EXPROPRIAÇÃO
ESCLARECIMENTOS PRESTADOS PELOS PERITOS NA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
VALOR DO RELATÓRIO PERICIAL
CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DO VALOR DA INDEMNIZAÇÃO
Sumário


1. Os esclarecimentos verbais dos peritos em audiência de julgamento (art.ºs 486º e 604º, n.º 3, alínea c), do CPC), concernentes ao fundo, à substância do seu parecer, deverão ser atendidos, proporcionando-se, assim, o máximo de elementos para a formação da convicção judicial.
2. Traduzindo-se a determinação do valor da coisa expropriada essencialmente num problema técnico, deve o juiz aderir, em princípio, aos pareceres dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo tribunal quando haja unanimidade destes (face à sua posição de imparcialidade e à garantia de uma melhor objetividade por eles oferecida). Ponto é que se observem os critérios legais, sendo certo que o juiz decidirá segundo a sua convicção, formada sobre a livre apreciação das provas.
3. O valor da indemnização deve respeitar a princípio geral estabelecido no art.º 23º do Código das Expropriações.

Texto Integral


Apelação 3421/22.4T8CBR.C1

Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Rui Moura
                 Fernando Monteiro

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

            I. Nos presentes autos de expropriação litigiosa por utilidade pública em que são, expropriante, Infraestruturas de Portugal, S. A. e, expropriado, AA, tendo sido adjudicada à 1ª (em 11.7.2022) a propriedade da parcela expropriada, proferido acórdão arbitral, interpostos recursos dessa decisão e realizadas a avaliação pericial e a audiência de julgamento (com esclarecimentos verbais dos Srs. Peritos e audição de testemunhas), a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, por sentença de 03.01.2024, julgou totalmente improcedente o recurso da decisão arbitral apresentado pela entidade expropriante e parcialmente procedente o recurso da decisão arbitral apresentado pelo expropriado e, em consequência, decidiu fixar o montante da justa indemnização a pagar pela entidade expropriante ao expropriado pela parcela expropriada identificada no ponto 4 dos factos provados em € 58 918,92 (cinquenta e oito mil novecentos e dezoito euros e noventa e dois cêntimos), acrescida da quantia que resultar da atualização nos termos do art.º 24º do Código das Expropriações.

Dizendo-se inconformada, a expropriante apelou formulando as seguintes conclusões:

1ª - O objeto do recurso cinge-se ao valor atribuído ao solo da parcela expropriada no montante de € 42 032,92 aceitando-se, desde já e por fundamentado, o valor das benfeitorias.

            2ª - Errou a sentença ao considerar que a área de construção ainda possível edificar na parcela expropriada é de 91,80 m2.

            3ª - Resulta assente que a parcela expropriada tem a área de 136 m2 – cf. n.º 4 do item III da sentença.

            4ª - O prédio de onde é a destacar a parcela expropriada tem a área de 2 675 m2 – cf. n.º 5 do item III da sentença.

            5ª - No prédio já se encontra construída uma casa de r/chão e 1º andar e capela ampla com uma área bruta de 486 m2 – cf. n.º 12 do item III da sentença.

            6ª - O referido prédio encontra-se inserido em “Área Habitacional (H3)” – cf. n.ºs 18 e 20.

            7ª - O índice de edificabilidade aplicável ao prédio é de 0,675 – cf. n.º 26.

            8ª - O Laudo Pericial maioritário (Peritos do Tribunal e da Expropriante) concluiu, em sede de relatório e de esclarecimentos solicitados pelo Apelado, que a parcela tinha uma área de construção de 69,02m2 – cf. pág. 17.

            9ª - Concluiu a sentença recorrida que a área de construção admissível na parcela expropriada é de 91,80 m2 – cf. n.º 21 do item III – invocando que, em sede de esclarecimentos prestados presencialmente um dos Peritos do Tribunal reconheceu a existência de um erro de raciocínio no relatório e esclarecimentos defendendo, agora, que a área de construção possível na parcela expropriada é de 91,80 m2 e a que os dois restantes peritos do Tribunal anuíram.

            10ª - O que é mais incoerente na alteração de posição dos Srs. Peritos em Tribunal é que, reconhecendo (alegadamente) um erro no raciocínio constante do relatório, não conseguiram sequer explicar de forma convincente qual era o erro em causa.

            11ª - Estando assente que o prédio tem uma área total de 2 675 m2 (cf. n.º 4) e que o índice de edificabilidade é de 0,675 (cf. n.º 26) resulta (por mera operação matemática) uma área bruta de construção máxima de 1 805,63 m2.

            12ª - A esta área bruta de construção máxima, terá de ser deduzida a área de edificação já implantada no prédio sob pena de, não o fazendo, se estar a ultrapassar a área máxima de construção permitida.

            13ª - A área bruta de construção correspondente à superfície de pavimento da edificação existente no prédio onde se integra a parcela expropriada é, para efeitos do

estabelecido no PDM de Coimbra, de 447 m2 (303 m2 + 144 m2) – cf. pág. 17 do relatório pericial.

            14ª - Deduzindo à área bruta de construção possível a área bruta já edificada, resulta que o prédio tem ainda uma área bruta de construção admissível de 1 358,63 m2 (1 805,63 m2 – 447 m2).

            15ª - Se o prédio não tivesse qualquer edificação, mantendo incólume uma área bruta máxima de 1 805,63 m2, na parcela expropriada poderia edificar-se uma área bruta máxima de 91,80 m2 obtida pela aplicação do respetivo índice – 0,675 (cf. n.º 26 do item III) – à área da parcela – 136 m2 (cf. n.º 4 do item III) permitindo concluir que a parcela expropriada tinha, relativamente ao total da superfície de pavimento, uma proporção de 5,08 % (136 m2 : 2 675 m2 x 100).

            16ª - Considerando que o prédio só tem uma área bruta de construção possível de 1 358,63m2 (fazendo operar a dedução quanto à edificação existente) então, por aplicação da referida proporção ou índice, temos que na parcela expropriada é possível edificar uma área máxima de 69,02m2 (1 358,63 m2 x 5,08 %).

            17ª - Errou a sentença quando aplicou à parcela expropriada a conclusão de que o valor unitário mediano de edifícios de habitação para uma área de 250.000 m2, correspondente a uma quadrícula de 500 x 500, na qual se insere o prédio de onde é

destacada a parcela expropriada e reportado ao 2º trimestre de 2022 é de € 1 738/m2 – cf. n.º 27 do item III.

