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RECONHECIMENTO DO DIREITO DE PROPRIEDADE
RECONVENÇÃO
CÔNJUGES
ILEGITIMIDADE
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
SANAÇÃO DOS VÍCIOS
Sumário
I - Arrogando-se ambas as partes proprietárias do mesmo bem imóvel, estando pedido o reconhecimento do direito de propriedade e a entrega do mesmo bem imóvel quer pelos Autores, quer pelos Réus/Reconvintes, está-se no âmbito quer de uma ação, quer de uma reconvenção de que pode resultar a perda ou a oneração de bens que fazem parte da comunhão e que por isso mesmo só por ambos os cônjuges podem ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos podem ser exercidos. Nessas ações se deve incluir, considerando o objecto do processo, aquelas em que a eventual improcedência do pedido conduza a um resultado equivalente à perda ou oneração do direito real. II - Sendo o Réu/Reconvinte casado no regime da comunhão de adquiridos deve ser demandado acompanhado do cônjuge, assim como deve demandar os Autores/Reconvindos acompanhado do respectivo cônjuge, sob pena de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário, quer passivo relativamente à instância principal, quer activo relativamente à instância reconvencional. III - Detectada a preterição do litisconsórcio necessário não é imediata a absolvição da instância por ilegitimidade, podendo esta ser sanada mediante o convite estabelecido no art. 6º nº 2 do CPC, concedendo-se à parte prazo para suscitar a intervenção do cônjuge, mediante a prolação do despacho previsto no art. 590º nº 2 al. a) do CPC.
Texto Integral
Processo n.º 208/20.2T8ILH.P1- APELAÇÃO
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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO:
1.AA e esposa BB intentaram acção de reivindicação, sob a forma de processo comum, contra CC e DD, formulando os seguintes pedidos:
a) declararem-se os Autores proprietários do prédio descrito no artigo 1º da petição inicial;
b) os Réus condenados a tal reconhecerem;
c) os Réus condenados a restituírem aos Autores o terreno identificado em 1º deste articulado, livre e desocupado;
d) serem os Réus condenados a abster-se de praticar quaisquer actos que lesem os direitos dos Autores sobre o prédio identificado em 1º. deste articulado.
e) ser fixada uma sanção pecuniária compulsória no valor de €75,00 (setenta e cinco euros) diários, a pagar solidariamente pelos Réus, após citação e por cada dia de atraso no cumprimento pelos Réus do pedido efectuado na al. c) ou por cada dia em que haja uma sua violação.
f) serem os Réus, solidariamente condenados a pagar indemnização aos autores, pelos danos não patrimoniais que lhes causam e causaram em valor mínimo de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) e a pagar indemnização por danos patrimoniais, cujos valores se liquidarão posteriormente pelo que se remete para futura execução de sentença, valores esses, sempre acrescidos dos juros de mora vincendos, até efectivo e integral pagamento.
Para o efeito alegaram em síntese que, adquiriram por escritura de 12.10.2018 a EE, FF e GG o prédio identificado nos autos, para aí construírem a sua habitação, o qual confronta a nascente com o prédio propriedade dos aqui RR, tendo adquirido por usucapião face à posse durante mais de 40 anos, do conhecimento de todos, incluindo dos RR, de boa fé dos antepossuidores, contudo quando pretenderam iniciar as obras para entrar em construção depararam-se com a ocupação e uso indevido por parte dos RR, sobretudo por parte do 2º Réu, que se recusaram a deixar livre e desocupado o terreno que é propriedade exclusiva dos Autores, apesar das várias interpelações para restituição do mesmo, causando-lhes tal situação prejuízos graves por estarem impossibilitados de iniciarem a construção da sua habitação, de cujos danos patrimoniais e não patrimoniais descritos no articulado pretendem ser indemnizados e requerendo que o tribunal condene os RR a absterem-se de violarem o direito de propriedade dos AA e que fixe uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na restituição do prédio.
2. Os Réus deduziram contestação, suscitando como questão prévia que intentaram providência cautelar contra os aqui AA e também EE e seus filhos, porque entendem ser os proprietários do imóvel objecto da presente acção, por via do instituto da usucapião, primeiramente para a aqui Ré CC e actualmente por sucessão na posse para o aqui Réu DD, assim como impugnaram os factos que fundamentam a pretensão dos Autores/Apelantes, alegando que a escritura de compra e venda invocada pelos AA é nula porque o imóvel não pertencia em exclusivo a EE e muito menos aos seus filhos, tendo sido doado em vida à aqui Ré CC e à irmã EE pelos pais de ambas.
Mais deduziram reconvenção, formulando contra os Autores os seguintes pedidos reconvencionais:
a) Declararem-se os RR. proprietários do prédio urbano ...07 e os AA. condenados a reconhecer tal propriedade por via da usucapião, primeiramente para a Ré CC e por efeitos de sucessão na posse, para o Réu DD;
b) Consequentemente serem condenados a restituir a posse plena fruição do mesmo, e a absterem-se de praticar qualquer acto ou actos que lesem os seus direitos sobre o já identificado prédio;
c) Serem condenados a repor o terreno no estado em que estava antes da entrada em juízo da providência cautelar e dos presentes autos, retirando o gradeamento/vedação entretanto colocada no terreno para construção, constituído por estacas de madeira e arame em toda a extensão do terreno;
d) Tudo com a consequente declaração de nulidade da venda efectuada a 16/10/2018 aos AA. por se tratar de venda de bens alheios.
Para o efeito alegaram a aquisição do imóvel por usucapião, tendo o artigo urbano vendido por EE e filhos resultado do artigo rústico, o qual havia sido doado pelos pais da aqui Ré e de EE metade indivisa a cada uma, tendo a Ré usufruído da área total do terreno em toda a sua extensão e limites, de forma exclusiva e plena( incluindo a metade indivisa da irmã), sem oposição e à vista de todos, inclusivamente tendo a irmã da Ré, EE e seus filhos, acabado por vender a sua metade indivisa a HH, casado com a Ré CC por escritura de 12.03.2008, que assim ficaram proprietários da totalidade do terreno, o qual veio a ser transmitido por morte de HH em 2019 a II que por seu turno o vendeu ao irmão aqui Réu DD em 2020.
