RECURSO DE REVISÃO
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
METADADOS
PROVA PROIBIDA
CASO JULGADO
TRÂNSITO EM JULGADO
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I. Não são fundamento de revisão a alegada violação, por parte das instâncias, dos princípios da livre apreciação da prova, in dúbio pro reo e da medida da pena.
II. Tendo o arguido sido absolvido nos processos em que foram utlizados dados referentes à localização celular do seu telemóvel, inexiste fundamento de revisão, por ausência de condenação.

Texto Integral


Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. No processo comum 88/20.8SMLSB, do Juízo Central Criminal de ..., ... ..., do Tribunal Judicial da Comarca de ..., a 9 de janeiro de 2024, foi proferido acórdão a condenar o arguido AA, pela prática, em coautoria material, de cinco crimes de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.ºs 1, al. f) e 2, al. f), ambos do Código Penal, um crime de roubo, p. e p. pelo artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.ºs 1, al. f), 2, al. f) e 4, ambos do Código Penal, e um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º e 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.ºs 1, al. f), 2, al. f). e 4, todos do Código Penal e em cúmulo jurídico na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão.

2. Desse acórdão interpôs recurso o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou integralmente o acórdão condenatório na parte criminal, por acórdão de 7 de março de 2023, transitado em julgado a 12 de abril de 2023.

3. Vem o arguido, invocando o disposto no artigo 449.º, n.º 1, als. d) e e), do Código de Processo Penal, em requerimento por si manuscrito e assinado, o qual foi ratificado pelo seu defensor a 31 de Janeiro de 2024, interpor o presente recurso extraordinário de revisão, apresentando as seguintes conclusões:

«I - o arguido, ora recorrente, foi condenado pela prática em co-autoria material, de 5 crimes de roubo qualificado, previsto e punido pelos artigos 210º, nº 1 e nº 2, alínea b) com referência ao artigo 204º, nº 1, alínea f) e nº 2, alínea f) ambos do Código Penal, 1 (um) crime de roubo, previsto e punido pelos artigos 210º, nº 1 e nº 2, alínea b) com referência ao artigo 204º, nº 1, alínea f) e nº 2, alínea f) e nº 4 ambos do Código Penal e ainda 1 (um) crime de roubo, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 210º, nº 1 e nº 2, al. b) com referência ao artigo 204º, nº 1, a linha f), nº 2, alínea f) e nº 4, e ainda pelos artigos 22º e 23º, com atenuação especial da pena prevista nos artigos 23º, nº 2 e 73, nº 1, alíneas a) e b) todos do Código Penal. Determinando-se em cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão supra referidas e nos termos do disposto no artigo 77º do Código Penal na pena única de 10 (dez) anos e 6(seis) meses de prisão.

II - Não entende o recorrente como pode o tribunal ter concluído pela verificação do elemento subjetivo na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, bem como aquela carreada para os altos, promovendo em contrário uma narrativa ao “serviço” do Ministério Público e ao menos não se ter deparado com a dúvida, porque apreciando a prova de modo seletivo, contrariou de forma recorrente a “Regra da Experiência”, com claro prejuízo do princípio “in dúbio pro reu”, em clara violação do previsto pelo artigo 127º do Código de Processo Penal.

III - Determina a Constituição da República Portuguesa através do artigo 20º nº 4: “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”, e é o valor equitativo que o recorrente questiona. No âmbito dos indícios probatórios, como as identificações efectuadas pelas ofendidas e que contrariam a convicção formada pelo coletivo, não servindo na mesma proporção do que seriam e foram os elementos subjetivos valorados, Pelo Tribunal uma duvida, vive com o recorrente:” Eu não pratiquei estes atos … como provo que sou inocente!” E outra questão surge, não deveria, por oposição à pergunta que antes se coloca, responsabilidade do Ministério Público “provar” a culpa do recorrente! Não ressalva a nossa Constituição a presunção da inocência? Para que fique claro houve ofendidas que identificar uma terceira pessoa (BB) e não apenas uma… contudo também isto não foi valorado pelo Tribunal. Mas diz a Constituição: “equitativo”?

IV - O princípio do “in dúbio pro reo”, uma das vertentes do princípio constitucional da presunção de inocência - artigo 32º, nº 2, 1ª parte, da Constituição da República Portuguesa - constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.

V - Ainda que assim se não entenda, o que se admite, sem conceder, sempre se diga que a pena única de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada ao recorrente, é manifestamente desproporcional e exagerada, violando o disposto no artigo 71º do Código Penal, no que concerne, como demonstrado, aos critérios que regem a sua determinação.

VI - Ponderada a ilicitude global dos factos, a culpa do ora recorrente e as exigências de prevenção, considerou o tribunal ”a quo” adequada a aplicação de uma pena de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva, o que viria a ser confirmado pelos tribunais de apelo (tribunais superiores). nos termos do artigo 40º, nº 1, do Código Penal, aplicação de penas e de medidas de segurança visam a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por sua vez, a determinação da medida concreta da pena, e em conformidade com o preceituado no artigo 71º nº 1, do Código Penal, feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

VII - Devendo atender-se, nos termos e para os efeitos do nº 2 do acima referido artigo, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (porque estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer se a moldura penal de facto), depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente:

“a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.

VIII - A enumeração das acima referidas circunstâncias não deverão ser taxativas, pelo que se encontram abrangidas quaisquer outras que deponham a favor ou contra o autor do crime. Em suma, a pena a aplicar será, assim fixada em função da culpa, da ilicitude, e das circunstâncias agravantes e atenuantes que ocorram, tendo sempre presente o objetivo da reinserção social do agente. A função da culpa, no sistema punitivo assume-se “numa incondicional proibição do excesso”, constituindo o limite inultrapassável de quaisquer exigências punitivas. (cfr. Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pág. 109 e ss.).