            18ª - A afirmação do n.º 27 do item III da sentença é a reprodução integral da resposta dada pelo Colégio Pericial maioritário a um esclarecimento do Expropriado – cf. quesito 10º a pág. 27 do relatório.

            19ª - Foi perguntado qual o valor de venda da construção praticada para habitação para as zonas limítrofes do prédio e da parcela expropriada e com idênticas caraterísticas – cf. quesito 10º a pág. 27 do relatório.

            20ª - O Colégio Pericial referiu que o valor unitário mediano de edifícios de habitação era, por reporte ao 2º trimestre de 2022, de € 1 738/m2, mas sustentou tal afirmação num conjunto essencial de premissas e considerações que foram negligenciadas na sentença.

            21ª - Em 1º lugar que o valor de € 1 738/m2 foi obtido a partir de dados do INE reportados ao 2º trimestre de 2022 e não à data da publicação da DUP (março/2021).

            22ª - Em 2º lugar que a amostra obtida e quantificada em 26 transações incluíam “…várias tipologias e diferentes realidades nessa mesma área que os peritos desconhecem …”.

            23ª - Em 3º lugar que o valor indicado pelo INE incorpora “… naturalmente uma parte relativa a valores especulativos de mercado …” sendo que, a indemnização prevista no art.º 23º do CE, consubstancia um valor normativo e não especulativo.            24ª - Em 4º lugar que tal valor indicado pelo INE não era utilizado pelos Peritos no cálculo da indemnização “… uma vez que este não é o que resulta do método expressamente consagrado no C.E. e ao qual os peritos se encontram vinculados, nomeadamente o n.º 5 do art.º 23º …” – cf. págs. 27 e 28 do relatório.

            25ª - A consideração pela sentença recorrida de um custo de construção de €

1 738/m2 encontra-se viciada de facto e de direito e não pode ser aceite.

            26ª - Viciada de facto porque a resposta dada pelo Laudo Pericial maioritário foi absolutamente clara quanto à impossibilidade de aplicar tal valor/custo de construção por m2 para apuramento do valor do solo da parcela expropriada.

            27ª - Viciada de Direito porque viola o disposto no n.º 1 do art.º 23º, n.º 1 do art.º 24º e os n.ºs 4 e 5 do art.º 26º todos do CE.

            28ª - Por aplicação supletiva do método do custo de construção (estando demonstrada a impossibilidade de recorrer ao método comparativo) os Srs. Peritos estão vinculados, na determinação do custo de construção, a dar cumprimento aos parâmetros previstos no n.º 5 do art.º 26º do CE atendendo, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.

            29ª - O custo de construção a que alude o citado preceito nada tem a ver com o custo de construção divulgado pelo INE porque este engloba um conjunto de variantes que estão excluídas do cálculo da justa indemnização designadamente a margem de lucro dos promotores; o valor do terreno e o valor de venda ajustado ao mercado imobiliário e (por vezes) especulativo da construção e do terreno onde esta se encontra implantada.

            30ª - Para determinação do custo de construção, deve atender-se liminar e preferentemente aos montantes fixados administrativamente para efeitos do disposto no n.º 5 do art.º 26º do CE “… apenas podendo tais critérios ser postergados ou mitigados se tal se revelar necessário para a prossecução da justiça no caso concreto,

hipótese que imporá convincente justificação …” (Ac. RC de 19/02/2013-Proc. n.º 3853/08.0TBVIS.C1, dgsi) o que, igualmente, não se verificou.

            31ª - Resulta assente que dos oito Peritos intervenientes nos autos, sete concluíram por unanimidade que se justificava a aplicação do custo unitário de construção de € 826,48/m2 (que teve por referência o valor fixado pela Portaria n.º 353/2013, de 04.12 atualizado para o ano de 2021 – ano de publicação da DUP – pelo Aviso n.º 15365/2020, de 02.10) e que, considerando o fator de conversão área bruta/área útil de 0,85 veio determinar um valor de € 702,51m2 (que veio a ser atualizado pelo Laudo Pericial maioritário para € 754,19/m2 – cf. pág. 7 do Acórdão Arbitral e págs. 11 e 12 dos esclarecimentos ao Relatório Pericial).

            32ª - É pacifico que, não obstante a apreciação da prova feita livremente pelo Juiz, em processo de expropriação e atenta a sua especificidade técnica, deverá o Tribunal ter em consideração o entendimento dos Peritos em particular daqueles que não estão vinculados às Partes.

            33ª - O afastamento pela sentença em recurso de uma posição maioritária e fundamentada (subscrita por sete dos oito peritos envolvidos) quanto ao custo de construção – € 702,51/Laudo Arbitral e € 754,19/Laudo Pericial (posição que parte do mesmo princípio de aplicação do valor constante da Portaria n.º 353/2013 de 04.12) - arbitrando um valor três vezes superior – € 2 200 – exigiria uma prova inequívoca e uma detida fundamentação que, mais uma vez com todo o respeito, não existe.

            34ª - Erra a sentença ao concluir que o valor do custo de construção por m2, na zona da parcela expropriada, nunca será inferior a € 2 000/m2 – € 2 200/m2 (cf. n.º 39 do item III) aplicando depois o montante máximo de € 220000/m2 que vem a determinar o valor obtido (e objeto do presente recurso) de € 42 032,92.

            35ª - A conclusão da sentença recorrida apresenta-se injustificada e contraditória.

            36ª - Injustificada porque sustentou este valor com base nos depoimentos de testemunhas arroladas pelo Expropriado que, sem qualquer prova credível, fizeram referência a valores de construção praticados em 2023 com o “…mercado em alta…” mas que não apresentam os conhecimentos, a especificidade técnica e a imparcialidade dos Srs. Peritos indicados pelo Tribunal e subscritores do Laudo Arbitral e do Laudo Pericial maioritário.

            37ª - Exigia-se que o Tribunal tivesse provas claras quanto à possibilidade de se afastar do valor referencial previsto no n.º 5 do art.º 26º do CE adotado por sete dos oito Peritos intervenientes, o que não sucedeu.

            38ª - Exigia-se, atenta a sua especificidade técnica, que o afastamento dos critérios previstos no n.º 5 do art.º 26º do CE apenas pudesse ocorrer na sequência de fundamentação suportada no conhecimento, experiência e imparcialidade dos Peritos indicados pelo Tribunal (abrangendo os do Laudo Arbitral e do Laudo Pericial) o que não se verificou.

