SENTENÇA
CONDIÇÃO
INADMISSIBILIDADE
CONDENAÇÃO EM CUSTAS
VALOR DA AÇÃO
PEDIDO GENÉRICO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sumário


A sentença dos autos, que condena a ré no pagamento dos custos de consolidação da estrutura da habitação do Autor, caso venha a ser necessário, constitui uma condenação condicional que não pode ser admitida, pois o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto, que exige uma ulterior indagação judicial.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

1. AA intentou ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB.

Alegou:

- que a R. fez executar obras em prédio de que é proprietária que causaram estragos estruturais em imóvel contíguo de que é proprietário;

- que está impedido de arrendar esse imóvel e

- que tais circunstâncias lhe têm acarretado nervosismo, angústia, medo e noites mal dormidas.

O seu pedido tem o seguinte teor:

Seja a presente ação declarativa comum julgada procedente, por provada, e em consequência seja a Ré condenada a indemnizar o Autor, em todos os prejuízos advenientes, que, por ainda não serem concretizáveis, deverão ser determinados em incidente de liquidação;

Seja ainda condenada a suportar o valor de renda de imóvel que o Autor deixou de receber desde Abril de 2019, durante o período de reparação e, até à integral reparação;

E, por fim, seja condenada a proceder às reparações necessárias na sua habitação a fim de criar sustentabilidade ao prédio;

A suportar os custos da consolidação da estrutura da habitação do Autor e a suportar a reparação dos danos causados no interior da habitação, em valor a apurar em liquidação posterior;

A pagar € 5.000,00, de indemnização por danos não patrimoniais, e juros à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

2. A Ré contestou e deduziu pedido reconvencional, consistente na condenação do Autor a indemnizá-la por prejuízos causados pela interposição de procedimento cautelar de embargo extrajudicial de obra nova pelo Autor, nomeadamente pelo tempo de paragem da construção.

Requereu a intervenção de “J...Unipessoal, Lda.”, que foi admitida.

A chamada contestou, impugnando o alegado e sustentando que os danos não lhe são imputáveis por se terem ficado a dever a erro na conceção do projeto.

3. Não foi admitido o pedido reconvencional formulado pela Ré.

4. Houve lugar a saneamento do processo, seguido da realização de audiência de discussão e julgamento.

5. Foi proferida sentença que condenou a Ré:

- no pagamento dos custos de consolidação da estrutura da habitação do A., caso venha a ser necessária, e

- no pagamento dos custos relativos à reparação dos danos causados no interior da habitação deste, sita na Rua ..., em ..., inscrito a favor do requerente na matriz predial sob o nº 9 da Freguesia de ..., e descrito sob o nº ...18, da Conservatória do Registo Predial ..., descritos nos factos provados 5., 18., 19., e 28, a apurar em liquidação;

- no pagamento ao A. de € 1 500,00 a título de danos não patrimoniais;

- absolveu a R. do demais peticionado.

Bem assim, condenou as partes no pagamento das custas da ação na proporção de 80% a cargo da Ré e 20% a cargo do Autor.

6. Não se conformando com a sentença na parte em que a condena no pagamento dos custos de consolidação da estrutura da habitação do A., caso venha a ser necessária, nos custos relativos à reparação dos danos causados no interior da habitação do A. a apurar em liquidação, descritos nos factos provados 18 e 28, no pagamento ao A. de € 1 500,00 a título de danos não patrimoniais e no pagamento das custas da ação na proporção de 80% a seu cargo, a Ré interpôs recurso de apelação.

7. O Tribunal da Relação proferiu acórdão, revogando parcialmente a sentença e estabelecendo o seguinte dispositivo:

«Nos termos sobreditos, acorda-se:

a - em revogar a decisão de condenação da R. a pagar os custos de consolidação da estrutura da habitação do A., caso venha a ser necessária, absolvendo-se a R. de tal pedido;

b - em alterar a decisão de condenação no pagamento dos custos relativos à reparação dos danos causados no interior da habitação do A. nos seguintes moldes:

condena-se a R. a suportar os custos, a apurar em liquidação, com a reparação dos seguintes estragos verificados no imóvel do A.:

i - fissuras nas paredes adjacentes ao prédio a poente, oblíquas e verticais na ligação com as paredes transversais interiores e na ligação das paredes ao teto;

ii - fissura pelo interior da ombreira da porta principal (alçado principal);

iii - desnivelamento do pavimento interior.

c - em confirmar a decisão de condenação da R. pagar ao A. € 1 500, 00 de danos não patrimoniais.


*


As custas serão suportadas na proporção de 72% pelo A. e de 28% pela R., por tal ponderação corresponder ao valor da sucumbência (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.)».

8. Inconformado, o autor, interpôs recurso de revista, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

«A- Salvo o devido respeito por melhor opinião, a matéria de direito ou de facto alegada nos presentes autos não sustenta a posição doutamente assumida pelo Tribunal da Relação, senão, vejamos:

B- As conclusões ínsitas nas alegações da R. delimitam o objeto do recurso com o qual o Recorrido é confrontado e sobre o qual deve incidir o Tribunal Ad Quem, não podendo o Tribunal Ad Quem conhecer de questão que delas não conste;

C- Sucede, no entanto, que na página 37, o Acórdão debruçou-se sobre a seguinte matéria de direito: “B- Se a condenação da R. no pagamento dos custos de consolidação da estrutura da habitação do A. no caso venha a ser necessária extravasa o pedido e da admissibilidade da condenação sob a condição de se vir a apurar a necessidade da consolidação”;

D- Determinando assim, a absolvição da R. no pedido formulado

E -Relativamente a esta matéria, a R. limitou-se a invocar nas suas conclusões a nulidade: “É NULO o segmento da decisão em que condena a ré “No pagamento dos custos de consolidação da estrutura da habitação do Autor, caso venha a ser necessária…”, por violação do disposto no art.º 615º, nº 1 al. c) e 609º, ambos do Código do Processo Civil.”

F- Ao Tribunal da Relação, cabia unicamente apreciar a nulidade da norma e, nada mais para além disso

G- Face ao supra exposto, estamos perante uma nulidade por excesso de pronúncia nos termos do art 615.º n.º 1 al d) + 674.º n.º 1 c) + 608.º n.º 2 todos do CPC;

H- Em virtude de o Acórdão se ter pronunciado sobre se o pedido de condenação da R. no pagamento dos custos de consolidação da estrutura da habitação do A., extravasava o pedido ou, quanto à admissibilidade da sua condenação, apesar de a mesma não ter sido suscitada, alegada ou integrar sequer as conclusões da R.

I- Ao invés, apenas poderia debruçar-se sobre a nulidade quanto ao pagamento dos custos de consolidação da estrutura da habitação do Autor, caso venha a ser necessária…”, por violação do disposto no art.º 615º, nº 1 al. c) e 609º, ambos do Código do Processo Civil

J - Tratando-se assim, de uma decisão surpresa o que, viola do princípio do contraditório, que se assume enquanto garantia de participação efetiva das partes art 3.º CPC;

K - Uma vez mais, o Douto Ac. fez tábua rasa, ao ir para além do que constava das conclusões da R., nomeadamente, dando por assente que a sentença do tribunal de 1.ª instância consubstanciava uma sentença de condenação condicional, sem que para tal a R. tenha sequer invocado, enfermando assim, uma vez mais, o acórdão em nulidade por excesso de pronúncia art 615.º n.º 1 al d) + 674.º n.º 1 c) + 608.º n.º 2 todos do CPC

L - Violando concomitantemente, o princípio do contraditório nos termos do art 3.º do CPC consubstanciando uma vez mais, uma decisão surpresa

M - O Tribunal da Relação deveria ter-se abstido de apreciar se se trava de uma sentença de condenação condicional/ sentença condicional determinando assim, a absolvição da R. no pedido pois, em momento algum foi invocado pela R. nas conclusões da sua Alegação

N- O Tribunal da Relação conheceu de questões que não foram colocadas pelas partes e, que não são de conhecimento oficioso

O- A R. em momento algum suscitou ipsis verbis, tratar-se de sentença de condenação condicional, nem tão pouco se a condenação da R. no pagamento dos custos de consolidação da estrutura da habitação do A. no caso venha a ser necessária, extravasa o pedido e da admissibilidade da condenação sob a condição de se vir a apurar a necessidade da consolidação, enfermando o acórdão nestes termos de uma nulidade parcial no disposto do art 615.º n.º 1 al d) + 674.º n.º 1 c) + 608.º n.º 2 todos do CPC

Sem conceder,

P- A sentença de condenação condicional é aquela em que nela se decide que ao demandante assiste certo e determinado direito, mas cujo atinente exercício está sujeito a um evento futuro e incerto (condição suspensiva);

Q- Diverso, será a sentença condicional no qual se impõe a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro e incerto;

R- In casu, o A. formulou um pedido genérico na petição inicial, que se traduziu na condenação no pagamento de uma indemnização da R. ao A. em virtude dos danos por ela causados no imóvel, propriedade do Autor;

S- Ora, à data da petição inicial os danos no imóvel do A. já existiam, já eram concretos e verificáveis;

T- A existir sentença condicional, o que só se admite por mera cautela de defesa, a sua eficácia ficaria condicionada à posterior verificação de um evento futuro e incerto, perante a ocorrência de novos danos futuros e incertos;

