PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
LIMITAÇÃO DOS SERVIÇOS BANCÁRIOS
Sumário

I – Está indiciariamente provado que a limitação dos serviços bancários prestados pela apelada aos cidadãos destes municípios insere-se num plano de redução de agências devido à redução de transações ao balcão.
II – Não estando provado que esta actuação da apelada é diferente da adoptada noutros municípios, não está demonstrada a violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da CRP.

Texto Integral

Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
CIM DOURO – Comunidade Intermunicipal do Douro, instaurou procedimento
Cautelar em 23/08/2022, contra CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., requerendo:
«I - Deve determinar-se/ordenar-se à Requerida que proceda à abertura das (encerradas) agências nos Municípios de Mesão Frio, Sabrosa e Tabuaço, os quais integram a requerente, passando a requerida a prestar à comunidade, na área abrangida pelos Municípios da Requerente, todos os serviços bancários que (já) anteriormente prestava a essa(s) comunidade(s), o que deverá ser feito durante todos os dias úteis da semana, com o horário normal;
II – Condenar-se a requerida a pagar a título de sanção pecuniária compulsória a quantia de duzentos euros por cada dia de atraso no cumprimento da ordem de abertura das agências em causa, sendo metade para a requerente e metade para o Estado, tudo nos termos do artº 829-A, do Código Civil.».
Alegou, em síntese:
- os serviços bancários prestados pela requerida são um instrumento insubstituível para a coesão social, económica e territorial;
- a requerente foi confrontada com o encerramento das agências da requerida nas vilas/sedes de concelho de Mesão Frio, Sabrosa e Tabuaço e a sua transformação em balcões, com a diminuição dos dias e horários de funcionamento, bem como redução drástica dos serviços bancários prestados,
- colocando em causa elementares interesses dos habitantes desses concelhos,
- pois não existe rede de transportes públicos entre as diversas sedes concelhias,
- e a maioria dos clientes são pensionistas e reformados e que têm com dificuldades na utilização de caixas multibanco;
- tendo em conta o carácter público da requerida, torna-se imperioso que, por força do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da CRP, preste os serviços bancários com os padrões de qualidade e regularidade com que faz nas suas agências bancárias, reabrindo as agências que encerrou, pondo assim fim à desigualdade e à discriminação territorial e das populações.
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A requerida deduziu oposição, alegando, em resumo:
- é uma sociedade anónima com capital integralmente detido pelo Estado Português, que se rege pelo direito privado,
- regendo a sua actuação pelas regras concorrenciais e de mercado em condições de igualdade com as demais instituições de crédito a operar em Portugal, que também encerraram agências em obediência a critérios de gestão e racionalização de meios;
- inexiste lei que obrigue a requerida ou qualquer outra instituição bancária a manter agências abertas em zonas do país onde a sua rentabilidade não o justifique.
Concluiu pela improcedência do procedimento cautelar.
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Realizada a audiência final, foi proferida decisão em com este dispositivo.
«Pelo exposto, julga-se improcedente este procedimento cautelar.
Sem custas, cf. artigo 4.º, n.º 1, alínea b), g) do Regulamento das Custas
Processuais.».
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Em 14/03/2024 a requerente arguiu nulidade da sentença, com fundamento em deficiência da gravação da prova produzida na audiência final.
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E, em 05/04/2024, inconformada com a decisão final, a requerente apelou, terminando a alegação com estas conclusões:
«I – QUESTÃO PRÉVIA:
DA NULIDADE DO JULGAMENTO COM BASE NA DEFICIENTE GRAVAÇÃO DA PROVA
1ª Através de requerimento que deu entrada neste processo, via CITIUS, no dia 14 de Março p.p., a ora Recorrente arguiu a nulidade da sentença por deficiência da gravação da prova produzida na Audiência de Discussão e Julgamento realizada nos presentes autos, invocando, entre outros, que requereu a gravação da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, o que veio a ocorrer, nas três sessões que se realizaram nos dias 4 e 5 de Janeiro p.p., tal qual consta das respectivas actas, cujo teor, por questão de economia processual, se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais.
2ª A d. Sentença proferida nestes autos foi notificada às partes, via CITIUS, no dia 8 de Março p.p., e, não se conformando com o aí decidido, a aqui Recorrente ponderou e decidiu interpor recurso da matéria de facto e, consequentemente, de direito.
3ª Face a essa pretensão, no dia 14 de Março p.p., a Recorrente deu início à elaboração das suas alegações de recurso e acabou por verificar que quer as declarações de parte do legal representante da Requerente – LM (…), quer o depoimento das testemunhas ML (…)  e, PS (…), ouvidas em Audiência, são inaudíveis, sendo que os depoimentos das demais testemunhas, incluindo as da Requerida, também se apresentam nessas condições, o que não permite a audição plena e, consequentemente, a transcrição das declarações de parte e do depoimento das testemunhas. É também o caso da testemunha da Requerente AO, aos minutos (…) e das testemunhas da Requerida FC, aos minutos (…) e, SO, aos minutos (…) prestados em Audiência de Discussão e Julgamento, o que inviabiliza de todo o exercício do direito da Recorrente.
4ª Ora, quer as declarações de parte quer os depoimentos das testemunhas, única prova produzida em sede de Audiência, foram tidos em consideração em sede motivação /fundamentação de facto da d. Sentença, pelo que, não se conformando a Recorrente com o teor daquela, nomeadamente para efeitos de recurso da matéria de facto da d. Sentença, a sua audição é indispensável.