            39ª - Contraditória com a fundamentação invocada na própria sentença ao considerar que terá de se “… tomar em consideração as condições de facto e elementos de valorização existentes no prédio expropriado à data da publicação da declaração de utilidade pública …” e com a conclusão, para cálculo do valor da parcela expropriada, de recorrer ao “… método inserto nos n.ºs 4 a 7 do artigo 26º …” – cf. págs. 15 e 16.

            40ª - Contraditória ainda porque ao considerar que o custo de construção por m2 é, na zona, de € 2 000 a € 2 200 (cf. n.º 39 do item III) fica por explicar como é possível tal valor ser muito superior ao valor do INE (i. é, para efeitos de avaliação bancária com vista à venda do imóvel) fixado em € 1 738/m2 (cf. n.º 27 do item III).

            41ª - Importa distinguir custo de construção que corresponde apenas ao custo que o expropriado tem de suportar para edificar uma construção num terreno que já é seu e sem o objetivo de colocar à venda no mercado imobiliário.

            42ª - De valor real e corrente de mercado que representa o valor do imóvel com “chave na mão” abrangendo a construção, as infraestruturas, o custo de terreno e o lucro (muitas vezes especulativo) com a sua venda.

            43ª - Erra a sentença na simulação do valor patrimonial tributário da parcela expropriada concluindo por um valor de € 37 300 – cf. n.º 42 do item III.

            44ª - A simulação em causa é para terrenos para construção, i. é, prédios que não tenham qualquer edificado o que, como se demonstrou, não é o caso dado que o prédio onde se insere a parcela expropriada tem já uma construção pelo que, na referida

simulação, deveria ter sido escolhida a opção de “prédio edificado”.

            45ª - O valor do solo da parcela n.º 7, respeitando os critérios fixados nos n.ºs 4 e ss do art.º 26º do CE, não poderá ser superior a € 10 833,78 (69,02m2 x € 754,19m2 x 0225 x (1-0,075) conforme entendimento inicial do Laudo Pericial maioritário e que foi (em coerência) mantido pelo Perito da Apelante.

            46ª - Caso assim não se entenda o valor do solo da parcela n.º 7, respeitando os critérios fixados nos n.ºs 4 e ss do art.º 26º do CE, não poderá ser superior a € 14 409,46 (91,80 m2 x € 754,19 m2 x 0225 x (1-0,075) e que difere apenas quanto à área possível de construção e não quanto ao valor do custo de construção.

            Rematou, dizendo que deve: alterar-se o facto constante do n.º 21 do item III da sentença recorrida ali ficando a constar que a área de construção admissível e aplicada à parcela expropriada é de 69,02 m2; alterar-se os factos constantes dos n.ºs 38 e 39 do item III da sentença recorrida ali ficando a constar que o custo de construção a considerar no cálculo do valor do solo da parcela expropriada é de € 754,19/m2; revogar-se a sentença recorrida quanto ao quantum indemnizatório fixado para o valor do solo da parcela expropriada e fixar-se a justa indemnização devida pelo valor do solo em € 10 833,78, ou, quando assim se não entenda, em € 14 409,46.

            O expropriado respondeu concluindo pela improcedência do recurso.                                                                                                                                                                                                                                                                                           

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa apreciar e decidir: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito (cuja modificação depende da procedência daquela impugnação, porquanto o produto que traduz o valor atribuído ao solo da parcela expropriado - única questão suscitada no recurso - envolve os questionados fatores de cálculo).


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            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            1) A requerente e entidade expropriante é a entidade gestora das infraestruturas rodoviárias e ferroviárias nacionais detendo, para o efeito, os poderes, prerrogativas e obrigações conferidas ao Estado Português pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis.

            2) Nessa qualidade, compete-lhe realizar as expropriações necessárias à requalificação do Ramal da Lousã/Sistema de Mobilidade do Mondego – Troço Portagem/Alto de São João.

            3) No Diário da República n.º 42, 2ª Série, de 02.3.2021, foi publicada a declaração de utilidade pública (DUP) da expropriação, com carácter de urgência, por ser necessário à implementação no Sistema de Mobilidade do Mondego, no troço Portagem/Alto de São João do Ramal da Lousã, da parcela identificada pelo n.º 7.

            4) Tal parcela com a área de 136 m2 é a destacar do prédio urbano localizado na Rua Dom João (de Almeida) e Rua da Arregaça, da União das Freguesias de Coimbra (Sé Nova, Santa Cruz, Almedina e São Bartolomeu), concelho de Coimbra, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial (CRP) de Coimbra sob o n.º ...17 da (extinta) freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...24 da referida União de Freguesias.

            5) A área total do prédio é de 2 675 m2.

            6) A entidade expropriante foi autorizada a tomar posse administrativa da parcela expropriada, tendo sido lavrado o respetivo auto.

            7) No dia 19.7.2021, por ocasião da vistoria ad perpetuam rei memoriam, verificou-se que tal parcela tem configuração irregular, situada ao longo da Rua da Arregaça e corresponde a um logradouro ou quintal de uma habitação unifamiliar, apresentando uso agrícola com um pequeno pomar; nos limites nascente e sul da parcela existe um muro em alvenaria de pedra de granito em bom estado de conservação, com cerca de 45 cm de espessura média e uma altura a variar entre 2,10 m e 2,50 m.

            8) O prédio de onde é desanexada a parcela expropriada localiza-se na Rua da Arregaça, n.º 15 e Rua de D. João, n.º 122, da União das Freguesias ..., Coimbra, concelho de Coimbra.

            9) O prédio confina a poente, entre outros, com a Rua D. João, a nascente com o Lote 8, a sul, entre outros, com a Rua da Arregaça e Domínio Público Ferroviário, de norte com vários, tendo acesso por ambos os arruamentos.

            10) O prédio é servido por dois arruamentos pavimentados, um em betuminoso (Rua D. João) e outro em calçada Grossa (Rua da Arregaça), ambos sem passeios.

            11) Trata-se de uma expropriação parcial do prédio, correspondendo a parcela expropriada “a uma pequena parte do prédio, confinante com a Rua da Arregaça”.

            12) No prédio em causa já se encontra construída uma casa de rés-do-chão, 1º andar e capela ampla com uma área bruta de construção de 486 m2.

