AFIRMAÇÕES DE NATUREZA CONCLUSIVA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO "PARA TRABALHO IGUAL
SALÁRIO IGUAL"
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR DO CONTRATO COM JUSTA CAUSA SUBJETIVA
Sumário

I – As conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações.
II – As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum.
III – O princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa), desenvolvido no artigo 59.º, n.º 1, da mesma Constituição, reporta-se a uma igualdade material, que não meramente formal, e concretiza-se na proscrição do arbítrio e da discriminação, postulando que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais.
IV – Quando o trabalhador pretenda que seja reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, sem que se mostre invocado qualquer dos factores característicos de discriminação, cabe-lhe alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada em virtude do trabalho por si prestado ser igual ao dos trabalhadores diferentemente remunerados quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), à qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade), enquanto factos constitutivos do direito invocado (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), não beneficiando da presunção a que alude o artigo 25.º, n.º 5, do Código do Trabalho.
V – Da análise dos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 394.º do Código do Trabalho decorre que o direito do trabalhador de resolver o contrato com justa causa subjetiva depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: – um comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador, isto é que o mesmo atue ilicitamente – elemento objetivo; que tal comportamento seja culposo, isto é imputável ao empregador a título de culpa – elemento subjetivo; e que esse comportamento pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – elemento causal [que desse comportamento culposo resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que seja inexigível ao trabalhador - no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – a continuação da prestação da sua atividade].

[elaborado pela sua relatora nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil (cfr. artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho)]

Texto Integral

Recurso de apelação nº 4509/22.7T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 3



Recorrente: Centro Social Paroquial ...
Recorrido: AA



Relatora: Germana Ferreira Lopes
1ª Adjunta: Rita Romeira
2ª Adjunta: Teresa Sá Lopes







Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto



I - RELATÓRIO
AA intentou a presente acção de processo comum contra Centro Social Paroquial ..., pedindo:
“a) Seja declarada a justa causa de resolução do contrato por parte do A., condenando-se em consequência a Ré a pagar uma indemnização no montante de 3.375€ (artigo 396º CT);
b) Seja a Ré condenada a pagar ao A. diferenças na retribuição base no montante de 13.222,54€;
c) Seja a Ré condenada a pagar ao A., a título de diferença no subsídio de férias, o montante de 697,44€;
d) Seja a Ré condenada a pagar ao A., a título de diferença no subsídio de natal, o montante de 706,44€;
e) Seja a Ré condenada a pagar ao A. o montante de 9.189,88€ a título de trabalho suplementar;
f) Seja a Ré condenada a pagar ao A. o montante de 4.482,67€ a título de subsídio de turno;
g) Seja a Ré condenada a pagar ao A. o montante de 613,12€ a título de crédito de horas relativo a formação não ministrada no decurso do contrato;
h) Seja a Ré condenada no pagamento dos juros de mora desde o seu vencimento até integral e efectivo pagamento”.
Fundou o peticionado (tendo em conta o que ora interessa considerar face à delimitação do objeto do recurso em apreciação, infra enunciada), invocando, em substância, que: em 11-02-2019, foi admitido ao serviço da Ré mediante contrato de trabalho escrito que junta, com a categoria de trabalhador auxiliar de serviços gerais, com horário de trabalho estipulado de 40 horas semanais com turnos rotativos de segunda a domingo; à data da cessação do contrato de trabalho, recebia mensalmente o montante de € 665,00, a título de remuneração, acrescida de subsídio de turno mensal de € 99,75; ao referido contrato é aplicável o CCT publicado no BTE nº 1, de 8/01/20; desde o início da sua prestação de trabalho exerceu muitas outras funções, nomeadamente: controlava as entradas e saídas na portaria da Instituição, ia buscar utentes do Centro de Dia às suas residências e indo leva-los de regresso a casa no final do dia, transportando e entregando refeições, fraldas, roupa lavada e dando medicação a utentes que não se podiam deslocar ao Lar, auxiliava em toda a logística quanto ao fornecimento de bens à instituição, nomeamente entregas de fraldas, pensos, material de enfermaria, medicação, e todo o mais que se mostrasse necessário nesta área, recolhia donativos dos supermercados e hipermercados, transportava-os para as instalações da Ré, procedia à sua arrumação nos locais respectivos, registava informaticamente os produtos que eram fornecidos no Lar, procedia à manutenção dos equipamentos da instituição, nomeadamente electromésticos pequenos ou máquinas de lavar e secar, lavagem de filtros de ar condicionado ou outros aparelhos que deles necessitassem, procedia à limpeza do parque automóvel utilizado pela instituição para a entrega de alimentação, medicação e demais bens aos utentes, bem como ao de transporte de passageiros; transportava e acompanhava utentes do Lar a consultas médicas, fossem realizadas nos hospitais ou consultários medicos; no período de confinamento por causa da pandemia Covid19, media a temperatura aos funcionários da instituição e a utentes que tivessem que se deslocar, preparava e distribuía kit´s de material de proteção individual aos funcionários da instituição, preparava líquido de desinfeção das instalações, reportava falhas eminentes ou atuais de equipamentos ou bens necessários para a manutenção das instalações – enumeração constante dos artigos 14. a 28. da p.i. e referindo no subsequente artigo 29. “tudo exatamente nas mesmas condições, nos mesmos termos, com os mesmos horários e nos mesmos moldes que os seus colegas de trabalho, BB e CC”; por carta de 5-07-2021, recebida pela Ré conforme documentos 10 e 11 que junta com a petição inicial, resolveu o contrato com justa causa, sendo que no dia 3 de setembro de 2021 deixou de trabalhar para a Ré.
Defendeu, em substância, que deviam ter sido conferidas pela Ré ao Autor as condições mais favoráveis aplicáveis às funções efetivamente exercidas, nomeadamente o pagamento do salário igual ao dos seus colegas BB e CC que recebiam o salário mensal de € 900,00. Mais defendeu que o contrato cessou em 3-09-2021 por resolução com justa causa.
Concluiu no sentido de ter direito às diferenças retributivas peticionadas, bem como à indemnização prevista no artigo 396.º, defendendo a sua fixação em 45 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade.

Foi realizada audiência de partes, tendo-se frustrado a conciliação.

A Ré apresentou contestação, aceitando a celebração do contrato nos termos invocados e aplicação da regulamentação coletiva invocada, mas sustentando (tendo em conta mais uma vez o que ora interessa considerar face à delimitação do objeto do recurso em apreciação, infra enunciada), em substância, que o Autor não executa as mesmas funções que os trabalhadores BB e CC (...), tendo um e outros tarefas e categorias profissionais diferentes.
Defendeu, em síntese, que sempre pagou ao Autor a retribuição (base) devida, legalmente fixada para a sua categoria e tarefas efetivamente exercidas, a qual à data da cessação, montava a €665,00.
Concluiu não assistir ao Autor o direito de resolver o contrato de trabalho com invocação de justa causa, não lhe sendo devida indemnização com esse fundamento, bem como as diferenças retributivas.

Foi proferido despacho saneador, com afirmação da validade e regularidade da instância e dispensa da enunciação do objeto do litígio e dos temas de prova.
Foi fixado o valor da ação em € 30.551,69;

Realizada a audiência final de discussão e julgamento, foi proferida sentença que conclui com a decisão seguinte:
Pelo exposto, julgo procedente o pedido formulado e, consequentemente,
a) Julgo verificada a justa causa da resolução do contrato operada pelo autor, condenando a ré a pagar-lhe, a título da respectiva indemnização, a quantia de 2.700€;
b) Condeno a ré a pagar ao autor as seguintes quantias ilíquidas:
- 9.735,17€, a título de diferenças de retribuição, incluindo férias e subsídios de férias e de natal;
- 1.989,75€, a título de subsídio de turno;
- 3.065,48€, a título de trabalho suplementar;
e - 375€, a título de formação profissional não prestada, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, a contar da data de vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento (artigo 559.º, 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil); e
c) no mais absolvo a ré do pedido.
Custas da acção na proporção do respectivo decaimento, sendo os autos de especial complexidade para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça.
Notifique.”