5ª Acresce que, o registo das provas produzidas ao longo da Audiência de Julgamento tem em vista ampliar as garantias das partes no processo, que, deste modo, podem, através do recurso, conseguir a correcção de erro de Julgamento relativo à matéria de facto.
6ª É sabido que “ a prova testemunhal produzida na audiência é gravada com a finalidade de possibilitar o recurso da decisão final não só quanto à matéria de facto como também quanto à matéria de direito “(6) sendo que “ esta lacuna insuperável obviamente inviabiliza uma apreciação global da prova “(7).
7ª Tal qual consta do Ac. do TR de Lisboa, de 30/04/2019, “ a deficiente gravação da prova constitui erro apenas imputável à atividade do tribunal, não sendo por isso defensável que as consequências de tal erro se possam transferir para os destinatários da decisão “(8), sublinhado nosso.
8ª Por sua vez, no Sumário do Ac. do TR de Lisboa, de 04/10/2007, Processo 3986/07-9, consultável em www.dgsi.pt, diz-se o seguinte:
“ 1. A falta total ou parcial da gravação da prova ou, ainda, a deficiente gravação da prova, quando a deficiência signifique uma verdadeira inexistência da gravação, são erros apenas imputáveis à actividade do tribunal, lato sensu.
2. A solução da sanação da irregularidade, por falta de arguição tempestiva, leva à consequência de, pelo
mecanismo da sanação de irregularidades processuais, se transferir para os destinatários da decisão as consequências de um erro material da responsabilidade do tribunal. E, além disso, afasta, contra a vontade das partes e contando com a absoluta passividade da relação, a norma relativa à competência material do tribunal superior para conhecer de facto e de direito.
3. Por isso, não pode deixar de entender-se que a inexistência total ou parcial da gravação afecta o próprio valor do julgamento, por não poder produzir os efeitos a que se destinava, devendo repercutir-se na subsistência do mesmo, desde logo dada a desconformidade entre o que a acta do mesmo documenta e a realidade dos factos.
4. Não obstante, as irregularidades podem ser reparadas oficiosamente, quando puderem afectar o valor do acto praticado. Parece que há que distinguir entre a validade do acto e o seu valor; o acto será válido se a irregularidade não for declarada, mas pode não ter valor, designadamente por não poder produzir os efeitos a que se destinava.
5. A irregularidade, quando afecte o valor do acto, poderá ser reparada a todo o tempo em que dela se tome conhecimento. Isto significa que, ainda antes da arguição e mesmo que a irregularidade não seja arguida, pode oficiosamente ser reparada ou mandada reparar pela autoridade judiciária competente para aquele acto, enquanto mantiver o domínio dessa fase do processo.
6. A irregularidade que se verifica, (…), consistente na deficiente documentação das declarações do assistente e dos depoimentos das testemunhas ..., afecta um direito fundamental do arguido – o seu direito ao recurso em matéria de facto – sendo impeditiva do completo exercício da competência material deste tribunal, em matéria de recursos – conhecer de facto e de direito.
7. Assim, independentemente de tal irregularidade só ter sido arguida no recurso (…), deve este tribunal conhecer dela oficiosamente e determinar a sua reparação “ – sic, destaques nossos.
9ª Ora, não se encontrando gravadas, em condições perfeitamente audíveis, quer as declarações de parte quer os depoimentos das testemunhas prestados em Audiência de Julgamento, o que in casu se verifica devido a deficiência do material ou erro do Sr Funcionário Judicial, não pode a Recorrente, em sede de recurso, discutir plenamente a matéria de facto dada como provada ou não provada, face ao disposto no artº 640 do CPC.
10ª Assim sendo, face à inexistência ou à deficiência desse registo, como de facto in casu ocorre, tal vicia o Julgamento da matéria de facto e, consequentemente, os actos subsequentes, que deles dependem absolutamente, incluindo a Sentença, o que aqui se invoca para todos os efeitos legais.
11ª Salvo melhor opinião, a omissão ou deficiência da gravação configura uma nulidade processual, porquanto está em causa a omissão duma formalidade prescrita por lei – artº 195 do CPC, que influi na decisão da causa, de conhecimento oficioso, pelo que cabia ao Tribunal a quo assegurar a defesa da ora Recorrente, que não teve culpa na não gravação ou na gravação deficiente, pelo que se impunha e impõe (agora) a anulação e repetição do Julgamento, o que se vai requerer.
12ª Importa referir aqui, mormente para quem defende posição contrária, a qual se respeita mas não se aceita, que, no dia 26 de Março p.p., a ora Requerente verificou que, relativamente ao dia 5 de Janeiro de 2024, no que à sessão da Audiência de Discussão e Julgamento da parte de tarde diz respeito, e, na qual foram inquiridas as testemunhas GC e FB, ainda não tinham sido disponibilizados no CITIUS os respectivos áudios, constando da acta que os depoimentos dessas testemunhas se encontram registados das (…), respectivamente, tendo sido nesse dia requerida a disponibilização desses mesmos áudios ( sessão da parte da tarde do dia 5 de Janeiro p.p. ), para efeitos de transcrição que à Recorrente se lhe afigura(va) útil e necessária à interposição de recurso.