            13) As benfeitorias assinaláveis na parcela são:

            a) O muro de alvenaria de pedra de granito, em relativo bom estado de conservação com cerca de 45 m de comprimento e altura variável, entre 2,10 m e 2,50 m; b) Muro de alvenaria de tijolo por rebocar com 5 m de comprimento e cerca de 1,60 m de altura; c) Portão metálico (0,85 m x 2,10 m) com ombreiras e padieira em cantaria de pedra de Ançã de acesso direto da parcela à Rua da Arregaça; d) Porta de madeira (0,80 m x 2 m) de acesso direto da parcela à Rua da Arregaça; e) 2 lanços de escadas térreas em betonilha; f) Cerca de 6 m2 de pavimento em betonilha, descoberto e em relativo mau estado de conservação; g) 14 árvores de fruto de pequeno porte.

            14) O prédio urbano é contíguo à designada Urbanização da Quinta de D. João, localiza-se próximo da Rua do Brasil, do Colégio São Teotónio, Parque Verde do Mondego (Margem Direita), e em zona central entre a Baixa de Coimbra, a Solum e o Polo I da Universidade.

            15) O local em causa possui boas acessibilidades viárias, muito boas condições de insolação e de desafogo ambiental, bom enquadramento natural e paisagístico e insere-se em zona valorizada do ponto de vista do mercado imobiliário.

            16) A parcela n.º 7, como o prédio urbano mãe possui/possuía topografia suave, orientada para sul.

            17) Existem as seguintes infraestruturas públicas e elementos complementares:

            a) Arruamento público pavimentado em betuminoso na Rua Dom João (de Almeida) em toda a extensão do limite/muro de vedação poente do prédio urbano (art.º ...24 NIP); b) Arruamento público pavimentado em calçada “à Portuguesa” e em calçada de cubos de granito na Rua da Arregaça, confinando com o prédio urbano a sul (Casa principal e Parcela n.º 7); c) Rede pública de abastecimento domiciliário de água; d) Rede pública de distribuição de energia elétrica em Baixa Tensão; e) Rede abastecimento de gás; f) Rede de iluminação pública; g) Rede pública de drenagem de esgotos domésticos/residuais, com ligação a ETAR; h) Rede pública de drenagem de esgotos pluviais (Rua ... m da estrema da Parcela n.º 7);      i) Rede de telecomunicações.

            18) À data da publicação da DUP, a parcela n.º 7 e o prédio urbano artigo ...24 NIP inserem-se, na totalidade, em “Solo Urbano – Espaços Habitacionais – Área Habitacional H3”, na Unidade Operativa de Planeamento e Gestão 1 (UOPG 1), conforme a Planta de Ordenamento – Classificação e Qualificação do Solo do Plano Diretor Municipal de Coimbra (1ª revisão – julho de 2014), este publicado no Diário da República, 2ª Série – n.º 124, de 01.7.2014, (Aviso n.º 7635/2014, de 27/5/2014).

            19) De acordo com a Planta de Condicionantes do PDM de Coimbra, a Parcela n.º 7 não se encontra abrangida por Servidão ou Restrição de Utilidade Pública.

            20) A totalidade do prédio urbano está inserida em “Área Habitacional (H3)”.

            21) A área de construção admissível e aplicada à parcela expropriada é de 91,80 m2.

            22) A parcela expropriada situa-se em solo apto para construção.

            23) A parcela expropriada localiza-se no centro da cidade de Coimbra, podendo os arruamentos que lhe dão acesso direto, a Rua D. João e a Rua da Arregaça, e com os quais confina, serem considerados vielas por apresentarem dimensões reduzidas, serem acanhados e afunilados, fruto de um desenvolvimento urbanístico desordenado.

            24) Os peritos do Tribunal e da entidade expropriante entendem que o prédio e a parcela confrontam a sul com a Rua da Arregaça e com o domínio público ferroviário

determinando que a parcela se encontre abrangida, pela faixa non aedificandi de 10 m, na parte confinante com tal domínio público.

            25) Os acessos rodoviários de ligação ao Sul, Norte, interior, Centro e litoral do país são os mesmos que servem a restante cidade de Coimbra.

            26) O índice de edificabilidade aplicável ao prédio do qual é desanexada a parcela expropriada é de 0,675.

            27) O valor unitário mediano de edifícios de habitação para uma área de 250.000 m2, correspondente a uma quadrícula de 500 x 500 m, na qual se insere o prédio do qual se desanexa a parcela expropriada é, reportado ao 2º trimestre de 2022, de 1738 €/m2.

            28) O custo correspondente à construção de um novo muro será de aproximadamente € 12 636.

            29) A distância, em linha reta, da Rua D. João à parcela expropriada é de, aproximadamente, 60 metros.

            30) Não tendo existido acordo sobre o valor da indemnização, foi este fixado por Arbitragem em € 37 345,88, valor depositado pela entidade expropriante.

            31) Os Senhores Árbitros indicaram que o custo da construção teve “como referencial a Portaria n.º 353/2013, de 4/12, que fixou para a Zona I (onde se insere o concelho de Coimbra) em 801,06€/m2 de área útil de construção, valor esse atualizado para o ano de 2021 (ano da DUP), conforme Aviso INE n.º 15365/2020, de 2/10 para seguinte: Coimbra – Zona I = 826,48€/m2 de área útil, sendo corrente considerar-se a relação entre a área útil e área bruta aproximadamente 0,85, resulta para valor da construção por m2 de área bruta: custo unitário da construção = 826,48€/m2 + 0,85 = 702,51€/m2”.

            32) No Relatório de Avaliação dos Srs. Peritos do Tribunal e da entidade expropriante foi fixada a quantia de € 10 187,22, para indemnização da parcela 7 e de € 14 396 para as benfeitorias, no valor global de € 24 583,22.

            33) Na resposta aos esclarecimentos solicitados, os Srs. Peritos corrigiram o valor da indemnização da parcela para € 10 833,78.

            34) Os Peritos nomeados pelo tribunal avaliaram o muro de alvenaria em pedra de granito, em bom estado de conservação, com 2,10 x 18 m x 2,50 x 27 em € 12 636, considerando, para o efeito, o valor de € 120/m2.

            35) O perito indicado pelo expropriado, por não concordar com a avaliação dos Srs. Peritos do Tribunal e da entidade expropriante, optou por apresentar um relatório de avaliação autónomo, no qual concluiu pelo valor de € 32 841,55 para indemnização da parcela 7 e de € 19 652,50 pelas benfeitorias existentes na parcela, no total de € 52 494,05.

            36) Este perito indicado pelo expropriado efetuou o cálculo para o muro referido em 34) utilizando o valor de € 290/m3, contabilizando uma indemnização de € 17 617.

            37) Os peritos nomeados pelo tribunal e pela entidade expropriante concluíram não haver depreciação da parte sobrante do prédio onde se insere a parcela expropriada.

