.

31.º Caso V. Ex.as discordem da aplicação da suspensão da pena de prisão, mas concluam que através do regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios de controlo à distância, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão, nos termos do disposto no art.º 43.º do C. P., n.º 1, al. a), de referir que o Recorrente já manifestou perante a signatária dar o seu consentimento.

32.º Foram violados o artigo 27.º n.º 2 da C.R.P. e os artigos 40.º, 50.º, 70.º, 71.º e 77.º todos do C.P.

Deve o douto acórdão ser revogado na parte em que condenou o Recorrente na pena única de 9 anos de prisão e substituído por outro que condene o arguido numa pena de prisão única não superior a 5 anos, pena esta suspensa na sua execução por igual período com regime de prova.»

3. O Ministério Público no tribunal recorrido não apresentou resposta.

4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 416.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes termos:

«(…)

Diz [o recorrente], nas conclusões que formulou, para além do mais, que:

“6.º O Recorrente encontra-se reformado, tem atualmente 67 anos de idade, sendo que no próximo dia ........2024 irá completar 68 anos de idade, o que significa que o mesmo tem perto de 70 anos de idade, facto que não foi atendido pelos tribunais de primeira e segunda instâncias.

7.º O Recorrente é primário, logo não tem quaisquer antecedentes criminais, tendo esclarecido o Tribunal que não mais contactou as netas e que não tenciona mais fazê-lo.

8.º Assim, o comportamento anterior (ausência de antecedentes criminais) e posterior aos factos (ausência de quaisquer contactos entre o Recorrente e as netas, aliado ao facto de não haver notícia da prática de factos da mesma natureza ou de outra) não foi tido em consideração pelo tribunal Recorrido.

9.º O arguido é reformado, vive com a companheira e alguns familiares desta, encontrando-se inserido laboral, familiar e socialmente.

10.º O arguido negou a prática dos factos, e por esse motivo não podia o mesmo ter demonstrado qualquer arrependimento.

11.º Acresce que, pese embora se admita que os factos em causa assumem relevância penal, contudo, os mesmos não revestem gravidade tal que justifique a aplicação de uma pena única de prisão tão pesada, bem como não se justifica a opção pela pena privativa da liberdade, ou seja, pena de prisão efetiva.

12.º No entender da defesa, a pena única aplicada ao Recorrente é excessiva.”

O recorrente prossegue, depois, com argumentação que não pode ser levada em conta por este Tribunal já que traduz exclusivamente a sua discordância relativamente à análise e valoração da prova feita pelo Tribunal recorrido, tendo em vista uma reapreciação dos critérios de escolha e determinação da medida da pena por via de uma “revisitação” da matéria de facto, o que, naturalmente, não é possível.

Nada do que se alega nesta sede é novo relativamente ao que já se alegava no recurso para o Tribunal da Relação.

3. A replicação, em sede de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, dos argumentos usados no recurso para o Tribunal da Relação de Évora, permite-nos invocar aqui a resposta apresentada pelo Senhor Magistrado do Ministério do Público na 1ª instância e suportada pela Senhora Procuradora-Geral Adjunta no parecer que ali proferiu.

A resposta do Ministério Público junto do Juízo Central Criminal de ... - Juiz 3, dada por reproduzida no parecer da Senhora Procuradora Geral Adjunta no Tribunal a quo identifica detalhadamente todas as questões a dirimir, equacionando-as devidamente, e rebate de forma fundamentada e sólida os argumentos do recorrente, demonstrando a sua evidente falta de razão.

Aliás, da simples leitura da decisão recorrida decorre, com cristalina evidência, que o Tribunal da Relação de Évora procedeu, tal como já o havia feito a primeira instância, a uma criteriosa análise da matéria de facto, enquadrou-a corretamente do ponto de vista jurídico-penal, com a indicação dos tipos legais de crime preenchidos pela conduta do recorrente, ponderou as circunstâncias que pudessem diminuir a ilicitude dos factos e determinou as respetivas consequências jurídicas, com a indicação dos critérios utilizados para a graduação das penas.

Com efeito, depois de reexaminar, nesta matéria, o acórdão condenatório, pode ler-se no acórdão recorrido, o seguinte:

“No concernente ao crime em causa nos presentes autos, são muito elevadas as exigências de prevenção geral, na justa medida em que, «(…), sendo elevadíssimas as exigências de prevenção geral que se fazem sentir relativamente aos crimes sexuais perpetrados contra crianças, atenta a objetiva gravidade do crime praticado pelo arguido e a necessidade de defesa da sociedade perante este tipo de ilícito, que coloca em causa a liberdade e a autodeterminação sexual de crianças associados ao seu próprio aproveitamento para práticas de auto satisfação sexual do agente, existindo um sentimento de grande repugnância social pelos indivíduos que cometem tal tipo de atos e os traços da personalidade evidenciados pelo arguido, que não se coibiu de satisfazer os seus impulsos sexuais e instintos libidinosos, com uma criança de 10 anos de idade, apesar do longo tempo já decorrido sobre a prática dos factos, afigura-se-nos que o conteúdo mínimo destas últimas exigências, para que não fiquem defraudadas as expectativas comunitárias relativamente à tutela de bens jurídicos e a confiança comunitária na validade da norma jurídica violada, só ficará assegurado com a efetiva execução da pena de prisão aplicada.».