Mais requereram a intervenção provocada de:
1º- EE;
2º- GG;
3º- FF
Para o efeito alegaram que, dando por reproduzido todo o exposto no pedido reconvencional, torna-se necessária a referida intervenção, por se verificar uma situação de litisconsórcio necessário, porque a eventual procedência do pedido reconvencional terá efeitos tanto quanto aos RR como também aos demandados a intervir e qualquer decisão a proferir só regula em definitivo a situação para todos se todos estiverem presentes na lide.
3. Os Autores apresentaram réplica, deduzindo oposição aos pedidos reconvencionais, impugnando a matéria de facto alegada para os fundamentar, concluindo como na petição inicial.
Pronunciando-se sobre a intervenção provocada dos chamados suscitada pelos RR, para além de não se terem oposto, consideraram-na necessária, também a tendo requerido para poderem exercer o direito de regresso numa eventual improcedência da acção.
Mais requereram a condenação dos RR como litigantes de má-fé, no pagamento de uma multa e indemnização aos AA em quantia nunca inferior a €5.000,00.
4. Foi proferido despacho a admitir a intervenção principal provocada, pelo lado passivo quanto ao pedido reconvencional, de EE, GG e FF.
5. Regularmente citados, vieram os intervenientes deduzir contestação, dando por inteiramente reproduzido o teor da oposição deduzida no procedimento cautelar e aderindo ao teor da petição inicial dos AA/reconvindos.
6. Os RR/Reconvintes responderam à matéria de excepção suscitada pelos chamados e ao pedido de litigância de má-fé.
7. Dispensada a realização de audiência prévia, foi elaborado despacho saneador, no âmbito do qual foi admitida liminarmente a reconvenção, foi fixado o objecto do litígio, bem como os temas de prova.
8. Posteriormente os AA vieram requerer a ampliação do pedido quanto à alínea f) do petitório, pedindo a condenação dos RR a pagarem-lhes a parte já líquida dos danos patrimoniais, na quantia de €19.050,00 correspondente ao valor das rendas suportadas entre março de 2020 e setembro de 2022, acrescido de juros desde o vencimento de cada uma e até efectivo e integral pagamento.
9. Tal ampliação do pedido foi indeferida pelo tribunal em despacho exarado na acta de julgamento de 26.10.2022
10. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida a seguinte sentença: “Face ao exposto, julga-se a presente acção intentada pelos Autores parcialmente procedente e a reconvenção deduzida pelos Réus improcedente e, em consequência: a) Declaram-se os Autores AA e BB donos e legítimos proprietários do prédio urbano, constituído por terreno destinado à construção, sito na Rua ..., freguesia ..., Concelho de Ílhavo, encontra-se inscrito na matriz sob o artigo ...07 (anteriormente era o artigo urbano ...10 da freguesia ...) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob a ficha ..., da freguesia .... b) Condena-se os Réus os Réus CC e DD a reconhecerem a propriedade dos Autores referida em a); c) Condena-se os Réus CC e DD a restituírem aos Autores o prédio referido em a) livre e desocupado; abstendo-se de praticar quaisquer actos que lesem os direitos dos Autores sobre o mesmo. d) Condena-se os Réus CC e DD a pagar aos autores AA e BB, a titulo de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 75,00 € (setenta e cinco euros) por cada dia de atraso no cumprimento pelos Réus do determinado em c) ou por cada dia em que haja uma violação do direito de propriedade. e) Condenam-se os Réus CC e DD a pagar aos Autores AA e BB a quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros), a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento; f) Absolvem os Réus CC e DD do pedido formulado a título de danos patrimoniais; g) Absolvem-se os Autores/reconvindos AA e BB do pedido reconvencional formulado nos autos pelos Réus/reconvintes CC e DD. h) Mais se determina absolver os Réus CC e DD do incidente de litigância de má-fé contra si formulado. Custas por Autores e Réus na proporção do decaimento que se fixa em 10% para os Autores e 90% para os Réus – cfr. art. 527.º n.º1 e 2 do C.P.C. Notifique. Proceda ao registo da acção (caso ainda não tenha sido realizada) e, após trânsito em julgado, da presente decisão – cfr. art. 2.º n.º1, 3.º n.º1 alíneas a) e c), 8.º-A n.º1, 8.º-B n.º3 alíneas a) e c) e 8.º-C n.º2 e 3 do Código de Registo Predial.”
11. Inconformados os Réus interpuseram recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes CONCLUSÕES 1- O presente recurso abrange a decisão proferida sobre a matéria de facto, com reapreciação dos factos dados como provados e não provados, e também as consequências extraídas ao nível da apreciação de direito, 2- Verificou-se erro na apreciação da matéria de facto, face à prova produzida, especificamente os factos que foram dados como provados, e que são os pontos da proferida sentença. 3- Abrange assim a decisão proferida sobre a matéria de facto, com reapreciação dos factos dados como provados e não provados, e também as consequências extraídas ao nível da apreciação de direito. 4- Provou-se, como resultado deste autos, dos seus articulados, documentos e prova testemunhal produzida pelos Réus, e pelas declarações de parte, que os Recorrentes sempre utilizaram na totalidade, o prédio rústico ...02, actual urbano ...10. 5- A ampla prova testemunhal dos Recorrentes assim o traduz, assim como as declarações de parte, gravadas em suporte digital, e devidamente transcritas neste recurso, nos segmentos pertinentes, conforme imposição legal. 6- Não foi tal prova documental devidamente analisada nem valorada, assim como também não o foram, as declarações de parte de DD e CC, que aqui se transcreveram, estando gravados em suporte digital, nos segmentos que se creem relevantes; para melhor contextualização e entendimento, juntamente com a demais prova testemunhal relevante; 7- Ou, dito de outra forma, o Tribunal a quo valorou os depoimentos das testemunhas dos Recorridos, assim como as declarações e depoimentos de parte, com toda a sua amplitude e extensão, dando como verdadeiros todas as afirmações por eles feitas ou explicações quanto ao produto vendido, mas não valorou como sendo verdadeiros, de igual forma, os depoimentos das testemunhas da Recorrente, e os seus documentos, o que desde já não se entende. 