            38) O valor por m2 do solo apto para construção fixado pelos Srs. Peritos que subscreveram o relatório maioritário – utilizando, para o efeito a fórmula do custo de construção em regime de habitação a custos controlados, no valor de € 754,19 – não corresponde ao valor unitário de custo de construção na área onde se insere o prédio do qual se desanexa a parcela expropriada.

            39) O valor do custo de construção por m2, na zona da parcela expropriada, nunca será inferior a € 2 000/m2/€ 2 200/m2.

            40) A área de construção possível realizar na parcela expropriada, 91,80 m2, corresponde a uma edificação de tipologia T2.

            41) O valor real e corrente de mercado de uma edificação tipologia T2, com a área de 90 m2, na zona da cidade onde se insere a parcela expropriada, nunca é inferior, a um preço de venda no mercado de € 200.000/€ 220.000.

            42) Da simulação do valor patrimonial tributário, efetuado no site da Autoridade Tributária e Aduaneira, resulta um valor patrimonial tributário de, pelo menos, € 37 300.

            43) Após prestação de esclarecimentos por parte dos Srs. Peritos perante o tribunal, concluíram os mesmos que os valores fixados para indemnização do muro são sempre variáveis, pelo que consideram justo dividir a diferença entre os valores atribuídos (€ 17 617 - € 12 636 = € 4 981:2 = € 2 490,05. [1]

            2. E deu como não provado:

            a) Na parcela expropriada existem 12 videiras.

            3. Cumpre apreciar e decidir.

            a) A expropriante/recorrente insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto, requerendo que aos pontos de factos 21), 38) e 39) seja dada a resposta indicada na alegação de recurso (veja-se, por exemplo, a parte final, ponto I., supra); baseia-se, para o efeito, sobretudo, no teor do relatório pericial maioritário (subscrito pelos peritos nomeados pelo Tribunal e pelo perito designado pela expropriante), conjugado com os demais elementos documentais juntos aos autos e a prova produzida em audiência de julgamento.

            Pese embora a inobservância, por parte da expropriante, dos ónus previstos no art.º 640º do Código de Processo Civil (CPC) - máxime, os previstos no n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a) do referido art.º -, ao contrário do expropriado, que os observou em parte (na parte relativa aos esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos), importa, porém, atentar, principalmente, nas passagens da gravação da prova concretizadas pelo segundo, dada a sua relevância para a factualidade fixada em 1ª instância, parcialmente não coincidente, desde logo, com o relatório pericial maioritário.

            Importa assim averiguar se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo quanto àquela factualidade.

            b) Esta Relação procedeu à audição da prova produzida em audiência de julgamento, conjugando-a com a prova documental.

            c) Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efetivação do princípio da imediação[2], afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, tal não obstará a que se verifique se os esclarecimentos verbais dos peritos e os depoimentos das testemunhas foram apreciados de forma razoável e adequada.

            Na reapreciação do material probatório disponível por referência à factualidade em causa, releva igualmente o entendimento de que a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[3], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

            d) Consignou-se na motivação da decisão sobre a matéria de facto [na parte que releva para a presente impugnação]:

            «O tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada com base na valoração crítica conjugada de todos os documentos juntos aos autos, bem como na avaliação da parcela expropriada realizada nestes autos, tudo conjugado com os esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos e com os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas. / Quanto aos documentos, foram considerados, designadamente: (...) o Acórdão arbitral. / Por outro lado, o tribunal atendeu aos relatórios periciais[4] elaborados pelo perito indicado pelo expropriado e pelos peritos indicados pelo tribunal e pela entidade expropriante, conjugados com os esclarecimentos prestados pelos mesmos em audiência. / Dos esclarecimentos prestados em audiência pelo Sr. Perito Engenheiro BB e dos depoimentos prestados pelas testemunhas Engenheiro CC, Arquiteto DD e EE, todos com experiência e conhecimento direto na área do ramo imobiliário e que depuseram de forma clara e coerente e por forma a convencer o tribunal da veracidade das suas afirmações, resultou que o valor do custo de construção por m2, na zona onde se situa o imóvel expropriado, nunca será inferior a € 2 000/m2 a € 2 200/m2. / Um dos Srs. Peritos indicados pelo tribunal – Eng.º BB – explicou, em sede de esclarecimentos prestados em audiência, que a capacidade construtiva do prédio é de 1 805,63 m2, que a área de construção possível realizar na parcela expropriada é de 91,80 m2, o que corresponde a uma edificação de tipologia T2, tendo admitido que o valor de € 754/m2 que consta do relatório não é o valor real e corrente. / O referido engenheiro concluiu mesmo que há um erro de raciocínio no relatório, pelo que considera que o valor do solo não é de € 10 883,78, como é referido em sede de esclarecimentos prestados após a elaboração do relatório, mas de, pelo menos, € 14 475. / Também os engenheiros FF e GG concordaram com esta correção ao relatório apresentada pelo engenheiro BB. / E, embora o engenheiro HH tenha referido que não concorda com esta correção feita pelo colega BB, mantendo o que consta do relatório, a verdade é que as considerações e os cálculos efetuados no relatório não se revelaram claros e inequívocos, tanto mais que os Srs. Peritos não os conseguiram explicar e justificar. / (...) O tribunal considerou, também, os esclarecimentos prestados pelo perito indicado pelo expropriado, Eng.º II, que confirmou, em audiência, o teor do relatório junto aos autos. / Para além disso, o tribunal atendeu ao depoimento da testemunha CC, engenheiro civil que, considerando a sua atividade profissional, demonstrou ter conhecimento de alguns factos em causa nos autos. Referiu que a área de 91,80 m2 dá para construir um T2, sendo que o valor de mercado praticado em Coimbra para um T2 perto da parcela expropriada é de € 2 100/m2/€ 2 200/m2. / Foi também considerado o depoimento da testemunha DD, arquiteto que, dadas as suas funções profissionais, demonstrou ter conhecimento de alguns factos em causa nos autos. / Referiu que tem um gabinete de arquitetura em Coimbra e conhece o mercado imobiliário da cidade. / Conhece a parcela expropriada, esclarecendo que um T2, com cerca de 90 m2, na zona da parcela expropriada, tinha, em 2021, um valor de mercado de aproximadamente € 200 000, sendo o preço médio por m2 de € 2 000/€ 2 200, esclarecendo que agora o mercado está em alta. / Por último, o tribunal considerou o depoimento da testemunha EE, empresário (...) que, atentas as suas funções profissionais, também demonstrou ter conhecimento de alguns factos em causa nos autos. / Referiu que um T2, com cerca de 90 m2, na zona da parcela expropriada não custa menos de € 190 000, esclarecendo que este valor se refere a construções já antigas. (...)»

            e) Vejamos, agora, alguns excertos elucidativos da prova produzida em audiência de julgamento, começando pelos esclarecimentos verbais dos Srs. Peritos.