Relativamente às exigências de prevenção especial, apresentam-se também as mesmas em grau bastante elevado, nos termos que melhor constam no acórdão sob recurso e cujos excertos que acima foram transcritos bem o ilustram.

Acresce, ainda, que o arguido AA evidenciou na prática dos factos uma personalidade desrespeitosa para com a autodeterminação sexual e livre desenvolvimento da personalidade na esfera sexual e social das duas netas, não exteriorizando qualquer sentido crítico relativamente aos atos por si praticados. Pelo contrário, negou os atos lascivos e tentou descredibilizar as netas sob o pretexto de as mesmas serem «umas levianas» (porque teriam namorados com quem já haviam mantido relações sexuais ou porque saíam muito à noite, etc), quando esses comportamentos desestruturados foram causados precisamente pela sua atuação abusiva, sem quaisquer sentimentos de culpa em relação às duas netas de tenra idade que crescerem traumatizadas com o abuso de cariz sexual perpetrado pelo avô e que contribuiu para passarem a adotar comportamentos disruptivos (como ele próprio afirmou: “iam para a vida da noite”; “faltavam muito à escola”; “fugiam muito pela janela”), que conduziram à sua institucionalização bem como a condutas de automutilação por parte da BB (traços de personalidade autopunitivo), incluindo tentativas de suicídio, com sintomatologia ansiosa e depressiva, com perturbação de stress pós traumático relativa ao abuso sexual sofrido pelo avô.

Depois, tendo em consideração que as penas parcelares se encontram próximas do mínimo da moldura penal aplicável e que sendo a moldura penal abstrata do concurso compreendida entre o limite mínimo de 5 anos de prisão e o máximo de 22 anos e 6 meses de prisão, a fixação da pena única em 5 anos (coincidente com o limite mínimo), reclamado pelo recorrente, seria esse sim legalmente infundado. Já a fixação da pena única em 9 anos de prisão, próximo do ponto médio da moldura penal abstratamente aplicável (8 anos e 9 meses) mostra-se justa e adequada, atenta a circunstância de se tratarem de duas vítimas, de o arguido não ter revelado qualquer arrependimento ou empatia pelas vítimas e ter provocado forte desestruturação na personalidade das netas (principalmente na BB), na sua autodeterminação sexual e no seu estado emocional (automutilações e tentativa de suicídio).”

Afigura-se-nos ser claríssimo que a pena confirmada pelo Tribunal a quo - 9 anos de prisão – reflete adequadamente as exigências de prevenção geral, que são aqui elevadas, considerando tratar-se de crimes cuja natureza e grau de danosidade reclamam rigor punitivo para desincentivar o seu cometimento.

Reflete, também com rigor, o grau de ilicitude dos factos e o desvio aos valores impostos pela ordem jurídica que os mesmos implicaram, bem como a intensidade do dolo, que é elevada, uma vez que o arguido, representando os factos criminosos, atuou com intenção direta de os realizar.

Quanto à prevenção especial, disse a primeira instância e confirmou o Tribunal a quo, que “(…) ao nível das exigências de prevenção especial, entende-se desaconselhada a aplicação de outra pena que não a privativa da liberdade.

(…)

Não se mostra, pois, possível fazer um juízo positivo quanto às finalidades de prevenção geral positiva de integração (protecção de bens jurídicos) e de prevenção especial (integração do agente).”

Como refere Figueiredo Dias, “Tudo o que o aplicador tem de perguntar-se é qual o mínimo de pena capaz de, perante as circunstâncias concretas do caso relevantes, se mostrar ainda comunitariamente suportável à luz da necessidade de tutela dos bens jurídicos e da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada”.

Como resulta de tudo o que se vem de dizer, os 9 anos de prisão aplicados ao recorrente correspondem com precisão a esse mínimo de pena, sendo por isso os proporcionais e adequados a responder às necessidades mencionadas por aquele professor e à reintegração do agente na sociedade.

5. Assim, examinados os fundamentos do recurso, sufragamos integralmente a argumentação do Senhor Procurador da República na 1ª instância, que aqui damos por reproduzida e, por todo o exposto, emitimos parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a decisão recorrida.»

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada resposta.