IX - Importa, pois, analisar os fundamentos da aplicação ao arguido, ora recorrente na pena de prisão que lhe foi em concreto, aplicada. Mais precisamente, a aplicação dos critérios enunciados no nº 2 do artigo 71º do Código Penal, uma vez que as necessidades de prevenção geral são, quanto ao tipo de crime(s) pelo(s) qual(ais) o arguido foi condenado, indiscutivelmente elevadas. Entendeu o tribunal, avaliar de forma conjunta a todos os arguidos “(…) o grau de ilicitude do facto situa-se no nível muito elevado relativamente a todos os arguidos, pois apesar de o valor dos bens e valores subtraídos não ser muito significativo, os crimes foram perpetrados com elevado grau de violência e constrangimento, na sua maioria com recurso à ameaça com um objeto que em tudo se assemelhava a uma arma de fogo, o que obviamente criou um maior estado de terror nas vítimas. Acresce que em dois casos concretos houve recurso à efectiva violência física, o que ocorreu de forma perfeitamente gratuita, pois que as vítimas nem sequer esboçaram qualquer tentativa de reação, o que sucedeu no caso das vítimas CC, DD e EE”. Quanto ao grau de culpa, também a apreciação é genérica e afecta a todos os arguidos e “(…) se apresenta elevadíssimo, considerando que é permita são patenteada na atuação dos arguidos é bem evidente, encontrando-se espelhada na forma como atuaram, escolhendo por vítimas mulheres mais vulneráveis, que se dedicavam à prostituição e na sua maioria de nacionalidade brasileira. (…)” a apreciação das condições pessoais do arguido, não se distinguem dos restantes “(…) quanto aos restantes arguidos, constata-se que não possuem condenações criminais averbadas no registo criminal, mas na realidade, isso é o que é expectável de qualquer cidadão comum. Certo é que tal ausência de condenações e, bem assim, a inserção familiar e laboral que ficaram patenteados NOS autos quanto aos arguidos AA, FF, e GG, não foram fatores suficientemente contentores ou dissuasores, de molde a evitar que os arguidos incorressem na prática dos crimes em que vão condenados, crimes de elevada gravidade, em particular os crimes de roubo qualificado”. Entende o recorrente que, o tribunal valorou desfavoravelmente circunstâncias que deveriam ser objetivamente consideradas para efeitos da atenuação da pena aplicada ao recorrente. Salvo melhor opinião, a conduta anterior do arguido, ora recorrente, nomeadamente a ausência de notações no registo criminal (sem de qualquer antecedente) e as suas condições pessoais deveriam, no contexto da determinação da medida concreta da pena, ser favoravelmente ponderadas, o que, no caso em apreço não sucedeu. A conduta, anterior aos factos, do arguido não deveria ter sido valorado pelo Tribunal de forma negativa, como se encontra plasmado no acórdão de sentença (ver transcrição anterior).

X - O recorrente encontrava-se, do ponto de vista social e familiar, perfeitamente inserido, sendo de salientar da, há muito, sua companheira com quem partilha um filho menor. Desde que se encontra sujeito ao cumprimento de pena de prisão, o comportamento do recorrente tem sido adequado e convergente com as regras da instituição prisional, não se assinalando a instalação sobre a sua pessoa, de processos de averiguação de foro disciplinar. Por outro lado, sempre se manteve ativo em termos ocupacionais, nomeadamente em termos laborais nos diversos estabelecimentos prisionais (Estabelecimento Prisional de ... e no Estabelecimento Prisional da Polícia Judiciária de ...) encontrando-se presentemente a frequentar curso educacional no Estabelecimento Prisional de ..., onde se encontra afeto, participando ainda ativamente nas atividades socio recreativas, promovidas em meio contentor. A reconhecer que, no caso concreto a permanência do recorrente, por vários anos, em meio prisional, poderá inviabilizar a sua reinserção social e até mesmo contribuir para a sua exclusão e ou marginalização. As circunstâncias indicadas deveriam ter sido positivamente valoradas para efeitos da aplicação ao ora recorrente de uma pena de prisão próxima do limite mínimo e inferior ao meio da pena abstratamente aplicável aos tipos de crime pelos quais foi condenado, e não superior a oito anos de pena de prisão.

- Leia-se que o coletivo em 1ª instância, desvaloriza sobremaneira o facto de o registo criminal, se verificar à da determinação da sentença “imaculado”, situação que o tribunal não valorou, como consagra a lei, antes assume o sentido crítico, de quase reprovação, remetendo a sua consideração para uma curta alusão de que:”(…) na realidade, isso é o que é expectável de qualquer cidadão comum”. E bem sabe o recorrente que assim deve ser, mas, o que está aí apreço é a forma como o tribunal determina “um cidadão comum” e não lhe reconhece o seu passado, como meio de o diferenciar de um outro qualquer cidadão comum com antecedentes criminais. E, prejudica, o tribunal, desta forma, o recorrente em mais um princípio consagrado pela legislação, o da Escolha da Pena e sua Medida. A censura do crime ver ou já se encontra prevista na moldura penal, não se compreende, a decisão de ignorar as razões e motivos que resultariam na real atenuação da pena.

XI - A legitimidade do acórdão de sentença promovido pelo coletivo e avaliado pelos tribunais de recurso, é posto em causa, não só pelas motivações expostas, aquisição da prova proibida, omissão de elementos da investigação (ignorados em audiência), são pressupostos legais que têm de ser indicados e que permitiriam pugnar pela decisão favorável ao recorrente “in dúbio pro reo”, o que efetivamente não se verificou, pelo contrário funcionou em desfavor do recorrente.