            - Eng. BB (fls. 219 verso):

             “(...) Temos um terreno com capacidade de 1 800 m2 e já lá temos construções de 400 e tal e permite construir 1 300 e qualquer coisa a mais, (...) 1 358 a mais. Ao retirar aquele terreno, como é que a Câmara analisa isto? Se eu amanhã for à Câmara com menos área, eles aplicam na mesma o índice a essa área e deduzem na mesma o que lá está e, portanto, perdeu na totalidade o índice vezes essa área, independentemente do que lá estava, a não ser que a área que lá estivesse, fazendo um exercício levado ao limite, para se perceber a lógica, se eu tivesse já construído a área toda (…), se no caso de já lá ter construído a área possível, mesmo que eu tirasse metade do lote, vamos exagerar, ele não perdia capacidade nenhuma, porque não tinha direito a ela. E, portanto, pode haver aqui (no relatório) um erro, pode haver aqui um erro de raciocínio, mas matematicamente está correto. Pode haver um erro de raciocínio por não termos considerado que a perda do índice de construção é em função dos 136 m2 que vai ser expropriado, isso é verdade, isso eu concordo. (...) Se for isso, quer dizer é que não seria 69, seriam os 91 (m2) e depois é fazer a conta (...).”

            De seguida, o Sr. Perito leu o parágrafo 4º da página 17 do relatório (fls. 178 dos autos) e concluiu “sendo que a parcela expropriada contribuiria com 91,8. Sobre isso não há dúvida. (...) Ou seja, sobre isto estamos todos de acordo. Isto é a perda de área, de capacidade construtiva pela expropriação pela área do terreno de 130 e tal m2. (...) Acho que há aqui um erro de raciocínio que é, o facto de perder esta área, de ser expropriada, leva-me, se eu fizesse um processo (...), se eu for à Câmara apresentar um projeto, para cálculo do índice, é sobre a área que ficou, portanto, é menos, independentemente do que lá está. (...) Tendo em conta que a área de construção não está ainda toda utilizada, (...) neste caso não está esgotada, aquilo que se vai perder de capacidade construtiva é proporcional, de facto, à área, é a aplicação direta do índice à área expropriada. (...) Há aqui um erro de raciocínio. O que se perde (de capacidade construtiva) é, de facto, os 91,8 m2. (...) se, de facto, for isso, claro que sim (i. é, seria outro o valor da parcela expropriada, dada a modificação do mencionado fator de cálculo)[5]. (...) Há aqui um erro de raciocínio, (...) que altera isso. (...) Eu não tenho problema nenhum em assumir o erro; é um erro, corrige-se (...) (para encontrar o novo valor) é fazer a proporção (entre os 69,02 m2 e os 91,80 m2, o que corresponde ao valor de) (...), € 14 475,96 (...) sem benfeitorias”.

            - Perito Eng. JJ (fls. 219 verso):

                    Confrontado com o “raciocínio” do colega BB, afirmou: “(...) eu percebo esse raciocínio, (...) só que também percebo o raciocínio que está espelhado no relatório, (...) eu percebo ambos os raciocínios; agora, (...) eu admito que, na prática, (...) amanhã, o prédio tem menos 136 m2, pretende-se construir lá qualquer coisa. Põe-se o projeto na Câmara e, com este raciocínio, quanto é que se perdeu em termos de área bruta de construção? Perderam-se 91,8 m2. Portanto, desse ponto de vista!, eu não sou ninguém para dizer se é justo ou injusto, mas... parece-me, desse ponto de vista, (...), a mim, parece-me razoável que se entenda isso..., (...); nesta lógica de raciocínio, e em termos de futuro, admito serem os 91.8, sim!

            Disse que, ele e colegas, tiveram em atenção o preceituado no art.º 26º do Código das Expropriações, donde resultou “um valor unitário de € 709,18/m2, valor este que, também conforme por nós dito, (...) é diferente e diverge dos € 1 738/m2 e, portanto, aquilo que eu digo aqui é que, de acordo com o que está escrito no Código das Expropriações, (...) seguindo à risca o que lá está dito, seguimos o valor de € 754,19. Contudo, e também conforme por nós foi escrito, o INE tem um valor de € 1 738/m2. Eu, antes de vir para aqui, ontem, quando estava a estudar isto, no sentido de estar a esclarecer, cheguei aqui a um cálculo – (...) o valor como vimos há pouco são € 14 409 e se utilizássemos o valor do INE € 1 738 x 91,80 e aplicando os restantes índices, chegaríamos a um valor de € 33 206,01 (...); agora, eu enquanto perito, deixo aqui claro que fiz aquilo que sempre fiz nestes casos, que foi seguir, passo a passo, o que está escrito no CE, tendo sempre presente, também nos esclarecimentos a este Tribunal que o INE nos dá um valor diferente, que resulta agora neste valor total para a parcela; (...) o valor do INE (aquele valor indicado pelo INE é o que se aproxima mais do índice a atender no cálculo do valor da parcela expropriada, e, assim, deverão ser reformuladas as operações indicadas a págs. 21 do relatório maioritário/fls. 180 – o produto dará “o valor que se aproxima mais do valor real de mercado[6])”.

            - Eng.ª FF (fls. 219 verso):

            Disse concordar com os ditos esclarecimentos prestados pelos seus colegas, Eng.ºs BB e JJ.

            De salientar, ainda, que os esclarecimentos verbais que foram sendo prestados por cada um dos peritos nomeados pelo Tribunal foram, depois, corroborados pelos (dois) restantes.

            - Eng.º HH (fls. 219 verso; perito designado pela expropriante):

            Manteve o raciocínio expresso a págs. 17 do relatório maioritário/fls. 178, discordando, assim, do que decorre dos esclarecimentos verbais prestados pelo Sr. Eng.º BB e, depois, corroborado pelos demais peritos nomeados pelo Tribunal.

            - Eng.º KK (fls. 219 verso):

            Disse confirmar “completamente” o teor do relatório por ele subscrito, junto a fls. 137.