6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso foi à conferência, para decisão – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

II. Fundamentação

Factos provados

7. O tribunal coletivo deu como provados os seguintes factos, estabelecidos pelo acórdão do Tribunal da Relação, que, conhecendo da impugnação da decisão em matéria de facto, manteve o decidido com alteração do ponto 3 da matéria de facto dada como provada em 1.ª instância (transcrição):

«1. BB, nasceu em ........2006 e encontra-se institucionalizada no “Centro de ...” desde ........2018.

2. CC, irmã de BB, nasceu em ........2003 e residiu na mesma instituição supra descrita desde o dia ........2018 até perfazer 18 anos, ou seja, até ao passado dia ........2021.

3. Antes de serem institucionalizadas, ambas viveram pelo menos desde 2016 e, no caso da jovem CC até ........2018, sendo que, relativamente à jovem BB até ........2018, na casa da avó materna EE, sita em Rua da ... [com a correção introduzida pelo acórdão do Tribunal da Relação].

4. Depois de serem institucionalizadas e até pelo menos ser decretado o confinamento devido à pandemia de COVID-19 em 2020, as menores passavam os fins de semana, de quinze em quinze dias, em casa da Avó EE.

5. O Arguido é avô materno de BB e de CC e, no período temporal compreendido entre 2016 a 2020, frequentava com regularidade a habitação de EE (avó materna de BB e CC), embora residisse na Rua ..., ....

6. No período temporal compreendido entre 2017 e 2019 o Arguido, por várias ocasiões, levou BB e CC a passearem de carro e, aproveitando-se da circunstância de estar sozinho com as menores, apalpou os seios e a vagina à menor BB, fazendo inicialmente por cima da roupa e depois passou a fazê-lo por baixo da roupa, tocando mesmo na zona genital e nos seios.

7. Nessas ocasiões, o Arguido tocava com os dedos na vagina de BB fazendo movimentos lentos e rápidos na zona da vagina, abrindo e fechando a mão.

8. Nas mesmas circunstâncias de modo e lugar supra descritas, em 2017 e 2018, o Arguido também apalpou os seios de CC que nesse período temporal tinha idade compreendida entre os 13 e os 14 anos de idade.

9. Nesse mesmo período temporal (2017 a 2019), o Arguido, por várias ocasiões levou BB e CC para a sua casa no ....

10. No interior da dita habitação, o Arguido chamava a menor BB ao seu quarto, trancava a porta do quarto, beijava-lhe a boca usando a língua, virava-a de costas, roçava o seu pénis erecto no corpo da menor, fazendo-o por cima da roupa que esta trajava e de seguida, por várias vezes empurrou-a para cima da cama.

11. No Verão de 2018, quando a menor BB tinha 11 anos de idade, o Arguido por duas vezes roçou o seu pénis nas pernas de BB.

12. Quando a menor BB tinha 11 anos de idade, o Arguido levou-a no seu automóvel para um local descampado, longe da estrada; de seguida, disse-lhe para que saísse do carro e com esta fora do carro retirou-lhe a roupa, roçou-lhe o pénis erecto na vagina, tentou introduzi-lo na vagina, não tendo conseguido, e de seguida masturbou-se até ejacular para cima da barriga da menor.

13. No dia ........2020, quando BB tinha 13 anos de idade e já residia na instituição, numa ocasião em que a menor foi passar o fim de semana a casa da avó, o Arguido levou-a à sua casa onde a agarrou por um braço conduzindo-a até ao quarto.

14. Já dentro do quarto, o Arguido despiu-se todo, retirou a roupa à menor, disse-lhe para que se deitasse na cama, agarrou-lhe ambas as mãos com força, prendeu-lhe as pernas com as pernas dele e de seguida introduziu o seu pénis erecto na vagina da menor BB, fazendo movimentos para a frente e para trás várias vezes.

15. Em ... de 2020, Centro Comercial ... em ... o Arguido apalpou-lhe o rabo, contra a vontade e sem o consentimento desta.

16. O Arguido, sendo avô de BB e de CC conhecia bem a idade de ambas as menores.

17. O Arguido dizia a ambas as menores que não podiam contar a ninguém o que se passava pois caso contassem ele ia preso.

18. O Arguido bem sabia também que a sua conduta atentava contra a liberdade, dignidade e autodeterminação sexual de BB e de CC e que igualmente punha em causa o normal e livre desenvolvimento da personalidade destas na esfera sexual, o que logrou concretizar.

19. O Arguido agiu com o propósito de molestar sexualmente as menores BB e CC sujeitando-as à prática de actos e a práticas de cariz sexual com o intuito de satisfazer os seus ímpetos sexuais, o que logrou concretizar.