XII - A permissão do registo da localização celular, como meio de prova, é algo que se configura como nulidade, e apenas sanável pelo consentimento do visado, o que não sucedeu no caso, não constando dos autos qualquer consentimento prestado em fase anterior. Assim, por falta do referido consentimento, esta nulidade deve considerar-se insanável. A situação cai assim sob alçada do disposto pelo artigo 410º, nº 3, do Código de Processo Penal, e tem como consequência a repetição da decisão pelo mesmo tribunal, mas desta feita sem a ponderação da prova proibida – cfr. A este respeito, Paulo Pinto de Albuquerque, comentário ao Código de Processo Penal, vide, 2ª edição, atualizada, pag. 320, nota 4 e pág. 322, nota 10 (transcrição efectuada do acórdão do processo nº 849/20. 8PBCSC.L1-9, promovido pelo Tribunal da Relação de Lisboa 9ª secção).

Por todo o exposto e por tudo o que concorre para o que foi o resultado da sentença do colectivo, o recorrente nos termos já antes explicados e nos demais de direito, com o Douto suprimento de V. Exas. apela-se:

- A revogação da decisão de condenação do arguido, ora recorrente AA, e a sua substituição por outra que o absolva da prática dos crimes pelos quais foi condenado, ou

- Nos termos do artigo 126º, nº 3, do Código de Processo Penal, ordenar a repetição do julgamento, pelo mesmo tribunal, nos termos do artigo 410º nº 3 do mesmo diploma legal, sem a ponderação da prova proibida,

- Ou, se assim não se entender, o que se admite sem conceder, que a pena de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses que lhe foi aplicada seja, por via da aplicação dos critérios do artigo 71º, nº 2, do Código Penal, reduzida em dois anos e seis meses.

Assim se fazendo a acostumada justiça,»

4. O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo:

«1. AA vem agora recorrer extraordinariamente de revisão, porém nas motivações de recurso apresentadas não se invoca qualquer uma das alíneas do n.º 1 do art.º 449.º do Código de Processo Penal, nos termos das quais é admissível a revisão de sentença transitada em julgado.

2. Na verdade, o que o recorrente realmente pretende é somente pôr em crise a livre convicção do tribunal, que levou a que se tivesse convencido da credibilidade de determinados meios de prova, ao contrário do entendimento do recorrente, e que culminou na condenação do mesmo, já transitada em julgado há mais de 16 anos, em termos próprios de um recurso ordinário.

3. Com efeito, o recorrente não invoca novos factos ou meios de prova, nem a realização de diligências de prova.

4. Aliás, o ora recorrente AA, inconformado com a decisão condenatória proferida em primeira instância, havia já interposto recurso da mesma, pedindo ao tribunal ad quem “A revogação da decisão recorrida com a sua absolvição dos crimes pelos quais vem condenado ou, quando muito, entende que deverá o cúmulo jurídico ser revisto tendo em consideração a prevenção especial e os antecedentes criminais e circunstancialismos que pesam a favor do arguido.”, conforme consignado a fls. 6 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.03.2023, nos termos do qual foi acordado negar integralmente provimento aos recursos interpostos, incluindo aquele de AA, e confirmar o acórdão recorrido na parte criminal, sendo que, especificamente quanto a AA, decidiu o tribunal de recurso nada haver a censurar à decisão condenatória, mantendo inalterada a matéria de facto provada e, bem assim, a pena única aplicada ao mesmo.

5. Conclui-se que, com a apresentação do presente recurso de revisão, o recorrente pretende impugnar agora os fundamentos de facto e de direito da decisão condenatória e transitada em julgado, não se verificando qualquer dos pressupostos para a admissibilidade de recurso extraordinário de revisão, nem qualquer fundamento que justifique seja posta em causa a segurança jurídica do caso julgado da decisão visada ou suscite graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Termos em que deve ser negada a pretendida revisão, sendo que V. Ex.ªs farão, contudo, a já costumada Justiça.»

5. A informação judicial a que alude o artigo 454.º do Código de Processo Penal foi a seguinte:

«AA interpôs recurso extraordinário de revisão, o qual foi liminarmente admitido, não se tendo produzida qualquer diligência de prova.

Pronunciou-se o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso extraordinário de revisão.

Cumpre, pois, elaborar informação a que alude a parte final do artigo 454.º do Código de Processo Penal.

Tendo presente os fundamentos do recurso extraordinário de revisão enunciados no artigo 449.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o recorrente alicerçou a sua pretensão nas alíneas d) e e) do mencionado artigo.

Sustenta a sua pretensão colocando em crise a apreciação que foi feita pelo Tribunal quanto à valoração dos elementos de prova, designadamente a prova testemunhal, alegando ainda que foi feito uso de prova proibida, porquanto foram utilizados dados de localização celular que se encontram abrangidos pela declaração de inconstitucionalidade emanada no acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional, publicado em Diário da República a 3.06.2022.

Pese embora o alegado, crê-se que não assiste razão ao recorrente e que inexistirá fundamento para a procedência do recurso, porquanto o recorrente apenas se insurge quanto à valoração efectuada pelo Tribunal quanto à prova produzida (o que, aliás, foi oportunamente sindicado em sede de recurso ordinário), entendendo-se ainda que os elementos de prova valorados pelo Tribunal não configuram qualquer método proibido de prova, não tendo, aliás, a Defesa lançado mão de tal argumentação em sede de recurso ordinário, como bem espelha o teor das suas alegações de recurso.

Como tal, entende-se que inexistem graves dúvidas sobre a justiça da condenação imposta nestes autos a AA e, por conseguinte, deverá ser considerado como manifestamente improcedente o recurso extraordinário de revisão interposto.

Todavia, Vossas Excelências, Senhores Juízes Conselheiros, melhor decidirão.»

6. No Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido seguinte:

«Nos termos do art. 29.º, n.º 6, da Constituição:

(…)

6. Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.

