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MANDATO
Sumário
I - Não é pelo facto do mandato forense ser remunerado, que se deve considerar que foi, também, conferido no interesse do mandatário. II - O mandante pode, livremente, revogar o mandato constituído a favor de advogado, já que tal relação pressupõe a existência de relação de confiança; quebrada ela pode o mandato ser revogado unilateralmente.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
1- RELATÓRIO
B.................., com os sinais dos autos, intentou acção declarativa, com processo sumário (responsabilidade civil emergente de acidente de viação), contra Companhia de Seguros X................, com sede em ..........., pedindo a condenação da ré no pagamento de uma indemnização no montante de Pte. 20.265.000$00, acrescida de juros moratórios, desde a citação.
O autor constituiu seu mandatário judicial o Sr. Dr. C.............., com escritório na comarca de ............ (ver procuração de fls. 55), o qual elaborou, além do mais, a petição inicial (ver certidão junta – fls. 4 e segs.).
Em 02/06/2003, o autor/mandante veio ao processo revogar o mandato que conferira ao Sr. Dr. C............
Notificado (artº 39º, nº 1, do CPC), o mandatário requereu o indeferimento da revogação, invocado a inexistência de justa causa e o seu desacordo à revogação.
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Conclusos os autos, o Sr. Juiz a quo entendendo que o mandato é livremente revogável, declarou revogado o mandato conferido pelo autor ao citado causídico, com “efeito a partir da notificação a que se refere o artº 39º do CPC”.
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Inconformado, o Sr. Dr. C............. agravou do despacho de fls. 34, tendo, nas alegações, concluído:
1ª- O mandato forense não é livremente revogável pelo mandante pois também é conferido no interesse do mandatário dependendo, por conseguinte, de justa causa (art. 1170, n° 2, C.Civil).
2ª- A advocacia não sendo uma actividade comercial ou industrial não deixa de ser uma actividade liberal por conta própria sem prejuízo, todavia, de ser outro o espírito que a orienta bem como justamente por esse mesmo motivo tem de ser couraçada em interesses materiais (dizer diferente é ter vivido sempre fora da realidade terrestre) .
3ª- O art. 1170º, n° 2, do C.C., tem de ser interpretado conjugadamente com o Estatuto da Ordem dos Advogados no sentido de abranger o mandato judicial. De facto como podemos interpretar aquele artigo de modo a saber-mos se abrange o mandato forense senão por via desse Estatuto que o caracteriza?
4ª- O art. 54, n° 2, do Estatuto, é muito mais um direito do Advogado do que do cliente. É uma liberdade de partida deste, no que tange à escolha daquele.
5ª- Desde logo o art. 65 do Estatuto tem como um dos critérios de honorários os resultados obtidos, o que implica desde logo que o resultado da demanda interessa (interesse móbil) ao advogado. Mas mesmo uma leitura global do n° 1 desse artigo indica esse interesse. Dela resulta um grande escrúpulo na forma de pagamento mas ao mesmo tempo uma grande latitude imposta pelo sentido das realidades. Iria mesmo mais longe dizendo que o Advogado que não faz seu o interesse do cliente não voga nele. Portanto, como se vê é mais do que ter interesse. Vamos dizê-lo, porque vai inteiramente ao encontro do senso comum, é estar espiritualmente na casa do cliente. O que quer dizer que para haver "divórcio" tem de haver acordo ou causa que o justifique.
6ª- E tanto assim, agora pelo lado do mandatário, que o Advogado não pode abandonar o patrocínio do mandante sem motivo justificado bem como recusar patrocínio oficioso (arts. 83, al. j) e 85, n° 1, do Estatuto) .
7ª- Acresce que todo o conjunto de direitos e deveres que resultam para o Advogado do seu Estatuto (arts. 76, 78, 79, 83 a 87) justifica essa interpretação. Repare-se o comum é o "divórcio" dar-se sem ninguém dizer porquê, mas tal não significa, antes pelo contrário, como a imagem do casamento pode espelhar, que quando um dos "cônjuges" o entende justificado, exija do outro justa causa.
8ª- O art. 78, al. g), do Estatuto, tem a haver com a relação do Advogado com a comunidade que serve e, indirectamente, com os colegas.
9ª- Por estas razões entendo que o art. 1172, al. c), do C.C., não é aplicável aos mandatos judiciais não obstante estes serem" onerosos" e como se sabe há quem se fundamente nesta alínea para considerar que o n° 2 do art. 1170, não é aplicável aos mandatos judiciais. Ora, como se vê a conclusão é oposta.
10ª- Por este recurso implicar a suspensão da instância, entendemos que deve subir nos próprios autos (arts. 680, n° 2, 734, n° 2, 736, 740, n° 1, 749 e 692 , n° 1 , do C.P.Civil).
Não houve resposta às alegações.
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O julgador a quo sustentou o despacho.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2- FUNDAMENTAÇÃO
2.1- OS FACTOS E O DIREITO APLICÁVEL
Cumpre referir, antes de mais, que se resolveu tomar conhecimento do recurso pese embora seja duvidoso que o recorrente tenha legitimidade para recorrer (artº 680º, do CPC).
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A matéria de facto a considerar, com relevo para a decisão do recurso, é a que antes se deixou referida.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 690º, nº 1 e 3, do C.P.Civil.
Entende o agravante que o mandato judicial conferido a advogado não é livremente revogável.
Não é essa a nossa opinião.
O mandato judicial presume-se oneroso (artº 1158º, nº 1, do CC).
No nº 1, do artº 1170º, do CC, consagra-se a liberdade de revogação do mandato por qualquer das partes, a não ser que o mandato seja conferido também no interesse do mandatário (nº 2 do citado normativo).
Como é sabido, o princípio geral da livre revogabilidade do mandato baseia-se na ideia de que os poderes representativos atribuídos pelo mandante ao mandatário, através desse contrato, constituem um acto de confiança do mandante. É na esfera jurídica do mandante que se produzem os efeitos dos negócios ou actos efectuados pelo mandatário, devendo, por isso, aquele ficar inteiramente livre de recuperar a autonomia da sua vontade, pondo termo àquela relação de confiança.
A outorga do mandato baseia-se na confiança que o mandante deposita no seu mandatário, compreendendo-se que, destruída ou abalada essa confiança, o mandante possa, desde logo, revogar o mandato.
No caso do mandato judicial, essa relação de confiança é por demais evidente, bem como o respeito pela autonomia da vontade do mandante, resultando explicitamente do preceituado no artº 54º, nº 2, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EAO), aprovado pelo DL nº 84/84, de 16/03, inexistindo qualquer interesse do mandatário a obstar à liberdade de revogação pelo mandante.
Com efeito, a exclusão do princípio da livre revogabilidade do mandato judicial não pode decorrer do facto de existir remuneração do mandatário porquanto esse interesse do advogado não é suficientemente relevante para que se possa afirmar que o mandato foi “conferido também no interesse do mandatário”.
A simples onerosidade não traduz ou evidencia o interesse do mandatário (Vaz Serra, RLJ, 103º/239).
Na verdade, a remuneração do mandatário mostra-se salvaguardada na lei já que o mesmo pode ser indemnizado pelo mandante nos termos do estatuído no artº 1172º, al. c), do CC.
Deste modo, sem necessidade de mais considerações, negamos razão ao agravante, improcedendo as conclusões de recurso.
3- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em negar provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo agravante.
Porto, 19 de Abril de 2004
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues
José António Sousa Lameira