20. Sabia ainda o Arguido que, nas circunstâncias referidas em 6. a 14., nenhuma das menores tinha capacidade para avaliar e entender o significado dos actos que estava a fazê-las suportar, aproveitando-se da sua inexperiência.

21. O Arguido agiu voluntária e conscientemente, conhecendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e actuou com a liberdade necessária para se determinar segundo essa resolução.

Mais se apurou que

No que tange à sua situação pessoal do Arguido

22. À data dos factos como no presente, AA vive na morada indicada, correspondente a uma pequena casa térrea, integrante de um dos bairros sociais camarários mais antigos da cidade de .... AA veio para aqui viver em 2014, quando iniciou a relação com a actual companheira, FF, que é titular da casa há muitos anos. O agregado integra ainda dois filhos adultos e um irmão desta. O relacionamento intrafamiliar é apontado como funcional, de entreajuda. AA encontra-se aposentado desde o início deste ano, em razão da idade, tendo exercido nos últimos 4 anos funções de assistente operacional, como ..., na C..... ......... .. .........

23. O Arguido é originário de um meio piscatório, da zona de ...- ..., onde cresceu junto da família natural. Na idade própria, só frequentou a escola até à 4ª classe, passando a integrar-se em actividades diversas ligadas a concessões de praia e restauração, até ingressar no então serviço militar obrigatório, que cumpriu na ....

24. Aos 24 anos contraiu matrimónio com EE, que conhecera na zona de ... e passou a integrar a família alargada da mesma. Desta união nasceu a sua única filha, GG, mãe das Ofendidas no presente processo. O casamento terminou ao fim de quatro anos e não houve mais contactos ou qualquer participação na educação da filha.

25. O percurso de vida subsequente de AA decorreu em ..., onde voltou a viver com a família de origem, interpolado apenas com um período de sete anos em que viveu maritalmente com uma companheira e, a partir dos 58 anos, a actual situação, em que se mudou para .... Em termos de trabalho, esteve ligado à pintura de construção civil.

26. Para além do trabalho, aprecia actividades lúdicas, ligadas à praia e à pesca, bem como ambientes de diversão noturna e baile. Diz-se saudável e sem antecedentes de problemáticas aditivas.

27. A ligação com CC e BB, apesar de suas netas, só veio a decorrer posteriormente, quando as mesmas praticavam hóquei num espaço desportivo onde estava a prestar serviços de manutenção. Refere que se confrontou então com uma situação muito desfavorecida destas crianças e procurou aproximar-se com um propósito de ajuda.

28. Verificou-se a seguir uma convivência regular com a família de quem se tinha separado 30 anos antes, traduzida, designadamente, em satisfazer vontades das duas jovens em saídas e aquisição de determinados objectos do seu agrado, sendo as mesmas visitas frequentes na sua casa, quer antes quer depois de finais de 2018 e das mesmas terem sido colocadas ao abrigo de medida de promoção e proteção no Centro de ....

29. Do seu Certificado de Registo Criminal nada consta.”.

Âmbito e objeto do recurso

8. O recurso, que se circunscreve a matéria de direito (artigo 434.º do CPP), tem, pois, por objeto um acórdão da Relação proferido em recurso, que confirmou a decisão de aplicação de uma pena superior a 8 anos de prisão, da competência do Supremo Tribunal de Justiça [artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP].

O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).

Não se compreende no âmbito do recurso o conhecimento de questões relativas às penas parcelares, não superiores a 5 anos de prisão, nem de questões relativas a matéria de facto, da competência do tribunal da relação [artigos 400.º, n.º 1, al. e), 427.º, 428.º 432.º, n.º 1, al. b), e 434.º do CPP].

9. Como se vê da motivação do recurso e do acórdão recorrido, o arguido vem, no que se refere à escolha e determinação da medida da pena, reeditar argumentos e pretensões do recurso do acórdão proferido em 1.ª instância que apresentou perante a Relação.

Como se tem afirmado (por todos, o acórdão de 21.02.2024, Proc. 424/21.0PLSNT.S1.L1.S1, com remissão para o acórdão de 02-10-2019, Proc. 3622/17.7JAPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt, com abundante citação de jurisprudência), o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é um segundo recurso do acórdão da 1.ª instância, mas um recurso que tem por objeto o acórdão da Relação que conheceu daquele recurso. Os recursos não servem para conhecer de novo da causa; constituem meios processuais destinados a garantir o direito de reapreciação de uma decisão de um tribunal por um tribunal superior, havendo que, na sua disciplina, distinguir dimensões diversas, relacionadas com o fundamento do recurso, com o objeto do conhecimento do recurso e com os poderes processuais do tribunal de recurso, a considerar conjuntamente (assim, acórdãos de 15.02.2023, Proc. n.º 1964/21.6JAPRT.P1.S1, e de 26.06.2019, proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, e jurisprudência e doutrina neles citada, em www.dgsi.pt). Estando em causa a determinação da pena, impõe-se a verificação da adequação e proporcionalidade da medida da pena na ponderação dos fatores legalmente impostos, limitando-se a alteração do decidido, se for caso disso, a uma intervenção corretiva (infra).