A Ré Centro Social Paroquial ..., inconformada, interpôs recurso desta decisão, fazendo a delimitação do objeto do recurso como visando a revogação da parte da sentença recorrida em que, considerando verificadas a existência de diferenças salariais e de justa casa de resolução do contrato de trabalho, a condenou no pagamento ao Autor das quantias, respetivamente, de € 9.735,17 e € 2.700,00. Refere que a sentença merece censura, nessa parte, na medida em que não violou os princípios da igualdade e não discriminação, nem ofendeu as garantias contratuais do trabalhador, nada devendo quer a título de diferenças remuneratórias, quer a título de indemnização de resolução do contrato de trabalho por justa causa.
Formulou as seguintes CONCLUSÕES que se transcrevem:
“1. Com o presente recurso o R. apelante, Centro Social Paroquial ..., impugna a decisão de facto e de direito proferida pelo tribunal a quo, nestes autos emergentes de contrato de trabalho, que o condenou no pagamento a A., apelado, AA, da quantia de € 9.735,17, a título de diferenças salariais, e da quantia de € 2.700,00, a título de indemnização por resolução do vínculo contratual com justa causa;
2. A impugnação da decisão em causa versa, de facto, a matéria, dada como provada, vertida na alínea K), e a matéria, dada como não provada, contida em 5) e 6);
3. Em matéria de direito, o recurso visa a impugnação da decisão que considerou dever ser igual à retribuição base dos trabalhadores BB e CC (...), no valor de € 900,00 cada, a retribuição auferida pelo A. apelado, esta no montante base de € 665,00, e daí a existência de diferenças salariais nos anos de 2029, 2020, e 2021, período em que o mesmo A. trabalhou para o R.;
4. Ainda em matéria de direito, o recurso visa, também, a impugnação da decisão que julgou procedente a resolução do contrato de trabalho com justa causa operada pelo A. apelado, por verificação, no critério do tribunal a quo, das alegadas diferenças remuneratórias;
5. Na referida alínea K) o tribunal a quo dá como provado que a prestação laboral do A. apelado em tudo se desenrolava nas mesmas condições, nos mesmos termos, com os mesmos horários e nos mesmos moldes que os seus colegas de trabalho, BB e CC.
6. Esta decisão de facto é absolutamente negada pelos depoimentos, cujo registo áudio se acha melhor assinalado na alegação de recurso, prestados pelas testemunhas DD e EE, arroladas pelo A. apelado, e pelas testemunhas FF, BB e CC, arrolados pelo R. apelante, devendo o facto contido em K) dar-se como não provado;
7. Com efeito, estas testemunhas confirmam que os trabalhos de oficial electricista e a responsabilidade de manutenção dos equipamentos (além de outras tarefas melhor explanadas na alegação de recurso) estão, desde há muito, confiados exclusivamente a BB e CC, em regime de acumulação voluntária de funções, dado que os mesmos têm aptidão para a execução de tais tarefas, o que não acontece com o A. apelado;
8. Desta sorte, a descrita factualidade, vertida em 5), factos não provados, deve considerar-se provada;
9. O mesmo se diga quanto à matéria de facto contida em 6), onde o tribunal a quo não dá como provado que a retribuição de BB e CC tenha vindo a ser aumentada em função dos anos de serviço;
10. Em conformidade com o alegado pelo R. apelante em sede de contestação, e que não foi impugnado, aqueles trabalhadores foram admitidos em 2005 ao serviço do R. apelante, e a decisão recorrida nenhuma objecção levanta quanto a isso;
11. Antes pelo contrário, o próprio texto da alínea 6), referido supra, pressupõe essa realidade, aliás, confirmada pelo depoimento da testemunha FF, cujo registo áudio de acha melhor assinalado na alegação de recurso;
12. Por conseguinte, o facto contido em 6), i.é, deverá ser dado como provado, pois resulta das regras da experiência comum que as retribuições de BB e CC, admitidos no já longínquo ano de 2005, não poderiam deixar de ser aumentadas em função dos anos de serviço, atingindo na actualidade o valor base de € 900,00;
13. E quando assim não se entenda, sempre sem prejuízo do alto critério e suprimento deste Tribunal Superior, parece ter aqui perfeitamente cabimento a modificabilidade da decisão de facto nos termos previstos no art.º 662.º, n.º 2, alínea b), do C. P. Civil, o que desde já o apelante, muito respeitosamente, requer;
14. O tribunal a quo errou na apreciação da prova quanto ao facto a que alude a alínea K) ao dar como provada a matéria dele constante, quando a devia considerar como não provada em função dos depoimentos das testemunhas, tanto do A. apelado, como do R. apelante;
15. E errou, também, quanto à factualidade consignada em 5), dada como não provada, quando a prova produzida em audiência aponta em sentido contrário, i.é, dada como provada, e ainda no tocante à factualidade compreendida em 6), onde as regras de experiência comum determinariam que tal matéria fosse considerada provada;
16. Dado o exposto, inexiste qualquer tipo de discriminação quanto ao valor das retribuições do A. e dos trabalhadores BB e CC (...), não se verificando os pressupostos enunciados no art.º 59.º da Constituição da República, nem dos artigos 23.º e 25.º do Código do Trabalho, invocados na douta sentença recorrida;
17. De resto, no mesmo sentido, se extrai de abundante jurisprudência, de que a título de exemplo, por se mostrarem claramente ajustados ao caso vertente, salientamos os conhecidos acórdãos do S.T.J. de 14/12/2016 (Proc. n.º 4521/13.7TTLSB.L1.4.ª Secção) e o Ac. Rel. Lx. de 16/11/2016 (Proc. n.º 12007/15.9T8LSB.L1-4);
18. Em resultado do que inexistem quaisquer diferenças salariais, incluindo aquelas pedidas pelo A., e as elencadas na douta sentença recorrida com respeito aos mencionados anos de 2019, 2020, e 2021, no valor global de € 9.735,17;
19. Do mesmo modo que não havendo, como não há, violação do princípio da igualdade de condições de trabalho, nem das garantias contratuais, ao A. não assiste, em consequência, nos termos do art.º 394.º, do C. Trabalho, fundamento para a invocada justa causa de resolução do contrato de trabalho celebrado com o R.
20. E, por inerência, também não lhe é devida, a esse título, a indemnização prevista no art.º 396.º do mesmo diploma legal, que o tribunal a quo liquidou em € 2. 700,00.”
Termina dizendo:
“Termos em que, dando provimento ao presente recurso, o R. apelante requer a este Venerando Tribunal a revogação da sentença recorrida que, considerando verificadas a existência de diferenças salariais e de justa causa de resolução do contrato de trabalho, condenou o R. apelante no pagamento ao A. apelado das quantias, respectivamente, de € 9.735,17 (nove mil setecentos e trinta e cinco euros e dezassete cêntimos) e de € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros);
Assim, em conformidade com o objecto do presente recurso, mas sem prejuízo do alto critério e suprimento deste Venerando Tribunal quanto à requerida modificabilidade da decisão de facto nos termos previstos no art.º 662.º, n.º 2, alínea b), do C. P. Civil, em caso de dúvida sobre a prova produzida quanto à matéria a que aludem os pontos 9 a 13 das conclusões, mais requer a este Venerando Tribunal que julgue a acção totalmente improcedente quanto a tais pedidos, desse modo fazendo a esperada
Justiça.”


O Autor contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“- Não há qualquer diferença entre a actividade desenvolvida pelo Recorrido e pelos funcionários da Recorrente, BB e CC.
- Não há diferença entre os horários praticados pelos três funcionários.
- Não há diferença nos turnos que os três funcionários tiveram que fazer.
- Não seria o facto de se poder eventualmente concluir que o Recorrido não conseguia fazer algumas reparações que os funcionários BB e CC conseguiam que justificava que se decidisse que as tarefas desempenhadas pelos três funcionários eram diferentes e justificavam tratamento e salário diferenciado.
- Nem o tipo, nem o volume de reparações, justificava essa diferença.
- Para além de que essas reparações essas voluntariamente feitas pelos funcionários, não faziam parte do conteúdo funcional das suas tarefas, nem lhes eram exigidas pela Recorrente.
- Não colhe o argumento de que o salário dos funcionários BB e CC era de valor superior ao do Recorrido atendendo à sua antiguidade.
- A diferença salarial não se justifica em função das tarefas e horários desempenhados pelos três trabalhadores,
A diferença salarial ficou demonstrada nos recibos juntos aos autos pela Recorrente.
- A justificação para a existência de diferença salarial não se prova pelas regras da experiência comum, é pelos factos.
- Não há qualquer facto alegado, demonstrado e provado que justifique a existência das diferenças salariais.
- Há factos que foram alegados, demonstrados documentalmente e por depoimento das testemunhas, que provam que o Recorrido executava, desde o início do seu contrato de trabalho e até ao final, exactamente as mesmas tarefas que os seus dois colegas de trabalho, BB e CC.
- Por tudo, o tribunal a quo esteve muito bem ao decidir como fez.”
Termina dizendo que, negando-se provimento ao recurso e, em conformidade, mantendo-se a sentença recorrida, se fará a devida justiça.


O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos.


Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (artigo 87º, nº 3, do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, aí se lendo:
“4. Recorre o R., da decisão da matéria de facto, e subsequente decisão de direito. A impugnação da decisão em causa versa, de facto, a matéria, dada como provada, vertida na alínea K), e a matéria, dada como não provada, contida em 5) e 6);
4.1. Porém, salvo melhor opinião, da leitura das declarações das testemunhas ouvidas e cujos depoimentos foram parcialmente transcritos, entende-se, salvo melhor opinião que a decisão se mostra correta, e que na verdade o Autor/recorrido, exercia as suas funções “K) Tudo nas mesmas condições, nos mesmos termos, com os mesmos horários e nos mesmos moldes que os seus colegas de trabalho, BB e CC.”
E, exercendo os três as mesmas funções em horários distintos, não se provou, na verdade, que “5) Os trabalhos de oficial electricista e a responsabilidade de manutenção dos equipamentos estão, desde há muito, confiados exclusivamente a BB e CC, em regime de acumulação voluntária de funções, dado que os mesmos têm aptidão para a execução de tais tarefas.”
Bem como que “6) A retribuição de BB e CC tem vindo a ser aumentada em função dos anos de serviço.”
5. “Em matéria de direito, o recurso visa a impugnação da decisão que considerou dever ser igual á retribuição base dos trabalhadores BB e CC (...), no valor de € 900,00 cada, a retribuição auferida pelo A. apelado, esta no montante base de € 665,00, e daí a existência de diferenças salariais nos anos de 2029,2020, e 2021, período em que o mesmo A. trabalhou para o R.;
Ainda em matéria de direito, o recurso visa, também, a impugnação da decisão que julgou procedente a resolução do contrato de trabalho com justa causa operada pelo A. apelado, por verificação, no critério do tribunal a quo, das alegadas diferenças remuneratórias;”
5.1. Atendendo aos factos dados como provados entende-se que são devidas, efectivamente, as diferenças salariais apuradas e nos montantes apurados.
Dúvidas, salvo melhor opinião, poderia haver quanto à consideração destes factos como justa causa de resolução.
Porém, entende-se, também, que será motivo para resolver o contrato de trabalho com justa causa por parte do trabalhador, pois que, para além de não ser paga a totalidade da retribuição quando devia, quando era devida, verificando-se uma falta culposa do pagamento pontual da retribuição, há com esta atitude, uma violação culposa de garantias legais do trabalhador, e uma lesão culposa dos interesses patrimoniais sérios do mesmo trabalhador, a que se referem as als. b) e e) do n.º 2 do art.º 394º do C.T.
Importantes são os factos a considerar para a resolução com justa causa, e, havendo lesão dos interesses patrimoniais sérios do trabalhador, sendo pago por quantia inferior aos colegas que exercem as mesmas funções, esta discriminação comporta prejuízos graves para o trabalhador que constituem, salvo melhor opinião, motivo bastante para não se exigir do trabalhador a manutenção da relação de trabalho.
6. Pelo que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso do R., confirmando-se, antes, a douta sentença recorrida.”

Notificado este parecer às partes, veio a Recorrente pronunciar-se sobre o mesmo na linha da posição já tomada no recurso.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.