U- A sentença proferida tem natureza de sentença de condenação condicional;

V- Cuja nossa doutrina e jurisprudência dão por aceite, inclusive, o próprio acórdão por diversas vezes refere que a mesma é aceite pelo nosso ordenamento jurídico e invoca factos subsumíveis de consubstanciarem uma sentença de condenação condicional, como aliás se poderá ler: “No ac do STJ de 10.09.2009 (proc 374/09.8YFLSB Lopes de Rego) sustenta-se a admissibilidade de uma sentença de condenação condicional” e ainda: “Segundo Antunes Varela e Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 1984 Coimbra editora p. 665 nota 1) importa, porém, não confundir a sentença de condenação condicional, em que condicionado é o direito reconhecido na sentença, com as sentenças condicionais, em que a incerteza recai sobre o sentido da própria decisão, e que, em principio não são admitidas no nosso sistema. Estes autores consideram admissível a sentença de condenação condicional (...)” ;

X- Contudo, no seu sumário, no seu ponto II refere expressamente que a condenação da R. “consubstancia uma condenação condicional” impondo a sua absolvição do pedido formulado, por a condenação ser inadmissível;

Z- Trata-se de subsunção jurídica que o Ac. por diversas vezes dá por aceite, (válida) mas que, no entanto, inexplicavelmente, determina a absolvição da R. no pedido: “Impondo-se a absolvição da R. do pedido formulado, a condenação proferida é inadmissível, o que determina a respetiva revogação” - constituindo uma nulidade nos termos do art. 615.º n.º 1 al c) do CPC ;

AA- Nos termos do disposto no art 615.º n.º 1 c) A contradição entre a decisão recorrida contida na sentença e a sua fundamentação - ocorre quando o raciocínio do juiz aponta num sentido e, no entanto, decide em sentido oposto ou pelo menos em sentido diferente, o que sucede no caso sub judice;

AB- Assim, dúvidas não restam que os danos são concretos e verificáveis à data da petição inicial bem como à data da sentença, contudo, não estão quantificados;

AC- Porém, quanto à extensão e à quantificação, não se exige que possam ser já previstas, motivo pelo qual, é proferida uma condenação genérica, a qual não dispensa uma decisão ulterior art 564.º n.º 2 do CC;

AD- Segundo Maria de Lurdes Pereira: “as dúvidas quanto à extensão dos danos futuros previstos e quanto à sua quantificação, não impedem a condenação imediata numa indemnização por esses prejuízos, mas relegam a determinação desta para um momento posterior, o qual, na pior das hipóteses, coincidirá com o momento da ocorrência do dano”;

AE- Nada obsta, a que o tribunal condene em montante ilíquido a exigir liquidação em execução de sentença art 609.º n.º 2 CPC por se revelar particularmente difícil a determinação do valor indemnizatório;

AF- Tratando-se assim de danos futuros, por estes só se virem a concretizar a posteriori, após a prolação da sentença art 609.º n.º 2 CPC;

AG- Diga-se em abono da verdade que, quer os custos, quer a obra, vão fluir, sofrendo alterações decorrentes entre outros, da evolução dos preços e da evolução da degradação do imóvel;

AH- Salvo melhor entendimento, deverá ser declarada a nulidade nos termos do art 615.º n.º 1 c) do CPC e, consequentemente deverá ser revogada a sentença, no seu sumário, no ponto II que refere expressamente que a condenação da R. “consubstancia uma condenação condicional” impondo a sua absolvição do pedido formulado, por a condenação ser inadmissível” por estar em clara contradição com a sua fundamentação

AI - Impondo-se assim, a condenação da R. no pedido formulado

AJ - Foi incorretamente julgado o ponto 5 da matéria de facto dada como provada e que foi objeto de alteração por parte do Tribunal da Relação;

AK - O Tribunal da Relação fez uma incorreta apreciação da prova, ao alterar o ponto 5 de forma a ficar com a seguinte redação: “5 - Na sequência de obras de construção, sitas nesses nºs 15057 e 15057A, contíguas à casa propriedade do requerente, verificou-se a ocorrência de inúmeras fissuras ao longo da vertente poente de casa do autor, provenientes da deformação dos elementos constitutivos dessa mesma estrutura, fruto de assentamento das suas fundações.”;

AL- O ponto 5 resulta de relatório de PPM Consulting sob o título “ RELATÓRIO DE ANÁLISE DAS PATOLOGIA OCORRIDAS NO EDIFÍCIO SITO NA ESTRADA ... , ..., Elaborado por engenheiro, de seu nome CC, OE. ...49, cujo teor do relatório consta dos factos dados como assentes, impondo assim, uma decisão diferente da proferida;(Relatório junto com a P.I., sob o nº 3, em 10/02/2020), cujo teor e genuinidade não foram postos em crise.

AM- A prova documental regulada no artigo 423.º e ss do CPC trata-se de uma exceção ao princípio da livre apreciação da prova;

AN- Uma vez que não foi impugnada a genuinidade deste documento, os factos nele constantes têm que ser dados como provados e, como tal, não podem ser alterados pelo Tribunal da Relação por uma questão de semântica art 444.º do CPC;

AO- Nos termos do art 674.º n.º 3 do CPC havendo “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” há lugar à alteração da matéria de facto fixada pelo Tribunal da Relação, por parte do Supremo Tribunal de Justiça;

AP- Deverá repor-se a referência à demolição, e o facto 5 ser alterado de forma a ficar com a seguinte nova redação: “Na sequência de obras de demolição e construção, sitas nesses números ...57 e ...57A, contíguas à casa propriedade do requerente, verificou-se a ocorrência de inúmeras fissuras ao longo da vertente poente da casa do autor, provenientes da deformação dos elementos constituintes dessa mesma estrutura, fruto de assentamentos das suas fundações”;

AQ- A repartição das custas processuais não foi feita de forma justa e equitativa;

AR- Considerando que, não se trata de uma sentença condicional, mas antes, de uma sentença de condenação condicional aceite no nosso ordenamento jurídico, pois, tratam-se de danos são concretos e verificáveis à data da sentença, mas que, no entanto, não estão ainda quantificados e, que a pronúncia do Acórdão que recai sobre os danos enferma de nulidade por excesso de pronúncia e, por contradição com a fundamentação e com a decisão proferida nos termos do artigo art 615.º n.º 1 al d) + 674.º n.º 1 c) + 608.º n.º 2 + art 615.º n.º 1 c) havendo concomitantemente uma violação do princípio do contraditório por se tratar de uma decisão surpresa, entende o A. que a repartição das custas deverá ser 90% para a Ré e 10% para o Autor.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência:

a) Ser declarada a nulidade parcial do acórdão por excesso de pronúncia nos termos do art 615.º n.º 1 al d) + 674.º n.º 1c) + 608.º n.º 2 todos do CPC na parte em que se pronuncia sobre: “Se a condenação da R. no pagamento dos custos de consolidação da estrutura da habitação do A. no caso venha a ser necessária extravasa o pedido e da admissibilidade da condenação sob a condição de se vir a apurar a necessidade da consolidação”;

b) Ser declarada a nulidade parcial do acórdão por excesso de pronúncia nos termos do art 615.º n.º 1 al d) por se ter pronunciado no sentido de a sentença se tratar de uma sentença de condenação condicional;

c) Seja declarada a nulidade parcial do acórdão nos termos do disposto no art 615.º n.º 1 c) CPC por

d) estar em contradição entre a decisão contida no acórdão e a sua fundamentação;

e) Ser alterada, na medida em que deverá ser resposta a matéria da sentença constante do ponto 5 dos factos provados, nos termos supra expostos;

f) Ser revogado o acórdão na seguinte parte: “No caso concreto, a condenação depende do apuramento de factos não determinados, importando novo apuramento de factos. Resulta do art 621.º do CPC que dependendo a constituição do direito de uma condição, a circunstância de esta ainda não estar verificada determina a absolvição do réu do correspondente pedido, ainda que a sentença absolutória não obste a que o pedido se renove quando a condição se verifique. Impondo-se a absolvição da R. no pedido formulado, a condenação proferida é inadmissível, o que determina a respetiva revogação”;

g) Seja alterada a repartição das custas para a proporção de 90% para a Ré e 10% para o Autor».

9. A ré, notificada, apresentou contra-alegações nas quais pugnou pela manutenção do decidido.

10. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso se delimita pelas conclusões, as questões a decidir são as seguintes:

I – Das nulidades do acórdão recorrido;

II – Da decisão surpresa e violação do princípio do contraditório;

III – Da admissibilidade de sentença condicional;

IV – Da modificação do ponto 5 matéria de facto;

V – Da repartição de custas

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A - Os factos

As instâncias consideraram provados os factos que se seguem:

1. Encontra-se inscrito a favor do autor o direito de propriedade do imóvel sito na Rua ..., em ..., inscrito a favor do requerente na matriz predial sob o nº 9 da Freguesia de ..., e descrito sob o nº ...18 da Conservatória do Registo Predial ....

2. O imóvel é composto de casa de um pavimento, com quintal, com a área total de 394m2, de que 124m2 é área coberta (área de implantação) e 270m2 área descoberta.

3. Este imóvel confina a poente com o imóvel propriedade da requerida, pelo que é contíguo à obra constante do processo nº ...38/16/CMP, que possui o alvará de construção nº 4/19/DMU, cujo titular do Processo é a ré BB, e, bem assim, responsável pela direção técnica de fiscalização da obra (uma vez que é Engenheira Civil de Profissão).