Os argumentos do recorrente entender-se-ão, assim, como limitados e dirigidos ao acórdão da 2.ª instância.

10. Tendo em conta as conclusões da motivação, este Tribunal é, pois, chamado a apreciar e decidir se o acórdão da Relação, ao confirmar a condenação na pena única de 9 anos de prisão, violou o regime de determinação da medida da pena, em desrespeito pelos critérios de adequação e proporcionalidade que lhe presidem.

11. O acórdão do Tribunal da Relação que aprecia a aplicação da pena única encontra-se fundamentado nos seguintes termos:

«Foi, ainda, o recorrente condenado na pena única de 9 anos de prisão efetiva, operado o cúmulo jurídico das penas parcelares.

Quanto à medida das penas parcelares cumpre atender ao disposto no artigo 40.º, n.ºs 1 e 2 do CP: «A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.»

O mencionado regime tem o seu fundamento nos artigos 18.º, n.º 2 e 27.º, n.º 2 da CRP, nos termos em que o primeiro, consagra que os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos só podem ser restringidos nos casos taxativos ali previstos e a segunda norma que restringe a aplicação de uma pena privativa da liberdade ao princípio da proporcionalidade (na dupla vertente necessidade e adequação), não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa.

No concernente à determinação em concreto da medida da pena, o artigo 71.º, n.ºs 1 e 2 do CP, estabelece os critérios a serem seguidos e exemplifica as circunstâncias a serem atendidas pelo Tribunal:

- Exigências de prevenção geral positiva ou de integração, com a finalidade de restabelecer da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal.

- Exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, da prevenção negativa.

Revertendo ao caso concreto no referente à determinação da medida da pena a aplicar, escreveu-se no acórdão recorrido, designadamente, o seguinte:

«No caso em apreço, embora não sejam conhecidos antecedentes criminais ao Arguido e o mesmo se mostre socialmente inserido, não podemos deixar de considerar a compulsividade do seu comportamento ilícito globalmente considerado, revelado pelo número de vezes em que veio a praticar os factos pelos quais vai ora condenado, sobre duas vítimas, suas netas. De resto, não se denotou da parte do Arguido qualquer capacidade de auto-censura que permitisse ao mesmo reflectir sobre a censurabilidade das suas condutas e os danos causados às vítimas e, desse modo, inverter caminho.

Assim e ao nível das exigências de prevenção especial, entende-se desaconselhada a aplicação de outra pena que não a privativa da liberdade.

Quanto às exigências de prevenção geral, também estas se revelam prementes, dado, designadamente, ao aumento de casos similares de que se vem tendo notícia e a forte repulsa que este tipo de criminalidade causa na comunidade, impondo-se uma intervenção firme por parte da Justiça.

Não se mostra, pois, possível fazer um juízo positivo quanto às finalidades de prevenção geral positiva de integração (protecção de bens jurídicos) e de prevenção especial (integração do agente).

Tudo ponderado e por se entender que a mera sanção pecuniária não se revela suficiente para realizar as finalidades da punição, opta-se pela aplicação de pena de prisão também quanto ao crime de Importunação Sexual Agravado.».

No concernente ao crime em causa nos presentes autos, são muito elevadas as exigências de prevenção geral, na justa medida em que, «(…), sendo elevadíssimas as exigências de prevenção geral que se fazem sentir relativamente aos crimes sexuais perpetrados contra crianças, atenta a objetiva gravidade do crime praticado pelo arguido e a necessidade de defesa da sociedade perante este tipo de ilícito, que coloca em causa a liberdade e a autodeterminação sexual de crianças associados ao seu próprio aproveitamento para práticas de auto satisfação sexual do agente, existindo um sentimento de grande repugnância social pelos indivíduos que cometem tal tipo de atos e os traços da personalidade evidenciados pelo arguido, que não se coibiu de satisfazer os seus impulsos sexuais e instintos libidinosos, com uma criança de 10 anos de idade, apesar do longo tempo já decorrido sobre a prática dos factos, afigura-se-nos que o conteúdo mínimo destas últimas exigências, para que não fiquem defraudadas as expectativas comunitárias relativamente à tutela de bens jurídicos e a confiança comunitária na validade da norma jurídica violada, só ficará assegurado com a efetiva execução da pena de prisão aplicada.» .

Relativamente às exigências de prevenção especial, apresentam-se também as mesmas em grau bastante elevado, nos termos que melhor constam no acórdão sob recurso e cujos excertos que acima foram transcritos bem o ilustram.