*

II – OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras [artigos 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (adiante CPC), aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (adiante CPT)].
Consigna-se que o Recorrente no requerimento de interposição do recurso, na alegação e respetivas conclusões especificou a parte da decisão recorrida a que o recurso se restringia (quer de facto, quer de direito), daí decorrendo inequivocamente que o recurso interposto se restringe à parte da decisão recorrida que julgou verificadas a existência de diferenças salariais de retribuição e a justa causa de resolução do contrato operada pelo Autor, condenando a Ré a pagar-lhe as quantias de € 9.735,00 de diferenças de retribuição com fundamento na violação do princípio para trabalho igual salário igual e de € 2.700,00 a título de indemnização pela referida resolução do contrato com justa causa.
Assim, as questões a apreciar e decidir são:
(1) Saber se ocorreu erro no julgamento da matéria de facto - recurso sobre a matéria de facto quanto à alínea K) dos factos provados e aos pontos 5) e 6) dos factos não provados, sem prejuízo da intervenção oficiosa deste Tribunal em sede de matéria de facto;
(2) Saber se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito e a Apelante deve ser absolvida, conforme sustenta, no que respeita às quantias em que foi condenada a título de diferenças de retribuição no montante de € 9.735,17 e de € 2.700,00 a título de indemnização pela referida resolução do contrato com justa causa – o que contende com a apreciação das questões de saber se a retribuição base do Autor deve ser igual à retribuição base dos dois trabalhadores que o mesmo indica (onde se inclui a questão da alegada violação do princípio da igualdade e da proibição de discriminação no trabalho) e, bem assim, com o juízo sobre a verificação da existência ou não de justa causa de resolução do contrato de trabalho operada pelo Autor.
Consigna-se que, não tendo sido impugnada a condenação do Recorrente no pagamento das quantias de € 1.989,75 a título de subsídio de turno, € 3.065,48 a título de trabalho suplementar e €375,00 a título de formação profissional não prestada, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, o decidido nessa matéria transitou em julgado e, portanto, não é objeto do presente recurso.
*

III – FUNDAMENTAÇÃO

1) Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância
A decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância é a seguinte [transcrição]:
(…)
***

2) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
2.1. Da impugnação da matéria de facto apresentada pela Ré - quanto à alínea K) dos factos provados e aos pontos 5) e 6) dos factos não provados
Importa, antes de mais, fazer uma breve incursão sobre a matéria atinente aos critérios/parâmetros que devem presidir à reapreciação factual por parte do Tribunal da Relação e aos ónus exigíveis ao recorrente quando impugne a matéria de facto.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes [in “Recursos em Processo Civil – Recursos nos Processos Especiais, Recursos no Processo do Trabalho”, Almedina, 7ª edição atualizada, 2022, pág. 195], quanto às funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão da matéria de facto, “foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas e relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”.
Em conformidade, refere-se no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 17-04-2023 [processo n.º 1321/20.1.T8OAZ.P1, Relator António Luís Carvalhão - acessível in www.dgsi.pt, site onde também se encontram disponíveis os restantes Acórdãos infra a referenciar, desde que não seja feita menção em sentido diverso] que no caso «de impugnação da decisão sobre a matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas. É que, a reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso).».
No entanto, e como também se evidencia no citado Acórdão, «ainda que a modificação da decisão da matéria de facto se deva limitar aos pontos de facto especificamente indicados, cumprindo os requisitos estabelecidos pelo legislador, o Tribunal da Relação não está limitado à reapreciação dos meios de prova indicados por quem recorre, devendo atender a todos os que constem do processo (…).
É que, embora não se trate de um novo julgamento, tendo presente o disposto no art.º 662º do Código de Processo Civil, vem-se entendendo que o Tribunal da Relação na apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto (porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece) (…).».
Neste particular, como destacou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-02-2017 [processo n.º 8228/03.5TVLSB.L1.S2, Relator Tomé Gomes], “[n]o que respeita à reapreciação da decisão de facto pelo tribunal de 2.ª instância, é, hoje, jurisprudência seguida pelo STJ que essa reapreciação não se limita à verificação da existência de erro notório por parte do tribunal a quo, antes implicando uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, por parte do tribunal de recurso, da sua propria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar e produzir, para, só em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do invocado erro, mantendo ou alterando os juízos probatórios que tenham sido feitos (art. 662.º, n.º 1 do CPC).”
Nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão sobre a matéria de facto, «se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Em suma, enquanto tribunal de 2ª instância, cabe à Relação reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, tambem avaliar e valorar, de acordo com o princípio da livre convicção, toda a prova produzida nos autos de molde a formar a sua própria convicção no que concerne aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto, se relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento.
Por outro lado, o artigo 640.º, n.º 1, do CPC, impõe ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição:
a) “os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (tem que haver indicação inequívoca dos segmentos da decisão que considera afetados por erro de julgamento);
b) “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (tem que fundamentar os motivos da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova produzidos – constantes dos autos ou da gravação – que, no seu entender, implicam uma decisão diversa da impugnada);
c) “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No que respeita ao ónus previsto na alínea b), determina o legislador no n.º 2 do mesmo artigo que se observe o seguinte:
a) “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”;
b) “independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
O citado artigo 640.º impõe, pois, um ónus rigoroso ao recorrente, cujo incumprimento implica a rejeição imediata do recurso [Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., Revista e Atualizada, Almedina, p. 157, nota (333)].
Refira-se que se entende inexistir despacho de aperfeiçoamento quanto ao recurso da decisão da matéria de facto. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os recentes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (adiante STJ) de 6-02-2024 [processo n.º 18321/21.7T8PRT.P1.S1, Relator Nelson Borges Carneiro] e de 23-01-2024 [processo n.º 2605/20.4.L1.S1, Relator Pedro de Lima Gonçalves]. Este entendimento vem também sendo seguido nesta Secção Social, de forma que se pensa unânime, e de que é exemplo o Acórdão de 5-06-2023 [processo n.º 125/22.1T8AVR.P1, Relator Nelson Fernandes e no qual interveio como Adjunta a aqui 1ª Adjunta Rita Romeira]. Tal entendimento é também defendido por António Santos Abrantes Geraldes, na obra citada, pág. 199.
Assim, e como também refere António Santos Abrantes Geraldes (obra citada pág. 200 e 201), a rejeição do recurso (total ou parcial) respeitante à matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações (o elenco indicado tem por base o entendimento jurisprudencial que vem sendo sufragado nesta matéria, máxime pelo STJ):
a - Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto [artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC)];
b - Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados [artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC)];
c - Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d - Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e - Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento de impugnação.
No que respeita à situação plasmada na alínea e), tenha-se presente que o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão n.º 12/2023 [publicado no DR, Série I, n.º 220/2023, de 14-11-2023 – cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 35/2023, de 28 de novembro, publicado no DR, Série I, de 28-11-2023], uniformizou jurisprudência nos seguintes moldes:
«Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.».
Como sublinha António Abrantes Geraldes, as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconformismo. Contudo, importa que não exponenciem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador (obra citada, págs. 201 e 202).
Isto posto, cabe desde já também consignar aquele que vem sendo o entendimento seguido nesta Secção Social quanto à matéria conclusiva que tenha sido inserida na decisão da matéria de facto.
Sobre esta matéria se pronunciou, entre outros, o Acórdão desta Secção Social de 13-07-2022 [processo n.º 3642/20.4T8VFR.P1, Relatora Teresa Sá Lopes, aqui 2ª Adjunta], que passamos a transcrever por espelhar a posição que tem sido seguida nesta Secção, que se sufraga.
Expõe-se neste último Acórdão o seguinte:
«Conforme vem sendo entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Daí que só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova.
(…)
Concluindo: “Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de facto que se insira de forma relevante na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta ou componente relevante da resposta àquelas questões, ou cuja determinação de sentido exija o recurso a critérios jurídicos, deve o mesmo ser eliminado.”.
Resulta do que se deixa referido que quando o tribunal a quo se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, que essa pronúncia deve ter-se por não escrita.»
De facto, sobre esta temática e neste sentido existem numerosos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, dos quais se irá citar alguns.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-10-2009 [processo nº 272/09.5YFLSB, Relator Vasques Dinis], a propósito do artigo 646.º, n.º 4, do anterior Código de Processo Civil, refere-se que: “(…) É assim, como se observou no Acórdão desde Supremo de 23-09-2009, publicado em www.dgsi.pt (Processo n.º 238/06.7TTBGR. S1), «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.» Só os factos concretos — não os juízos de valor que sejam resultado de operações de raciocínio conducentes ao preenchimento de conceitos, que, de algum modo, possam representar, diretamente, o sentido da decisão final do litígio — podem ser objeto de prova. Assim, ainda que a formulação de tais juízos não envolva a interpretação e aplicação de normas jurídicas, devem as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito.».
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2017 [processo nº 809/10.7TBLMG.C1.S1, Relatora Fernanda Isabel Pereira], consta do respetivo sumário, em consonância com a respetiva fundamentação de direito, que “[m]uito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, englobe, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos.” No mesmo sentido, o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-01-2023, processo nº 15229/18.7T8.PRT.P1.S1, Relator Fernando Baptista de Oliveira.
Do mesmo passo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirma-se que «Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes. Vale isto por dizer, também na expressão de Anselmo Castro, que “a linha divisória entre facto e direito não tem caráter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é de facto ou de juízo de facto num caso, poderá ser de direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes” [8]
Identicamente – e com o mesmo critério, como tem sido sustentado pela jurisprudência [9]-, são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da decisão do litígio, ou seja, na expressão do Ac. de 09-12-2010 deste Supremo Tribunal [10], que invadam o domínio de uma questão de direito essencial.” [Processo n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Relator Mário Belo Morgado].
Em consonância com o sobredito entendimento, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal “o conjunto das questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado, em nome dos princípios que inspiravam a norma do referido n.º 4 do artigo 646.º do anterior Código de Processo Civil [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-01-2016, Processo nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, Relator António Leones Dantas].
Daqui se retira que, quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, deverá ser desconsiderado um facto controvertido cuja enunciação se revele conclusiva, desde que o mesmo se reconduza ao thema decidendum, cumprindo não esquecer que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes e que «[à]s partes cabe alegar os factos essenciais que constituam a causa de pedir» (artigo 5.º, n.º 1, do CPC). Sobre esta matéria veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-10-2021 [processo nº 4150/14.8T8VNG-A.P1.S1, Relator João Cura Mariano].
Em conclusão, no circunstancialismo atrás evidenciado, considera-se que cabe à Relação, mesmo oficiosamente, retirar da matéria de facto, as afirmações de «natureza conclusiva», «os juízos de valor sobre factos» ou a «valoração jurídica de factos».
*