4. A referida obra tem o alvará de “J...Unipessoal, Lda.”.

5. Após a demolição ocorrida e na sequência de obras de construção, sitas nesses nºs ...57 e ...57A, contíguas à casa propriedade do requerente, verificou-se a ocorrência de fissuras ao longo da vertente poente de casa do autor, provenientes da deformação dos elementos constitutivos dessa mesma estrutura, fruto de assentamento das suas fundações – Facto modificado pelo Tribunal da Relação

6. As escavações tiveram ausência de entivação (escoramento destinado a impedir desmoronamentos).

7. Numa data não concretamente apurada da construção foram colocadas barras de ferro, obliquamente, nos termos retratados nas fotografias juntas aos autos com a contestação da interveniente – 11.06.2021.

8. Foram executadas escavações abaixo das fundações existentes, dando origem de imediato a descompressões do solo e à necessidade de realizar o “recalçamento” da fundação existente, ao longo de todo o seu comprimento.

9. A realização de escavações contíguas às fundações de estruturas existentes causam descompressões e deformações do solo, pelo que, se não forem tomadas as devidas medidas cautelares, como por exemplo, a sua execução ser feita por troços alternadamente escavados, provocam deslocamentos suscetíveis de pôr em causa o seu equilíbrio, afetando de forma definitiva a sua integridade e desempenho.

10. Esta escavação foi realizada em sistema de “vala aberta”, sem qualquer entivação/escoramento, para além das barras de ferro referidas anteriormente.

11. Foi licenciado um projeto de estabilidade, para o referido edifício contíguo, prevendo sapatas periféricas isoladas, encostadas àquele, fundadas a uma cota de cerca de 1.20 m de profundidade (B), abaixo das fundações do edifício anexo, ligadas por um lintel de fundação, solução esta que neste caso, face à presença da edificação junta, obrigava a processos construtivos com maiores cuidados.

12. Na obra em causa nos autos foi feita uma escavação tradicional, com corte vertical, ao longo de toda a estrutura do edifício do autor, o que provocou uma descompressão do terreno.

13. Parte da fundação da estrutura do edifício do autor, concretamente alguns pilares em pedra que invadiam o terreno da ré, foram cortados com cinzel o que provocou vibrações adicionais à estrutura existente.

14. Foi deste modo reduzida a área das fundações do autor mediante esse corte de parte da fundação pertencente ao imóvel, que recaía na propriedade adjacente.

15. Sem quaisquer medidas cautelares, a área da sapata de alvenaria de pedra da fundação, que transmite as cargas ao solo, foi reduzida.

16. Posteriormente decidiram alterar as fundações para um ensoleiramento geral, criando também um muro de encosto/suporte da parede estrutural do edifício do Nº 15.053/15.055.

17. Face às características da fundação da parede/estrutura existente, era imprescindível que a obra da Ré tivesse procedido a um procedimento cautelar e cuidado relativamente à estabilização das terras por forma a que não ocorressem quaisquer deslizamentos e/ou assentamentos que colocassem em causa o seu equilíbrio e, por conseguinte, as construções adjacentes.

18. Por via das obras existentes no local, as condições de equilíbrio do edifício, construído no início do século passado, foram alteradas.

19. No dia 15 de outubro de 2019, foram visualizados os seguintes problemas:

- Diversas fissuras, de dimensão relevante, nas paredes adjacentes ao prédio a poente, oblíquas e verticais na ligação com as paredes transversais interiores e na ligação das paredes ao teto.

- Fissura de dimensão acentuada, pelo interior da ombreira da porta principal (alçado principal).

- Desnivelamento do pavimento interior.

20. O aro da caixilharia de alumínio da porta de entrada abriu para poente, sendo visível uma “frincha acentuada” entre o painel da porta e o respetivo aro, desse lado, com relação direta com as fissuras existentes na fachada, nas juntas das pedras de granito, sendo mais acentuadas as da ombreira a poente da porta de entrada.

21. O pavimento térreo maciço da construção adjacente a poente está a uma cota inferior em relação ao piso do r/chão do edifício em estudo.

22. Houve descompressão do solo por via da escavação realizada no prédio adjacente a poente.

23. Existe um desnível entre pisos adjacentes (o prédio do autor e da ré), que agrava o risco de dano estrutural das construções vizinhas - tanto mais que esta é mesmo adjacente - pelo simples processo de escavação sem qualquer contenção periférica prévia.

24. O autor efetuou embargo extrajudicial de obra nova, em 3 de abril de 2019, e deu entrada, em 8 de abril de 2019, de Procedimento Cautelar de Ratificação de Embargo de Obra Nova.

25. Essa ação, correu termos com o nº 8153/19.8..., pelo Juízo Central Cível ..., Juiz....

26. As consequências no imóvel do A. das obras empreendidas pela R. trouxeram ao A. noites mal dormidas, ansiedade e desgosto – Facto modificado pelo Tribunal da Relação

27. Até fevereiro de 2019, o imóvel propriedade do autor esteve arrendado, e o valor de renda mensal era de € 400,00 (quatrocentos euros).

28. Nas atuais circunstâncias, o Autor não consegue arrendá-lo, nem pode fazê-lo, atendendo ao estado de insalubridade da casa.

29. Durante a construção da casa da ré, o telhado foi partido, e colocaram “um plástico preto”, a fim de tentar impedir posteriores entradas de águas da chuva.

Factos provados da contestação da ré BB:

30. A R. teve em curso obras de construção de uma moradia, destinada a duas habitações independentes, no prédio de que é proprietária, sito na Estrada ..., orientado de nascente para poente, da união de freguesias de ..., ... e ....

31. Obra essa que foi realizada ao abrigo do Alvará de Licenciamento de Obras de Construção nº ALV/4/19/DMU, Processo nº ...38/16/CMP.

32. A empresa “J...Unipessoal, Lda.”, realizou parte das obras de casa da autora.

33. A subempreiteira “A...” entrou em obra quando já estava realizada parte dos trabalhos de escavação e de remoção de terras. – Facto modificado pelo Tribunal da Relação

34. A direção técnica da obra foi inicialmente assumida pelo Eng. DD e depois pelo Agente Técnico EE.

35. Para a realização da nova construção e, de acordo com o projeto licenciado, houve a necessidade de se rebaixar o terreno em cerca de 1,40 m, para que a soleira da Moradia coincidisse com a do passeio da Rua ....

36. Nessa altura, verificou-se que a parede nascente do prédio do A., constituída de blocos de granito, assentava sobre uma fundação também em granito, cuja sapata ocupava o terreno do lote da R.

37. Pelo que, ao ser efetuada a escavação do terreno para executar a fundação da nova construção, foi necessário cortar a parte da aba da fundação da parede nascente que invadia o terreno da R.

38. O ensoleiramento geral é uma solução construtiva de elevada robustez e rigidez axial, que pode impedir a ocorrência de movimentos das estruturas laterais.

39. Foi efetuado um recalque em betão armado, constituído por uma parede com a espessura de 8 a 10 cm, e com uma altura de 60 cm.

40. Foi realizada a construção de um muro de contenção com espessura de 20 cm, encostado ao recalque efetuado.

41. Para reforço/solidarização de fundação da parede de granito, foram colocados ferrolhos de ancoragem, conforme solução construtiva apresentada pelo Eng. FF.

42. O muro de betão armado, onde os ferrolhos realizam a selagem, repousa no ensoleiramento, cuja resistência é muito superior à de um qualquer solo de fundação.

43. Atualmente não existe qualquer risco de dano estrutural no prédio do A. e, antes pelo contrário, por força das obras levadas a cabo pela R., as fundações foram bastante melhoradas.

44. A aplicação de “esferovite” destinou-se a garantir que os edifícios não ficassem colados.

45. Acresce que, a R. está a construir uma moradia de 2 fogos, destinando-se um à sua própria habitação e outro para arrendar.

46. A R. adjudicou a execução de parte da obra à empresa J...Unipessoal, Lda., NIPC ...46, com sede na Rotunda ....

Factos provados da contestação da interveniente:

47. À J...Unipessoal, Lda. foi adjudicada a obra, denominada de “Empreitada Obra P...12 – Estrada ...”.

48. Para isso existiram vários orçamentos.

49. O orçamento de 17.10.2018 e o orçamento onde estão orçamentadas as estruturas, cujo valor total ascendia a 41.605,00€ e 10.400,00€ respetivamente, valor ao qual acresceria IVA.