8- Foram contraditórios e ou ensaiados, falseando a verdade dos factos, não devendo assim ser tidos por idóneos a produzir prova ou de atender, para a sentença proferida, os depoimentos da Autora BB, e da chamada EE e FF, bem comodas testemunhas JJ, KK, LL, conforme prova que foi transcrita, nos segmentos mais relevantes, na motivação/alegações deste Recurso e para onde se remete, com os demais efeitos legais. 9- Percorrendo a sentença, conclui-se que tais testemunhos e declarações tiveram para o Tribunal valor primordial para a sentença alcançada, mais ainda que a prova documental. 10-Mais, constata-te em todos eles (os referidos em 8) a remissão para alegadas conversas e actos ou factos tidas ou cometidos por HH, marido da 1ª Ré, já falecido desde ../../2018, impossibilitando por isso qualquer contraditório sobre o que tais pessoas disseram, de conversas que alegadamente com ele e apenas ele tiveram; ainda assim o Tribunal A Quo, valorou na plenitude tais declarações, como verdadeiras, sem exercício possível de um principio essencial, que é o princípio do contraditório. 11-Pelo que a matéria dada como provada 2.3.4., devem ser alterados de: 2- Há mais de vinte, trinta e quarenta anos, que os Autores e seus antepossuidores, por si ou por interposta pessoa, têm utilizado e fruído do prédio descrito em 1. aí realizando obras, pagando o que é hoje o IMI. 3.Tais actos praticados pelos Autores e seus ante possuidores, há mais de vinte, trinta, quarenta anos, sempre o foram com o conhecimento de toda a gente e das pessoas que residiam e residem nessa área, incluindo os Réus. 4.Além disso nunca sofreu qualquer interrupção no tempo e os Autores, por si e seus ante possuidores, sempre ignoraram ao iniciar a fruição e posse do prédio atrás descrito, se lesavam o direito de outrem, acreditando que o mesmo lhes pertencia. 12- Para: 2. Há mais de vinte, trinta e quarenta anos, que os Réus têm utilizado e fruído do prédio descrito em 1. aí realizando obras, pagando o que é hoje o IMI.3.Tais actos praticados pelos Réus, há mais de vinte, trinta, quarenta anos, sempre o foram com o conhecimento de toda a gente e das pessoas que residiam e residem nessa área, incluindo os Autores. 4. Além disso nunca sofreu qualquer interrupção no tempo e os Réus, sempre ignoraram ao iniciar a fruição e posse do prédio atrás descrito, se lesavam o direito de outrem, acreditando que o mesmo lhes pertencia. 13-O ponto 23.Os RR. utilizavam o terreno, tendo pequenas colheitas, flores, alguns pertences, e inclusivamente uma pequena garagem anexa à sua habitação, o que era do conhecimento dos Autores, deve ser alterado para: 23. Os RR. utilizavam o terreno, e dispunham da fruição da totalidade do mesmo, tendo pequenas colheitas, flores, alguns pertences, e inclusivamente uma pequena garagem anexa à sua habitação, em parte dele, o que era dos conhecimento dos Autores. 14- Os pontos 7 a 19 devem passar a factos não provados; 15- Os pontos dos factos não provados nas alíneas f,h,n,o,p,q,r,s,t devem passar a ser dados como provados, em perfeita consonância com a matéria dada como provada 21.22.23.29., 38 a 43. 16- Não se trata de apenas de “atacar” a convicção que foi formada pelo julgador, mas sim de, após percorrida aqui a prova que se produziu, com recurso às passagens pertinentes, e após desenvolver a análise crítica dessas provas, se demonstrar que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos da matéria de facto (já acima indicados quanto aos provados e aos não provados) não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável) 17- Da errada aplicação do direito, violação do artigo 615, nº. 1 c) do CPC - A sentença conclui que a Ré não logrou provar, como era seu ónus, em sede de reconvenção, a usucapião desde 1976, por falta de animus possidendi e mesmo que se considere a venda de 2008, não ocorreram os 15 anos para a aquisição por via da usucapião. 18- O QUE só se entende por evidente erro, tendo em conta até a matéria dada como provada e plasmada na sentença a partir do ponto 21. pela Meritíssima Juiz . 19- A Ré CC, apesar sim da sua idade da notória falta de compreensão dos termos jurídicos ou da implicação, e extensão dos mesmos, - o que foi claramente valorado em seu desfavor, foi clara em dizer que a sua irmã nunca quis saber do terreno, nunca lhe pediu que o tratasse, nem mandou cortar pinheiros ou limpar o terreno. 20- Fazendo assim apelo ao conceito do bonus pater familias, a designação de que a Recorrida CC foi fazendo como “terreno da irmã “ é compreensível, atendendo à matéria dos autos, pois estamos a falar da aquisição daquela metade indivisa da irmã, pelo decurso do tempo, e de tal referencia é impossível qualquer uma das partes se afastar, incluindo a Ré. 21- Sempre existiu animus possidendi, o que resulta dos testemunhos de MM, NN, DD, OO, e das próprias declarações da Ré CC. 22- Verificou-se violação do artigo 615º, n. 1 alíena d) do CPC. 23- Se assim não se entender, sempre se diz que o acto realizado de escritura pública em Outubro de 2018, no qual os AA. adquiriram o prédio já identificado, sempre configurará uma venda de bem alheio, pois o artigo urbano ...10 da ..., actual ...07, criado em 2007, e que derivou do rústico ...02, ainda pertencia e estava registado, nessa altura, em nome duas irmãs, 24- Depois em 2008, EE, Chamada nos autos, vende à irmã a sua metade indivisado 3602, logo e se o rústico ...02 e ... urbano actual ...07, são o mesmo prédio, -atendendo à matéria dada como provada - a EE vendeu indiscutivelmente à sua irmã tal artigo, razão pela qual não o poderia ter vendido, em 2018, como o fez, a terceiros. (pese embora o tenha registado na conservatória do Registo Predial em nome do falecido marido, como sendo um bem seu, o que é falso e constituiu um procedimento ilegal) – e tudo conforme prova documental que consta nos autos e que o tribunal recorrido analisou, mas quanto ao nosso humilde entendimento, não analisou corretamente, 25- Pelo que constitui venda de bem alheio, com as demais consequências legais. 26-Ocorreu o vício de ilegitimidade (excepção dilatória) de conhecimento oficioso,, devendo in casu conduzir à absolvição da instância, por preterição de litisconsórcio necessário legal, nos termos conjugados dos artigos 34, n. 3 do CPC, 278º, n. 1 e), 577 27- Violação do artigo 615º, n 1 e) do CPC – Nulidade da sentença, por ocorrência do vício da ilegitimidade, em caso de litisconsórcio necessário legal – artigo 34º, n. 1 do CPC, conduzindo à absolvição da instância nos termos do artigo 278º, n 1 e) do CPC, 577º e) e 578º, todos do CPC. 28- Estipula o artigo 34º, nº. 3 do CPC que devem devem ser propostas contra ambos os cônjuges as ações emergentes de facto praticado por ambos os cônjuges, as ações emergentes de facto praticado por um deles, mas em que pretenda obter-se decisão suscetível de ser executada sobre bens próprios do outro, e ainda as ações compreendidas no n.