Feitas estas considerações, considera-se que o Recorrente deu, no essencial, cumprimento aos ónus previstos no artigo 640.º n.ºs 1, alíneas a), b) e c) e 2, alinea a), do CPC.
Com efeito, e no que respeita às conclusões da alegação, verifica-se que o Recorrente cumpre o que se entende exigível, enunciando os factos impugnados e indicando e sentido e termos das alterações pretendidas [conclusões 2., 5. a 15.]. O mesmo se diga quanto ao cumprimento dos demais ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, tendo em conta que foram indicados na motivação os meios de prova em que sustenta a impugnação, os tempos de gravação dos extratos transcritos e, bem assim, aduzida argumentação para justificar as pretendidas alterações.
O Recorrente veio impugnar a decisão relativa à matéria de facto, pugnando pela reapreciação da matéria de facto provada sob a alínea K) dos factos provados e sob os pontos 5) e 6) dos factos não provados, sendo que, no seu entender, a matéria da identificada alínea deverá ser dada como não provada e a matéria dos referidos pontos deverá considerar-se como provada.
Deixa-se desde já consignado que se procedeu nesta sede recursiva à audição integral dos registos de gravação, não só no que respeita à prova gravada que é indicada pela Recorrente (depoimentos das testemunhas DD, EE, FF, BB e CC), mas também no que respeita à restante prova gravada, como seja a referente ao depoimento de parte do legal representante da Ré, ao depoimento da testemunha GG, ao depoimento da testemunha HH e às declarações de parte do Autor. Assim, se procedeu por forma a que estivesse garantida a devida contextualização de todos os depoimentos prestados e para este Tribunal poder formar a sua própria convicção, tendo em conta até a necessidade de intervenção oficiosa em sede de matéria de facto de que abaixo se irá dar conta. No que respeita ao depoimento de parte do legal representante da Ré constatou-se que o mesmo acabou por ser prescindido em sede de interrogatório preliminar. O depoimento da testemunha HH versou no essencial sobre matéria fáctica com relevo para a questão do trabalho suplementar, a qual não é objeto do presente recurso. Foi ainda consultada e analisada a prova documental junta aos autos.
Vejamos então.
Relembre-se a redacção dos pontos impugnados pelo Recorrente:
- Alínea k) dos factos provados – “Tudo nas mesmas condições, nos mesmos termos, com os mesmos horários e nos mesmos moldes que os seus colegas de trabalho, BB e CC;
- Ponto 5) dos factos não provados – “Os trabalhos de oficial eletricista e a responsabilidade de manutenção dos equipamentos estão, desde há muito, confiados exclusivamente a BB e CC, em regime de acumulação voluntária de funções, dado que os mesmos têm aptidão para a execução destas tarefas.”
- Ponto 6) dos factos não provados – “A retribuição de BB e CC tem vindo a ser aumentada em função dos anos de serviço”.
No que respeita à alínea K) dos factos provados, em face das considerações supra tecidas a propósito da intervenção oficiosa deste Tribunal da Relação, desde já se adianta, que tal alínea assume natureza manifestamente valorativa, genérica e conclusiva, sendo destituída de suporte factual e inserindo-se de forma relevante no thema decidendum.
Concretizando.
Esta alínea k) reproduz (praticamente – só lhe falta a expressão “exatamente”) o conteúdo do artigo 29.º alegado na petição inicial no qual consta “tudo exatamente nas mesmas condições, nos mesmos termos, com os mesmos horários e nos mesmos moldes que os seus colegas de trabalho, BB e CC”.
Este artigo 29.º da petição inicial e consequentemente a alínea K) que o incorpora encerra em si mesmo um juízo comparativo entre o Autor e os dois trabalhadores aí identificados, sem que sejam fornecidas as concretas premissas fácticas que permitem chegar a essa conclusão e juízo valorativo.
Parece lógico que o “tudo” constante da alínea K), face ao contexto da alegação e da decisão da matéria de facto, se reportará às funções a que se alude na alínea anterior como sendo as funções exercidas pelo Autor desde o início da prestação do trabalho [alínea J) dos factos provados – ainda que claramente no que respeita ao penúltimo parágrafo dessa alínea as tarefas aí contidas estejam limitadas ao período temporal do confinamento por causa da pandemia do Covid 19 e não, portanto, desde o início da prestação do trabalho doAutor].
No entanto, a matéria contida na alínea k) é genérica e conclusiva, nela se incluindo juízos de valor que se prendem, aliás, com a questão jurídica suscitada nos autos pelo Autor de que devia auferir um salário igual ao dos seus colegas que indica, máxime sobre a perspetiva da violação do princípio de igualdade, questão essa que é inequivocamente alvo de disputa entre as partes. O uso de tais expressões, aceitando-se que o pudessem ser desacompanhadas de qualquer concretização (o que se entende não ser o caso), acabaria por assumir relevância decisiva, nos destinos da ação ao nível da aplicação do direito, em que, como no caso, esteja em causa a referida questão jurídica.
Se atentarmos na decisão da 1ª instância em sede de direito isso mesmo alcançamos, onde se lê:
«Não alegou o autor como causa de pedir factualidade suscetível de afrontar, direta ou indiretamente, o princípio da igual dignidade sócio-laboral, subjacente a qualquer dos factores característicos da discriminação, nomeadamente os previstos no nº 1 do artigo 24.º do C. Trabalho, pelo que não funciona, como se viu, a inversão do ónus da prova.
A questão é, então, a de saber se o autor, em cumprimento do disposto no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, alegou e provou factos que permitam concluir pela violação do princípio para trabalho igual salário igual.
Claramente que sim.
De facto, resultou provado que o autor e BB e CC exerciam todos as funções que vêm descritas em J) dos factos provados, nas mesmas condições, nos mesmos termos, com os mesmos horários e nos mesmos moldes.
Apesar disso, BB e CC auferiam um salário de 900€ e o autor o salário de 650€ (quanto ao subsídio de alimentação e o subsídio de turno nada alegou a este respeito o autor)».
Sublinhe-se que ao Autor cabia alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (artigo 5.º, n.º 1, do CPC), nos termos que melhor se explicitarão aquando do conhecimento da questão jurídica em referência.
Foi na sobredita matéria conclusiva contida na alínea k) que a 1ª instância suportou a resolução da questão jurídica em referência.
Mas, reitere-se, a matéria contida na alínea K) é manifestamente valorativa, genérica e conclusiva, sendo destituída de suporte factual e inserindo-se de forma relevante no thema decidendum.
No que se refere desde logo às expressões “mesmas condições”, “mesmos termos”, “mesmos moldes”, está em causa o quê? A natureza das funções (o tipo de funções, sob o ponto de vista por exemplo da dificuldade, penosidade e perigosidade)? A qualidade (responsabilização, exigência, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc)? A quantidade (duração e intensidade)? Não havia nenhuma diferença ao nível das funções exercidas pelo Autor e os outros trabalhadores, ou dito de outro, as funções exercidas pelos trabalhadores BB eram também e só aquelas que vêm descritas na alínea J) em relação ao Autor?
Desconhece-se porque a afirmação de natureza conclusiva contida na alínea k) está desprovida dos factos que a suportem, os quais, aliás, nem foram alegados. No caso, não se concretiza sequer em termos factuais, mesmo que de forma mínima, o que integraria as sobreditas expressões – de resto, tal como ocorreu na petição inicial, em que a alegação se reconduziu à utilização das mesmas expressões.
Refira-se que quanto à expressão “com os mesmos horários” a questão até se considera ultrapassada pela matéria vertida nas alíneas O) e R) dos factos provados, essas sim que contêm factualidade concreta em que são discriminados os horários, ainda que no que respeita à alínea O) se imponha uma intervenção oficiosa deste Tribunal no sentido de concretizar quais os trabalhadores que figuram no documento n.º 3 aí referido e que se comprometeram a praticar, entre si, os horários aí indicados, como melhor se explicitará infra – [a alínea O) não foi impugnada nem o documento em que a mesma se suporta].
Sem prejuízo do atrás exposto quanto à natureza conclusiva da matéria vertida na alínea k), sempre se dirá que este Tribunal não deixou previamente de analisar toda a prova produzida para tentar de alguma forma sindicar o juízo valorativo aí contido até porque a Recorrente apresentou impugnação dessa matéria com fundamento em erro de julgamento.
E o certo é que, perante essa análise critica e conjugada, constitui convicção segura deste Tribunal que a prova produzida não foi de molde a permitir formar ou alicerçar o juízo conclusivo plasmado na alínea em causa.
A propósito da fundamentação das alíneas J) e K) e do ponto 5) dos factos não provados, lê-se na motivação da decisão de facto da sentença recorrida:
“Relativamente aos pontos J) e K) a convicção do tribunal assentou no depoimento das testemunhas DD e EE, ambas auxiliares de acção directa na ré há vários anos, GG, mulher do autor e auxiliar de saúde na ré de 2018 a 2020, FF, directora técnica da ré, BB e CC, ambos funcionários da ré.
Estas testemunhas foram, no essencial, unânimes em afirmar que o autor e BB e CC exerciam as mesmas funções, daí fazerem (os três) parte de uma escala plasmada nos horários juntos com a petição inicial, denominada “horário técnicos”, sendo raras as vezes em que estavam em simultâneo a prestar trabalho, como aliás resulta patente da simples leitura daqueles horários.
A verdade é que perante um escalonamento de horários divididos entre três funcionários, dizem-nos as regras da normalidade que todos exercerão as mesmas funções.
É certo que FF, BB e CC apontaram uma diferença entre eles, a saber, o facto de o autor não ter conhecimentos suficientes para proceder a reparações eléctricas de máquinas de grande porte, mas a verdade é que o que está aqui em causa é a manutenção de eletrodomésticos pequenos ou máquinas de lavar e secar, sendo que as referidas testemunhas DD e EE afirmaram, de forma muito segura, que quando era preciso arranjar alguma coisa chamavam quem estivesse de turno, e que o autor e os outros dois trabalhadores procediam, de igual forma, à manutenção de equipamentos que se mostrassem necessárias nos respectivos turnos.
Aliás, BB e CC admitiram que mesmo nessas reparações, o autor fazia o que lhe competia no seu turno, ainda que lhes pedisse ajuda (via telefone) para o efeito.
Assim, foi dada como provado o que vem referido em K) e como não provado o que consta em 5).”
Ponderados e analisados criticamente todos os depoimentos prestados não pode afirmar-se que todas as testemunhas que a Mmª Juíza a quo identifica foram unânimes em afirmar que o Autor e BB e CC exerciam as mesmas funções, ou dito por outras palavras, que tenham sido unânimes em afirmar que os trabalhadores com os quais o trabalhador se compara não exerciam outras funções para além daquelas que se mostram descritas na alínea J) como sendo as exercidas pelo Autor.
Por outro lado, não é a circunstância de os três trabalhadores em causa fazerem parte de uma escala plasmada nos horários juntos com a petição inicial, denominada “horário técnicos” que algo possa ditar (por apelo às regras da normalidade) em termos de juízo conclusivo (já que é esse o contido na alínea em causa) no sentido de que todos exercerão as mesmas funções, ou melhor, que possa ditar que os outros trabalhadores com os quais o Autor se compara não possam exercer mais funções além daquelas que se mostram elencadas em relação ao Autor.
A própria motivação da sentença recorrida não deixa de assinalar que as testemunhas FF, BB e CC apontaram uma diferença entre eles, «a saber, o facto de o autor não ter conhecimentos suficientes para proceder a reparações elétricas de máquinas de grande porte». Mas de seguida, desvaloriza essa diferença dizendo que: «o que está aqui em causa é a manutenção de eletrodomésticos pequenos ou máquinas de lavar e secar, sendo que as referidas testemunhas DD e EE afirmaram, de forma muito segura, que quando era preciso arranjar alguma coisa chamavam quem estivesse de turno, e que o autor e os outros dois trabalhadores procediam, de igual forma, à manutenção de equipamentos que se mostrassem necessárias nos respectivos turnos. Aliás, BB e CC admitiram que mesmo nessas reparações, o autor fazia o que lhe competia no seu turno, ainda que lhes pedisse ajuda (via telefone) para o efeito.».
Mas, não só tal desvalorização não é permitida, como constitui facto incontornável que o que está aqui em causa não é a manutenção de eletrodomésticos pequenos ou máquinas de lavar e secar!
O que está aqui em causa, sim, são as premissas fácticas que permitam ao Tribunal formar o juízo valorativo e afirmação conclusiva de que o Autor e os trabalhadores BB e CC exerciam as mesmas funções, nas mesmas condições, nos mesmos termos, e nos mesmos moldes, tendo em conta a pretensão do Autor de auferir a mesma retribuição base que os referidos trabalhadores.
Ora, analisados os depoimentos das testemunhas BB e CC (trabalhadores com as quais o Autor se compara) - que nos mereceram inteira credibilidade, atenta a forma natural e segura com que prestaram o seu depoimento - verifica-se que identificaram concretas funções que os mesmos também exerciam e que não constam do elenco de funções constantes da alínea J), a saber: reparações técnicas de bombas circuladoras de aquecimento da instituição; reparações de avarias das instalações elétricas da instituição; requisição de produtos de incontinência; compras de equipamentos/peças/acessórios; pedidos de materiais diretamente aos fornecedores. Resultou também inequivocamente do depoimento das referidas testemunhas, que os mesmos tinham formação/habilitação de eletricistas. A testemunha CC concretizou mesmo «entramos como eletricistas», ou seja, foram admitidos na Ré como eletricistas. Mais resultou que situações existiam em que tinham que dar orientações pelo telefone para dizer ao Autor como fazer e, bem assim, que às vezes a avaria ficava para resolver no dia seguinte quando lá estivesse um deles (BB e CC).