50. Na página cinco do orçamento estão descritos todos os trabalhos a efetuar na obra:

a) Montagem de estaleiro, sinalização, aplicação das necessárias medidas de segurança e demais condicionantes, assim como implementação em obra do plano de segurança e saúde. Implantação e piquetagem da obra por topógrafo e verificação das cotas de arquitetura e estabilidade.

b) Movimentação de terras em solo de qualquer natureza de forma a serem conseguidas as cotas necessárias para a execução da obra.

c) Fornecimento e colocação de betão de limpeza de espessura de 0,10m, constituído por betão pobre com dosagem mínima de crescimento de 150 Kqs/m3, sob todas as fundações a realizar.

d) Sapatas;

e) Lintéis de fundação;

f) Fornecimento e realização de sapatas de acordo a pormenorização dos projetos.

g) Fornecimento e realização de lintéis de fundação e ou vigas de equilíbrio, de acordo com a pormenorização dos projetos (estabilidade e execução), em betão;

h) Fornecimento e realização de betão armado em elevação para pilares, de acordo com a pormenorização dos projetos (estabilidade e execução), em betão;

i) Fornecimento e realização de vigas de betão armado, incluindo viga de cumeeira, de acordo com a pormenorização dos projetos (estabilidade e execução), em betão;

j) Fornecimento e realização de lajes maciças em betão armado, de acordo com a pormenorização dos projetos (estabilidade e execução), em betão;

k) Lajes de escadas;

l) Lajes maciças;

m) Fornecimento e colocação de lajes aligeiradas de abobadilhas cerâmicas e vigotas de pré-esforço, incluindo betão B20, armaduras de continuidade e distribuição, malhasol CQ30, bem como toda a mão de obra inerente à execução em obra do integral cumprimento das obrigações de projeto de execução e estabilidade.

n) Fornecimento e realização de pavimento térreo constituído por camada de brita com 0,15m, de camada de betão B20, com 0,10m de armada com rede eletrossoldada AR42;

o) Caixas de visita interiores 50*50*45;

p) CRL 110*110*120;

q) Abertura de valas.

51. Estava prevista a entrega da obra a um subempreiteiro, que mais tarde veio a desistir da obra.

52. Em março de 2019, após a desistência do subempreiteiro, a J...Unipessoal, Lda. foi obrigada a efetuar ajustes no orçamento, tendo o mesmo sido negociado com a dona de obra.

53. Orçamento este que veio a ser aceite pela mesma.

54. Foi necessário proceder a alterações a nível do projeto, devido ao risco que as escavações poderiam acarretar para o prédio do autor.

55. Não foi a ré chamada que procedeu à demolição das estruturas que estavam no terreno, antes da mesma entrar em obra.

56. A subempreiteira A... entrou em obra nas condições que podem ser observadas nas fotografias juntas com a contestação da interveniente “J...Unipessoal, Lda.”. – Facto modificado pelo Tribunal da Relação

57 - A interveniente suscitou junto da R. a questão da consistência dos terrenos. – Facto modificado pelo Tribunal da Relação

58. A 18.02.2019, o Eng. GG, após visita à obra com o arquiteto HH, enviou email à dona da obra com o seguinte teor:

59. A Dona de obra, ora Ré, BB ofereceu a resposta “Assim que possível respondo ao seu email”.

60. Mais tarde veio apenas questionar quando é que a ora Ré entraria em obra – email de 19.02.2019, às 10h20m.

61 - A resposta por parte do Eng.º GG foi: “iremos dar continuidade à obra assim que existirem condições para o fazermos” - email de 19.02.2019, às 11h37.” – Facto modificado pelo Tribunal da Relação

62. No dia 19 de fevereiro de 2019, às 10h50mn, o Eng. GG envia um email à Eng. BB com o seguinte teor:

63. No dia 19 de fevereiro de 2019 às 18h00, a eng.ª BB enviaria por email o projeto de fundações, explicando que seria “ensoleiramento geral, vigas no contorno da obra e laje maciça, com duas malhas de ferro, uma superior e outra inferior, com ferro de 10/15 cm, conforme projeto em anexo”.

64. Após alguns desentendimentos, o Senhor Eng.º GG decidiu abandonar a obra.

65. A 14.03.2019, o Eng.º DD volta a solicitar à Eng.ª BB, por email que se junta agora como doc.n.º11, a planta de fundação cotada com distâncias a eixos e pilares, constando de tal email o seguinte:

66. A 22.03.2019 o eng.º DD enviou um email à dona da obra com o seguinte teor:

67. A 03.04.20919 a Eng.ª BB enviou um email ao arquiteto HH, com o seguinte teor:

68. A 08.04.2021 a ora Ré J...Unipessoal, Lda. rececionou um email enviado pela ilustre mandatária do Autor no qual relatava a existência de diversos danos no edifício do autor.

69. Após reenvio para a dona da obra, a mesma respondeu por email com o seguinte teor:

70. A 09.04.2019 a ora Ré, BB veio dar ordens para que a obra continuasse, através de email com o seguinte teor:

71. A 09.04.2019 a ora Ré J...Unipessoal, Lda. respondeu à ilustre mandatária do Autor enviou email com o seguinte teor:

72. A 14 de Abril a J...Unipessoal, Lda. questiona a dona de obra se é para dar continuidade à obra, sendo que a resposta da mesma foi que naquele momento “mais que nunca, vamos fazer o que estava programado… Temos que concluir o mais possível, a contenção dos terrenos vizinhos.”

73. No mesmo dia, às 23h35, o Eng.º DD refere que tem a garantia da dona de Obra que informou que “as condições para o prosseguimento dos trabalhos de contenção / reforço às fundações dos edifícios contíguos conforme o planeado e combinado a partir de 2ª feira”.

74. No dia 23 de abril de 2019, o eng.º DD volta a reforçar que apenas com a garantia da dona de obra de que estaria tudo conforme é que voltará a entrar em obra.

Factos não provados da petição inicial:

1. Também não se verificou qualquer proteção que tenham feito das terras contra as chuvas (D), que seria de todo necessária e indicada, muito pelo período do ano em que estes trabalhos foram levados a cabo, fortemente acrescido ao facto que de uma análise puramente visual, o terreno aparentar fraca qualidade.

2. Esse muro poderá nunca resolver totalmente a ocorrência de eventuais acréscimos de problemas futuros do edifício.

3. Há um deslocamento do cunhal oeste/norte da moradia no sentido poente.

4. Além dos danos atrás descritos, a obra que deu origem ao presente petitório, está ainda a causar outros prejuízos:

1- Uma coluna de sustentação do imóvel foi partida, por dentro e com iguais sinais exteriores.

2- A aplicação de esferovite na obra objeto do presente embargo extrajudicial veio encobrir a falta de realização de ativação do projeto de contenção periférica, que iria compensar a alteração de equilíbrio global do edifício.

5. Aquando do inicial embargo extrajudicial, feita na pessoa do encarregado de obra, este identificou-se como tal, mas recusou dizer o seu nome, pelo que o requerente não pôde identificá-lo expressamente nem obter a sua assinatura nem de nenhum outro trabalhador, nesse embargo.

6. Aquando da evolução do processo de Ratificação de Embargo Extra-Judicial de Obra Nova, já atrás identificado, houve necessidade de recorrer a peritagem, o que se verificou.

7. Esta peritagem carecia de perito com habilitações adequadas, mormente com formação em engenharia, e com conhecimentos em estruturas.

8. Foi nomeado perito pelo Tribunal, - perícia singular- que não possuía o curso de engenharia, e, manifestamente com ausência de formação em estruturas.

9. Daí que o relatório elaborado pelo perito não tenha sido aceite pelo Autor, o qual entendeu por bem, por esse motivo, pôr termo à ação, pois esse relatório ordenado pelo tribunal, no âmbito do procedimento cautelar nº 8.153/19.8..., foi muito evasivo e muito vago, na resposta aos quesitos formulados. A situação de estabilidade da estrutura, antes do início das obras é inequívoca, como são inequívocas as patologias ocorridas depois do seu início, e efetivamente aquele relatório é muito pouco relevante para uma justa e real análise da situação.

10. Bem como, relativamente ao bem estar e risco que correm os de transeuntes no passeio à beira do imóvel.

11. Para reparação do imóvel do Autor, será aconselhável que aquele fique devoluto de pessoas e bens e a zona circundante do passeio, isolada.

12. Logo que se iniciaram as obras, por parte da Ré, e em virtude das mesmas, o inquilino denunciou o contrato, e deixou o imóvel devoluto.

13. Assim, deixou de receber o crédito de 400,00€ mensais, que sempre receberia, se não existisse a atual situação, constante do petitório.

Factos não provados da contestação da R. BB:

14. A obra tem vindo a ser executada de acordo com o projeto licenciado pela Câmara Municipal ..., em respeito às boas regras de construção.

15. Pelo que, não é verdade que as obras de demolição e construção tenham, de alguma forma, afetado ou deformado a estrutura da casa propriedade do A.

16. Nem causado qualquer dano nas paredes vizinhas, como a ocorrência de fissuração ou assentamento de fundações.

17. Nem ocorreu qualquer desmoronamento.

18. Como resulta do alvará de licenciamento, não foi previsto nem existe qualquer piso abaixo da cota da soleira, pelo que não foram realizadas escavações em profundidade.

19. Por tal razão, não se impunha fazer escoramento nem o mesmo foi exigido no processo de licenciamento.

20. Por tal razão, e para acautelar que a nova fundação fosse construída em condições de segurança para a parede do lote vizinho, o projeto de estabilidade inicial, que previa sapatas periféricas isoladas, foi substituído pelo ensoleiramento geral, construído em toda a área de terreno do lote, originando que o solo de fundação tivesse sido substituído por uma placa de betão com 30 cm de espessura.

21. O recalque em betão armado, constituído por uma parede com a espessura de 8 a 10 cm, e com uma altura de 60 cm, garantiu, em fase provisória de obra, a não ocorrência de algum dano nas paredes vizinhas, como fissuração ou assentamento de fundações.