º 1. 29- Foi demandado apenas como 2ª Réu DD, quando o mesmo é casado com PP, no regime da comunhão de adquiridos, como bem sabem os Autores, e os Chamados, até porque o procedimento cautelar (que foi apenso aos presentes autos) que correu no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juizo de Comp. Gen de Ilhavo – J2 sob o n.º 177/20.9T8ILH e que foi instaurado pelos Réus e também por PP, enquanto esposa do Réu DD. 30- O próprio Réu, no ponto 73º da sua Contestação, refere a aquisição do artigo ...02 por documento particular autenticado, em 15-03-2020 e junta os documentos 9 e 10 como prova de tal aquisição a seu favor e da sua esposa, constando assim dos autos. 31-A ilegitimidade é conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 577º, alínea e) e 578º, com os efeitos previstos no artigo 278º, n. 1 e) do CPC, conduzindo por isso à absolvição da instância, o que deve ser declarado. 32-A esposa de DD, não tendo sido demandada, pode a qualquer momento intentar acção contra os AA, pois está em causa perder a propriedade ou direitos sobre a mesma, não produzindo assim a sentença o efeito útil e definitivo em caso de procedência. 33-A ação deve assim também por esta via improceder. Concluíram, pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a sentença recorrida, a qual deve ser substituída por outra que julgue a acção improcedente e totalmente procedente a Reconvenção, ou se assim não se entender, reconhecer-se a venda de bem alheio pelos Recorridos do artigo urbano ...10, na sequência da declaração da nulidade da venda efectuada em 2018 aos aqui Recorridos, ou ainda e mesmo que assim não se entenda, seja declarada a ilegitimidade do lado passivo, quanto ao 2º Réu, por se encontrar desacompanhado da sua esposa, em clara violação do artigo 34º, n. 3 do CPC, que remete para o nº. 1 do CPC, com as consequências da sua absolvição da instancia, estando o Tribunal por isso impedido de conhecer do mérito da causa. 12. Os Autores ofereceram contra-alegações, pugnando pela confirmação do julgado. 13. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
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As questões a decidir no presente recurso são as seguintes: 1ª Questão- Ilegitimidade por preterição do litisconsórcio necessário; 2ª Questão- Nulidades da sentença; 3ª Questão- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto; 4ª Questão- Aquisição do imóvel por usucapião; 5ª Questão-Venda de bens alheios.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. O prédio urbano, constituído por terreno destinado à construção, sito na Rua ..., freguesia ..., Concelho de Ílhavo, encontra-se inscrito na matriz sob o artigo ...07 (anteriormente era o artigo urbano ...10 da freguesia ...) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob a ficha ..., da freguesia ....
2. Há mais de vinte, trinta e quarenta anos, que os Autores e seus antepossuidores, por si ou por interposta pessoa, têm utilizado e fruído do prédio descrito em 1. aí realizando obras, pagando o que é hoje o IMI.
3. Tais actos praticados pelos Autores e seus ante possuidores, há mais de vinte, trinta, quarenta anos, sempre o foram com o conhecimento de toda a gente e das pessoas que residiam e residem nessa área, incluindo os Réus.
4. Além disso nunca sofreu qualquer interrupção no tempo e os Autores, por si e seus ante possuidores, sempre ignoraram ao iniciar a fruição e posse do prédio atrás descrito, se lesavam o direito de outrem, acreditando que o mesmo lhes pertencia.
5. Por escritura de 12 de Outubro de 2018, no Cartório Notarial de QQ, em ..., a fl.s 57 a 58, do livro ...07-G, o ora Autor, já aí identificado como casado, no regime de comunhão de bens adquiridos com a aqui Autora, declarou comprar a EE, a FF e GG, o prédio identificado em 1.
6. Actualmente o prédio em causa confronta do Norte com caminho, do Sul com Rua ..., do Nascente com HH, já falecido, marido e pai, respectivamente, dos 1º. e 2º. Réus e do Poente também com RR.
7. Os Autores, adquiriram o prédio em questão para aí edificarem construção de sua habitação, sendo tal facto do conhecimento dos aqui Réus, tendo tal intenção sido divulgada porque conhecida dos Réus a aptidão do terreno em causa para construção e a intenção do Autores ao adquiri-lo, até porque havia uma óptima relação de vizinhança.
8. Tal questão de aptidão do terreno em causa para construção é do conhecimento dos Réus, tanto assim que, ainda no tempo em que o prédio pertencia aos vendedores (ante possuidores) que acabaram por vender aos ora Autores, o marido e pai dos aqui Réus – HH - era o procurador da vendedora EE que, munido de procuração, outorgada por EE, apresentou junto da Câmara Municipal de Ílhavo, pedido de construção de habitação no terreno descrito em 1., sendo tal pedido deferido e em que o 2.º Réu DD figurou como sendo também habilitado (autorizado) para receber quaisquer documentos e/ comunicações referentes ao pedido da aludida construção.
9. Sabiam e conheciam, portanto, a natureza e aptidão para construção que o terreno referido em 1. possui e já possuía e da intenção dos Autores aí procederem à construção da sua habitação quando adquiriram o terreno em causa.
10. O pai da Autora BB mantinha boas relações com os Réus, designadamente com o falecido Sr. HH e mulher tendo até sido motivo de agrado por parte do falecido HH a intenção de os Autores adquirirem, como adquiriram tal prédio para aí construírem a sua habitação.
11. Os Autores ao pretenderem iniciar os preparativos para entrar em construção, depararam com a ocupação e uso por parte dos Réus, sobretudo por parte do 2º. Réu, que se recusam a deixar livre e desocupado o terreno.
12. Tendo os Autores prevenido os Réus que pretendiam iniciar a construção da sua habitação e que pretendiam que o terreno fosse limpo e desocupado pelos Réus de objectos aí depositados e até de uma pequena construção precária que ocupa parte do terreno dos Autores, os Réus decidiram não acatar tal pedido, mantendo ocupado parte do terreno dos Autores.