A própria testemunha FF (funcionária da Ré desde 2008, assistente social, mas tendo exercido desde admissão até agosto de 2022 as funções de Diretora Técnica do Centro), cujo depoimento foi prestado por forma espontânea e merecedora de credibilidade, referiu que os trabalhadores BB e CC tinham formação de eletricistas e faziam muita manutenção e reparação de equipamentos na instituição desde 2005, trabalhando na Ré desde que a instituição abriu [nos recibos de vencimento dos trabalhadores em causa juntos autos com a contestação, relativos ao período de janeiro de 2019 a dezembro de 2021, verifica-se que nos mesmos estão efetivamente contempladas diuturnidades cuja contabilização, atenta a regulamentação coletiva aplicável nos moldes que melhor se explicitarão em sede de apreciação da questão jurídica, vão ao encontro da indicada data de 2005 como sendo a data de admissão]. Esta testemunha quando questionada sobre as tarefas de manutenção dos equipamentos da instituição a cargo do Autor que vêm elencadas na alínea J) começou por dizer que o Autor não fazia muito o tipo de tarefa de reparação, só se o fizesse no âmbito de conhecimento dele…
Se atentarmos nos depoimentos das testemunhas DD e EE – ambas auxiliares de ação direta na Ré, a primeira desde 2019 e a segunda há cerca de 21 anos -, não pode de todo dizer-se que as mesmas afirmaram, e muito menos de forma muito segura, que o Autor e os outros dois trabalhadores com os quais o mesmo se compara procediam, de igual forma, à manutenção de equipamentos que se mostrassem necessários nos respetivos turnos.
No rigor das coisas, a testemunha DD quando questionada pela Ilustre Mandatária do Autor sobre “reparações” que o Autor fazia reportou-se apenas a “lâmpadas e persianas”, sendo que quando questionada pelo Ilustre Mandatário da Ré sobre se o Autor fazia reparações complexas, de “eletrodomésticos” a testemunha respondeu prontamente que não tinha referido isso.
Já a testemunha EE referiu, efetivamente, que, se houvesse alguma avaria, pedia a mesma coisa ao Autor que aos trabalhadores BB e CC, não deixando também logo espontaneamente de se reportar ao que o Autor às vezes lhe dizia perante tais solicitações “eu não sei fazer…”, “eu vou tentar” (sic). Também esta testemunha, quando perguntada sobre a questão das funções, não deixou de referir por forma natural e espontânea “a única coisa que eu acho é que o Sr. AA se calhar não estava habilitado para algumas coisas, imagine às vezes uma máquina de lavar daquelas maiores avariava, claro que o Sr. AA não é … e os outros senhores se calhar já têm outro tipo de conhecimentos por outras coisas que fazem e se calhar eram capazes de arranjar, mas ele não dizia eu não arranjo, não é, ele só dizia, eu não tenho, eu não consigo, não sei, eu vou, posso até tentar, mas tudo o que pedia aos outros eu pedia ao Sr. AA, exatamente a mesma coisa” (sic). Resultou também do depoimento desta testemunha que BB e CC já trabalhavam na Ré há muitos anos.
A própria testemunha GG (esposa do Autor, que trabalhou na Ré como auxiliar de saúde entre 20-08-2018 a 2020), em resposta claramente defensiva à pergunta sobre se o marido sabia ou não reparar frigoríficos, afirmou “sabia dentro dos conhecimentos dele”, não deixando também de referir que se ele não conseguisse o Sr. BB e o CC tentavam. Ficou claramente implícito nessa resposta que desde logo nesta área os conhecimentos/habilitações/experiência do Autor e dos trabalhadores com os quais se compara não eram os mesmos, como, aliás, resultou inequívoco dos restantes depoimentos produzidos a que acima se aludiu.
Em suma, depois de analisada criticamente a prova produzida, conclui-se que a mesma não foi de molde a alicerçar uma convicção firme e segura em sentido positivo do juízo e afirmação conclusiva plasmado na alínea k) dos factos provados.
De todo modo, tal alínea tem, como referido, natureza conclusiva, pelo que não deverá tal matéria ser levada seja aos factos provados, seja aos não provados, mais devendo a sua indicação nos factos provados ter-se como como não escrita.
Pelas razões acima plasmadas, impõe-se considerar como não escrita a matéria da alínea k), eliminando-se a mesma do elenco dos factos considerados provados, o que se decide e determina.
Prosseguindo com a análise da matéria da impugnação apresentada pela Recorrente, pretende esta que o ponto 5) dos factos não provados seja dado como provado.
Neste ponto dos factos não provados lê-se: “Os trabalhos de oficial eletricista e a responsabilidade de manutenção dos equipamentos estão, desde há muito, confiados exclusivamente a BB e CC, em regime de acumulação voluntária de funções, dado que os mesmos têm aptidão para a execução destas tarefas.”
Também este ponto inclui matéria vaga e conclusiva - “trabalhos de oficial eletricista”, “desde há muito”, “em regime de acumulação voluntária de funções”, “os mesmos têm aptidão para a execução destas tarefas” – e pouco explicita.
Tal matéria consta no artigo 14.º da contestação, no seguimento da impugnação da Ré quanto ao invocado pelo Autor de que procedia a tarefas de manutenção dos equipamentos da instituição, nomeadamente eletrodomésticos pequenos ou máquinas de lavar e secar, lavagem de filtros de ar condicionado ou outros aparelhos que deles necessitassem”.
A Ré na contestatação não concretizou minimamente:
- quais eram os “trabalhos” a que se reportava para, perante a respetiva descrição, se poder chegar ou não depois à conclusão de que se tratavam de trabalhos de oficial de eletricista;
- em que se traduzia o “regime de acumulação voluntária de funções” – decorria de algum acordo que tenha sido celebrado entre a entidade empregadora e os trabalhadores? decorreu apenas a iniciativa dos trabalhadores? nem se situou temporalmente essa acumulação…
- a aptidão a que se reportava - formação/habilidade ou capacidade…
Por outro lado, nesse ponto o que está mencionado é que os “trabalhos de oficial eletricista e a responsabilidade pela manutenção estão confiados exclusivamente aos trabalhadores a BB e CC, o que, salvo melhor opinião, nessa parte poderia contender necessariamente com a alínea J) dos factos provados – que não foi objeto de impugnação – na qual consta que «Desde o início da prestação do trabalho, o autor (…) – procedia à manutenção dos equipamentos da instituição, nomeadamente eletrodomésticos pequenos ou máquinas de lavar e secar, lavagem de filtros de ar condicionado ou outros aparelhos que deles necessitassem».
Pelas razões expostas, tratando-se de matéria conclusiva, não deverá tal matéria ser levada seja aos factos provados, seja aos não provados, mais devendo a sua indicação nos factos não provados ter-se como não escrita e, portanto, como eliminada, não sendo de deferir a inclusão do ponto 5) em referência no elenco dos factos considerados provados.
Improcede nesta parte a impugnação da matéria de facto apresentada pelo Recorrente.
Por último, pretende o Recorrente que o ponto 6) dos factos não provados seja dado como provado.
O teor desse ponto é o seguinte: “A retribuição de BB e CC tem vindo a ser aumentada em função dos anos de serviço”.
Ora, esta afirmação assume natureza genêrica, já que no rigor dos princípios. a Ré não concretiza se estaria a reportar-se a retribuição base e/ou eventualmente a outras parcelas da retribuição. Não se olvide que as diuturnidades são uma prestação de natureza retributiva nos termos da lei.
Não obstante, percebe-se do contexto da alegação na contestação que a Ré se está a reportar à retribuição base, até porque a pretensão do Autor em termos de equiparação com tais trabalhadores se reporta à sua retribuição base, sendo ainda certo que isso mesmo decorre também da fundamentação da sentença recorrida quanto a essa matéria.
Assim, lê-se na fundamentação da sentença recorrida quanto à alínea L) dos factos provados (este facto provado não foi impugnado) e ao ponto 6) dos factos não provados o seguinte: «No que respeita ao ponto L), foram considerados os recibos de vencimento daqueles trabalhadores juntos aos autos, devidamente conjugados com o depoimento da testemunha FF, que confirmou o valor da remuneração por aqueles auferida.
Ainda a este respeito, do teor daqueles recibos não resulta plasmado o invocado aumento da retribuição daqueles trabalhadores em função dos anos de serviço, já que a retribuição é sempre de 900€ e os aumentos de que beneficiam resultam das diuturnidades que vêm recebendo, paga para além daquela retribuição. Daí ter sido dado como não provado o que consta em 6).»
Com efeito, nesta matéria em termos de prova documental apenas foram juntos os recibos de vencimento dos trabalhadores em causa referentes ao período de janeiro de 2019 a dezembro de 2021, sendo que em todos consta a retribuição base de € 900,00. Ou seja, da análise de tais recibos não resulta qualquer aumento da retribuição base no período a que respeitam.
Ademais, analisada a prova produzida em sede de audiência de julgamento, constata-se que nenhuma das testemunhas inquiridas se pronunciou sobre a matéria do ponto 6) dos factos não provados. Dos depoimentos prestados, máxime pelas trabalhadores em causa e pela testemunha FF, nenhuma referência foi feito ao invocado aumento da retribuição base desses trabalhadores ao longo dos respetivos anos de serviço.
Acresce que, ao contrário do que sustenta a Recorrente, inexistem elementos fácticos que permitam retirar qualquer ilação, e muito menos pelo simples recurso às regras da experiência comum, no sentido de se concluir que as retribuições base dos dois trabalhadores que terão sido admitidos em 2005 tenham sido aumentadas desde a admissão e ao longo dos anos de serviço.
Os elementos probatórios produzidos foram, pois, insuficientes para demonstrar em juízo a matéria em causa, não tendo a mesma qualquer base de sustentação probatória.
Insuficiência que não significa ser duvidosa a prova produzida, no sentido de justificar que a Relação (exercendo poderes oficiosos, ainda que sugeridos pela Ré Recorrente) determine a realização de novos meios de prova testemunhal e documental (como pretendido pela Apelante).
Como se expõe no Acórdão da Relação do Porto de 4-05-2022 [processo n.º 4366/20.8T8PRT-A.P1, Relator João Ramos Lopes], «[t]al possibilidade (ordenar a produção de novos meio de prova em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada - art. 662º, nº 2, b) do CPC) traduz um poder/dever que a Relação deve usar de ‘acordo com critérios de objetividade, quando percecione que determinadas dúvidas sobre a prova ou falta de prova sobre factos essenciais poderão ser superadas mediante a realização de diligências probatórias suplementares’ – não podendo uma tal faculdade significar a ‘abertura da possibilidade de realização de um novo julgamento pela Relação’, estando apenas em causa ‘uma medida paliativadestinada a resolver situações patológicas que emergem simplesmente de uma nebulosa que envolva a prova que foi produzida e que não foi convenientemente resolvida (devendo sê-lo) segundo o juízo crítico da Relação.’[8]
Trata-se de faculdade destinada a sanar dúvidas fundadas, obectivas, sérias, que emergem da prova realizada, não podendo deixar de ponderar-se (em vista do uso de uma tal possibilidade) o modo como as partes ‘exerceram os respectivos ónus de prova e de contraprova nos momentos processualmente ajustados, para que se não subvertam, por via de um mecanismo que deve ser excecional, as boas regras processuais conexas com os princípios do dispositivo e do contraditório.’[9]
Solução reservada para situações em que subsistam dúvidas sérias (objectivas e fundadas) sobre o sentido e alcance das provas produzidas (sobre a credibilidade de algum depoente ou sobre o sentido de um depoimento) – não servindo para desonerar a parte de usar dos instrumentos adequados na fase da produção da prova (de usar do grau de diligência e o empenho idóneos a carrear aos autos prova apta apropriada à demonstração do facto) – e que o juiz poderia (e deveria) ter ultrapassado, usando os seus poderes oficiosos, requisitando documentos ou determinado diligências aptas à superação da dúvida[10].» - Sobre esta matéria António Santos Abrantes Geraldes, obra citada, páginas 344 a 345.
No caso dos autos, não se suscitam dúvidas (sérias e fundadas) sobre o sentido e alcance de qualquer meio probatório que tenha sido apresentado pela parte ora Recorrente para demonstrar (provar) o facto que alegava.
O que se constata é tão só que os elementos de prova apresentados pela parte não foram bastantes para alicerçar e fundar convicção judicial sobre a veracidade (no sentido da sua demonstração em juízo) da alegação em causa.
Não está em causa, pois, a imprescindibilidade de realização de diligências probatórias complementares com vista a suplantar fundadas dúvidas sobre o alcance da prova realizada – a prova produzida não sofre de qualquer ambiguidade quanto ao seu alcance, não ficou envolta em qualquer nebulosa de dúvida não convenientemente resolvida.
O sentido e alcance dos meios probatórios produzidos não se apresentam inquinados por qualquer dúvida objetiva e fundada, apenas se revelando insuficientes para que, com base neles, o tribunal funde a sua convicção sobre a realidade da factualidade em questão.
Não se verificam, pois, os necessários pressupostos para lançar mão do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea b), do CPC.
Improcede nesta parte a pretendida alteração da decisão da matéria de facto (no sentido de julgar provada a matéria constante do ponto 6) dos factos não provados).
*