            Relativamente às testemunhas (arroladas pelo expropriado):

            - CC (fls. 219 verso):

            Afirmou que lhe foi pedida “(...) uma opinião sobre o que se estava a passar (no terreno do expropriado); (...) não será despiciendo eu dizer que, a valores atuais, eu nunca consideraria (o preço de construção por m2 na zona da parcela expropriada) abaixo de € 2 200 a € 2 500/m2. (...) à data de 2021, eu diria que faria uma correção deste valor (...) de 3 a 4 %; andava para trás disto, baixava; (...) não estou a falar de especulação nenhuma, mas de valores concretos; (...) (um T2) anda nos duzentos (€ 200 000), duzentos e picos, eu nunca baixaria disto; (...) estamos a falar de valores de venda e do que eu conheço de contratos-promessa feitos (...).”

            - DD (fls. 220):

            “(...) um T2 (com cerca de 90 m2) (...), ali naquela zona, o preço médio anda ali por 2 200, 2 100 (preço por m2); (...) abaixo de 2 000 é impossível, ali naquela zona, talvez usados, e mesmo assim...; (...) o mercado em 2021, agora não me recordo, mas penso que também estava em alta..; (...) em 2021, penso que começou a valorizar; (...) (os valores que referiu) é preço de venda do imóvel, já pronto, no mercado; (...) em 2021, os preços estiveram um bocadinho mais elevados; o mercado tem vindo sempre a crescer e agora estabilizou um bocadinho; (...) em 2021, vamos lá a ver se me recordo...; (...) estive a fazer uma pesquisa dos preços, ali naquela zona, e a pesquisa que eu fiz, no mercado, é à volta de € 2 000 / € 2 500 por m2 de construção (...).”

            - EE (fls. 220):

            Na pesquisa que fez sobre os preços de um apartamento T2 naquela zona com cerca de 90 m2 “(...) € 190 000 foi o mais barato; (...) está tudo desequilibrado (...)”

            f) Quanto à prova pericial junta aos autos, importa dizer:

            - No acórdão arbitral, o valor do solo da parcela expropriada foi fixado em € 24 592,88, considerando-se, nomeadamente, o valor unitário da construção de € 702,51/m2 (cf. fls. 78).

            - No relatório autónomo subscrito pelo Sr. Perito designado pelo expropriado, atribuiu-se à parcela expropriada, à data da DUP, o valor de € 32 841,55, salientando-se que foi adotada a orientação traçada pelo art.º 23º do CE, e não a orientação fixada na parte final do n.º 5 do art.º 26º do CE (fls. 147 a 149).

            - O relatório maioritário (subscrito pelos peritos nomeados pelo Tribunal e o perito designado pela expropriante), no tocante à determinação do valor do solo da parcela expropriada, foi substancialmente modificado, nos seus pressupostos e fatores de cálculo, aquando dos esclarecimentos verbais prestados em audiência de julgamento, especialmente quanto à área de construção e custo da construção por m2, passando de 69,02 m2 e € 709,18 / m2 (cf. fls. 178 a 180) para 91,80 e € 1 738, respetivamente (cf. alínea anterior).

            Tais esclarecimentos (cf. art.ºs 486º e 604º, n.º 3, alínea c), do CPC), concernentes ao fundo, à substância do parecer dos peritos, deverão ser atendidos[7]; visa-se, assim, proporcionar o máximo de elementos para a formação da convicção judicial.[8]

            - Na alegação subsequente à audiência de julgamento, o expropriado afirmou que “o valor do solo nunca poderá ser inferior a € 33 206,01”, assim calculado: 91,80 x € 1 738/m2 x 0225 x (1-0,075), mas considerou, depois, outros valores (superiores) na base dos depoimentos prestados pelas testemunhas por si arroladas (cf. fls. 233 verso e 234).

4. A situação em análise é regulada pelo Código das Expropriações (CE) [aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18.9, com a redação conferida pela Lei n.º 56/2008, de 04.9].[9]

            As partes conformam-se, agora, com a factualidade referente às benfeitorias e valor correspondente fixado na sentença recorrida.

            Continua controvertido o montante devido pelo solo da parcela expropriada e, necessariamente, os fatores que fundamentam tal produto/resultado.

5. A expropriação por utilidade pública de quaisquer bens ou direitos confere ao expropriado o direito de receber o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização, que não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data (art.º 23º, n.º 1).

Trata-se de um princípio geral de direito que rege a indemnização por expropriação, consistente em que esta deve ser calculada tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública (sem prejuízo da atualização à data da decisão final do processo, nos termos do art.º 24º)[10].

Segundo a doutrina e a jurisprudência dominantes, a justa indemnização, ou seja, o valor real e corrente do bem, corresponde à importância que nas condições normais de mercado livre o expropriado obteria (“valor real e corrente dos bens numa situação normal de mercado”), de modo a ser reposto no seu património o valor equivalente ao do bem de que fica privado, com referência à data da declaração de utilidade pública e considerados todos os elementos valorativos do prédio que, numa análise objetiva da situação e segundo a opinião generalizada do mercado, nunca possam nem devam ser desprezados.

  6. A expropriação é, como se sabe, um processo especial no qual a avaliação aparece como diligência fundamental, inevitável (art.º 61º, n.º 2), que funciona em concreto como “rainha das provas”.

Por isso se tem entendido que traduzindo-se a determinação do valor da coisa expropriada essencialmente num problema técnico, deve o juiz aderir, em princípio, aos pareceres dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo tribunal quando haja unanimidade destes (face à sua posição de imparcialidade e à garantia de uma melhor objetividade por eles oferecida). Ponto é que se observem os critérios legais, sendo certo que o juiz decidirá segundo a sua convicção, formada sobre a livre apreciação das provas (apreciará livremente os elementos de prova, sem estar sujeito ao laudo dos peritos).[11]

7. O único objetivo que se pretende atingir com a indemnização por expropriação é a “justa indemnização” dos danos suportados pelo expropriado, em termos de não ser constitucionalmente legítimo afastar daquela quaisquer elementos valorativos ou acrescentar-lhe outros que distorçam “(positiva ou negativamente) a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação”.[12]

E os peritos e o tribunal não poderão deixar de fundamentar adequadamente o valor da indemnização e indicar os critérios objetivos (qualitativos e quantitativos) do seu apuramento, sendo que o princípio do direito ao recebimento de uma justa indemnização por expropriação ínsito no n.º 1 do art.º 23º do CE e no art.º 62º da Constituição da República Portuguesa, implica a plena averiguação da factualidade relevante (as circunstâncias e as condições de facto) à data da publicação da declaração de utilidade pública.