Na mesma linha, o art. 4.º do protocolo n.º 7 à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 22/90, de 27 de setembro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 51/90, de 27 de setembro, estabelece:

1. Ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por motivo de uma infracção pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal desse Estado.

2. As disposições do número anterior não impedem a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento.

3. Não é permitida qualquer derrogação ao presente artigo com fundamento no artigo 15.º da Convenção.

Concretizando o princípio, o art. 449.º do Código de Processo Penal preceitua:

1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.

3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.

No caso em análise, o recorrente ancora a sua pretensão no art. 449.º, n.º 1, als. d) e e), do Código de Processo Penal: descobrirem-se novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação e descobrir-se que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º.

A descoberta de novos factos ou meios de prova pressupõe que os mesmos «foram conhecidos depois da sentença e, por isso, não podiam ter sido aportados ao processo até ao julgamento, seja porque antes não existiam, seja porque, embora existindo, somente foram descobertos depois» [acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de outubro de 2019, processo 29/14.1PBVIS-B.S1, relatado pelo conselheiro Nuno Gonçalves, apud, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de fevereiro de 2021, processo 260/11.1JASTB-A.S1, relatado pela conselheira Conceição Gomes, www.dgsi.pt], aceitando-se igualmente como tais os que já eram conhecidos do arguido desde que justifique que estava impedido ou impossibilitado de apresentá-los na altura do julgamento [cf. os sumários dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de junho de 2019, processo 3155/12.8TAFUN-A.S1, relatado pelo conselheiro Mário Belo Morgado, e de 11 de novembro de 2021, processo 769/17.3PBAMD-B.S1, relatado pelo conselheiro Eduardo Loureiro, ambos em https://stjpt.sharepoint.com/ sites/stj/Seco%20Civel/Forms/Vista%20Acessos.aspx, e, na doutrina, Henrique Salinas e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Volume II, 5.ª edição atualizada, UCP Editora, págs. 757-759].

Para além disso, desses novos factos ou meios de prova devem resultar «graves dúvidas» sobre a justiça da condenação, conceito que reclama «um grau ou qualificação tal que ponha em causa, de forma séria, a condenação, no sentido de que hão de ter uma consistência tal que aponte seriamente no sentido da absolvição como a decisão mais provável» [acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de outubro de 2020, processo 1007/10.5TDLSB-B.S1, relatado pelo conselheiro Manuel Augusto de Matos, www.dgsi.pt].

O fundamento da descoberta de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º do Código de Processo Penal, por sua vez, «exige a verificação de dois requisitos:

- (i) condenação em provas proibidas, nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal; e

- (ii) superveniência na demonstração de que serviu de fundamento à condenação uma prova proibida» [acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de julho de 2022, processo 421/19.5JELSB-D.S1, 5.ª secção, relatado pelo conselheiro Orlando Gonçalves, cujo texto integral não encontramos publicado em qualquer base de dados].

Segundo reza o art. 32.º, n.º 8, da Constituição:

(…)

8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.

Em concordância com o comando constitucional, o art. 126.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Penal, para o qual o art. 449.º, n.º 1, al. e), do mesmo Código remete, dispõe:

1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.

2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:

a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;

b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação; c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;

d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;

e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.

3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.

(…).

Também aqui «necessário é que a descoberta da invalidade seja posterior ao trânsito da decisão condenatória. Parece ser esta a única interpretação possível da expressão “se descobrir”, paralela aliás à da al. d), que significa a emergência de um facto novo, desconhecido até ao termo da discussão da causa, e por isso insuscetível de ter sido invocado pelo interessado em sede de recurso ordinário» [acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de julho de 2018, processo 1006/15.0JABRG-D.S1, relatado pelo conselheiro Maia Costa, www. dgsi.pt].

Ou seja, «só se pode considerar verificada a situação prevista na hipótese normativa, se a “descoberta” de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas tiver ocorrido num momento em que o vício já não podia ser considerado na decisão condenatória ou nos recursos ordinários que dela couberam […]. Se o tribunal conhecia toda a envolvência da situação, mas fez dela uma errada apreciação houve um erro de julgamento, para cuja correcção a lei pressupõe serem suficientes as vias ordinárias admissíveis» [acórdão do Supre-mo Tribunal de Justiça de 10 de novembro de 2022, processo 120/17.2TELSB-B.S1, relatado pelo conselheiro Cid Geraldo, www.dgsi.pt].

Retomando o caso.

Lendo e relendo as motivações e as conclusões do recurso em análise, não conseguimos vislumbrar um único facto ou elemento de prova inédito.

A indisfarçada intenção do recorrente, como assinalam o Ministério Público na resposta e a Sr.ª juíza na informação, é, apenas, renovar a discussão acerca da avaliação da prova produzida aquando da realização do julgamento e, sobretudo, em termos absolutamente vedados pelo art. 449.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, sindicar a medida da pena única em que foi condenado.

Mas para isso o arguido AA dispôs do recurso ordinário no qual teve oportunidade de «censurar a matéria de facto assente, afirmando que não participou nos factos que determinaram a sua condenação, tendo o tribunal a quo analisado mal a prova, baseando-se em provas indirectas, arbitrárias e abstractas, não valorando o relatório social e que apenas atentou nas declarações prestadas pelo arguido aquando do 1.º interrogatório» [pág. 138 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa] bem como «a medida da pena unitária que lhe foi aplicada, que reputa de exagerada» [pág. 141 do mesmo acórdão].

Quanto à prova proibida.