13ª Daí que, perante essa situação concreta que é a ainda não disponibilização dos áudios da sessão de Julgamento, da parte da tarde, do dia 5 de Janeiro p.p., referente às testemunhas GC e FB, o que se verifica ainda à data de hoje e a esta hora, afigura-se-nos que tal facto é relevante até para efeitos de oportunidade da arguição da nulidade da sentença por deficiência da gravação da prova produzida na Audiência de Discussão e Julgamento requerida ao Tribunal a quo no dia 14 de Março p.p., o que aqui se deixa expresso para todos os efeitos legais.
14ª Face ao exposto, deverá ser considerada procedente a nulidade da sentença por deficiência da gravação da prova produzida na Audiência de Discussão e Julgamento realizada nos presentes autos e neles (já) invocada, e, consequentemente, considerar inválida a Audiência de Julgamento ocorrida nas sessões de 4 e 5 de Janeiro p.p., por se verificar a irregularidade da deficiente gravação da prova, susceptível de afectar o valor do acto, declarar-se nula a d. Sentença recorrida, ordenando-se a repetição do Julgamento, o que aqui e por esta via se requer.
Caso assim se não entenda, à cautela e por mero dever de patrocínio:
II – DO RECURSO ( propriamente dito ):
15ª Vem o presente recurso interposto da d. Sentença que julgou improcedente este procedimento cautelar com o que a Recorrente não se conforma, atendendo aos elementos que constam dos autos.
16ª Por questão de economia processual, dão-se aqui por reproduzidos os factos provados e não provados acima descritos e constantes da d. Sentença recorrida, bem como o ali exposto em sede de “Motivação”, e sob a epígrafe “ Direito”.
17ª Diz-se ainda na d. Sentença recorrida o seguinte:
“ Da aparência do direito:
Nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa:
“ Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.”
A requerida CGD é uma instituição bancária, sendo uma sociedade anónima com capitais integralmente do Estado Português.
São diretamente aplicáveis à requerida CGD os direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição
da República Portuguesa.
O direito à igualdade está consagrado na Constituição da República Portuguesa no artigo 13.º, como
princípio da igualdade, “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”.
No caso, porém, não ficou demonstrado que a situação, descrita nos factos indiciariamente provados,
seja diferente noutros Municípios do país.
Pelo que a requerente não demonstrou um comportamento desigual.
Improcede o argumento da desigualdade e discriminação territorial.
Relativamente aos direitos do consumidor:
Afigura-se que estão garantidos os serviços bancários com a existência da extensão da agência (ainda que com as limitações referidas) e de ATM. Sendo que operações mais complexas terão de ser realizadas na sede de municípios limítrofes.
Por outro lado, existe pelo menos uma agência/balcão de outro banco nas sedes dos municípios das 3 extensões de agência em causa nestes autos.
Pelo exposto, a requerente não demonstrou a aparência de direito “ – sic.
18ª É sabido que, a concessão de uma providência cautelar depende da probabilidade séria da existência do direito e de se mostrar suficientemente fundado o receio da sua lesão – artº 368, nº 1 do CPC, devendo estar preenchidos os requisitos processuais do fumus boni iuris, periculum in mora, interesse processual e proporcionalidade da providência.
19ª Antes de nos debruçarmos sobre estes requisitos, importa expor aqui a discordância da Recorrente quanto à matéria de facto, o que faz nos seguintes termos:
20ª A Recorrente entende que a parte final do facto 3 tido por provado pelo Tribunal a quo deveria ter sido dado como não provado, e o facto 10 tido por não provado deveria ter sido dado como provado, o que, por certo, “ajudaria” também à procedência deste procedimento cautelar, pelo que ora se pugna.
21ª O entendimento da Recorrente leva-a pois à impugnação da matéria de facto nos termos do artº 640 do CPC, a qual foi produzida / gravada, mas em parte inaudível, em sede de Audiência de Julgamento, a qual, toda conjugada, impunha e impõe decisão diversa daquela que foi proferida.
22ª Quanto ao facto provado sob o nº 3 ( parte final ) é aí dito que “ deveu-se à redução de transações ao balcão”, facto que, em nosso modesto entendimento, poderá até colocar em causa e prejudicar o preenchimento do requisito da proporcionalidade.
23ª Ora, da prova testemunhal produzida e que foi possível ouvir / transcrever apenas temos um depoimento, de uma testemunha da Requerida – SO, que efectivamente se refere à redução de transações mas não nos termos que o Tribunal a quo declara nesse mesmo facto dado como provado relativamente aos Municípios de Sabrosa, Mesão Frio e Tabuaço, depoimento que foi prestado na sessão de Julgamento do dia 5 de Janeiro p.p. ( de manhã ) nos termos acima transcritos – Ficheiro áudio n. 10-27-41, cujo teor, por questão de economia processual, se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais.
24ª Acresce que, mesmo que assim se não entendesse, o que não se concebe / concede, sempre esse facto só seria passível de ser dado como provado através de documento a apresentar pela Recorrida, não sendo admissível outro meio de prova, o que aqui se alega para os devidos efeitos, pugnando-se pois que esta parte final do facto provado nº 3 seja dada como facto não provado com a seguinte redacção:
“A passagem das agências da CGD de Sabrosa, Mesão Frio e Tabuaço não se ficou a dever à redução de transações ao balcão”.