Acresce, ainda, que o arguido AA evidenciou na prática dos factos uma personalidade desrespeitosa para com a autodeterminação sexual e livre desenvolvimento da personalidade na esfera sexual e social das duas netas, não exteriorizando qualquer sentido crítico relativamente aos atos por si praticados. Pelo contrário, negou os atos lascivos e tentou descredibilizar as netas sob o pretexto de as mesmas serem «umas levianas» (porque teriam namorados com quem já haviam mantido relações sexuais ou porque saíam muito à noite, etc), quando esses comportamentos desestruturados foram causados precisamente pela sua atuação abusiva, sem quaisquer sentimentos de culpa em relação às duas netas de tenra idade que crescerem traumatizadas com o abuso de cariz sexual perpetrado pelo avô e que contribuiu para passarem a adotar comportamentos disruptivos (como ele próprio afirmou: “iam para a vida da noite”; “faltavam muito à escola”; “fugiam muito pela janela”), que conduziram à sua institucionalização bem como a condutas de automutilação por parte da BB (traços de personalidade autopunitivo), incluindo tentativas de suicídio, com sintomatologia ansiosa e depressiva, com perturbação de stress pós traumático relativa ao abuso sexual sofrido pelo avô.

Depois, tendo em consideração que as penas parcelares se encontram próximas do mínimo da moldura penal aplicável e que sendo a moldura penal abstrata do concurso compreendida entre o limite mínimo de 5 anos de prisão e o máximo de 22 anos e 6 meses de prisão, a fixação da pena única em 5 anos (coincidente com o limite mínimo), reclamado pelo recorrente, seria esse sim legalmente infundado. Já a fixação da pena única em 9 anos de prisão, próximo do ponto médio da moldura penal abstratamente aplicável (8 anos e 9 meses) mostra-se justa e adequada, atenta a circunstância de se tratarem de duas vítimas, de o arguido não ter revelado qualquer arrependimento ou empatia pelas vítimas e ter provocado forte desestruturação na personalidade das netas (principalmente na BB), na sua autodeterminação sexual e no seu estado emocional (automutilações e tentativa de suicídio). (…)

Como a pena única concretamente aplicada de nove anos de prisão não admite a suspensão da sua execução (cf. artigo 50.º, n.º 1 do CP), julga-se não provido, também, o recurso neste ponto.»

12. O acórdão da 1.ª instância, para que remete o acórdão recorrido, mostra-se assim fundamentado quanto à aplicação da pena única

«(…) será de considerar o seguinte:

É consabido que a natureza dos crimes praticados pelo Arguido – crimes sexuais sobre crianças e jovens -, o bem jurídico violado nos crimes em questão (a autodeterminação sexual de menores) e a frequência de condutas deste tipo, bem como o conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam na comunidade e que constitui um factor de desestabilização social, com reflexos nas famílias, pelos traumas que gera e pelos valores culturais que ofende gravemente, tornam especialmente elevadas as necessidades de prevenção geral, exigindo uma resposta punitiva firme.

Há ainda a considerar o modo de execução dos factos, a repetição dos actos sobre as menores suas netas, sobretudo, sobre BB que, à data, contava com 10 a 13 anos de idade, bem como sobre CC que tinha 13/14 anos e, em ... de 2020, tinha 16 anos.

Pesa ainda o tempo por que se prolongou a sua prática (mais de três anos) e o seu modo, demonstrando forte compulsividade para os comportamentos ilícitos em causa e as consequências dos mesmos.

Por outro lado, inexistem circunstâncias anteriores, ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por qualquer forma a ilicitude dos factos ou a culpa do Arguido.

Quanto às exigências de prevenção especial, não obstante nada constar do Certificado de Registo Criminal do Arguido e deste apresentar uma vida organizada, os crimes em questão foram praticados não só com aproveitamento da relação familiar com as suas netas que veio a conhecer, como da sua situação desfavorecida, violando a confiança depositada em si. Acresce que não revelou qualquer capacidade de autocensura, por forma a reflectir sobre a censurabilidade das suas condutas e os danos causados nas vítimas.

(…)

Atento o teor do artigo 30º do Código Penal, os crimes pelos quais o Arguido vai condenado encontram-se numa relação de concurso entre si, pelo que se deverá encontrar uma pena única, nos termos do artigo 77º do mesmo diploma legal.

Ainda de acordo com este artigo, a moldura penal abstracta do concurso terá o limite máximo de 22 (vinte e dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e um limite mínimo de 5 (cinco) anos de prisão.

Na medida da pena única a aplicar ao Arguido são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (cfr. artigo 77º, nº 1 do Código Penal).

Significa isto que “devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente, mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente” – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.12.2006, disponível na Internet in www.dgsi.pt.