Diz o recorrente na conclusão XII que:

«A permissão do registo da localização celular, como meio de prova, é algo que se configura como nulidade, e apenas sanável pelo consentimento do visado, o que não sucedeu no caso, não constando dos autos qualquer consentimento prestado em fase anterior. Assim, por falta do referido consentimento, esta nulidade deve considerar-se insanável. A situação cai assim sob alçada do disposto pelo artigo 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e tem como consequência a repetição da decisão pelo mesmo tribunal, mas desta feita sem a ponderação da prova proibida»

E diz mais no corpo das motivações:

«2.6. O coletivo deu como provado, a presença do recorrente, nos diversos lugares, das ocorrências em apreço, tendo por base a localização celular dos IMEI associados ao cartão SIM n.º ...23-..93, pertencente “ao arguido AA”

2.7. O que se retira do descrito no ponto anterior (2.6.):

- A investigação e inquérito, valeram-se do registo da localização celular, como forma de aferir a participação do recorrente e desse modo permitir e viabilizar a sua pronúncia em sede própria

- O tribunal considerou a aquisição destes elementos e confirmou os como “elementos probatórios recolhidos”

- Os dados que aqui estão em causa não abrangem o conteúdo das comunicações, dizendo apenas respeito às suas circunstâncias. Razão pela qual são designados por metadados ou dados sobre dados.

- Do que foi a acusação e aquilo que o tribunal deu como provado, as localizações celulares assumiram um inquestionável papel de relevo, é importante valorar que, sem as referidas localizações celulares, a autoridade responsável pela investigação, não conseguiria concluir pela identificação do recorrente, o que (inviabilizaria) iria inviabilizar a identificação do recorrente e por consequência, seria impossível aportar aos autos os indícios que sustentaram a convicção do coletivo.

2.8 Os dados de localização celular que foram remetidos ao processo, são de conservação prévia, estando desse modo abrangidos pela declaração de inconstitucionalidade nada previsto pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022 – Diário da República, 1.ª série, n.º 108 de 3 de junho de 2022 – pelo que constituem prova proibida, “ainda que na data da sua conservação já estivesse pendente processo contra a pessoa em relação à qual os dados são solicitados” […].

- A investigação procede à recolha dos meios de prova, toda ela, e no que concerne ao recorrente, iniciou-se tendo por base as localizações celulares, o que veio a resultar na acusação e condenação do recorrente, conclui-se então que todo o procedimento foi originado por prova que, no âmbito do que foi a decisão em revisão, ---???, contém uma fundamentação que partiu de elementos sustentados por prova proibida e sob alçada de inconstitucionalidade.

- Assistimos deste modo a clara configuração de nulidade prevista no artigo 126.º, n.º 3 do Código de Processo Penal […]».

Vejamos.

O Tribunal Constitucional decidiu no acórdão 268/2022, de 19 de abril de 2022:

«a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição;

b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.»

Esclarece-se no mesmo acórdão que «[o] conjunto de metadados elencado no artigo 4.º abrange dados de diferente natureza, categorizados na jurisprudência constitucional como dados de base e dados de tráfego. (…) Os dados de base referem-se à conexão à rede, independentemente de qualquer comunicação, permitindo a identificação do utilizador de certo equipamento — nome, morada, número de telefone (…). Já os dados de tráfego são definidos como “os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e os dados gerados pela utilização da rede (por exemplo, localização do utilizador, localização do destinatário, duração da utilização, data e hora, frequência)” (Acórdão n.º 403/2015); “Constituem, pois, elementos já inerentes à própria comunicação, na medida em que permitem identificar, em tempo real ou a posteriori, os utilizadores, o relacionamento direto entre uns e outros através da rede, a localização, a frequência, a data, hora e a duração da comunicação, devem participar das garantias a que está submetida a utilização do serviço, especialmente tudo quanto respeite ao sigilo das comunicações” (Acórdão n.º 486/2009, reproduzindo os Pareceres n.ºs 16/94 e 21/2000 do Conselho Consultivo da PGR)».

Ficou provado que o arguido AA era utilizador do telemóvel .......93 [facto provado 3] e que comparticipou nos roubos dos NUIPC 88/20.8SMLSB [factos provados 5 a 22], 652/20.5... [factos provados 36 a 54], 1464/20.1... [factos provados 55 a 76] e 651/20.7... [factos provados 77 a 92].

Os factos, que brevitatis causa damos por integralmente reproduzidos, podem ser esquematizados do seguinte modo:


NUIPCData e hora dos factosLocal dos factosOfendidas
88/20.8SMLSB26/Out/2020 - 00h31...CC

DD

HH

652/20.5...06/Nov/2020 - 01h42...II
1464/20.1...16/Nov/2020 - 23h15...JJ

EE

651/20.7...17/Nov/2020 - 02h20...KK

No que a ele respeita, a condenação assentou essencialmente nas seguintes provas:

- Em relação ao telemóvel, na informação prestada pela operadora MEO e nas declarações que prestou em sede de 1.º interrogatório onde reconheceu «ser o seu número desde os 14/15 anos» [pág. 61 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que reproduz o segmento de fundamentação probatório do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ...];

- Quanto aos factos do NUIPC 88/20.8SMLSB, no auto de notícia de fls. 9-11, nas fotografias de fls. 29 a 32, no auto de visionamento de fls. 60 a 70, conjugado com a análise do vídeo do qual foram extraídos os fotogramas, na informação da NOS de fls. 98, nos autos de busca e apreensão, nomeadamente os de fls. 1021-1022 e 1024-1026 que concernem ao recorrente, e no depoimento «muito seguro e credível» e «inteiramente corroborado pelo teor do vídeo do sistema de CCTV existente na habitação» da ofendida HH, não tendo o tribunal ficado com quaisquer dúvidas quanto ao envolvimento do arguido AA nos crimes considerando, «em particular», a «análise pormenorizada do vídeo» que permitiu a sua identificação pelo formato dos seus olhos e compleição física e pelas particularidades das calças que envergava, das botas que calçava e da faca que manuseava e que vieram a ser-lhe apreendidas [págs. 68 a 71 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa];