25ª Por sua vez, no tocante ao facto não provado sob o nº 10, o mesmo deve passar a constar dos factos provados e com a mesma redacção por força da prova produzida, nomeadamente o teor das declarações de parte do legal representante da Recorrente – LM, prestadas na sessão de Julgamento do dia 4 de Janeiro p.p., nos termos acima transcritos – Ficheiro áudio n. 14-20-09, e, dos depoimentos que foram prestados na sessão de Julgamento desse mesmo dia, pelas testemunhas ML – Ficheiro áudio n. 14-20-09, e, DC – Ficheiro áudio n. 14-20-09, e, dos depoimentos que foram prestados na sessão de Julgamento do dia 5 de Janeiro p.p. ( da parte da manhã ), pelas testemunhas PS – Ficheiro áudio n. 10-27-41, e, AO – Ficheiro áudio n. 10-27-41, acima transcritos, e, cujo teor, por questão de economia processual, se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais.
26ª Atento o predito, pugna-se pois que o facto não provado sob o nº 10 passe a constar dos factos provados e com essa mesma redacção.
27ª É de referir ainda que no tocante à expressão “a alguns quilómetros não concretamente apurados “ constante do facto provado sob o nº 3, relativamente à distância entre Sabrosa –► Vila Real, Mesão Frio –► Régua e Tabuaço –► Armamar, com o respeito devido por opinião contrária, entende a Recorrente que estamos perante um facto notório que não carece de prova – artº 412 do CPC, o que aqui se invoca para todos os efeitos legais.
28ª Discorda a Recorrente do Tribunal a quo quando este concluiu que “a requerente não demonstrou a aparência de direito”, conclusão que se nos afigura até contraditória perante o que, previamente, se diz na d. Sentença, onde, in pág. 10, consta que “nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa: “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.” A requerida CGD é uma instituição bancária, sendo uma sociedade anónima com capitais integralmente do Estado Português. São diretamente aplicáveis à requerida CGD os direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa. O direito à igualdade está consagrado na Constituição da República Portuguesa no artigo 13.º, como princípio da igualdade, “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”. No caso, porém, não ficou demonstrado que a situação, descrita nos factos indiciariamente provados, seja diferente noutros Municípios do país. Pelo que a requerente não demonstrou um comportamento desigual. Improcede o argumento da desigualdade e discriminação territorial.
Relativamente aos direitos do consumidor: Afigura-se que estão garantidos os serviços bancários com a existência da extensão da agência (ainda que com as limitações referidas) e de ATM. Sendo que operações mais complexas terão de ser realizadas na sede de municípios limítrofes” – sic.
29ª Ora, se a Constituição da República Portuguesa (CRP) no seu artº 13 consagra o princípio da igualdade, se “em 2019, as agências da CGD de Sabrosa, Mesão Frio, Tabuaço, deixaram de ser agências principais e passaram a ser extensões respetivamente de Vila Real, Régua, Armamar, (…). Passaram a ter limite de €700,00 de levantamento, transferências até €2.500,00. Tal inscreveu-se no plano de redução de agências (…) “ – facto provado sob o nº 3, se “ em 2021, nas referidas extensões de agências da CGD de Sabrosa, Mesão Frio, Tabuaço, foram alterados os dias de abertura e o horário de abertura ao público: 2.ª, 4.ª, 6.ª
feiras, e os dias 8 e 19 de cada mês, por ser dia de pagamento de pensões. Horário: 8.30 horas às 15 horas. Encerra 12.30 horas às 13.30 horas. Tesouraria encerrada das 12.30 às 15 horas. Não procedem a operações de câmbio. Têm ATM 24 horas por dia “ – facto provado sob o nº 4, se “ os municípios referidos têm população idosa, que está habituada ao tratamento pessoal nas questões bancárias e apresenta alguma dificuldade na utilização de ATM e principalmente dos meios eletrónicos “ – facto provado sob o nº 7, se “ os serviços prestados pela CGD são essenciais para a população, nomeadamente, o levantamento de dinheiro, que é mais utilizado do que os cartões de débito para pagamento de transações “ – facto provado sob o nº 8, se o que vem de se dizer se traduz numa diminuição dos serviços bancários que a Requerida vinha prestando aos cidadãos dos Municípios que a Recorrente aqui representa, com o respeito
devido, afigura-se-nos que não há qualquer dúvida que o princípio da igualdade, o direito desses cidadãos em terem um tratamento e acesso igual a esses serviços tal qual os demais deste País, foi violado pela Recorrida, a qual é uma Instituição “com capitais integralmente do Estado Português” e à qual “são diretamente aplicáveis (…) os direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa, tal qual, e bem, é dito na d. Sentença recorrida.
30ª In casu, a Recorrente, em representação dos Municípios de Sabrosa, Mesão Frio e Tabuaço arrogou-se titular de um direito, quando no seu requerimento inicial disse, nos seus artºs 5, 6, 13, 68, 69 e 70, entre outros, que “integrando a Requerida o sector público empresarial, tal qual consta dos seus Estatutos, e, atenta a sua recente reestruturação à custa do património público, facto que é do conhecimento geral, enquanto prestadora de um serviço público essencial, ao arrepio da legislação aplicável e dos compromissos assumidos com o Estado a quando dessa sua reestruturação, a verdade é que o encerramento das agências supra referidas por parte da Requerida traduz-se ou traduzir-se-á numa gravíssima diminuição da qualidade dos serviços que vinha prestando à população desses Concelhos quando determinou o encerramento dessas agências e a sua transformação em meros balcões com a diminuição dos dias e respectivos horários de funcionamento, bem como a redução drástica dos serviços bancários prestados. A ilegalidade dessa actuação assume particular importância uma vez que coloca em causa elementares direitos e interesses dos habitantes dos concelhos supra id. que integram a CIM Douro. Ora, o adequado e normal funcionamento dos serviços prestados por um Banco, in casu pela Requerida, assume-se e é tido pelo comum dos cidadãos, pela comunidade populacional que cada Concelho engloba, e, também pela aqui Requerente como essencial, não só enquanto direito elementar / básico dos cidadãos, mormente da sua qualidade de consumidores que são, numa economia de mercado, mas também como um incontornável parâmetro de qualidade de vida enquanto seres humanos e consumidores. Com a sua postura, a Requerida, está também a lesar direitos e interesses legalmente protegidos das populações existentes nesses territórios, as quais resistem e insistem em aí viver, lesão a que urge por termo.