Assim e levando em consideração todas as circunstâncias já acima referidas, designadamente, as fortes necessidades de prevenção geral que se fazem sentir, a intensidade da energia criminosa revelada na prática dos factos, as idades das duas vítimas suas netas; a ausência de capacidade de auto-censura do Arguido, incapaz de reflectir sobre os danos causados nas vítimas, julga-se adequado condenar o mesmo na pena única de 9 (nove) anos de prisão.»

13. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que estabelece as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir de uma moldura definida, no seu mínimo, pela mais elevada das penas aplicadas aos crimes em concurso e, no seu máximo, pela soma das penas aplicadas a esses crimes, sem ultrapassar 25 anos de prisão (n.º 2 do artigo 77.º), para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção (artigos 40.º e 71.º, infra), são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (critério especial do n.º 1 do artigo 77.º, in fine). Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas e sociais, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a suscetibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., 2011, p. 248ss; por todos, o acórdão de 16.2.2022, Proc. 160/20.4GAMGL.S1).

14. Recordando jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, com a fixação da pena única, nos termos do artigo 77.º do CP, pretende-se sancionar o agente pelos factos considerados no seu conjunto, nas suas concretas circunstâncias, isto é, pelo «grande facto» revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento.

Há que atender ao «fio condutor» presente na «repetição criminosa», às relações entre os factos praticados reveladas pelas circunstâncias destes e pelas circunstâncias pessoais relativas ao agente que permitam identificar caraterísticas da personalidade com projeção nos crimes praticados, levando-se em consideração, nomeadamente, a natureza destes e a identidade, semelhança e conexão entre os bens jurídicos violados, «tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a repetição emergirá antes e apenas de fatores meramente ocasionais» (assim, por todos, entre os mais recentes, o acórdão de 17.4.2024, Proc. 251/22.7PCRGR.L1.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele citada). “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta». «A personalidade do agente – se bem que não a personalidade no seu todo, mas só a personalidade manifestada no facto», – «é um factor da mais elevada importância para a medida da pena e que para ela releva, tanto pela via da culpa como pela via da prevenção» (Figueiredo Dias, loc. cit., p. 291).

15. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente manifestada no facto, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele considerando (artigo 71.º do CP).

Para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, nos termos do n.º 2, os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).

Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Incluem-se aqui as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)].

O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo para determinação da medida concreta da pena em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização, devendo evitar-se a dessocialização.

Como se tem sublinhado, é na determinação e na consideração destes fatores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os critérios de adequação e proporcionalidade constitucionalmente impostos, que devem pautar a sua aplicação, em juízo distanciado das opções legislativas expressas na definição do tipo legal de crime e na moldura da pena correspondente (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição; assim, por todos, o citado o acórdão de 17.4.2024, Proc. 251/22.7PCRGR.L1.S1).

16. Invoca o recorrente a seu favor as suas condições pessoais, o comportamento anterior e posterior ao crime (ausência de antecedentes criminais e de posteriores contactos com as vítimas) e a circunstância de os factos terem ocorrido no mesmo período temporal, circunstâncias que, à exceção da posterior falta de contactos com as vítimas – sem relevo –, foram apreciadas no acórdão recorrido, bem como a inexistência ou insuficiência de prova sobre as consequências do crime para a ofendida BB, o que, respeitando a matéria de facto, fora do âmbito do recurso e dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, não pode ser considerado.

17. Aos crimes cometidos, que se posicionam numa relação de concurso (artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal), corresponde a pena de 5 anos (pena parcelar mais elevada) a 22 anos e 6 meses de prisão (soma das penas aplicadas aos crimes em concurso).

O acórdão recorrido concluiu que o arguido praticou treze crimes de natureza sexual, em concurso (artigo 30.º, n.º 1, do CP), sobre as vítimas BB e CC, suas netas, sendo:

• Oito crimes de abuso sexual agravados (seis sobre a vítima BB e dois sobre a vítima CC), previstos nos artigos 171.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, alínea a), do CP, puníveis, cada um deles, a que aplicou seis penas de 1 ano e 8 meses e duas penas de 1 ano e 6 meses, pela prática de cada um deles;

• Um crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma tentada (sobre a vítima BB) previsto nos artigos 22.º, 171.º n.º 2 e 177.º, n.º 1, alínea a), do CP, a que aplicou uma pena de 2 anos e 4 meses de prisão;

• Um crime de abuso sexual de crianças agravado (sobre a vítima BB), previsto nos artigos 171.º, n.º 2, e 177.º, n.º 1, alínea a), do CP, a que aplicou uma pena de 5 anos de prisão;

• Dois crimes de atos sexuais com adolescentes agravado (sobre a vítima CC), previsto nos artigos 173.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, alínea a), do CP, a que aplicou duas penas de 10 meses de prisão pela prática de cada um deles;

• Um crime de importunação sexual agravado (sobre a vítima CC), previsto nos artigos 170.º e 177.º, n.º 1, alínea a), do CP, na pena de 6 meses de prisão.