13. Tentando evitar o recurso a meios judiciais, sempre tentando que a questão fosse resolvida a bem, apesar de vários pedidos dirigidos pessoalmente aos Réus, porque este não acataram esses pedidos, os Autores decidiram notificar os Réus de forma expressa e por escrito, através de missiva que lhes foi dirigida pelo mandatário dos Autores, conforme documento n.º 8 junto com a petição inicial e que de dá aqui por integralmente reproduzido.
14. Os Réus ignoraram o pedido e solicitação, nada responderam persistindo na ocupação do prédio dos autores, o que motivou já participação de factos à GNR.
15. Os Réus têm depositado em parte do terreno referido em 1. electrodomésticos velhos e usados, ferros, têm uma construção em madeira de tipo precário e algumas plantações.
16. Tal impossibilita os Autores de iniciarem a construção da sua habitação e vêem-se na necessidade de contratar os serviços de advogado para resolverem este problema.
17. Deixam de poder utilizar e usufruir do sobredito prédio, deixando de lhe poder aceder livremente.
18. Os autores sentem-se desgastados e revoltados, causando ainda imensa tristeza nos autores o comportamento assumido pelos Réus.
19. Embora o prédio melhor identificado em 25. não se encontrasse dividido, desde sempre CC e EE identificaram como suas as seguintes metades: a metade situada à direita, a confrontar de nascente com SS, pertencente a CC e a metade situada à esquerda, a confrontar de poente com TT, pertencente a EE.
20. Em meados de 2007, EE e o marido da Ré, CC, decidiram dividir, formalmente, o prédio que estas haviam recebido dos seus pais.
21. O prédio urbano de onde emerge o artigo urbano descrito em 1. advém do prédio rústico da ... inscrito sob o artigo ...64 a favor da Ré CC e da sua irmã EE, por partilha em vida dos seus pais, os quais lhes deixaram, a cada uma, metade indivisa desse prédio, em 1976, por escritura pública.
22. A dada altura EE mencionou que gostava de ir viver para junto da irmã, o que no entanto, não veio a suceder.
23. Os RR. utilizavam o terreno, tendo pequenas colheitas, flores, alguns pertences, e inclusivamente uma pequena garagem anexa à sua habitação, o que era do conhecimento dos Autores.
24. Actualmente os AA. já colocaram estacas de madeira e gradeamento em arame no prédio descrito em 1..
25. Os Réus residem na Rua ..., na ..., em habitação, prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o nº. ...26, do qual a Ré CC é usufrutuária.
26. Esta habitação foi edificada sob o terreno rústico ...64 (artigo ...02 da extinta freguesia ...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo com o nº. ...48.
27. Por escritura pública de partilha em vida, celebrada em 17 de Março de 1976, no Cartório Notarial de Ílhavo, UU e CC, doaram uma metade indivisa do artigo rústico ...02, sito no ..., ..., à data não descrito na competente conservatória do Registo Predial, a CC e a outra metade indivisa do referido prédio a EE, vindo aquelas a registar posteriormente esta aquisição por doação, apenas em 1987 pela Ap. ...5 de 1987/03/11.
28. O prédio inscrito sob o artigo ...02 tinha então as seguintes confrontações: Norte: servidão, Sul: urbano do mesmo UU, Nascente: SS, Poente: TT e tinha aárea inscrita de 1320 m2.
29. Em parte deste artigo ...02, e já aquando da doação, CC edificou com o seu marido, a sua habitação, ficando a restante como terreno de cultura, confinando a Nascente com SS e a Poente com TT, e que aquela sempre cultivou, plantou, semeou e utilizou em toda a sua extensão e limites, desde 1976, fruindo da área total do terreno, incluindo a metade indivisa da irmã, sem qualquer oposição fosse de quem fosse e à vista de todos.
30. EE, aquando da referida escritura de partilha de 1976, vivia nos Estados Unidos da América com o marido, (o qual veio a falecer em 1996), e onde reside até aos dias de hoje, vindo a Portugal esporadicamente e nem todos os anos.
31. Em 2007, é criado o artigo urbano ...10, pelo procurador de EE, o falecido HH, com a área de 1369 m2, registando-se esse artigo na repartição de finanças de Ílhavo, com as seguintes confrontações: Norte: Caminho Sul: Rua ...: HH (falecido marido de CC e pai de DD) Poente: RR (descendente de TT)
32. Tal artigo foi depois ainda relacionado no modelo I, Imposto de selo por óbito do então falecido marido de EE.
33. O referido artigo foi registado posteriormente na CRP com a descrição ...81 como pertencendo a VV (falecido marido de EE) dando como título aquisitivo a participação do óbito, Imposto de selo, no qual tal artigo foi relacionado, tendo a aquisição sido registada pela Ap ... de 2008/02/26.
34. Por escritura pública celebrada em 18.2.2008 ou 12 de Março de 2009, DD, na qualidade de procurador de EE, GG e FF, declarou vender a HH, casado com a Ré CC, pelo valor de € 500,00, metade do prédio rústico, descrito na CRP sob o número ...48 e inscrito na matriz sob o artigo ...02.
35. Em 2019/08/10, por dissolução da comunhão conjugal e partilha de herança, na sequência do óbito de HH, o artigo rústico ...02 (actual R ...) foi adquirido pelo filho da 2ª Requerente, II casado com WW.
36. Por documento particular, com termo de autenticação, datado de 15.2.2020, II e mulher declararam vender a DD e mulher, o prédio rústico descrito na CRP sob o número ...48 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...64.
37. Os Autores AA e BB enviaram aos requerentes, a 24 de Janeiro de 2020, carta cujo teor se dá como integralmente reproduzido e refere, em parte: “como é do seu conhecimento, os meus constituintes (…) adquiriram em 12 de Outubro de 2018, um terreno apto a construção urbana (artigo matricial inscrito na matriz predial sob o n.º ...07, anterior ...10 e descrito na Conservatória do registo Predial sob a ficha n.º ...81) (…) , ora tal terreno é contiguo (…) a uma propriedade pertença da D. CC (…). Tendo o Sr. AA e mulher iniciado os trâmites para a construção que pretendem levar a cabo nesse terreno, depararam-se com algumas questões e oposição levantadas pela Sra. CC e pelo Sr. Seu filho, DD, quanto a deixarem essa propriedade totalmente livre e desocupada (…)
38. O prédio referido em 1. foi utilizado e fruído pela Ré e seu marido, dali colhendo o que plantavam e semeavam, sempre esta efectivamente usou este terreno, plantou e inclusivamente até ali edificou uma garagem, em estrutura metálica, ali acedendo livremente e guardando os seus pertences.