(…) As condutas supra expostas da Requerida violam o princípio da igualdade, consagrado no artº 13 da CRP (…) pelo que são obviamente ilegais “ – sic.
31ª Efectivamente, atenta a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo e da agora acima questionada pela Recorrente, afigura-se-nos que tal leva a concluir, ao contrário do d. decidido, que estamos perante um direito que existe e vem de sofrer (mais) uma lesão grave, direito que é concreto / certo, logo, (até) mais do que aparente e que carece de protecção, de tutela urgente, pelo que se conclui que in casu está preenchido o pressuposto do fumus boni iuris.
32ª É pacifico o entendimento doutrinal e jurisprudencial de que no âmbito de um processo cautelar vigora a regra da sumario cognitio. O seu objectivo essencial é obviar ao periculum in mora, assentando a aparência do bom direito – o fumus boni juris – num juízo perfunctório, necessariamente sumário e sempre provisório.
33ª Como ensina Mário Aroso de Almeida (9), e, trazemos aqui o seu pensamento porque se nos afigura útil à boa decisão da causa, “se não falharem os demais critérios de que depende a concessão da providência, ela deve ser, pois, concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. (…) Do ponto de vista do periculum in mora, a providência também deve ser, entretanto, concedida quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente. Ainda neste último caso, justifica-se a adopção da providência para evitar o risco do retardamento da tutela que deverá ser assegurada pela sentença a proferir no processo principal” – sublinhado nosso.
34ª In casu, a acção da Recorrida, ao ter encerrado as agências nos Municípios que integram a Recorrente e ao tê-las transformado em balcões, os quais funcionam nos termos e condições contantes do facto provado sob o nº 4, tal postura implica a redução substancial dos serviços bancários prestados às respectivas populações, o que ocorre em territórios do País onde a população é maioritariamente idosa – facto provado sob o nº 7, população que passa a ter que efectuar deslocações de dezenas de quilómetros, em viatura própria ou táxi, face à inexistência de uma rede de transportes públicos que ligue a sede do Concelho afectada com o fecho da agência à sede do Concelho onde está situada a agência à qual o balcão está afecto e da mesma dependente.
35ª Ora todos estes danos são directos e imediatos, desde logo, reitera-se, porque nestes três Municípios do interior do País, não existe uma rede estruturada de transportes públicos, o que limita fortemente essas deslocações da população.
36ª Face ao que vem de se dizer, se a Recorrida prosseguir com as suas condutas, é inegável que, quer o desenvolvimento económico e social, quer a qualidade de vida das populações, quer a coesão territorial, na área geográfica destes três Municípios ficarão, como é óbvio, gravemente afectados e com danos irreversíveis e irreparáveis para as populações.
37ª Ao ser julgado improcedente este procedimento cautelar, as populações desses concelhos continuarão a sofrer, concreta e designadamente, os seguintes danos:
► Deixarão de ter no Concelho, mais propriamente na sua sede, a única agência da CGD, aqui Requerida, deixando de ter acesso a vários serviços bancários que só as agências prestam, nomeadamente a depósitos e levantamentos ilimitados e os demais serviços referidos, passando a ter que se deslocar nunca menos do que 20km para o efeito,
► Deixarão de ter a prestação de serviços bancários todos os dias, pelo que só uma decisão que julgue procedente a providência cautelar pode(rá) impedir que os mencionados danos não só se mantenham com se agudizem.
Pelo exposto, encontra-se pois preenchido o requisito do periculum in mora.
38ª Quanto ao interesse processual o mesmo resulta do facto dos representados pela
Recorrente serem titulares de um direito que está a ser violado, o que aqui se invoca para
todos os efeitos legais.
39ª No que à proporcionalidade diz respeito importará dizer aqui que a tutela cautelar que se requereu ( e se requer ) protege, de forma proporcional, os interesses das partes em conflito.
40ª Na verdade, ao determinar-se a (re)abertura das agências da Recorrida nos Municípios de Sabrosa, Mesão Frio e Tabuaço, nenhum prejuízo relevante resulta(rá) para a Recorrida, ou, ainda que ele exista, o mesmo tem para ela uma expressão muito reduzida a todos os níveis, atentos os resultados líquidos consolidados que tem vindo a apresentar, como sejam os do ano de 2022, em que “gerou um resultado líquido consolidado de 843 milhões de euros, um aumento de 44,5% - in https://www.cgd.pt/institucional/sala-de-imprensa/2023/pages/atividade- consolidada-ano2022.aspx, e, no ano de 2023 “ alcança Resultado Líquido de 1.291 M€ “ – in https://www.cgd.pt/institucional/sala-de-imprensa/2024/pages/atividade-consolidada-ano2023.aspx
41ª O que vem de se dizer leva-nos a concluir que, aos interesses legítimos dos habitantes dos Municípios representados pela Recorrente afectados pelas acções e comportamentos da Recorrida ( de encerrar as agências e abrir balcões ), não se contrapõem interesses públicos merecedores de igual tutela. Ora, por aqui se vê que os danos resultantes da não concessão da presente providência são muito superiores aos que poderiam advir do decretamento da mesma, donde resulta estar preenchido o requisito da proporcionalidade na concessão da providência, o que por esta via se requer.