2.2. Situações da matéria de facto que carecem de intervenção oficiosa deste Tribunal
Constata-se que o Tribunal recorrido na alínea H) da factualidade provada, não impugnada no presente recurso, fez constar que, “Por carta data de 05 de Julho de 2021, recebida pela ré, o autor declarou “comunicar a resolução com justa causa, do contrato de trabalho…” com efeitos em 3/09/21, pelos fundamentos ali expostos, carta que se mostra junta com a petição inicial como documento nº 10, cujo conteúdo se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Ou seja, quanto ao conteúdo da referida carta, documento junto aos autos, remeteu para o seu contéudo que deu como “integralmente reproduzido”, quando, dada a relevância que assume tal documento em casos como o presente em que está em causa a justa causa de resolução do contrato, a melhor técnica processual passará por fazer constar, pelo menos parte essencial, o contéudo desse documento.
Acresce que devia ter sido dada como assente a data em que a carta de resolução foi recebida pela Ré, uma vez que o autor invocou o envio e recebimento da carta em causa com apelo aos documentos 10 e 11 que juntou com a petição inicial (carta – doc. 10, registo e A/R-doc.11), os quais não foram objeto de impugnação, antes se tratando de matéria que não se mostra controvertida entre as partes (ou seja, a data da carta, o teor da mesma, o envio e data de recebimento dessa mesma missiva).
Deste modo, oficiosamente, e visto o disposto nos artigos 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, do CPC e considerando a respetiva relevância no âmbito da aplicação das regras de direito, importa que relativamente ao facto provado sob a alínea H) se faça constar expressamente o teor da comunicação a que aí se faz menção e cujo conteúdo/teor é dado “como integralmente reproduzido” nessa alínea dos factos provados, bem como a data de recebimento da mesma pela Ré (6-07-2021 – data de assinatura do A/R).
Também quanto à alínea O) dos factos provados, como já se adiantou supra, se impõe uma intervenção oficiosa deste Tribunal no sentido de concretizar quais os trabalhadores que figuram no documento n.º 3 aí referido e que se comprometeram a praticar, entre si, os horários aí indicados, como melhor se explicitará infra – [a alínea O) não foi impugnada nem o documento em que a mesma se suporta].
Acresce que, face ao contrato de trabalho escrito celebrado pelas partes e junto com a petição inicial como documento 1 – documento esse cuja subscrição não foi colocada em crise por qualquer das partes, antes tendo servido de suporte às alíneas A) a D) dos factos elencados como provados -, importa ao abrigo do disposto nos artigos 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, do CPC, que a alínea D) dos factos provados contemple não só o teor da cláusula 2, n.º 2 do contrato em causa, mas também o teor de outras cláusulas de tal contrato.
Assim, nos termos dos sobreditos normativos, determina-se oficiosamente
* Que a alínea H) dos factos provados passe a ter a seguinte redação:
H) Por carta data de 05 de Julho de 2021, recebida pela ré em 6-07-2021, o autor declarou “comunicar a resolução, com justa causa, do contrato de trabalho …”, com efeitos em 3/09/21, pelos fundamentos ali expostos, carta que se mostra junta com a petição inicial como documento nº 10, com o seguinte teor:
“Porto, 05 de Julho de 2021
Registada c/ar
Assunto: denúncia de contrato de trabalho de 11/02/2019
Exmº senhores
Venho pelo presente comunicar a resolução, com justa causa, do contrato de trabalho que me liga a Vs. Exas. desde 11/02/2019, nos termos e para os efeitos do artigo 395º do Código de Trabalho.
Já repetidas vezes expus, sem que me tivessem dado resposta cabal ou solucionado o que está mal, os motivos que me levam a denunciar o contrato de trabalho.
De qualquer forma, repito:
- Não só estou a exercer exatamente as mesmas funções que os meus colegas e trabalhadores desta entidade, BB e CC, sem me ter sido atribuída a mesma categoria profissional;
- Como não estou a receber o mesmo valor que estes recebem, de salário base, horas noturnas e subsídio de refeição;
- Aliás, estes últimos eu nunca cheguei sequer a receber apesar de fazer turnos e realizar trabalhos em horas noturnas.
Ora, sempre ouvi dizer que existe a regra de trabalho igual salário igual, mas que não respeitam, apesar das minhas insistências nessa sentido.
- Para além disso, apesar das minhas discordâncias expressas e do facto de já vos ter alertado que as constantes alterações do horário de trabalho em que chego a fazer turnos de 16 horas (como neste mês de julho), me são prejudiciais, estando a prejudicar a minha saúde e o bem-estar da minha família, o facto é que continuam a alterar o meu horário de trabalho, sem me consultarem e sem sequer mo comunicarem pessoalmente;
- E, têm-me provocado insistentemente, criando mal-estar no exercício da minha atividade, não me dirigem a palavra, não me respondem aos meus pedidos de contacto, fazem de conta que eu não existo, exceto para aproveitar do meu trabalho;
- Deixando-me embaraçado, envergonhado perante os meus colegas e perante a minha família que não tem dificuldade em perceber porque não consigo resolver esta situação, agastado com a dificuldade em manter as minhas rotinas diárias com a minha família, sem conseguir dormir ou descansar, triste, pois não consigo perceber as razões que vos levam a tratar-me desta forma.
Evidentemente tentei ultrapassar estas situações mas o incumprimento reiterado e sistemático das obrigações legais relativas ao pagamento do meu trabalho, do tempo de trabalho e do meu descanso, a falta de resposta aos meus pedidos e exposições, bem como a falta de comunicação da alteração sucessiva dos meus horários de trabalho, sem que exista qualquer comunicação prévia e/ou negociação, tornam, imediata e praticamente impossível, a subsistência da relação de trabalho, obrigando-me à denúncia do contrato.
Neste momento, encontra-se e dívida, o pagamento das horas extraordinárias feitas por mim, desde o início do contrato até ao presente, os proporcionais dos subsídios de férias e de Natal, o subsídio de férias e as férias que deveriam ser gozadas este ano, devendo essa entidade proceder à liquidação dos valores em dívida.
De igual modo, ficam obrigados no prazo de cinco dias úteis a enviar a declaração Modelo RP5044 da Segurança Social, devidamente preenchida, assinada, e enviada para a morada indicada e, ainda, do Certificado de Trabalho, sem prejuízo do pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato, acrescida da indemnização de antiguidade, nos termos do artigo 396º do Código do Trabalho.
A presente denúncia do contrato terá efeitos a partir do dia 3 de Setembro de 2021.
O meu pedido de férias deve ser gozado no próximo mês de agosto, devendo ser contabilizado para efeitos do aviso prévio.
Cumprimentos,”.
* Que a alínea O) dos factos provados passe a ter a seguinte redação:
O autor assinou o documento denominado “acordo” junto com a contestação como documento nº 3, no qual os trabalhadores [AA (autor), BB e CC] se comprometeram a praticar, entre si, os seguintes horários de trabalho (H):
H18 (dezoito): 06:30 às 12:00;
H19: 12:00 às 17:30 horas;
H20: 17:30 às 23:00 horas;
H21: 06:30 às 23:00 horas, com pausa de 1 hora para almoço e 30 minutos para jantar;
H22: 06:30 às 13:30 horas.
* Que a alínea D) dos factos provados passe a ter a seguinte redação:
Autor e Ré celebraram o contrato escrito junto como documento 1 com a petição inicial, sob a epígrafe “Contrato de Trabalho”, cujo teor se dá como reproduzido, aí constando:
Entre:
Centro Social e Paroquial ... (…), na qualidade de empregador, e adiante designado como Primeiro Outorgante;
E
AA (…), na qualidade de trabalhador, e adianta designado por Segundo Contraente;
É celebrado o presente contrato individual de trabalho, que se rege: i) pelas disposições legais aplicáveis; ii) pelos intrumentos de regulamentação colectiva das relações de trabalho em vigor na empresa que são, presentemente, contrato coletivo de trabalho da CNIS; iii) pelas cláusulas seguintes:
Cláusula Primeira
(Vigência)
1 – O Primeiro Contraente admite o Segundo Contraente ao seu serviço, e esta declara aceitar, a partir do dia 11/02/2019.
2 – O período experimental é de 90 dias.
3 – Qualquer das partes pode denunciar o contrato durante o período experimental sem aviso prévio, nem direito a indemnização.
4 – O Primeiro Contraente tem de avisar o Segundo Contraente com a antecedência de sete dias se o período experimental tiver durado mais de 60 dias;
5 – O Segundo Outorgante declara que à data da celebração do presente contrato de trabalho tem 55 anos de idade, está desempregado há mais de 2 anos, está inscrito no centro de emprego (IEFP) há 12 meses ou mais.
Cláusula Segunda
(Funções)
1 – O Segundo Contraente é admitido ao serviço do Primeiro Contraente para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Trabalhador Auxiliar de Serviços Gerais.
2 – O Primeiro Contraente pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar temporariamente o Segundo Contraente a desempenhar funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do mesmo, nem diminuição da retribuição.
(…)
Cláusula Quarta
(Período normal de trabalho e horário de trabalho)
1 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o período normal de trabalho, do Segundo Contraente, será de 40 (quarenta) horas semanais, turnos rotativos de segunda a domingo.
2 – O Primeiro Contraente pode alterar unilateralmente os horários de trabalho ou estabelecer horários em regimes especiais de turnos, nocturno, adaptabilidade, banco de horas, nos termos definidos pelos arts 203.º e seguintes, todos do Código do Trabalho.
3 – O Segundo Contraente obriga-se, ainda, a cumprir as normas em vigor, na empresa, relativas ao registo do horário de trabalho.
Cláusula Quinta
(Retribuição)
1 – O Primeiro Contraente compromete-se a pagar ao Segundo Contraente a remuneração mensal ilíquida de € 600,00 (seiscentos euros), sujeita aos impostos e demais descontos legais.
2 – A remuneração mensal referida no número 1 deverá ser paga até ao último dia útil de cada mês, na sede ou no escritório do Primeiro Contraente, e em numerário, por cheque bancário ou transferência bancária à ordem do Segundo Contraente.
(…)”.
*