18. Os factos que preenchem o ilícito global, reveladores de elevada censurabilidade, com repetida ofensa de bens jurídicos pessoais, de idêntica natureza, foram praticados num período de cerca de três anos, entre 2017 e 2019, aproveitando-se o arguido da circunstância de frequentar a residência da avó materna das crianças e das relações de proximidade e confiança que estabeleceu com estas, estando com elas sozinho e levando-as a passear no seu automóvel e a visitar a casa onde morava e onde praticou os factos de maior gravidade.

É muito elevado o grau de ilicitude revelado pelo número de vezes em que os factos foram praticados, pelo facto de serem duas as vítimas da mesma atividade criminosa, pela forma e circunstâncias em que se materializou a conduta do arguido e pela repetida e persistente violação dos deveres de proteção, confiança e respeito que se impunham ao arguido, na qualidade de avô, ascendente membro da família das crianças, e também muito elevada a persistência e a intensidade do dolo, indiferente às consequências dos factos praticados sobre as vítimas, centrado na egoísta satisfação sexual dos desejos do arguido e na imposição de segredo para ocultação da sua conduta.

Manifestam-se, assim, fatores de agravação de elevada intensidade, dados os tipos de crime em questão, praticados na reserva da intimidade do seio da família, expressos na multiplicidade e frequência dos factos, nos sentimentos revelados na sua prática, no modo e no elevado grau de violação dos deveres impostos ao arguido.

O comportamento do arguido, apesar da falta de antecedentes criminais, e os sentimentos manifestados na prática dos factos evidenciam uma personalidade particularmente desvaliosa, com manifesta falta de preparação para manter uma conduta lícita, revelando elevadas necessidades de prevenção especial relativamente a estes tipos de crime.

O acórdão recorrido avalia estas circunstâncias, relevantes quer por via da culpa quer por via da prevenção, centrando-se particularmente nas necessidades de prevenção, nomeadamente de prevenção geral, tendo em conta a frequência de crimes desta natureza.

Não se mostra, porém, que esta avaliação na perspetiva das exigências de prevenção geral não se comporte, no caso concreto, nos limites impostos pelos fatores reveladores da censurabilidade dos factos e inerentes às condições pessoais do arguido concorrendo por via da culpa, que devem ser adequadamente valorados em função do limite imposto por esta nos termos do artigo 40.º do CP (supra, 15).

19. Na sua motivação convoca o arguido semelhanças com o decidido em recurso no processo 424/21.0PLSNT.S1.L1.S1, em que foi aplicada uma pena de prisão de igual medida, alegando ser menor a gravidade dos factos destes autos.

Se é certo que, nas decisões que proferir, o julgador deverá ter em consideração os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8.º do Código Civil), importa notar que são diferentes as particularidades de ambos os casos, nomeadamente quanto ao número de vítimas (que, neste caso, são duas – o que agrava substancialmente a censurabilidade), e que, como se referiu, o juízo a formular se reconduz, a final, à verificação da não violação dos critérios de adequação e proporcionalidade que presidem à determinação da pena.

Não se evidencia que, pela consideração do referente jurisprudencial, se impusesse ao tribunal recorrido a aplicação de uma pena em medida inferior à definida.

20. Nesta conformidade, tendo em conta a moldura da pena aplicável aos crimes em concurso, na ponderação, em conjunto, dos factos e da personalidade do arguido revelada na sua prática (artigo 77.º, n.º 1, do CP), e os limites impostos pelas circunstâncias relevantes para a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 2, e 71.º do CP), não se mostra presente fundamento que justifique uma intervenção corretiva na medida da pena única, a qual não desrespeita os critérios de adequação e proporcionalidade que presidem à sua aplicação, em vista da realização das suas finalidades (artigo 40.º, n.º 1, do CP).

É, assim, negado provimento ao recurso.

21. Sendo a pena aplicada de medida superior a 5 anos de prisão, prejudicada se mostra a apreciação da questão da suspensão da sua execução, por a isso se opor o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, que apenas a admite relativamente a penas de medida não superior àquela medida, que, no caso, não se verificaria, em qualquer circunstância, por corresponder ao limite mínimo da pena aplicável ao conjunto dos treze crimes em concurso.

Quanto a custas

22. De acordo com o disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

III. Decisão

23. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso do arguido AA, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 19 de junho de 2024.

José Luís Lopes da Mota (Relator)

Maria Teresa Féria de Almeida (Adjunta)

Horácio Correia Pinto (Adjunto)