42ª Restará ainda referir aqui a situação de colisão de direitos, o que in casu ocorre, sendo certo que a Recorrente entende que a correcta decisão dessa colisão entre direitos fundamentais aponta em sentido diferente daquele que foi o adoptado pelo Tribunal a quo.
43ª In casu, poder-se-á até admitir que os direitos fundamentais dos habitantes dos Municípios representados pela Recorrente e que resultam do princípio da igualdade – artº 13 da CRP, podem estar em colisão com o direito à livre iniciativa económica – artº 61 da CRP.
Porém, a ocorrer essa colisão de direitos, in casu, perante direitos desiguais ou de espécie diferente, é entendimento da Recorrente que, por serem de hierarquia superior, devem prevalecer os direitos dos habitantes dos Municípios representados pela Recorrente sobre o direito da Recorrida, atento o teor do nº 2 do artº 335 do CCivil, sob pena de violação deste preceito, violação de que padece a d. Sentença recorrida, o aqui se alega para todos os efeitos.
44ª Ao contrário do que é dito na d. Sentença recorrida, a situação descrita nos factos indiciariamente provados demonstra que a situação dos habitantes dos Municípios representados pela Recorrente é diferente da situação doutros Municípios do país. Aliás essa situação consubstancia também ela um facto notório que não carece de prova – artº 412 do CPC, o que aqui se invoca para todos os efeitos legais.
45ª Inegavelmente, estamos perante um comportamento desigual da Recorrida para com esses habitantes dos Municípios representados pela Recorrente, que se traduz, obviamente, numa desigualdade e discriminação territorial praticada pela Recorrida.
46ª Face ao predito, sempre com o respeito devido por opinião contrária, estamos convictos de que in casu estão preenchidos os requisitos necessários à procedência da presente providência cautelar, pelo que deve a d. Decisão recorrida ser revogada, o que aqui se peticiona, mormente por erro de interpretação e aplicação dos preceitos legais supra invocados – artº 13 da CRP, artºs 195 e 412 do CPC, e, artº 335, nº 2, do CCivil, entre outros, os quais a d. Sentença recorrida violou.
47ª Pelo que, inexistindo qualquer fundamento válido e muito menos fundamento legal para o Tribunal a quo se decidir pela improcedência da providência cautelar, se impõe a revogação da d. Sentença recorrida, por outra que julgue aquela totalmente procedente, o que aqui se requer, como é de JUSTIÇA !».
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A requerida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
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Em 09/05/2024 foi proferido o seguinte despacho:
«Requerimento de 14.3.2024:
Compulsado o processo eletrónico, verifica-se que a alegada falta ou deficiência da gravação foi invocada pela requerente após o decurso do prazo de 10 dias, fixado no artigo 155.º, n.º 4, do Código do Processo Civil.
Pelo exposto, indefere-se a arguição de nulidade e a requerida repetição da Audiência».
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são:
- se deve ser declarada a nulidade da sentença devido a deficiência da gravação, devendo ser ordenada a repetição da audiência final
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto
- se deve ser concedida a providência cautelar
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III – Fundamentação
A) Na decisão recorrida vem dado como provado:
1. A requerente Comunidade Intermunicipal do Douto é uma associação de autarquias locais, artigo 63.º da Lei n.º 75/2013. A qual inclui os Municípios de Mesão Frio, Sabrosa e Tabuaço.
2. A requerida é uma instituição bancária, sendo uma sociedade anónima com capitais integralmente do Estado Português.
3. Em 2019, as agências da CGD de Sabrosa, Mesão Frio, Tabuaço, deixaram de ser agências principais e passaram a ser extensões respetivamente de Vila Real, Régua, Armamar, a alguns quilómetros não concretamente apurados. Passaram a ter limite de €700,00 de levantamento, transferências até €2.500,00. Tal inscreveu-se no plano de redução de agências e deveu-se à redução de transações ao balcão.
4. Em 2021, nas referidas extensões de agências da CGD de Sabrosa, Mesão Frio, Tabuaço, foram alterados os dias de abertura e o horário de abertura ao público: 2.ª, 4.ª, 6.ª feiras, e os dias 8 e 19 de cada mês, por ser dia de pagamento de pensões. Horário: 8.30 horas às 15 horas. Encerra 12.30 horas às 13.30 horas. Tesouraria encerrada das 12.30 às 15 horas. Não procedem a operações de câmbio. Têm ATM 24 horas por dia.
5. Nas extensões de cada agência existe um subgerente e um caixa, da agência principal, que rotativamente exercem funções.
6. Em cada capital do município de cada extensão das referidas agências da CGD, existe agência de pelo menos 1 outro banco, nomeadamente a Caixa de Crédito Agrícola.
7. Os municípios referidos têm população idosa, que está habituada ao tratamento pessoal nas questões bancárias e apresenta alguma dificuldade na utilização de ATM e principalmente dos meios eletrónicos.