22. Solução essa que, não só permitiu repor as condições de equilíbrio iniciais, como melhorou bastante as condições de estabilidade, uma vez que a transferência dos esforços que atuavam na parte da fundação que foi cortada, passou para os ferrolhos que ficaram firmemente solidarizados entre o granito e o betão, impedindo eventuais assentamentos e/ou rotações de fundação.

23. O A. nunca comunicou à R., e esta desconhece, a existência dos eventuais danos alegados.

24. Mas, se existem fissuras e desnivelamento do pavimento interior no prédio do A., não resultam da obra levada a cabo pela R. mas antes do facto de ser tratar de uma construção antiga e em mau estado de conservação.

25. E quanto à fissura existente na ombreira da porta principal, a mesma já existia e era visível antes de a R. ter iniciado a sua obra.

26. A parte do telhado que foi partido era a parte que fazia junção com o telhado da construção anteriormente existente no lote da R. e que foi demolida, tendo sido colocado um plástico, a título provisório, para contenção da água da chuva, só podendo ser feita a reparação definitiva após a construção da nova moradia.

27. A R. sempre se mostrou recetiva a dialogar com o A. e prestar-lhe os esclarecimentos necessários sobre as medidas adotadas para salvaguardar as construções vizinhas.

28. Pelo contrário o A., sempre se mostrou indisponível para o diálogo e antes fomentou a conflitualidade, desde logo com o embargo extrajudicial, que causou inúmeros e sérios problemas à R., designadamente na sua relação com o empreiteiro, pois foi obrigada a suspender os trabalhos durante 8 meses.

29. Mais grave ainda, o A. tentou por todas as vias impedir a realização dos trabalhos de estabilidade por parte da R., criando risco para o seu próprio prédio, com o propósito de fazer valer a sua tese e, certamente, daí retirar um enriquecimento indevido.

30. Na verdade, além de importunar e ameaçar os trabalhadores, o empreiteiro e o próprio diretor técnico da obra - que acabou por se demitir da função por causa dessas ameaças - por várias vezes o A. chamou a polícia ao local para tentar impedir a R. de prosseguir os trabalhos de reforço da fundação.

31. Tendo inclusive o camião de betão armado contratado para o ensoleiramento geral ficado a aguardar uma manhã inteira junto à obra para poder descarregar – com risco de o betão ficar totalmente inutilizado - devido a mais uma das intervenções do A., que chamou a polícia ao local para impedir a descarga.

32. E, quase diariamente, comparecia na obra o Sr. HH, eng. técnico civil mais arquiteto, que acompanhou o A. na sua demanda.

33. Após ter assegurado as condições de estabilidade, a R. foi obrigada a manter a obra parada durante 8 meses, enquanto decorria o procedimento cautelar instaurado pelo A. para ratificação de embargo.

34. Contudo, e não obstante a extinção do procedimento cautelar, a R. teve de aguardar até 5 de dezembro pelo reinício das obras, altura em que o empreiteiro voltou a ter disponibilidade para retomar a construção.

35. Pelo que foi a R. quem, desde o início dos trabalhos, tem tido noites mal dormidas, nervosismo, angústia e ansiedade, pelos constantes e incompreensíveis ataques e ameaças da parte do A.

36. Mesmo após ter alterado o projeto de estabilidade de sapatas periféricas isoladas para o ensoleiramento geral, solução construtiva muito mais dispendiosa e, de ter adotado a solução de reforço das fundações preconizada pelo Eng. FF, com os custos daí decorrentes, o A. continuou a importunar a R. e a tentar obter ganhos indevidos à sua custa.

37. O que o A. pretende é que a R. suporte as obras de conservação ordinária extraordinária do seu prédio.

38. Reclamando a perda de rendas quando, durante todo este período, nada fez sequer para arrendar a habitação.

39. Em virtude de o A. ter realizado o embargo extrajudicial da obra, dado entrada do procedimento cautelar de ratificação e até à desistência do mesmo, a R. viu-se obrigada a suspender os trabalhos de construção.

40. Não obstante a desistência do procedimento cautelar ter ocorrido em 19/09/2019 e a sentença de homologação da desistência ter transitado em 9/10/2019, por força do mesmo, a obra esteve parada desde 3 de abril a 5 de dezembro de 2019, altura em que o empreiteiro ficou disponível para retomar os trabalhos.

41. A licença de construção nº 4/19/DMU tem uma validade de 2 anos e um mês, ou seja, 730 dias, prazo previsto para a conclusão da obra, prazo este que a R. não vai conseguir cumprir em virtude do atraso na obra causado pelo embargo.

42. Em virtude de a obra ter ficado suspensa durante 8 meses, vai ser necessário requerer a prorrogação do prazo por igual período, ou seja, 240 dias, o que importará um custo de € 155.84.

43. A R. foi, ainda, obrigada a substituir o diretor técnico da obra, uma vez que o anterior responsável, Eng. DD, demitiu-se da função em face dos constantes transtornos e ameaças por parte do A.

44. Para requerer a substituição do diretor técnico da obra, a R. teve de suportar o custo de € 35,05.

45. Durante o período em que a obra esteve suspensa, a R. teve de suportar o pagamento de faturas à EDP, no âmbito do contrato de fornecimento de eletricidade em obra, no montante de € 132,93.

46. Ora, os referidos custos são decorrentes da atuação do A. que, sem fundamento nem justificação, realizou um embargo de obra e depois veio a desistir dele.

47. Ao ter um atraso de 8 meses na conclusão da obra, causado pelo embargo, a R. deixará de poder retirar o rendimento correspondente ao período de tempo que não puder arrendar o imóvel.

48. Até porque, na atual conjuntura, em que, no mercado de arrendamento da zona do ..., a procura é superior à oferta, certo é que a R. conseguirá arrendar a habitação no mesmo mês em que a colocar para arrendar.

49. Considerando que a habitação que pretende arrendar será um T2, com cerca de 140 m2, o valor mínimo da renda será de € 550,00.

50. Pelo que a R. deixará de auferir o rendimento de € 4.400,00, a título de perda de rendas, pelo atraso da obra decorrente do embargo levado a cabo pelo A.

51. Como supra se deixou exposto, desde que iniciou a obra, a R. tem vindo a ser um alvo de uma perseguição continua e constante por parte do A., na prossecução dos seus intentos.

52. As constantes visitas e ameaças aos trabalhadores da obra, por parte do A. e das pessoas incumbidas pelo mesmo, causaram transtorno e atrasos e impediram o normal andamento dos trabalhos.

53. A conduta do A. provocou conflitos e transtornos de tal forma graves que levaram o diretor técnico da obra a apresentar a sua demissão.

54. O A. avançou com um embargo extrajudicial da obra numa fase crucial da mesma, ou seja, quando era necessário fazer as fundações para estabilizar as construções vizinhas.

55. E procurou por todas as vias impedir a realização do ensoleiramento geral em betão armado que permitiu desde logo estabilizar o terreno e o recalque que garantiu a segurança da parede do prédio do A.

56. Numa clara tentativa de provocar danos no próprio prédio para depois imputar a responsabilidade da ocorrência à A.

57. Acresce que, por várias vezes a polícia acorreu ao local, chamada pelo A., e houve ajuntamentos de pessoas levadas pela curiosidade que uma intervenção policial suscita.

58. A conduta do A. em toda a situação descrita causou na R. enorme ansiedade e preocupação, que lhe causaram perturbações no sono e stress.

59. Para além da vergonha e o embaraço perante a vizinhança, causado pelos constantes conflitos públicos suscitados pelo A, que levam inclusive a R. a ponderar vender o prédio, por achar que nunca conseguirá viver em paz e com tranquilidade, pelo eternizar de conflitos suscitados pelo A.

60. Em edifícios correntes, dentro das cidades, com ou sem edifícios contíguos, os projetos de licenciamento, no que respeita às fundações, limitam-se por norma a apenas apresentar uma solução que se adapte somente ao espaço do edifício, cabendo regularmente ao responsável técnico da obra a opção pelo processo construtivo a utilizar e, no caso de se deparar com alguma situação não compatível com o projetado, ter a iniciativa de solicitar a intervenção do projetista.

Factos não provados da contestação da interveniente J...Unipessoal, Lda.:

61. Não só pelos problemas que foram surgindo em obra, mas acima de tudo pelo facto do Autor estar todos os dias com ameaças que importunavam o bom andamento da obra.

62. Na qual já deveriam ter existido obras de conservação ordinária e extraordinária, que ao que o Réu J...Unipessoal, Lda. sabe, nunca ocorreram.

B – O Direito

1. Ambas as instâncias condenaram a ré a reparar ao autor os danos causados pelas escavações na moradia contígua da ré.

O tribunal de 1.ª instância decidiu aplicar o artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil, condenado a ré ao abrigo da presunção de culpa prevista neste preceito para o exercício de atividades perigosas, considerando as escavações necessárias na atividade de construção civil como uma atividade perigosa pela sua natureza e meios utilizados.

Já o acórdão recorrido baseou a condenação da ré, pelos danos causados pelas escavações, no artigo 1348.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, preceito que prevê um dos casos excecionais de responsabilidade civil extracontratual resultantes de uma atividade lícita, em que se prescinde da ilicitude e da culpa.