8. Perante os esclarecimentos verbais prestados em audiência de julgamento pelos Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal, afigura-se, salvo o devido respeito por opinião em contrário e tendo em conta o explanado em II. 5. a 7., supra, que nada justifica modificar o facto dado como provado em 21) sobre a área de construção admissível e aplicada à parcela expropriada (91,80 m2), cuja razão de ser foi suficientemente justificada por aqueles peritos (ainda que a 3ª perita tenha ficado pela mera adesão ao anteriormente explanado).

Do mesmo modo, considerados os mesmos esclarecimentos, no confronto com os relatórios periciais juntos aos autos (em particular, o relatório de avaliação maioritário), também não se vê razão para alterar o teor da factualidade levada ao ponto 38) da matéria de facto dada como provada.

            Mas, no tocante à matéria do ponto 39), levando em conta, ainda, os mesmos esclarecimentos e o desiderato de obter um valor que se aproxime “mais do índice a atender no cálculo do valor da parcela expropriada”, do “valor real de mercado, já se entende que a mesma deverá ser modificada, com a seguinte redação: “O valor do custo de construção por m2, na zona da parcela expropriada, nunca será inferior a € 1 738/m2.

9. O valor do solo da parcela expropriada sequente a tais novos fatores de cálculo, ou seja, o montante de € 33 206,01, comporta uma diferença (para mais) de € 364,46 face ao valor encontrado no relatório autónomo subscrito pelo Sr. Perito designado pelo expropriado [cf. II. 1. 35) e 3. f), supra], pelo que apenas deixa de ser sufragado pelo Sr. Perito designado pela entidade expropriante.

            De resto, para o terreno da parcela expropriada, a expropriante/recorrente continua a indicar valor inferior à missiva que dirigiu ao expropriado, datada de 02.02.2021 (cf. fls. 15 verso e, por exemplo, “conclusão 45ª”, ponto I., supra).

            Sem quebra do respeito sempre devido por entendimento contrário, a perspetiva trazida aos autos pelas testemunhas indicadas pelo expropriante (todas, com algum relacionamento profissional e/ou pessoal com o mesmo), dá-nos conta, principalmente, cremos, do anormal incremento dos preços dos bens imobiliários verificado nos últimos anos (sobretudo, a partir de 2021) e do preço de um apartamento tipologia T2, à luz das suas recentes pesquisas, mas não colocará propriamente em causa aquele novo valor/índice da construção por m2 (valor do custo de construção por m2) à data da DUP indicado e justificado pelos Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal, aquando dos aludidos esclarecimentos verbais, sabendo-se, ainda, da relevância e fidedignidade dos coeficientes, índices e valores emanados do Instituto Nacional de Estatística (INE), Fonte do índice/fator que, por último, se decidiu acolher.

            10. Por conseguinte, modificada a matéria de facto como se indica em II. 8., supra, e considerando, ainda, o preceituado, designadamente, nos art.ºs 24º, n.º 1 e 26º, n.ºs 1 e 4 a 7, do CE, o valor da indemnização a pagar pela entidade expropriante pela parcela expropriada nestes autos é de € 50 092,01 [€ 33 206,01 + € 16 886].

            11. Procedem, assim, parcialmente, as “conclusões” da alegação de recurso.

            12. Relativamente à problemática sobre o valor da taxa de justiça devida no recurso e (eventual) multa pela omissão ou não comprovação do pagamento das taxas de justiça, atendendo ao preceituado nos art.ºs 145º, n.ºs 1, 2 e 3 e 642º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 6º, n.º 2 e 12º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, bem como ao valor da ação fixado na sentença (€ 66 572,10 / fls. 250), à não indicação de valor diverso no requerimento de interposição do recurso e na subsequente resposta[13] e aos elementos que resultam dos autos quanto a pagamentos realizados ou omitidos (cf., v. g., fls. 282, 290 verso, 291, 293, 294 e 295), conclui-se que nada se poderá/deverá objetar ao teor das informações prestadas pela Secção nas conclusões de 03.4.2024 e 14.5.2024, com o consequente indeferimento dos requerimentos, do expropriado, de 15.4.2024 e, da expropriante, de 17.4.2024.


*

            III. Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pela entidade expropriante, alterando-se a decisão sobre a matéria de facto como se indica em II. 8., supra, e condenando-a a pagar ao expropriado a indemnização de 50 092,01 (cinquenta mil e noventa e dois euros e um cêntimo), pela parcela expropriada, atualizada nos termos do art.º 24º do Código das Expropriações; fica absolvida do restante pedido.

          Custas pela expropriante e pelo expropriado na proporção do decaimento; na determinação dos valores devidos, releva, ainda, o teor do ponto II. 12., supra (máxime, indeferimento dos requerimentos, do expropriado, de 15.4.2024 e, da expropriante, de 17.4.2024).


*

18.6.2024






[1] Eliminaram-se os (primitivos) pontos de facto 42) e 43) por duplicarem a factualidade referida nos pontos 35) e 36).
[2] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 284 e 386 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, cit., págs. 266 e seguinte.
[3] Refere-se no acórdão da RP de 20.3.2001-processo 0120037 (publicado no “site” da dgsi): A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjetiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a atividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça.   
[4] Sublinhado nosso, como o demais a indicar nos autos.

[5] A área de construção que seria expectável e possível construir, num aproveitamento económico normal da parcela, de acordo com os instrumentos de gestão urbanística aplicáveis (136 x 0,675) – cf. II. 1. 26), supra.

[6] Ou seja, o valor real do custo de construção será ainda superior a este, designadamente, à data da DUP.
[7] Vide Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. IV (Reimpressão), Coimbra Editora, 1987, pág. 270 (pronunciando-se sobre o similar regime jurídico do CPC de 1939).
[8] Vide J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 519 (idem, CPC de 1961).

[9]  Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[10] Cf., entre outros, F. Alves Correia, A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, in RLJ, 134º, pág. 99.
[11] Cf., neste sentido, designadamente, os acórdãos da RE de 09.12.1993 e da RL de 30.6.2005, in BMJ, 432º, 449 e CJ, XXX, 3, 116, respetivamente, e os diversos arestos referidos por F. Alves Correia, Estudo cit./RLJ, 133º, pág. 16, notas 87 e 88.
[12] Vide F. Alves Correia, Estudo cit., RLJ, 132º, págs. 235 e seguinte e RLJ, 134º, pág. 98.
[13] Porém, no recurso do acórdão arbitral, o expropriado atribuiu o valor de € 66 572,10 (fls. 104).