- Relativamente aos factos do NUIPC 652/20.5..., nos fotogramas de fls. 65 e 66, na fotografia de fls. 1069, nos print screen apresentados pela vítima ao órgão de polícia criminal, no auto de apreensão de fls. 1015-1016 [apreensão ao arguido AA do telemóvel Samsung Galaxy S10 subtraído à ofendida], conjugado com a informação da MEO de fls. 901, e no depoimento «muito seguro, evidenciando rigor e encadeamento lógico», de II. A partir da sua descrição física e da certeza que manifestou quando lhe foram exibidas fotografias e imagens relativas aos factos do NUIPC 88/20.8SMLSB, o tribunal concluiu, «sem margem para dúvidas», de que o recorrente era um dos assaltantes [págs. 76 a 82 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa];

- Em relação aos factos do NUIPC 1464/20.1..., no auto de notícia de fls. 97-99, na reportagem fotográfica de fls. 123 a 125, na informação da ALTICE de fls. 901 verso e no depoimento da ofendida JJ que, no decurso do julgamento, identificou o recorrente «sem qualquer hesitação» como um dos autores do roubo [págs. 82 a 87 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa];

- Por fim, no que concerne ao NUIPC 651/20.7..., no auto de denúncia de fls. 2-3, nas fotografias de fls. 10-11, no print de home banking que ilustra o levantamento de 100 euros numa ATM da ... [concelho de ...], nos autos de apreensão de fls. 1018-1010, 1021-1022 e 1025-1025, todos relativos ao recorrente, e no depoimento de KK. Quer pela descrição física dada pela ofendida, quer pelas imagens do sistema de CCTV da ATM da ... captadas cerca de 20 minutos depois dos acontecimentos, quer pelo confronto dessas imagens com as imagens de vídeo recolhidas no NUIPC 88/20.8SMLSB, quer, ainda, pela sequência cronológica relativamente aos factos objeto do NUIPC 1464/20.1..., o tribunal não hesitou em concluir que o recorrente foi um dos comparticipantes do crime [págs. 87 a 95 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa].

Verifica-se assim que ao contrário do alegado, a convicção quanto ao envolvimento do recorrente nos diferentes episódios não se baseou em dados de localização celular mas num conjunto sortido de provas entre as quais se destacam as declarações das ofendidas, os autos de apreensão e as imagens captadas em sistemas de videovigilância.

As informações sobre a localização celular do seu telemóvel, que constam de fls. 801 verso a 844 dos autos, apenas foram valoradas em relação aos NUIPC 928/20.1... [facto provado 23] e 1906/20.6... [factos provados 24 a 35] de cujos crimes veio a ser absolvido [v. os factos não provados das als. f) a r), e s) a z) e págs. 72 a 76 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa].

Tanto basta para concluir que a condenação do recorrente não se fundou em provas proibidas e muito menos em provas que se descobriu serem proibidas a posteriori [art. 449.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal] nem nas normas da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 268/2022 [art. 449.º, n.º 1, al. f) do Código de Processo Penal], possibilidade legal que, embora de forma implícita, não deixa de ser convocada como fundamento do recurso.

Em sintonia com a posição do Ministério Público e da Sr.ª juíza do Juízo Central Criminal de ..., só nos resta, por isso, concluir – e é esse o sentido do nosso parecer – que a revisão deve ser negada.»

7. Teve lugar a conferência.

II. Fundamentação

8. A Constituição da República Portuguesa, em obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana e das garantias de defesa em processo criminal, consagra, no seu artigo 29º, nº 6, expressamente o recurso de revisão estatuindo que “os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença”.

Esta mesma garantia constitucional resulta igualmente de instrumentos de Direito Internacional vinculativos para o Estado Português, nomeadamente da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, a qual, no artigo 4º do Protocolo 7, considera que a sentença definitiva não impede “a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento”.

Na densificação do preceito constitucional, o artigo 449º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Fundamentos e admissibilidade da revisão”, enumera taxativamente os fundamentos deste recurso extraordinário, nos seguintes termos:

1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.”

2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.

3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.

O recurso extraordinário de revisão visa superar, como refere Alberto dos Reis, “(…) o caso julgado se formou em circunstâncias patológicas susceptíveis de produzir injustiça clamorosa”; “visa eliminar o escândalo dessa injustiça”.12Acrescenta o insigne Professor, que “estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade de segurança ou da certeza. Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora.

Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio. A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio.

Quer dizer, pode a sentença ter sido obtida em condições tão estranhas e anómalas, que seja de aconselhar fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o princípio da segurança. Por outras palavras, pode dar-se o caso de os inconvenientes e as perturbações resultantes da quebra do caso julgado serem muito inferiores aos que derivariam da intangibilidade da sentença”.3

Neste mesmo sentido, Germano Marques da Silva, seguindo Cavaleiro Ferreira, considera que o “princípio da justiça exige que a verificação de determinadas circunstâncias anormais permita sacrificar a segurança que a intangibilidade do caso julgado exprime, quando dessas circunstâncias puder resultar um prejuízo maior do que aquele que resulta da preterição do caso julgado”.4

Ainda neste mesmo sentido, Figueiredo Dias, apesar de considerar a segurança um dos fins do processo penal, considera que tal “não impede que institutos como o do «recurso de revisão» (…) contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania5

Ao nível jurisprudencial o recurso de revisão é, tal como resulta da sua designação extraordinária, um meio de reação processual contra manifestas injustiças e intoleráveis erros judiciários. A segurança do caso julgado apenas pode e deve ser afastada, em situações de evidente injustiça material.

A título exemplificativo e a este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 17/12/2009, considera que os “fundamentos do recurso extraordinário de revisão de sentença vêm taxativamente enunciados no art. 449.º do CPP, e visam o compromisso entre o respeito pelo caso julgado, e com ele a segurança e estabilidade das decisões, por um lado, e a justiça material do caso, por outro”.6

Feito este enquadramento sobre os entendimentos jurisprudencial e doutrinal do recurso extraordinário de revisão, voltemos ao caso concreto.