2. O recurso de revista, interposto pelo autor, gira à volta da questão do segmento do acórdão recorrido que revogou a sentença do tribunal de 1.ª instância, que, por sua vez, tinha condenado a ré «No pagamento dos custos de consolidação da estrutura da habitação do Autor, caso venha a ser necessária».

3. A sentença fundamentou assim esse segmento da condenação:

«Finalmente, o autor pretende que a ré seja condenada a proceder às reparações necessárias na sua habitação a fim de criar sustentabilidade ao prédio.

O que dizer?

Relativamente a esta matéria provou-se que o muro de betão armado, onde os ferrolhos realizam a selagem, repousa no ensoleiramento, cuja resistência é muito superior à de um qualquer solo de fundação.

Actualmente não existe qualquer risco de dano estrutural no prédio do A. e, antes pelo contrário, por força das obras levadas a cabo pela R., as fundações foram bastante melhoradas.

Convém esclarecer o seguinte:

Resulta de toda a prova apurada que o equilíbrio da casa do autor ficou afectado com as obras, o que provocou os danos, mas que a sustentabilidade futura está garantida com a solução construtiva (ensoleiramento geral) que, entretanto, veio a ser adotada pela ré BB.

Diga-se contudo que a condenação a efectuar as obras de consolidação da casa e de reparação dos danos não se confunde com este pedido de “reparar a fim de criar sustentabilidade” ao prédio.

Uma coisa é considerar-se que para reparar os danos existentes na casa poderá ser necessário criar condições de consolidação (entendida como estabilização, firmamento, fixação, fortalecimento, fundação, preservação ou robustecimento) da habitação tal qual ela está neste momento – esta asserção só poderá ser feita no momento da realização das obras; coisa diferente é considerar-se que o prédio corre o risco de ruir no futuro por causa dos danos dados como provados neste processo.

A primeira realidade demonstrou-se: existiu uma afectação da estrutura da casa que poderá ter que ser consolidada para que os danos possam ser reparados devidamente.

A segunda realidade não se demonstrou: não existe risco de o prédio ruir, agora ou no futuro, por acção da nova obra (sem embargo de poder ruir por outras causas como qualquer construção)».

4. A fundamentação do acórdão recorrido para a revogação do segmento decisório em litígio foi a seguinte:

«(…)

O que está, isso sim, em causa é o facto de a condenação depender da verificação de uma condição.

O art.º 610.º do C.P.C. restringe a admissibilidade da condenação in futurum aos casos de inexigibilidade da obrigação no momento em que a ação é proposta. Ficam excluídas situações em que está em causa a própria constituição da obrigação.

Não é, assim, admissível a condenação do réu numa prestação que pode nunca vir a constituir-se ou em que o facto condicionante da sua constituição sempre exigiria ulterior verificação judicial.

Por força do princípio da determinabilidade do conteúdo das decisões judiciais, a lei processual não admite, por via de regra, a condenação condicional, isto é, aquela em que o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto, ainda não ocorrido à data do encerramento da discussão, particularmente nos casos em que o facto condicionante requer ulterior verificação judicial. Essa condicionalidade afeta a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na ação e a efetividade da tutela alcançada pelo demandante (cf. ac. do S.T.J de 27-09-2012, proc. n.º 663/09.1TVLSB.L1.S1, Lopes do Rego).

Como se expressa no ac. da Relação de Coimbra de 22-1-2015 (proc. 1331/12.2TVLSB.L1-8, Catarina Manso), o juiz há de dizer o direito de uma forma real e manifesta, isto é, com exatidão e firmeza, de forma a trazer a quietude social preconizada por um Estado de Direito; e a permissividade de uma sentença condicional, tal e qual a entendemos, porque eivada de um estímulo a congeminar um buscado estado de incerteza, não pode obter refúgio numa legislação que se concebe deveras afastada desta desaconselhada peculiaridade.

Segundo Antunes Varela e Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 1984, Coimbra editora, p. 665, nota 1), importa, porém, não confundir a sentença de condenação condicional, em que condicionado é o direito reconhecido na sentença, com as sentenças condicionais, em que a incerteza recai sobre o sentido da própria decisão e que, em princípio não são admitidas no nosso sistema.

Estes autores (ibidem, pp. 664/665) consideram admissível a sentença de condenação condicional nos casos em que a obrigação seja incerta nessa data ou em que sendo certa a obrigação, seja ainda incerta ou ilíquida a prestação.

No ac. do S.T.J. de 10-9-2009 (proc. nº 374/09.8YFLSB, Lopes do Rego), sustenta-se a admissibilidade de uma sentença de condenação condicional num caso em que a condição suspensiva se resumia à obtenção de licença de utilização de certo prédio, por o facto condicionante da plena disponibilidade substantiva da fração em causa, ligado à estrita verificação pela administração das condições regulamentares de emissão da licença de utilização, não exigir qualquer ulterior verificação judicial, suscetível de prejudicar a certeza do direito e das situações jurídicas reconhecidas, não devendo, nessa medida, constituir obstáculo relevante à prolação de condenação in futurum.

No caso concreto, a condenação depende do apuramento de factos não determinados, importando novo apuramento de factos.

Resulta do art.º 621.º do C.P.C. que dependendo a constituição do direito de uma condição, a circunstância de esta ainda não estar verificada determina a absolvição do réu do correspondente pedido, ainda que a sentença absolutória não obste a que o pedido se renove quando a condição se verifique.

Impondo-se a absolvição da R. do pedido formulado, a condenação proferida é inadmissível, o que determina a respetiva revogação».

I – Nulidades do acórdão recorrido

Nulidade por excesso de pronúncia

5. Considera o recorrente que o acórdão recorrido padece de nulidade por excesso de pronúncia, por ter conhecido de questão que não foi suscitada pela ré no recurso de apelação. Ou seja, invoca o recorrente que a ré nas conclusões do seu recurso de apelação não colocou a questão do caráter condicional da sentença, mas tão-só da nulidade da sentença ao abrigo da al. c) do n.º 1 do artigo 615.º, do CPC, por contradição entre os fundamentos e a decisão.

5.1. As nulidades da sentença/acórdão, encontram-se taxativamente previstas no artigo 615º CPC e traduzem-se em vícios estruturais ou intrínsecos da sentença/acórdão também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença/acórdão, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.

Lidas as conclusões do recurso de apelação, dela consta «(…) que não se compreende o alcance da sentença em condenar a suportar os custos de uma obra que já foi feita e que cumpriu integralmente o seu propósito, ainda que na hipotética situação de vir a ser necessário» (conclusão n.º 6), argumentando ainda a apelante que «no pagamento dos custos de consolidação da estrutura da habitação do Autor, caso venha a ser necessária”, o Tribunal está a remeter as partes para uma nova discussão que não será apenas a de quantificar esses custos, mas também determinar se os mesmos serão devidos (…)» - conclusão n.º 9».

Ora, destas alegações decorre que a autora está a criticar a natureza indeterminada e condicional do conteúdo da sentença, pelo que não foi conhecida qualquer questão que tenha extravasado o pedido, nem se verifica, por consequência, qualquer nulidade por excesso de pronúncia, tendo o Tribunal da Relação agido dentro das suas competências, sem extravasar do objeto de recurso.

5.2. Como se entende na jurisprudência deste Supremo Tribunal (Acórdão de 06-03-2024, proc. n.º 4553/21.1T8LSB.L1.S1), «Em matéria de pronúncia decisória, o tribunal deve conhecer de todas (e apenas) as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s), questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, sendo certo que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito».

Assim sendo, uma vez que o juiz tem poderes oficiosos para conhecer de direito, nos termos do artigo 5.º do CPC, também por este motivo não foi cometida qualquer nulidade por excesso de pronúncia.

Nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, ao abrigo da al. c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

6. Está em causa o segmento da sentença, segundo o qual a ré é condenada «no pagamento dos custos de consolidação da estrutura da habitação do A., caso venha a ser necessária».

Sustenta o recorrente que o acórdão recorrido se contradiz na medida em que afirma ser possível, em certos casos, uma condenação condicional, citando até doutrina nesse sentido, terminando, contudo, por concluir, em contradição com o afirmado, que a condenação condicional é proibida por lei.

A nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC pressupõe um erro de raciocínio lógico que reside na circunstância de a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la.

A contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.

Ora, a simples leitura do excerto acima reproduzido do acórdão do Tribunal da Relação revela que a decisão de revogação do citado segmento decorre, de forma lógica, da fundamentação adotada, que explica por que razão o segmento da sentença, que condiciona o pressuposto de uma indemnização a uma necessidade futura, meramente hipotética e ainda não verificada judicialmente, deve ser revogado.

Do que se trata é que na sua exposição doutrinária o acórdão recorrido referiu-se a condenações condicionais que podem ser válidas, mediante a verificação de certos requisitos, citando alguns exemplos retirados da doutrina e da jurisprudência. Mas fê-lo apenas para concluir que no caso concreto, agora em litígio, a condenação condicional não pode ser admitida porque «(…) depende do apuramento de factos não determinados, importando novo apuramento de factos. Resulta do art.º 621.º do C.P.C. que dependendo a constituição do direito de uma condição, a circunstância de esta ainda não estar verificada determina a absolvição do réu do correspondente pedido, ainda que a sentença absolutória não obste a que o pedido se renove quando a condição se verifique».

Não se verifica, pois, qualquer contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, que seja suscetível de gerar nulidade do acórdão recorrido.