8. Os serviços prestados pela CGD são essenciais para a população, nomeadamente, o levantamento de dinheiro, que é mais utilizado do que os cartões de débito para pagamento de transações.
9. Até há alguns anos, os funcionários públicos apenas recebiam os salários pela requerida CGD e as entidades públicas apenas recebiam dinheiro do Estado através da requerida CGD.
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B) E vem dado como não provado:
10. Entre as sedes concelhias não existe rede de transportes públicos, pelo que a população que não tem transporte próprio, terá de recorrer ao táxi.
11. Não raras vezes, por motivos que a requerente desconhece, o pessoal que se deveria deslocar ao balcão nesses dias – 2, 4, 6.ª Feiras - , sem qualquer aviso, não se desloca, o balcão não abre, ficando pessoas à porta e isso depois de terem procedido a uma deslocação sem qualquer proveito.
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C) Da alegada nulidade da sentença
Na alegação deste recurso apresentado em 05/04/2024, veio a apelante arguir a nulidade da sentença com fundamento na falta ou deficiência da gravação da prova, referindo o seu requerimento de 14/03/2024 e sustentando que é uma nulidade de conhecimento oficioso.
O art. 155º do CPC (Código de Processo Civil) estabelece, na parte que ora interessa:
«(…)
3. A gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias, a contar do respetivo ato.
4. A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias, a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.
(…)».
Portanto, se «deve ser invocada», obviamente não é de conhecimento oficioso.
Além disso, trata-se de um vício procedimental cometido durante a audiência de julgamento, pelo que não é uma nulidade da sentença.
Assim, esse vício deve ser arguido em requerimento autónomo e não na alegação do recurso interposto da sentença (neste sentido, entre outros, Ac do STJ de 12/10/2022 -P. 171/21.2T8PNF.P1.S1).
Ora, na verdade, por requerimento autónomo de 14/03/2024, a apelante, arguiu a nulidade, dizendo:
«(…) no dia de hoje, a A. deu início à elaboração das suas alegações de recurso e acaba de verificar que quer as declarações de parte do legal representante da Requerente – LM, quer o depoimento das testemunhas DC e PS, ouvidas em Audiência são inaudíveis.», «sendo que os depoimentos das demais testemunhas, incluindo as da Requerida também não se apresentam com as mínimas condições,», «o que não permite a audição e transcrição das declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas prestados em Audiência de Discussão e Julgamento e inviabiliza de todo o exercício do direito da Requerente», «Ora, quer as declarações de parte quer os depoimentos das testemunhas, única prova produzida em sede de Audiência, foram tidos em consideração em sede de motivação/fundamentação de facto da d. Sentença,», «pelo que, não se conformando a Requerente com o teor daquela, nomeadamente para efeitos de recruso da matéria de facto da d. Sentença, a sua audição é indispensável».
Mas a 1ª instância indeferiu a arguição de nulidade nos termos do despacho reproduzido no relatório, do qual não foi interposto recurso, pelo que transitou em julgado (art. 628º do CPC).
Sucede que na alegação recursiva vem a apelante acrescentar, para fundamentar a oportunidade de arguição da nulidade da sentença:
«(…) no dia 26 de Março p.p., a ora Requerente verificou que, relativamente ao dia 5 de Janeiro de 2024, no que à sessão da Audiência de Discussão e Julgamento da parte de tarde diz respeito, e, na qual foram inquiridas as testemunhas GC e FB, ainda não tinham sido disponibilizados no CITIUS os respectivos áudios, constando da acta que os depoimentos dessas testemunhas se encontram registados das 14h:26m:12s às 14h:48m:02s e das 14h:48m:03s às 15h:06m:59s, respectivamente, tendo sido nesse dia requerida a disponibilização desses mesmos áudios ( sessão da parte da tarde do dia 5 de Janeiro p.p. ), para efeitos de transcrição que à Recorrente se lhe afigura(va) útil e necessária à interposição de recurso.
Daí que, perante essa situação concreta que é a ainda não disponibilização dos áudios da sessão de Julgamento, da parte da tarde, do dia 5 de Janeiro p.p., referente às testemunhas GC e FB, o que se verifica ainda à data de hoje e a esta hora, afigura-se-nos que tal facto é relevante até para efeitos de oportunidade da arguição da nulidade da sentença por deficiência da gravação da prova produzida na Audiência de Discussão e Julgamento requerida ao Tribunal a quo no dia 14 de Março p.p., ».
Aparentemente, esquece a apelante que no requerimento de 14/03/2024 já tinha afirmado: «sendo que os depoimentos das demais testemunhas, incluindo as da Requerida também não se apresentam com as mínimas condições».
Além disso, impõe-se lembrar que decorre do nº 2 do art. 199º, do nº 1 do art. 7º e do art. 8º do CPC um princípio muito importante: as partes devem agir com diligência para fazerem valer os seus direitos, no respeito pelo bom andamento do processo.
Assim, tendo sido realizada a audiência final em sessões nos dias 4 e 5 de Janeiro, deveria a apelante ter solicitado a disponibilização da gravação no prazo de 2 dias a contar de cada uma daquelas datas, atento o que dispõe o nº 4 do art. 155º do CPC.
Se não lhe fosse disponibilizada a gravação, deveria ter presente que o art. 157º do CPC dispõe, na parte que ora interessa:
«1. As secretarias judiciais asseguram (…) e regular tramitação dos processos pendentes (…) em conformidade com a lei do processo e na dependência funcional do magistrado competente.