O recorrente invoca como fundamento da revisão, em síntese conclusiva, a violação, por parte das instâncias, dos princípios da livre apreciação da prova, in dúbio pro reo, medida da pena e ainda a utilização de prova proibida porquanto foram utilizados dados de localização celular que se encontram abrangidos pela declaração de inconstitucionalidade do acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional, publicado em Diário da República a 3.06.2022.

O recurso de revisão apenas é admissível, pelos exactos fundamentos que constam das várias alíneas do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal, estando do mesmo excluídas as questões relativas à ponderação dos princípios da livre apreciação da prova, da presunção da inocência e da medida da pena, as quais devem ser apreciadas em sede de recurso ordinário.

Como refere o Supremo Tribunal de Justiça, seguindo jurisprudência uniforme, no seu acórdão de 7 de Abril de 2021, “(…) o recurso extraordinário de revisão não pode servir de mecanismo destinado a corrigir deficiências ou erros que, a terem existido, são exclusivamente imputáveis à estratégia de defesa que o condenado entendeu adoptar”.7

Igualmente o Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 376/2000, de 13 de Julho de 2000, “(…) no novo processo, não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior e que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias. Isto é; os factos novos do ponto de vista processual e as novas provas, aquelas que não puderam ser apresentadas e apreciadas antes, na decisão que transitou em julgado, são o indício indispensável para a admissibilidade de um erro judiciário carecido de correcção”.8

Assim, não se conhece dessas questões suscitadas pelo recorrente, com as quais apenas pretende, uma vez mais, transformar este recurso extraordinário num novo recurso ordinário, como ele próprio reconhece ao peticionar a sua absolvição ou a repetição do julgamento ou subsidiariamente a redução da pena em que foi condenado.

Resta-nos apreciar a questão da utilização no julgamento de provas proibidas, por referência ao acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional, publicado em Diário da República a 3 de Junho de 2022.

Importa desde já salientar que em todas as situações elencadas como causa de fundamento do recurso de revisão, incluindo as situações de prova proibida, devem ser de conhecimento superveniente do sujeito processual que as invoca. Exige-se que o facto, neste caso a utilização de provas proibidas, seja subjectivamente novo, sob pena de violação da natureza excepcional do recurso de revisão e a sua transformação em mais um meio ordinário de impugnação da decisão transitada.

Feito este esclarecimento, importa clarificar o que são provas proibidas para efeitos da norma legal.

O artigo 32º, nº 8 da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe, “Garantias de processo criminal” estatui “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.”

Por sua vez o artigo 126º, nº1 a 3 do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Métodos proibidos de prova”, considera que:

1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.

2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:

a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;

b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;

c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;

d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;

e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.

3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”.

As proibições de prova, consagradas no artigo 126º do Código de Processo Penal, como refere Germano Marques da Silva “reconduzem-se à proibição de abusos contra direitos fundamentais das pessoas e se obstar aos abusos contra a dignidade humana, pela violação dos seus direitos fundamentais, é necessário sacrificar outros interesses ou valores, a Constituição fez a opção que se impunha, proibindo a prova obtida por meios proibidos, porque a dignidade humana é o próprio fundamento dos direitos e, por isso, nunca deve ser sacrificada”.9

Neste mesmo sentido, Manuel da Costa Andrade, considera que as proibições de prova, “Mais do que garantias processuais face à agressão e devassa das instâncias da perseguição penal, os direitos ou interesses que emprestam sentido axiológico e racionalidade teleológica às proibições de prova, emergem como direitos fundamentais erigidos em autênticos bens jurídicos. E por isso, como referenciais e fundamentos autónomos duma tutela que transcende o horizonte do processo penal”.10

O recorrente invoca como prova proibida a utilização, na sua condenação, de registos de localização celular (metadados), em violação do acórdão 268/2022 do Tribunal Constitucional de 19 de abril de 2022.

O referido acórdão tem o seguinte dispositivo: “a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição; b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.

Consideram-se metadados todos os dados que fornecem informação sobre outros dados, os quais, no caso das comunicações electrónicas incluindo as telecomunicações, são os referidos no artigo 4º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho.11

Feito este esclarecimento e analisados os elementos constantes dos autos, nomeadamente o acórdão do Tribunal da Relação que confirmou, em matéria penal, a decisão da 1ª instância, não logramos descortinar a utilização de qualquer prova proibida.

Como muito bem salienta o Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, no seu douto parecer:

“(…) o arguido AA era utilizador do telemóvel .......93 [facto provado 3] e que comparticipou nos roubos dos NUIPC 88/20.8SMLSB [factos provados 5 a 22], 652/20.5... [factos provados 36 a 54], 1464/20.1... [factos provados 55 a 76] e 651/20.7... [factos provados 77 a 92]

No que a ele respeita, a condenação assentou essencialmente nas seguintes provas:

- Em relação ao telemóvel, na informação prestada pela operadora MEO e nas declarações que prestou em sede de 1.º interrogatório onde reconheceu «ser o seu número desde os 14/15 anos» [pág. 61 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que reproduz o segmento de fundamentação probatório do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ...];

- Quanto aos factos do NUIPC 88/20.8SMLSB, no auto de notícia de fls. 9-11, nas fotografias de fls. 29 a 32, no auto de visionamento de fls. 60 a 70, conjugado com a análise do vídeo do qual foram extraídos os fotogramas, na informação da NOS de fls. 98, nos autos de busca e apreensão, nomeadamente os de fls. 1021-1022 e 1024-1026 que concernem ao recorrente, e no depoimento «muito seguro e credível» e «inteiramente corroborado pelo teor do vídeo do sistema de CCTV existente na habitação» da ofendida HH, não tendo o tribunal ficado com quaisquer dúvidas quanto ao envolvimento do arguido AA nos crimes considerando, «em particular», a «análise pormenorizada do vídeo» que permitiu a sua identificação pelo formato dos seus olhos e compleição física e pelas particularidades das calças que envergava, das botas que calçava e da faca que manuseava e que vieram a ser-lhe apreendidas [págs. 68 a 71 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa];