II – Decisão surpresa e violação do princípio do contraditório

7. Invoca ainda o recorrente que a revogação do referido segmento da sentença, pela sua natureza condicional constitui uma decisão surpresa e uma violação do princípio do contraditório que o recorrente não teve oportunidade de discutir, e, que também, por isso, deve ser revogado o acórdão recorrido.

Ora, não se pode perspetivar a decisão do Tribunal da Relação de revogar o segmento da sentença em disputa, como uma decisão surpresa, proferida com violação do princípio do contraditório, pois tendo sido alegado pela apelante (conclusões n.º 6 e 9 da apelação) que o citado segmento da sentença se baseia em factos nãos provados no presente processo, a exigir nova indagação judicial, o autor, agora recorrente, teve oportunidade, nas contra-alegações da apelação, de contestar os argumentos da ré-apelante e de sustentar a legalidade do conteúdo da sentença nos exatos termos em que esta foi proferida, o que efetivamente fez.

Como se afirma na jurisprudência deste Supremo Tribunal (Acórdão de 09-03-2022, proc. n.º 4345/12.9TCLRS-A.L1.S1), em palavras aqui pertinentes, «Sendo o princípio do contraditório - que encontra no artº. 3º nº. 3 do CPC a sua manifestação mais eloquente - um dos princípios basilares estruturantes que enformam o nosso processo civil, e que se se assume como corolário ou consequência do princípio do dispositivo, destinando-se proteger o exercício do direito de ação e de defesa, ele não é, todavia, de perspetivação e aplicação inelutável e absoluta, podendo haver situações concretas em que o mesmo possa ser mitigado ou mesmo porventura postergado. Não é de considerar decisão surpresa, e violadora do referido princípio, se a solução final alcançada pelo tribunal se moveu dentro perímetro da causa pedir e do pedido, e num quadro jurídico que, nessa medida, se afigurava como expetável ou que, pelo menos, poderia ter sido perspetivado pelas partes».

Assim sendo, conclui-se que não houve violação do princípio do contraditório, nem a decisão do acórdão recorrido a propósito do segmento da sentença de natureza condicional constitui uma decisão surpresa.

III – Natureza condicional da condenação

8. Entende o recorrente que a sentença dos autos não é uma sentença condicional, limitando-se a ser a uma condenação genérica e condicionada a um evento futuro e incerto, legítima ao abrigo do artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil e 609.º, n.º 2, do CPC, nos casos em que fica estabelecida a existência de um direito de indemnização, mas existem dúvidas sobre a extensão e quantificação dos danos futuros.

Mas não é esta a natureza do segmento decisório em disputa, que condena a ré no «no pagamento dos custos de consolidação da estrutura da habitação do A., caso venha a ser necessária». Com efeito, não se trata de um caso em que se remete o cálculo do montante dos danos para liquidação da sentença, ao abrigo do artigo 609.º, n.º 2, do CPC. Na hipótese desta norma apenas cabem os casos em que os factos constitutivos da obrigação estão já provados, persistindo apenas por determinar o valor exato do dano.

Pretende o recorrente que o segmento da decisão em causa no recurso de revista seja qualificado como uma condenação genérica. Mas, no caso vertente, o segmento decisório da sentença dos autos não é uma condenação genérica, pois estas exigem que esteja apurada a existência do crédito reclamado pelo autor, estando apenas em falta os elementos necessários para concretizar uma prestação ilíquida. O segmento condenatório da sentença destes autos constitui antes uma condenação condicional, que implicará uma ulterior investigação judicial sobre o facto constitutivo da obrigação.

Ora, da matéria de facto não decorre a prova da existência dos danos estruturais do prédio a cuja indemnização a ré vem condenada, pelo que não estamos perante um problema de mera quantificação do dano suscetível de ser resolvido em incidente de liquidação. Estamos antes perante um facto constitutivo da obrigação de indemnizar, não provado no presente processo, e que, por isso, terá de ser objeto de verificação judicial em posterior ação declarativa na hipótese de se vir a produzir no futuro. Daí que a sentença sujeite a obrigação de indemnizar a um juízo de necessidade em face de um facto futuro e incerto.

9. Para a aplicação da norma do artigo 609.º, n.º 2, do CPC, a jurisprudência tem exigido a presença de todos os requisitos constitutivos da obrigação de indemnizar, desde logo o facto ilícito e danoso, faltando apenas os elementos necessários para quantificar o dano em dinheiro. Ou seja, é apenas essa quantificação que depende de um evento futuro, pois a verificação de um dano tem de estar provada, para se recorrer à condenação genérica acompanhada de ulterior liquidação.

Neste sentido, veja-se Acórdão de 27-04-2023 (proc. n.º 386/20), em que ficou exarado, no respetivo sumário, o seguinte:

«I. O incidente de liquidação previsto no n.º 2 do art. 358.º CPC, pressupõe uma «sentença de condenação genérica», o que significa que tal condenação já existe, é certa e está fora de discussão, faltando apenas a sua liquidação, por permanecer incerta unicamente a «quantidade» abrangida pela condenação, pois a liquidação de sentença não pode servir para reabrir a discussão sobre se existe ou não obrigação.

II. A liquidação da sentença visa assim, tão-só, a concretização do objeto da condenação, com respeito pelo caso julgado decorrente da acção declarativa, ou seja, a determinação do objecto da causa, o mesmo é dizer, a existência do dano não é relegável para o referido incidente.»

A possibilidade de quantificação do dano em liquidação de sentença não pode servir para encobrir condenação condicionais. Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-12-2014 (Revista n.º 2863/11.5TBADM.P1.S1), «Apenas se pode condenar no pagamento da quantia a liquidar em execução de sentença quando estejam provados factos de onde decorra que o demandante é credor de um montante que se desconhece, não se visando, com o respectivo incidente, conceder àquele nova oportunidade para provar ser credor nem se viabilizando a condenação condicional»

10. A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que a lei processual não admite a condenação condicionada, em que o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto, ainda não ocorrido à data do encerramento discussão da causa (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-04-2011, Revista n.º 419/06.3TCFUN.L1.S1 e de 16-11-2023, Revista n.º 2053/21.9T8BRG.G1.S1).

A doutrina costuma distinguir a condenação condicional, admitida em termos muito estritos, da sentença condicional, que não é admitida por ser ilegal. A este propósito afirmam Antunes Varela/ Miguel Bezerra/Sampaio e Nora (in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1985, p. 683) que não deve confundir-se a sentença de condenação condicional, em que condicionado é o direito reconhecido na sentença, com as sentenças condicionais, em que a incerteza recai sobre o próprio sentido da decisão, e que, em princípio, não são admitidas no nosso sistema.

No Acórdão do Supremo tribunal de Justiça, de 24-04-2013, Revista n.º 2424/07.3TBVCD.P1.S1), define-se «(…) a sentença condicional como aquela que só impõe a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro e incerto»; já a «(…) sentença de condenação condicional seria a sentença “(…) em que nela se decide que ao demandante assiste certo e determinado direito mas cujo atinente exercício está sujeito a um evento futuro e incerto (…)», tendo-se considerado que «O segmento da sentença a “declarar anulado o contrato de trespasse celebrado entre autora e 2.ª ré, caso desse contrato resulte a responsabilização da autora pela dívida da 2.ª ré para com a 3.ª ré pelo crédito desta, exigido na acção com processo ordinário n.º 586/07.9..., da 3.ª secção da ....ª Vara Civil de ...”, constitui uma sentença condicional e, por isso, rejeitada pelo nosso ordenamento jurídico.

12. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 27-09-2012 (Revista n.º 663/09.1TVLSB.L1.S1), afirma-se que “(…) finalmente, há que ter em consideração a problemática da indispensável determinação do conteúdo da sentença judicial, colocando, nomeadamente, limites à admissibilidade de condenações condicionais, expressadas em sentenças que reconhecem direitos sujeitos a uma verdadeira condição suspensiva, de conteúdo amplamente indeterminado, ao menos nos casos em que as possíveis dúvidas sobre a verificação ou não verificação da condição impliquem inevitavelmente uma nova e ulterior apreciação jurisdicional. Ou seja: os direitos futuros e condicionais, a reconhecer jurisdicionalmente de forma antecipada, mesmo com base numa particular necessidade de tutela do credor, que careceria justificadamente de título executivo no momento em que tais relações se transformassem em actuais e exigíveis, não poderão traduzir-se numa condenação sujeita a um facto-condição de conteúdo amplamente indeterminado – e, portanto, susceptível de, com toda a probabilidade ocasionar um novo litígio entre as partes, a ser dirimido por nova intervenção do juiz».

Admite o citado Acórdão de 27-09-2012, «(…) que possa ser logo judicialmente reconhecido um direito sujeito a condição suspensiva quando esta se consubstanciar numa factualidade que, embora futura e eventual, seja susceptível de fácil e inequívoca demonstração, nomeadamente mediante prova documental – veja-se, por exemplo, o Ac. de 10/9/09, (de que fomos relator), proferido pelo STJ no P.374/09.8YFLSB , em que, aderindo à posição sustentada por A. Varela, se tem como admissível a sentença de condenação condicional, em termos paralelos aos previstos no art. 662º, num caso em que a condição suspensiva se resumia à obtenção de licença de utilização de certo prédio, por o «facto condicionante» da plena disponibilidade substantiva da fracção em causa, ligado à estrita verificação pela Administração das condições regulamentares de emissão da licença de utilização, não exigir qualquer ulterior verificação judicial, susceptível de prejudicar a certeza do direito e das situações jurídicas reconhecidas, não devendo, nessa medida, constituir obstáculo relevante à prolação de condenação «in futurum»”

13. Todavia, no caso presente, não estamos perante uma situação em que por mera prova documental, que dispense ulterior indagação judicial, se possa provar a condição, como seria o caso de uma decisão condicionada à obtenção de uma licença de utilização.