2.3. Em resumo, pelas razões anteriormente expostas nos pontos 2.1. e 2.2., o elenco factual a atender para o conhecimento do direito do caso é o elencado em 1 da fundamentação, com as alterações supra determinadas, ou seja:
- considera-se não escrita a matéria da alínea K) dos factos provados, que fica eliminada;
- considera-se não escrita a matéria do ponto 5 dos factos não provados, que fica eliminada;
- as alíneas D), H) e O) dos factos provados têm alterações introduzidas na sua redação nos termos atrás transcritos em 2.2..
***

3. Aplicação do direito – impugnação da decisão de direito
O Recorrente começa por referir que as tarefas atribuídas ao Autor se enquadram na categoria profissional de auxiliar de serviços gerais que lhe foi atribuída, sendo que o mesmo, em alternativa, não indicou nos autos uma diversa categoria profissional, centrando a fundamentação do pedido na alegada equivalência de tarefas por si desempenhadas relativamente àquelas exercidas pelos colegas de trabalho BB e CC (...).
Defende, em substância, inexistir qualquer tipo de discriminação quanto ao valor das retribuições do Autor e dos trabalhadores BB e CC (...), não se verificando os pressupostos enunciados no artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa, nem dos artigos 23.º e 25.º do Código do Trabalho, invocados na sentença recorrida. Nessa decorrência, sustenta que inexistem quaisquer diferenças salariais, incluindo aquelas pedidas pelo Autor e as elencadas na sentença com respeito aos anos de 2019, 2020 e 2021, no valor total de € 9.735,17. Mais sustenta que, inexistindo violação do princípio da igualdade, nem das garantias contratuais, ao Autor não assiste, em consequência, nos termos do artigo 394.º do Código do Trabalho, fundamento para a invocada justa causa de resolução do contrato de trabalho celebrado com a Ré e, por inerência, não é devida ao Autor a esse título a indemnização que o Tribunal a quo liquidou a esse título de € 2.700,00.
Por sua vez, o Recorrido pugna pela manutenção da sentença recorrida, referindo inexistir qualquer facto alegado, demonstrado e provado que justifique a existência das diferenças salariais entre o Autor e os trabalhadores BB e CC e, bem assim, que há factos que foram alegados, demonstrados documentalmente e por depoimento das testemunhas, que provam que o Recorrido executava desde o início do seu contrato de trabalho e até ao final exatamente as mesmas tarefas que aqueles colegas, pelo que o Tribunal a quo esteve muito bem ao decidir como fez.
Não se mostra questionada a qualificação jurídica do contrato em causa nos presentes autos, como sendo um contrato de trabalho, que as partes mantiveram desde 11-02-2019 até 3-09-2021, sendo que tal contrato terminou por iniciativa do Autor através da comunicação escrita que para esse efeito fez à Ré.
Isso mesmo decorre, inequivocamente, da factualidade plasmada sob as alíneas A) a D), H) e T) dos factos provados [artigos 11.º e 12.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12 de fevereiro – diploma legal a que se reportam as demais disposições infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso].
Do mesmo passo, é também pacífico que à relação jurídico-laboral em causa se aplica o Contrato Coletivo de Trabalho entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade – CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais – FNSTFPS, publicado no BTE n.º 1 de 8 de janeiro de 2020 (adiante CCT aplicável). Tal CCT sofreu alterações salariais, publicadas no BTE n.º 1 de 8-01-2021 e no BTE n.º 44 de 29-11-2021.
Quanto a esta regulamentação coletiva, importa ter presente que, pese embora se desconheça se o Autor é sindicalizado e da sua relevância para efeitos do artigo 496.º, o certo é que o próprio contrato escrito celebrado entre as partes prevê a aplicação da regulamentação coletiva da CNIS (cfr. alínea D) dos factos provados), estando ambas as partes de acordo que se trata da identificada regulamentação coletiva. Nessa decorrência, a regulamentação em causa é desde logo aplicável por força da sobredita estipulação contratual
Isto posto, haverá agora que enfrentar as questões suscitadas no recurso interposto em sede de aplicação de direito, ou seja: saber se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito e a Apelante deve ser absolvida, conforme sustenta, no que respeita às quantias em que foi condenada a título de diferenças de retribuição no montante de €9.735,17 e de €2.700,00 a título de indemnização por resolução do contrato com justa causa – o que contende com a apreciação das questões de saber se a retribuição base do Autor deve ser igual à retribuição base dos dois trabalhadores que o mesmo indica e, bem assim, com o juízo sobre a verificação da existência ou não de justa causa de resolução do contrato de trabalho operada pelo Autor.
Nesta sede, a sentença recorrida começou por apreciar se devia ser atribuída ao Autor a categoria dos trabalhadores BB e CC e, bem assim, se devia receber o mesmo valor que aqueles recebem e se tinha direito a diferenças salariais a esse título.
Pronunciou-se o Tribunal a quo da seguinte forma:
«Comecemos por apreciar se o autor deve ser reclassificado.
Dispõe o artigo 118º do C. Trabalho de 2009 que:
“1 - O trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida actividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional.
2 - A actividade contratada, ainda que determinada por remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional.
3 - Para efeitos do número anterior e sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as funções compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional”.
Esta norma tem de ser conjugada com o disposto no artigo 115º do C. Trabalho que cabe às partes determinar por acordo a actividade para que o trabalhador é contratado, assim privilegiando a liberdade contratual, ou através da descrição no contrato ou por remissão para a categoria normativa – cfr. nº 2.
No caso dos autos, ao autor foi atribuída a categoria de “Trabalhador auxiliar dos serviços gerais” que, tal como vem definido na CCT é o que procede à limpeza e arrumação das instalações; assegura o transporte de alimentos e outros artigos; serve refeições em refeitórios; desempenha funções de estafeta e procede à distribuição de correspondência e valores por protocolo; efectua o transporte de cadáveres; desempenha outras tarefas não específicas que se enquadrem no âmbito da sua categoria profissional e não excedam o nível de indiferenciação em que esta se integra.
Os trabalhadores BB e CC detém a categoria de motorista, sendo que na CCT temos duas definições desta categoria:
- Motorista de ligeiros - Conduz veículos ligeiros, possuindo para o efeito carta de condução profissional; zela, sem execução, pela boa conservação e limpeza dos veículos; verifica diariamente os níveis de óleo e de água e a pressão dos pneus; zela pela carga que transporta e efectua a carga e descarga; e
- Motorista de pesados - Conduz veículos automóveis com mais de 3500 kg de carga ou mais de nove passageiros, possuindo para o efeito carta de condução profissional; compete-lhe ainda zelar, sem execução, pela boa conservação e limpeza do veículo e pela carga que transporta, orientando também a sua carga e descarga; verifica os níveis de óleo e de água.
O autor e os indicados trabalhadores exercem as tarefas que vêm descritas em J) dos factos provados, sendo claro que as mesmas não são enquadráveis na categoria de “Motorista”, razão pela qual, pese embora exercer as mesmas funções que os outros dois trabalhadores, não pode o autor ser integrado na categoria de motorista.
Mas não quer isto dizer que o autor não deva ser equiparado aos outros trabalhadores, noutros moldes.
Vejamos.
O princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa está concretizado em matéria salarial na al. a) do n° 1 do artigo 59.º que estabelece o conhecido princípio constitucional de “trabalho igual, salário igual”.
Este princípio, como há muito é entendido de forma unânime na jurisprudência, “não significa uma igualdade absoluta em todas as circunstâncias, nem impede que possa haver, justificadamente, tratamento diferenciado, ou seja, que a diferenciação de tratamento se mostre legitimada sempre que se baseie numa diferença objectiva de situação e não se fundamente em razão de “(…) razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social” (artigo 13.º, n.º 2, da CRP)” – cfr., por todos o Acórdão da RP de 5/05/14, disponível em www.dgsi.pt. e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 313/89, de 9/03/89, proferido no processo n.º 265/88, da 2.ª Secção (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13º volume, tomo II, páginas 917 e seguintes), onde se lê que aquele princípio proíbe as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjectivas. Já se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objectivos, serão materialmente fundadas e não discriminatórias.
Nas palavras de Júlio Gomes (in “Algumas reflexões sobre o ónus da prova em matéria de paridade de tratamento retributivo”, I Congresso Nacional de Direito de Trabalho, Almedina, pág. 313 e seg.) “a paridade de tratamento surge assim como uma redução da discricionariedade, é permitida uma política retributiva baseada no mérito de cada trabalhador “simplesmente a diferenciação deve corresponder a critérios pré-determinados e antecipadamente conhecidos, portanto transparentes, ou pelo menos, resultar de uma utilização razoável dos poderes empresariais”.