(…)
5. Dos atos dos funcionários da secretaria judicial é sempre admissível reclamação para o juiz de que aquele depende funcionalmente.
6. Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.».
Portanto, a alegação do recurso da sentença não é o meio processual para alegar a falta de disponibilização da gravação.
Concluindo, improcede a arguição de nulidade.
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D) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Discorda a apelante da decisão quanto ao ponto 3 dos factos provados e quanto ao ponto 10 dos factos não provados.
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Quanto ao ponto 3 entende que deve ser dele eliminado e passar a constar dos factos não provados o segmento: «e deveu-se à redução de transações ao balcão».
Alega que esse facto só poderia ser provado através de documento a apresentar pela apelada.
O nº 5 do art. 607º do CPC estatui: «O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.».
Não indica a apelante e na verdade, inexiste, norma legal que imponha que a prova da redução das transações bancárias ao balcão seja efectuada por documento.
Mais alega a apelante que a testemunha SO referiu a redução dessas transações mas não nos termos em que o tribunal decidiu. No entanto, da transcrição do depoimento dessa testemunha resulta que a requerida, no âmbito da sua estratégia comercial, procedeu ao encerramento de agências por todo o país, face à redução drástica de transações ao balcão, como foi o caso dos autos, não tendo sido uma situação específica da região de Vila Real.
Por outro lado, nenhuma prova indica a apelante para fazer valer a pretensão de que seja julgado provado o contrário, ou seja, que a passagem daquelas agências a extensões não se deveu à redução de transações ao balcão.
Sobre o segmento «a alguns quilómetros não concretamente apurados» afirma a apelante que «estamos perante um facto notório que não carece de prova» e invoca o art. 412º do CPC.
O art. 412º do CPC estabelece:
«1 - Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral.
2 - Também não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções; quando o tribunal se socorra destes factos, deve fazer juntar ao processo documento que os comprove.».
Porém, não extrai qualquer consequência dessa afirmação.
Portanto, não se mostra errada a decisão da 1ª instância, improcedendo nesta parte, a impugnação.
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Quanto ao ponto 10 dos factos não provados, entende que deve ser julgado provado, ou seja: «Entre as sedes concelhias não existe rede de transportes públicos, pelo que a população que não tem transporte próprio, terá de recorrer ao táxi».
Invoca as declarações de parte de LM e os depoimentos das testemunhas ML, DS e AO. Porém, de nenhum deles resulta que inexiste rede de transportes públicos entre as sedes concelhias, mas sim que a rede de transportes públicos é má entre as diversas localidades daquela região, afectando as pessoas até para se deslocarem para assistência na saúde, sendo que PS referiu disponibilização de transporte pela «Câmara».
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E) O Direito
Sustenta a apelante que a diminuição dos serviços bancários que a apelada prestava aos cidadãos dos Municípios de Sabrosa, Mesão Frio e Tabuaço, privando-os dos mesmos serviços que presta aos demais cidadãos do País viola o princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa.
Na decisão recorrida entendeu-se que não está demonstrado tratamento diferente noutros municípios.
O art. 13º da CRP estatui:
«1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.».
Para haver violação do princípio da igualdade tem de haver tratamento diferente em situações idênticas.
Resulta dos factos indiciariamente provados que a limitação dos serviços bancários prestados pela apelada aos cidadãos destes municípios se insere num plano de redução de agências devido à redução de transações ao balcão. Mas, não está indiciariamente provado que esta actuação da apelada é diferente da adoptada noutros municípios em que há diminuição das transações ao balcão.
Portanto, não está indiciariamente demonstrada a violação do princípio da igualdade.
Mais sustenta a apelante que a decisão recorrida violou o disposto no art. 335º nº 2 do Código Civil, dizendo: «poder-se-á até admitir que os direitos fundamentais dos habitantes dos Municípios representados pela Recorrente e que resultam do princípio da igualdade – art. 13º da CRP, podem estar em colisão com o direito à livre iniciativa económica – art. 61º da CRP. Porém, a ocorrer essa colisão de direitos, in casu, perante direitos desiguais ou de espécie diferente, (…) por serem de hierarquia superior, devem prevalecer os direitos dos habitantes dos Municípios representados pela Recorrente sobre o direito da Recorrida (…)».
Este normativo legal prevê:
«1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.
2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.».
Ora, já concluímos que não está demonstrada a violação do princípio da igualdade.
Acresce que, além de não sabermos quantos eram os clientes das agências da apelada em Sabrosa, Mesão Frio e Tabuaço, certo é que não ficaram privados de serviços bancários, mas sim com limitações nos balcões e têm dificuldades ao acesso às agências onde todos os serviços são prestados em virtude da deficiência da rede de transportes públicos, como sobressai da alegação da apelante na petição inicial e neste recurso.
Aliás, é de admitir que mesmo os cidadãos dos municípios onde subsistem agências enfrentem dificuldades em aceder a estas devido à deficiente rede de transportes públicos sobretudo no interior do País.
Por quanto se disse, também não é de acolher este fundamento do recurso.
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IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Sem custas, dada a isenção subjectiva de que beneficia a apelante (art. 4º al. b) do Regulamento das Custas Processuais).

Lisboa, 20 de Junho de 2024
Anabela Calafate
Nuno Gonçalves
Jorge Almeida Esteves