- Relativamente aos factos do NUIPC 652/20.5..., nos fotogramas de fls. 65 e 66, na fotografia de fls. 1069, nos print screen apresentados pela vítima ao órgão de polícia criminal, no auto de apreensão de fls. 1015-1016 [apreensão ao arguido AA do telemóvel Samsung Galaxy S10 subtraído à ofendida], conjugado com a informação da MEO de fls. 901, e no depoimento «muito seguro, evidenciando rigor e encadeamento lógico», de II. A partir da sua descrição física e da certeza que manifestou quando lhe foram exibidas fotografias e imagens relativas aos factos do NUIPC 88/20.8SMLSB, o tribunal concluiu, «sem margem para dúvidas», de que o recorrente era um dos assaltantes [págs. 76 a 82 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa];

- Em relação aos factos do NUIPC 1464/20.1..., no auto de notícia de fls. 97-99, na reportagem fotográfica de fls. 123 a 125, na informação da ALTICE de fls. 901 verso e no depoimento da ofendida JJ que, no decurso do julgamento, identificou o recorrente «sem qualquer hesitação» como um dos autores do roubo [págs. 82 a 87 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa];

- Por fim, no que concerne ao NUIPC 651/20.7..., no auto de denúncia de fls. 2-3, nas fotografias de fls. 10-11, no print de home banking que ilustra o levantamento de 100 euros numa ATM da ... [concelho de ...], nos autos de apreensão de fls. 1018-1010, 1021-1022 e 1025-1025, todos relativos ao recorrente, e no depoimento de KK. Quer pela descrição física dada pela ofendida, quer pelas imagens do sistema de CCTV da ATM da ... captadas cerca de 20 minutos depois dos acontecimentos, quer pelo confronto dessas imagens com as imagens de vídeo recolhidas no NUIPC 88/20.8SMLSB, quer, ainda, pela sequência cronológica relativamente aos factos objeto do NUIPC 1464/20.1..., o tribunal não hesitou em concluir que o recorrente foi um dos comparticipantes do crime [págs. 87 a 95 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa].

Verifica-se assim que ao contrário do alegado, a convicção quanto ao envolvimento do recorrente nos diferentes episódios não se baseou em dados de localização celular mas num conjunto sortido de provas entre as quais se destacam as declarações das ofendidas, os autos de apreensão e as imagens captadas em sistemas de videovigilância.

As informações sobre a localização celular do seu telemóvel, que constam de fls. 801 verso a 844 dos autos, apenas foram valoradas em relação aos NUIPC 928/20.1... [facto provado 23] e 1906/20.6... [factos provados 24 a 35] de cujos crimes veio a ser absolvido [v. os factos não provados das als. f) a r), e s) a z) e págs. 72 a 76 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa].”

Efectivamente, nos processos em que foram utlizados os dados referentes à localização celular do telemóvel do arguido, o mesmo foi absolvido, inexistindo, por isso, fundamento de revisão, por ausência de condenação.

Acresce que para além das provas não serem proibidas, não são igualmente novas, porquanto as mesmas sempre estiveram no processo e eram conhecidas do Tribunal e do arguido ao momento do julgamento.

Como se refere e reafirma jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 7 de Abril de 2021, “o recurso extraordinário de revisão não pode servir de mecanismo destinado a corrigir deficiências ou erros que, a terem existido, são exclusivamente imputáveis à estratégia de defesa que o condenado entendeu adoptar”.12

Assim, não sendo prova proibida e não ser a questão superveniente, improcede a pretensão do recorrente e, em consequência o recurso.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Negar a revisão – art. 456.º do CPP;

b) Condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC – artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, e Tabela III do RCP;

Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Maio de 2024.

Antero Luís (Relator)

M. Carmo Silva Dias (1ª Adjunta)

Lopes da Mota (2º Adjunto)

Nuno Gonçalves (Presidente)

_______


1. Código de Processo Civil anotado, Vol. V, reimpressão, 1981, página 158.

2. Neste mesmo sentido, Pereira Madeira “eventuais injustiças a que a imutabilidade absoluta do caso julgado poderia conduzir”, pois “não se pode impedir a revisão de sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal quer e precisa em todos os casos alcançar”, in Código de Processo Penal Anotado, António Henriques Gaspar e Outros, 2014, pág. 1609.

3. Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, Coimbra Editora, Coimbra, 1953, pp. 336-337.

4. Direito Processual Penal, Vol.3 Universidade Católica, Lisboa 2015, pág.368.

5. Direito Processual Penal Primeiro Volume, Coimbra Editora, 1981, pág. 44.

6. Proc. 330/04.2JAPTM-B.S1, disponível em www.dgsi.pt

7. Proc. Nº 921/12.8TAPTM-J.S1, disponível em www.dgsi.pt

8. Proc. Proc.º n.º 397/99, 1ª Secção, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000376.html

9. Curso de Processo Penal Vol. II, pág. 175, edição Verbo, 5ª edição.

10. Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra 1992, pág. 188.

11. Veja-se, sobre vários tipos de metadados, acórdão do Tribunal Constitucional n.º 403/2015, de 27 de Agosto de 2015, relativo ao Projecto do novo Regime Jurídico do Sistema de Informações da República Portuguesa, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150403.html.

12. Proc. Nº 921/12.8TAPTM-J.S1, disponível em www.dgsi.pt