39. Tal estrutura ali se mantém até hoje, sendo utilizada única e exclusivamente pela Ré, e mais recentemente pelo seu filho, o aqui ré que com ela vive desde que o pai faleceu.
40. Praticando os actos de posse, à vista e com conhecimento de toda a gente, nomeadamente da sua irmã e filhos, ou até do marido, bem como dos vizinhos titulares dos prédios confinantes, portanto, publicamente.
41. E sem oposição nem impedimento de quem quer que fosse ou de quem quer que seja, isto é, sem qualquer tipo de violência, portanto, pacificamente.
42. E sempre assim, ao longo de todo o ano e ao longo de todos os anos referido, de modo ininterrupto, portanto, continuamente.
43. Da totalidade do prédio referido, com todas as suas pertenças, dele colhendo todos os respectivos frutos e utilidades, com várias colheitas, flores, colocação de fardos de palha, a existência de árvores e pinheiros que a Ré e o seu marido plantaram ao longo dos anos.
2. O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
a) O referido em 11. foi do agrado dos Réus.
b) Os autores continuam a pagar os impostos referentes ao prédio em questão.
c) O referido em 15. e 16. pode levar os Réus a entrar em incumprimento com empreitada contratada e até a sua anulação.
d) Era do conhecimento dos RR que o Sr. HH tinha sido mandatado para tratar de propriedades que a EE tinha e tem na ..., tendo aquela solicitado a sua ajuda para inclusivamente proceder ao loteamento de uma dessas propriedades para vender, assim como para que este tratasse de assuntos relacionados com os mesmos.
e) O propósito referido em 21. ocorreu por causa desses terrenos na ..., e caso os vendesse.
f) Sobre o dito terreno, EE nunca chegou a realizar qualquer obra sequer, medição, procedimento, limpeza.
g) Os Réus tinham no terreno referido em 1. um furo de rega.
h) O referido em 23. ocorre em toda a extensão do terreno.
i) Antes de vedaram o terreno, em Abril de 2020 e já no decurso da providência cautelar, introduziram também um tractor na propriedade, que acabou por cortar tudo o que por ali estava implantado, fossem ervas ou alguma plantação restante ou flores, acedendo por isso ao local.
j) A área total deste artigo rústico era e sempre foi de cerca de 2689m2.
k) A criação do artigo referido em 31. destinou-se apenas a instruir um pedido à Câmara Municipal de Ílhavo de viabilidade de construção de uma habitação naquele terreno, o já mencionado ...02, tendo para tal o pedido sido encabeçado pela EE.
l)Pese embora o seu pai tenha intervindo, foi na altura todo o procedimento realizado com o auxílio do trabalho de um solicitador.
m) O artigo foi inscrito na matriz por mero preenchimento da modelo I de IMI, onde manualmente se inscreveram as confrontações, áreas e proprietários sem no entanto qualquer título aquisitivo do direito.
n) O tal artigo urbano (actual ...07) corresponde a parte da área real, ainda que não registada, do artigo rústico ...02 (actual ...64).
o) O referido em 38. ocorre até hoje.
p) A estrutura metálica referida em 38. ali se encontra há cerca de 30 anos.
q) Nunca tal terreno foi murado ou dividido, nunca dele tomou posse ou usou, fosse de que forma fosse, a EE ou os seus filhos, em representação do falecido marido.
r) A Ré CC e seu então marido ali colocaram inclusivamente os marcos que ainda hoje ali se mantêm, delimitando toda a extensão do mesmo, a nascente e a poente.
s) A Ré e o seu marido (até à data do seu falecimento) pagaram os respetivos impostos, na séria convicção que esse prédio era propriedade deles em propriedade exclusiva.
t) Na séria convicção de não estarem a lesar quaisquer direito de outrem, portanto, de boa-fé.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
1ª Questão- Ilegitimidade por preterição do litisconsórcio necessário.
Estamos perante uma ação de reivindicação de imóvel, do qual quer os Apelantes/Reconvintes, quer os Apelados se arrogam proprietários, tendo os Apelantes invocado primeiramente a aquisição originária por usucapião (apesar de terem aludido também à aquisição por compra e venda) e os Apelados invocaram a aquisição derivada por compra e venda e a usucapião por sucessão na posse.
Na presente ação pedem os Autores, entre outros pedidos indemnizatórios, que sejam declarados proprietários do prédio descrito no artigo 1º da petição inicial e que os Réus sejam condenados a tal reconhecerem, bem como a restituírem-lhes o referido prédio livre e desocupado, abstendo-se de praticar quaisquer actos que lesem os seus direitos sobre o mesmo prédio.
Esta acção foi intentada quando já se mostrava pendente procedimento cautelar inominado com efeito antecipatório para manutenção da posse e abstenção da prática de actos, a qual fora intentada por DD (Réu nos presentes autos) e PP, enquanto casados no regime da comunhão de adquiridos e, CC (Ré nos presentes autos) contra os Autores da presente ação AA e BB e os intervenientes na presente acção EE, GG e FF, ali se arrogando os requerentes proprietários do imóvel que é objecto desta acção de reivindicação.
Naquele procedimento cautelar o aqui Réu DD apresentou-se como requerente, conjuntamente com a sua mulher, referindo serem casados sob o regime de comunhão de adquiridos, alegando terem comprado o imóvel a II em 15.02.2020 por documento particular autenticado e com registo de aquisição a seu favor, bem como invocando a aquisição do imóvel por usucapião, por sucessão na posse, ou por acessão da posse, com o objectivo de juntar à sua actual posse a posse anterior exercida pela mãe CC.
Apesar da pendência daquele procedimento cautelar, no qual o aqui Réu DD arrogando-se proprietário do imóvel reivindicado pelos aqui Autores fez-se acompanhar na propositura do mesmo pela mulher PP, os aqui Autores (ali requeridos) não demandaram como co-Ré a mulher daquele Réu.
Não obstante, o aqui Apelante/Réu também não suscitou na contestação por si apresentada a sua ilegitimidade passiva, por estar desacompanhado da mulher, nem requereu a intervenção da sua mulher quando deduziu reconvenção, em cuja sede pediu, por seu turno, que fosse declarado proprietário do prédio urbano ...07 (conjuntamente com a sua mãe) e que os AA. fossem condenados a reconhecer tal propriedade por via da usucapião, primeiramente para a Ré CC e por efeitos de sucessão na posse, para o Réu DD, bem como que fossem condenados a restituir a posse, plena fruição do mesmo, e a absterem-se de praticar qualquer acto ou actos que lesem os seus direitos sobre o já identificado prédio.