No caso vertente, dada a natureza indeterminada e hipotética da sentença, que faz depender o direito de indemnização dos danos estruturais, anda não verificados, de um juízo de necessidade, será sempre indispensável a demonstração ulterior do próprio facto constitutivo da obrigação, o que não é possível fazer-se em incidente de liquidação, instrumento processual apenas apto à quantificação de danos cuja existência tenha sido provada na ação.

Por outro lado, a sentença dos autos também não se confunde com a condenação do réu in futurum admitida nos termos do artigo 610.º do CPC, para os casos de condenação a cumprir na data do vencimento de obrigação que, não estando vencida quando a ação é proposta, continua a não estar no último momento de produção dos factos a que a sentença pode atender, isto é, à data do encerramento da discussão na 1.ª instância. Esta norma trata apenas dos casos em que está provada a constituição da obrigação, mas ela não é ainda exigível.

Na situação dos autos, como referimos, é o facto constitutivo da obrigação que não existe ainda. Trata-se de uma condenação condicional, em que é o próprio direito reconhecido que fica dependente da verificação de determinada condição ou facto condicionante, ainda não ocorrido à data do encerramento da discussão.

14. Assim, temos de concluir que a sentença dos autos, quer se classifique como sentença condicional, quer como condenação condicional, não pode ser admitida, por força do princípio da determinabilidade do conteúdo das decisões judiciais.

A sentença em que o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto prejudica «(…) irremediavelmente a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na acção e a efectividade da tutela alcançada pelo demandante». Não pode, pois, o tribunal «(…) proferir decisão final em termos de tal modo indefinidos que mais configure uma decisão em procedimento cautelar e transferir para a execução a concretização dos comportamentos a adoptar pela ré (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-07-2004, Revista n.º 2405/04).

IV – Custas ordenadas pelo acórdão recorrido

Impugna ainda o recorrente o segmento do acórdão recorrido quanto à repartição de custas entre apelante e apelado, considerando que esta repartição não foi feita de forma justa e equitativa (conclusão AQ).

O segmento decisório afirma o seguinte:

«As custas serão suportadas na proporção de 72% pelo A. e de 28% pela R., por tal ponderação corresponder ao valor da sucumbência (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.)».

Na conclusão AR) da sua alegação de recurso, pugna o recorrente para que a repartição das custas do acórdão recorrido seja 90% para a Ré e 10% para o Autor, entendendo que esta solução se impõe por estar em causa não uma sentença condicional, mas antes uma sentença de condenação condicional aceite no nosso ordenamento jurídico em relação a danos que não estão ainda quantificados.

Vejamos:

Entende a lei no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, que:

«1 - A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for».

A condenação em custas decorre dos princípios da onerosidade da atividade jurisdicional, da responsabilização da parte causadora da demanda pelas custas do processo e da proporcionalidade entre o montante global e a natureza, valor e tramitação da ação (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-09-2013, proc. n.º 738/08).

As custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que dá causa à ação, recurso ou incidente, isto é, pela parte vencida, ou, não existindo vencimento, pela parte a quem a decisão aproveita.

Tratando-se de condenação total ou parcialmente ilíquida, deve entender-se que, se foi o autor que deduziu pedido genérico e beneficiou de uma sentença de condenação igualmente genérica, as custas ficam a cargo do réu (cfr. Abrantes Geraldes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª edição atualizada, 2020, p. 602).

Já nos casos em que o autor formulou um pedido líquido e a sentença de condenação foi genérica, a responsabilidade deve ser provisoriamente repartida por ambas as partes, sendo sujeita aos acertos necessários resultantes de liquidação posterior (Ibidem, p. 602).

Na situação vertente, foi atribuído à ação o valor de € 50 000, 01, o que não tem correspondência (numérica ou quantitativa) com os pedidos, nem com regras especiais que o determinem, já que não está em causa um pedido de quantia certa em dinheiro ou convertível numa quantia certa, conforme o disposto nos artigos 297.º e 298.º do CPC, nem se aplicam os critérios dos artigos 300.º e ss. do CPC

A decisão de custas no tribunal de 1.ª instância foi de 80% para a Ré e de 20% para o Autor.

Todavia, o acórdão recorrido modificou parcialmente a sentença, na medida em que revogou o segmento condenatório relativo ao pagamento de indemnização por danos na estrutura do prédio, e alterou o segmento relativo à indemnização com as reparações no interior da habitação, embora quanto a estes danos se tenha tratado de uma mera especificação da condenação genérica, tendo sido a sentença de 1.ª instância no essencial confirmada quanto a estes danos.

Em consequência, debruçou-se sobre a proporção a fixar quanto à divisão das custas entre as partes, em função do novo teor da condenação e da absolvição.

O pedido formulado decompõe-se nos seguintes segmentos:

1 – Condenação da Ré a indemnizar o Autor, em todos os prejuízos advenientes, que, por ainda não serem concretizáveis, deverão ser determinados em incidente de liquidação;

2 – Condenação da ré a suportar o valor de renda de imóvel que o Autor deixou de receber desde Abril de 2019, durante o período de reparação e até à integral reparação;

3- Condenação da ré a proceder às reparações necessárias na sua habitação a fim de criar sustentabilidade ao prédio;

4 – Condenação da ré a suportar os custos da consolidação da estrutura da habitação do Autor e a suportar a reparação dos danos causados no interior da habitação, em valor a apurar em liquidação posterior;

5 – Condenação da ré a pagar € 5.000,00, de indemnização por danos não patrimoniais, e juros à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

O acórdão recorrido fixou a cada um dos três pedidos relevantes - o primeiro, o terceiro e o quarto - uma proporção equivalente a 25%. E, entendendo que apenas o primeiro pedido do autor obteve provimento, imputou num saldo de 25% de custas para a Ré e de 50% para o Autor.

Ao segundo pedido – condenação no valor das rendas que o Autor teria deixado de perceber – o Tribunal da Relação atribuiu uma ponderação de 15%, decidindo que, tendo o Autor sucumbido totalmente nesta sua pretensão, cabe-lhe suportar o equivalente em custas.

Relativamente aos danos não patrimoniais, o acórdão recorrido atribuiu à indemnização de 5000, 00 euros solicitada uma proporção de 10%. Tendo o autor obtido um vencimento de € 1 500, 00 em € 5 000, 00, tal corresponde a 30% do valor pedido, cabendo-lhe, portanto, suportar o equivalente a 70% do valor de 10% das custas, ou seja, 7% das custas globais, cabendo à ré a obrigatoriedade de pagar as custas equivalentes a 30% dos 10%, isto é, 3% do total.

Foi esta a metodologia adotada pelo Tribunal da Relação, tendo resultado uma distribuição das custas operada de 72% para o Autor e de 28% para a Ré.

Não invoca o recorrente, nas suas conclusões de recurso, argumentos suscetíveis de rebater os critérios do acórdão recorrido.

Todavia, há um ponto em que pode levantar-se uma dúvida em relação ao entendimento do Tribunal da Relação, quando considera que apenas o pedido sob n.º 1 foi procedente. É que o pedido genérico do autor quanto aos danos causados no interior da habitação, incluído em 4), a par dos danos estruturais que não foram reconhecidos, foi declarado procedente pelo tribunal de 1.ª instância procedente e confirmado pelo Tribunal da Relação, que alterou apenas os seus termos. Ou seja, dos três pedidos a que a Relação atribuiu a cada um uma proporção de 25%, parece não se poder considerar que o autor ficou vencedor em apenas um deles, na medida em que os danos causados no interior da habitação não se diluem nos danos estruturais e a ré foi condenada a pagá-los após quantificação em liquidação de sentença.

Revisto o acórdão recorrido, dele decorre que a ré não pediu no recurso de apelação para que fosse revogada a sentença na parte em que condenou a ré nos custos relativos à reparação dos danos causados no interior da habitação do Autor, mas apenas que, no incidente de liquidação, não fossem considerados os factos descritos nos pontos 18 e 28 da matéria de facto provada, «mantendo-se a sentença apenas na parte relativa à reparação dos danos identificados nos pontos 5 e 19», o que veio a ser deferido pelo Tribunal da Relação. Considera-se, pois, que o autor não ficou vencedor nesta questão, assim se mantendo o estabelecido quanto a custas pelo acórdão recorrido.

15. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC:

I - A sentença dos autos, que condena a ré no pagamento dos custos de consolidação da estrutura da habitação do Autor, caso venha a ser necessário, constitui uma condenação condicional que não pode ser admitida, pois o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto, que exige uma ulterior indagação judicial.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas da revista pelo recorrente.


Lisboa, 4 de junho de 2024

Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Manuel Aguiar Pereira (1.º Adjunto)

Jorge Arcanjo (2.º Adjunto)