DUPLA CONFORME
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Sumário


Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível ou em que haja lugar a revista excecional, todos os fundamentos da revista contemplados no art. 674º, nº 1, do CPC, incluindo as nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º, do mesmo diploma, ou a violação (ou errada aplicação) da lei de processo, pressupõem que não se verifique um quadro de dupla conforme.

Texto Integral




Proc. n.º 3014/18.0T8VFX.L1-A.S1 (reclamação - Art. 643.º, n.º 3, do CPC)


MBM/RP/JES


Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I.


1.1. Réu/reclamante: AA.


1.2. Autor/reclamado: BB.


X X X


2. O Autor, com o patrocínio do Ministério Público, propôs contra o Réu ação emergente de acidente de trabalho, tendo este sido condenado na 1ª Instância a pagar-lhe:


– Quanto à IPP, o capital de remição correspondente a pensão anual e vitalícia no montante de 2.100,00 €;


– 6.904,11€, a título de acertos das incapacidades temporárias;


– 70,00 €, a título de despesas de deslocação;


– 748,15 €, a título de despesas médicas;


– Juros de mora, à taxa legal.


3. Interposto recurso de apelação pelo R. (quanto à matéria de facto e de direito), o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) confirmou integralmente a decisão.


4. O recurso de revista (normal) interposto pelo mesmo não foi admitido, por despacho da Senhora Desembargadora Relatora, invocando o preceituado no art. 671º, nº 3, do Código de Processo Civil1dupla conformidade.


5. Foi deduzida reclamação pelo recorrente, ao abrigo do art. 643º.


Para tanto, alegou, essencialmente:


– O referido recurso de revista não foi admitido com fundamento de que se verifica uma situação de dupla conforme, “por o acórdão recorrido ser mais favorável às pretensões do recorrente, e dada a cindibilidade dos segmentos decisórios, ser confirmatório da sentença proferida na 1ª instância”.


– “A decisão ora impugnada decorre de uma interpretação da lei cuja linha orientadora jurisprudencial é suscetível de criar situações de complexidade que, podendo aqui ser vedado o acesso ao terceiro grau de jurisdição, gerando, inclusive, decisões decorrentes de arbitrariedade do julgador”.


6. A parte contrária respondeu, pugnado pela improcedência da reclamação.


7. Notificado da decisão do relator que indeferiu esta reclamação, vem o mesmo reclamar para a conferência, ao abrigo dos arts. 643º, nº 4, e 652º, nº 3, acrescentando, nomeadamente:


– “O recurso de revista deve ser admitido, nos termos do artigo 671.º, n.º 3, dado que não se trata de dupla conforme, mas sim de duas decisões diferentes, cujo segmentos decisórios devem ser considerados incindíveis, para efeitos de admissibilidade do recurso de revista (normal).”.


– “A conformidade decisória propalada pelas decisões singulares impugnadas e que sustentam a inadmissibilidade do recurso de revista (normal), ao abrigo das disposições do artigo 671.º, n.º 3 do CPC, é violadora do direito à igualdade d’armas, por permitir que por via de interpretações jurisprudenciais, apenas uma das partes vencida dela possa interpor recurso, em violação do princípio da igualdade das partes e da garantia a um processo equitativo, consagrada no n.º 4 do artigo 20.º da CRP.”


8. A parte contrária não respondeu.


Cumpre decidir.


II.


9. É o seguinte o teor do despacho que na Relação não admitiu o recurso de revista:


“Foi proferido acórdão que julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença.


Não se registou fundamentação essencialmente distinta daquela que vinha arguida na sentença.


Registou-se unanimidade na decisão.


Em parte alguma da peça que sustenta o recurso é invocada revista excecional. Cabendo, embora, revista para o Supremo Tribunal do acórdão da Relação proferido sobre decisão de 1ª instância, que conheça do mérito da causa (Artº 671º/1 do CPC), a lei processual civil exceciona da admissibilidade do recurso para o STJ as situações ditas de dupla conforme.


Na verdade, segundo o disposto no Artº 671º/3 do CPC, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível1 – situação aqui não evidenciada – não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância.


Donde, o recurso de revista não é admissível no caso concreto, porquanto, a sentença foi confirmada, por unanimidade e sem recurso a fundamentação essencialmente distinta.


No seu requerimento menciona o Recrte. os Artº 671º a 685º e 985º do CPC. Se quanto a este último se revela incompreensível a menção, quanto ao conjunto dos demais cabe apenas dizer que dali não emerge a interposição de revista excecional, situação não invocada ao longo de toda a extensa peça (que, aliás, parece não ter compreendido que o recurso já não é da sentença!).


Termos em que, por inadmissibilidade legal, não admito o recurso.”


10. In casu encontra-se inequivocamente preenchido o condicionalismo previsto no art. 671º, nº 3, sendo que, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível ou em que haja lugar a revista excecional, todos os fundamentos da revista contemplados no art. 674º, nº 1, incluindo as nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º ou a violação (ou errada aplicação) da lei de processo, pressupõem que não se verifique um quadro de dupla conforme.


Deste modo, é manifesta a improcedência da reclamação ora em apreço, cujo teor não só não identifica minimamente as razões pelas quais se questiona a existência de uma situação de dupla conforme, como é, aliás, pura e simplesmente ininteligível


Com efeito, e para além do mais, uma vez que a Relação confirmou cabalmente o decidido na 1ª Instância, não se vislumbra o alcance da afirmação “não se trata de dupla conforme, mas sim de duas decisões diferentes, cujo segmentos decisórios devem ser considerados incindíveis, para efeitos de admissibilidade do recurso de revista”, vicissitudes processuais que os autos não revelam.


Também não se atingem as razões pelas quais a decisão reclamada seria violadora do direito à igualdade de armas, do princípio da igualdade das partes e da garantia a um processo equitativo, violação que claramente não se verifica, sendo certo que, relativamente às implicações da regra da dupla conforme, as partes se encontram posicionadas exatamente nos mesmos termos.


III.


11. Nestes termos, indeferindo a presente reclamação para a conferência, acorda-se em confirmar o despacho proferido pelo relator.


Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.


Lisboa, 19 de junho de 2024


Mário Belo Morgado (Relator)


Ramalho Pinto


José Eduardo Sapateiro





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1. Como todas as demais disposições legais citadas sem menção em contrário.↩︎