Só agora, em sede de alegações de recurso, proferida que foi sentença que não lhes reconheceu tal direito de propriedade, tendo sido julgado procedente o pedido de reconhecimento dos aqui Autores/Apelados como os únicos proprietários do referido imóvel e julgada totalmente improcedente a reconvenção, é que o Apelante DD se lembrou que afinal é casado com PP no regime de comunhão de adquiridos e que não tendo sido demandada a sua mulher deverá ser declarado parte ilegítima por preterição do litisconsórcio necessário, pedindo que seja absolvido da instância quanto aos pedidos formulados pelos Autores/Apelados.
Os Apelantes/Reconvintes sustentam que é aplicável o art. 34º nº 3 do CPC e que não tendo sido demandada a esposa de DD aquela poderá a qualquer momento intentar acção contra os Apelados porque está em causa perder a propriedade de um imóvel, pois pretende-se obter decisão susceptível de implicar a perda de direitos sobre bens que só podiam ser alienados pelos dois, ou a perda de direitos que só por ambos podem ser exercidos.
Concluem que estamos perante o vício da ilegitimidade, de conhecimento oficioso, por preterição de litisconsórcio necessário legal, que conduzirá à sua absolvição da instância, nos termos conjugados dos arts. 278º nº 1 al. e), 577º al. e) e 578º todos do CPC.
Não ignoramos que a excepção da ilegitimidade passiva e/ou activa é de conhecimento oficioso e incumbiria ao tribunal a quo dela conhecer, sem prejuízo de dever ser conhecida por este Tribunal da Relação, tendo sido invocada em sede de alegações de recurso, porém não podemos deixar de notar o comportamento censurável dos Apelantes face ao timing de arguição da referida excepção e às consequências processuais que dela decorrerão.
Não deixa de ser curioso os Apelantes não invocarem a mesma ilegitimidade, desta vez activa, para os pedidos reconvencionais por eles apresentados, pugnando em sede do presente recurso pela sua procedência quando resulta evidente que se se concluir pela ilegitimidade passiva do co-Réu por ter sido demandado desacompanhado da sua mulher, inevitavelmente também terá como consequência a sua ilegitimidade activa quanto aos pedidos reconvencionais sendo, como são, idênticos os pedidos de reivindicação do mesmo imóvel e de cujo desfecho poderá com muita probabilidade ocorrer a perda do imóvel do qual ambas as partes se arrogam proprietárias, pelo que se houver ilegitimidade passiva do co-Réu DD relativamente aos pedidos formulados pelos Autores/Apelados, haverá que também conhecer da mesma excepção da ilegitimidade (agora activa) relativamente aos pedidos reconvencionais por si formulados.
Vejamos.
O conceito de legitimidade processual está estabelecido no art. 30º do CPC, segundo o qual o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar e o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
Esse interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Especificamente sobre as “ações que têm de ser propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges”, o art. 34º do CPC estabelece o seguinte regime:
1 - Devem ser propostas por ambos os cônjuges, ou por um deles com consentimento do outro, as ações de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as ações que tenham por objeto, direta ou indiretamente, a casa de morada de família.
2 - Na falta de acordo, o tribunal decide sobre o suprimento do consentimento, tendo em consideração o interesse da família, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 29.º.
3 - Devem ser propostas contra ambos os cônjuges as ações emergentes de facto praticado por ambos os cônjuges, as ações emergentes de facto praticado por um deles, mas em que pretenda obter-se decisão suscetível de ser executada sobre bens próprios do outro, e ainda as ações compreendidas no n.º 1.
Para além deste regime devemos ter presente que a falta de um dos sujeitos da relação material controvertida poderá integrar-se no regime estabelecido no art. 33º do CPC, que prevendo o litisconsórcio necessário, refere que:
1 - Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
2 - É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. 3 - A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.
É através da articulação dos referidos preceitos legais que deverá ser apreciada a excepção da ilegitimidade do Apelante DD, derivada da invocada preterição do litisconsórcio necessário, tendo presente que estando agora documentado nos autos que é casado com PP no regime da comunhão de adquiridos, fazem parte da comunhão os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei, por força do disposto no art. 1724º al. b) do CC e carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime de separação de bens, a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns ( art. 1682.º-A do CC).
Parece-nos indiscutível que, arrogando-se ambas as partes proprietárias do mesmo bem imóvel, estando pedido o reconhecimento do direito de propriedade e a entrega de tal bem imóvel quer pelos Apelados, quer pelos Apelantes/Reconvintes, sustentada no exercício de um direito de propriedade assente ora na compra e venda, ora na usucapião (em ambos os casos) estamos no âmbito quer de uma ação, quer de uma reconvençãode que pode resultar a perda ou a oneração de bens que fazem parte da comunhão e que por isso mesmo só por ambos os cônjuges podem ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos podem ser exercidos.
Nessas ações se deve incluir, considerando o objecto do processo, aquelas em que a eventual improcedência do pedido conduza a um resultado equivalente à perda ou oneração do direito real, como é manifestamente o caso.[1]
Consequentemente, a presente ação tal como foi, e bem, proposta por ambos os cônjuges autores-AAe esposaBB-, deveria ter sido proposta contra ambos os cônjuges réus-DD e PP-, tal qual a reconvenção devia ter sido proposta por estes últimos, não apenas pelo Apelante/Reconvinte DD desacompanhado da mulher, conforme exige o art. 34º nº 1 e 3 parte final do CPC.
Como reforço desta posição, o art. 33º do CPC também considera necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, sendo que a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.
Tal como defende José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “por lei expressa, constituem exemplos de litisconsórcio necessário (…) em adjectivação do regime substantivo das relações patrimoniais dos cônjuges, o nº 1 e a 1ª e a 3ª partes do nº 3 do art. 34º”.[2]
Seria totalmente desaconselhado e por isso o legislador procurou acautelar que tal situação não acontecesse, que a mulher do Apelante/Reconvinte pudesse vir futuramente discutir novamente o direito de propriedade sobre o bem imóvel que pela sentença recorrida ficara reconhecido aos Apelados, voltando a questionar tal propriedade por também se arrogar proprietária do referido imóvel, porquanto não ficara abrangida pela força do caso julgado, podendo assim destruir o efeito útil normal de tal decisão.
Como escrevem os aludidos Autores em anotação ao art. 33º do CPC, “a norma do nº 3 não trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças- ou outras providências- inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais.
A pedra de toque do litisconsórcio necessário é, pois, a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, ou ainda, nas ações de simples apreciação de facto, apreciando a existência deste, sem a presença de todos os interessados por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar.”[3]
O Ac STJ de 10.11.2020, que recaiu sobre Acórdão que conheceu desta mesma matéria, o qual aqui acompanhamos face à similitude da situação concreta sob apreciação, debruçando-se também sobre ação de reconhecimento de propriedade de bem imóvel por uma parte desacompanhada do cônjuge e na qual se impunha também o litisconsórcio necessário na reconvenção por nela estar também pedido o reconhecimento da propriedade sobre o mesmo bem imóvel, nele foram tecidas as seguintes considerações pertinentes para o caso sub judice e que reiteram o entendimento acima explanado:
“Como é sabido o litisconsórcio pode ser voluntário ou necessário e, na perspectiva da pluralidade de partes às quais é imposto, tanto pode ser activo ou passivo. O litisconsórcio necessário legal é aquele que imposto pela lei ao autor ou autores da acção ou ao réu ou réus reconvintes (arts. 33º e 34º do CPC)
No litisconsórcio necessário, todos os interessados devem demandar ou ser demandados. A falta de qualquer parte, activa ou passiva, numa hipótese de litisconsórcio necessário determina sempre a ilegitimidade da parte ou partes presentes em juízo (art. 33º, nº 1 do CPC).
Só existe litisconsórcio necessário quando a lei ou a lógica (litisconsórcio natural) exijam a presença na lide de todos os interessados para que a decisão produza os efeitos erga omnes, ou seja, para que a sentença produza o seu efeito útil normal: define uma situação jurídica que não poderá mais ser contestada, resolve a situação jurídica em definitivo, não podendo ser alterada.
O litisconsórcio necessário legal é o que imposto pela lei (artº 33º nº 1 e 34º do CPC). Exemplo de litisconsórcio necessário legal é o litisconsórcio entre cônjuges. Relativamente à propositura da acção, o litisconsórcio necessário quanto a direitos que apenas possam ser exercidos por ambos ou a bens que só possam ser administrados ou alienados (artº 34º nº 1 do CPC).
Nas acções referidas a actos de disposição, o litisconsórcio activo é necessário quando o objecto do processo for, designadamente, bens imóveis próprios ou comuns, salvo se os cônjuges forem casados no regime de separação de bens (artº 1692-A nº 1 do Código Civil).
Relativamente à demanda dos cônjuges, o litisconsórcio é imposto quando o objecto do processo for, nomeadamente, um direito que apenas pode ser exercido por ambos os cônjuges ou um bem que só por eles pode ser administrado ou alienado (artº 34º, nº 3 do CPC).
O litisconsórcio necessário natural é o imposto pela realização do efeito útil normal da decisão do tribunal (artº 33º, nº 2 do CPC).
De acordo com o disposto no art.33º, nº2 do CPC , o efeito útil normal da decisão é atingido quando sobrevém uma regulação definitiva da situação concreta das partes – e só delas – quanto ao objecto do processo (…).
Podemos, assim, concluir que na determinação do litisconsórcio releva apenas a eventualidade de a sentença não compor definitivamente a situação jurídica das partes, por esta poder ser afectada pela solução dada numa outra acção entre outras partes.”[4]
Atenta a argumentação acima exposta, temos de concluir que houve preterição do litisconsórcio necessário passivo na instância principal perante a dedução dos pedidos formulados pelos autores apenas contra o Réu DD, por ter sido demandado nesta acção de reivindicação desacompanhado do cônjuge com quem é casado no regime da comunhão de adquiridos.
Mas também houve preterição do litisconsórcio activo na instância reconvencional perante a dedução dos pedidos reconvencionais da mesma natureza apenas pelo Reconvinte DD desacompanhado do respectivo cônjuge.
Conduzindo tal preterição à ilegitimidade do Apelante/Reconvinte a absolvição não seria apenas da instância principal, mas também da instância reconvencional, face à inversão das partes processuais nas duas instâncias.
Acontece que, contrariamente ao sustentado pelos Apelantes, detectada a preterição do litisconsórcio necessário não é imediata a absolvição da instância, porquanto “detetada alguma ação em que se verifique a falta de intervenção ou de consentimento de um dos cônjuges que ainda não tenha sido suprida, o juiz, sob perna de absolvição da instância, fixará prazo para obtenção deste, suspendendo-se a ação em termos análogos aos previstos no art. 29º”[5], uma vez que conduzindo a preterição do litisconsórcio à ilegitimidade da parte e podendo esta ser sanada mediante o convite estabelecido no art. 6º nº 2 do CPC, as consequências não são de imediato apreciadas, apenas no despacho saneador ( art. 595º nº 1 al. a) do CPC) mas sempre depois de concedido à parte prazo para praticar o acto, neste caso sendo suscitada a intervenção do cônjuge do Apelante, mediante a prolação pelo tribunal a quo do despacho previsto no art. 590º nº 2 al. a) do CPC, diligência essa que conduz, inevitavelmente à anulação de todo o processado subsequente à dedução dos articulados, nele se incluindo a sentença recorrida.
Por tais motivos, regressando o processo à fase dos articulados e devendo o tribunal a quo proferir despacho a convidar ambas as partes a sanar a preterição do litisconsórcio necessário, quer activo, quer passivo, este último relativamente à instância reconvencional, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no âmbito do presente recurso.
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V. DECISÃO Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em anular todo o processado subsequente aos articulados, para que o tribunal recorrido profira despacho aconvidar ambas as partes a sanar a preterição do litisconsórcio necessário, quer passivo relativamente à instância principal, quer activo relativamente à instância reconvencional.
Custas a cargo de Apelantes e Apelados, em partes iguais.
Notifique.
Porto, 21 de Maio de 2024
Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
Relatora)
Ramos Lopes
(1º Adjunto)
Anabela Dias da Silva
2ª Adjunta)
(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
________________________ [1] Neste sentido José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, vol 1º, 4ª edição, pág. 101 [2] CPC Anotado, Vol. 1º, 4ª edição, pág. 98 [3] Ob. Cit, pág. 99 [4] Proc. Nº 244/16.3T8ALB-A.P1.S1, www.dgsi.pt [5] A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa, CPC Anotado, vol. I, 2ª edição, pág.70