O C. Trabalho dá-nos, no seu artigo 23.º, vários conceitos em matéria de igualdade e não discriminação, a saber:
“Discriminação directa, sempre que, em razão de um factor de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;
Discriminação indirecta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja susceptível de colocar uma pessoa, por motivo de um factor de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objectivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;
Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objectivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade;
Trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efectuado”.
Assim, o simples facto de dois trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria auferirem diferentes retribuições não permite concluir, inevitavelmente, pela violação do princípio da igualdade, havendo sim que ter em conta a real e concreta situação de todos os trabalhadores, concretamente no que respeita às habilitações, à experiência, ao rendimento do trabalho, à antiguidade na empresa, etc.
Em conclusão, poder-se-á concluir pela violação do princípio que se vem analisando quando a diferenciação da retribuição não resultar de critérios objectivos, ou seja, se o trabalho prestado pelo trabalhador discriminado for igual ao dos restantes trabalhadores, não só quanto à natureza, mas também em termos de quantidade e qualidade.
No que respeita às regras do ónus da prova, “cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação” – cfr. artigo 25.º, n.º 5 do C. Trabalho.
Como se refere no Acórdão do STJ de 22/04/2009 (disponível em www.dgsi.pt) tem sido entendimento uniforme do STJ que quando “não se mostra invocado qualquer dos factores característicos de discriminação (v.g., sexo, idade, raça, etc), … para se concluir pela existência de discriminação retributiva entre trabalhadores, ofensiva dos princípios constitucionais da igualdade/do trabalho igual, salário igual, é necessário provar que os vários trabalhadores diferentemente remunerados produzem trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade), competindo o ónus da prova ao trabalhador que se diz discriminado”.
Voltemos ao caso dos autos.
Não alegou o autor como causa de pedir factualidade susceptível de afrontar, directa ou indirectamente, o princípio da igual dignidade sócio-laboral, subjacente a qualquer dos factores característicos da discriminação, nomeadamente os previstos no nº 1 do artigo 24.º do C. Trabalho, pelo que não funciona, como se viu, a inversão do ónus da prova.
A questão é, então, a de saber se o autor, em cumprimento do disposto no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, alegou e provou factos que permitam concluir pela violação do princípio para trabalho igual salário igual.
Claramente que sim.
De facto, resultou provado que o autor e BB e CC exerciam todos as funções que vêm descritas em J) dos factos provados, nas mesmas condições, nos mesmos termos, com os mesmos horários e nos mesmos moldes.
Apesar disso, BB e CC auferiam um salário de 900€ e o autor o salário de 650€ (quanto ao subsídio de alimentação e subsídio de turno nada alegou a este respeito o autor).
A ré não logrou provar que a retribuição de BB e CC tem vindo a ser aumentada em função dos anos de serviço, inexistindo qualquer elemento objectivo que permita fazer a distinção salarial entre o autor e os referidos trabalhadores.
Em face de tudo quanto se expôs, afigura-se-me que a ré, ao não proceder ao pagamento ao autor do mesmo do salário que atribuiu a BB e CC, violou o princípio estabelecido no artigo 59.º, n.º 1, al. a) da CRP e nos artigos 23º e 25º do C. Trabalho.
(…)
Das diferenças salariais: como acima se viu, a ré deveria ter pago ao autor, desde o início das suas funções, salário igual ao pago os demais trabalhadores que exerciam as mesmas funções.
Assim, considerando o valor que foi pago à ré como referido em X), tem o autor a receber (cálculos feitos de acordo com a proporção entre o que recebeu e o que deveria ter recebido, descontado o que efectivamente recebeu):
- no ano de 2019: 192,86€ em fevereiro; 300€ nos meses de março a dezembro (10 meses), 136,37€ de subsídio de férias e 250€ de subsídio de Natal;
- no ano de 2020: 265€ em janeiro a agosto e outubro a dezembro (11 meses) e nos subsídios de férias e de Natal e 228,04€ em setembro (atenta a falta descontada nesse mês); e
- no ano de 2021: 235€ de janeiro a agosto (8 meses), 23,50€ no mês de setembro, 180,17€ de proporcionais de subsídio de férias, 202,69€ de proporcionais de subsídio de Natal e 196,54€ de proporcionais de férias. Tem, assim, o autor a receber a este título a quantia de 9.735,17€. ».
Perante a factualidade provada, ao contrário do pressuposto na sentença recorrida, não pode desde logo afirmar-se que os trabalhadores com os quais o Autor se compara (BB e CC), exerciam as mesmas funções que o Autor e muito menos que o fizessem nas mesmas condições, nos mesmos termos e nos mesmos moldes (juízo comparativo, conclusivo e valorativo que não pode retirar-se dos factos que resultaram provados).
Por outro lado, verifica-se que ao Autor foi atribuída a categoria de “trabalhador auxiliar de serviços gerais” que, tal como é descrito no anexo I do CCT aplicável (referente à definição de funções) é o trabalhador que “procede à limpeza e arrumação das instalações; assegura o transporte de alimentos e outros artigos; serve refeições em refeitórios; desempenha funções de estafeta e procede à distribuição de correspondência e valores por protocolo; efectua o transporte de cadáveres; desempenha outras tarefas não específicas que se enquadrem no âmbito da sua categoria profissional e não excedam o nível de indiferenciação em que esta se integra.”.
Já os identificados trabalhadores com os quais o Autor se compara detinham a categoria de “motorista” (facto provado sob a alínea L).
O referido anexo I do CCT integra os motoristas nos trabalhadores rodoviários, fornecendo duas definições, a saber:
“Motorista de ligeiros - Conduz veículos ligeiros, possuindo para o efeito carta de condução profissional; zela, sem execução, pela boa conservação e limpeza dos veículos; verifica diariamente os níveis de óleo e de água e a pressão dos pneus; zela pela carga que transporta e efectua a carga e descarga.
Motorista de pesados - Conduz veículos automóveis com mais de 3500 kg de carga ou mais de nove passageiros, possuindo para o efeito carta de condução profissional; compete-lhe ainda zelar, sem execução, pela boa conservação e limpeza do veículo e pela carga que transporta, orientando também a sua carga e descarga; verifica os níveis de óleo e de água.”
Acresce que do anexo II dessa mesma regulamentação, relativo às condições específicas, resulta que a carreira do trabalhador com as profissões de motorista de ligeiros e de motorista de pesados desenvolve-se pelas categorias de 2ª e de 1ª, constituindo requisito de promoção a prestação de cinco anos de bom e efectivo serviço na categoria de motorista de 2ª, sendo certo que o nível retributivo é distinto conforme se esteja numa ou noutra categoria, o que depende desde logo dos anos de serviço.
A factualidade provada não esclarece se a categoria que os trabalhadores detinham era de motorista de ligeiros ou de motorista de pesados, se possuíam carta profissional para condução de pesados. Também se desconhece se o Autor possuía carta de condução profissional.
Por outro lado, ainda, as funções que vêm descritas na alínea J) dos factos provados como tendo sido exercidas pelo Autor, não são enquadráveis na categoria de “motorista” (inserida nos trabalhadores rodoviários – motorista de ligeiros e motorista de pesados – cfr. anexo I do CCT aplicável), a justificar a atribuição ao Autor dessa categoria, como, aliás, foi considerado na sentença de 1ª instância e nem sequer foi colocado em crise.
É também certo que, como observa a Recorrente, o próprio Autor não defende que lhe devia ser atribuída a categoria de motorista, nem outra categoria diversa da categoria profissional de trabalhador auxiliar serviços gerais para justificar o seu pedido de diferenças salariais ao nível da retribuição base.
O Autor pretende, sim, que seja afirmado o seu direito a auferir a mesma retribuição base que auferiam os trabalhores BB e CC, no montante de € 900,00, centrando a fundamentação do peticionado a esse nível na alegada coincidência das funções por si desempenhadas relativamente àquelas exercidas pelos identificados trabalhadores. No entanto, e como se referiu, essa coincidência não resulta desde logo demonstrada ao nível do elenco fáctico provado.
Refira-se que a retribuição base de €900,00 é muito superior à remuneração mínima prevista na regulamentação coletiva aplicável para a categoria de motorista [seja motorista de ligeiros de 2ª (nível retributivo XIV) ou de 1ª (nível retributivo XIII), seja motorista de pesados de 2ª (nível retributivo XIII) ou de 1ª (nível retributivo XII) – cfr. ANEXO IV Enquadramento das profissões e categorias profissionais em níveis de remuneração].
Se atentamos na regulamentação coletiva aplicável, e alterações salariais ocorridas, verifica-se, aliás, que as remunerações mínimas previstas na Tabela A (que será a aplicável) têm 18 níveis retributivos [I (1) a XVIII (18)], sendo que entre os níveis 18 a 7 as remunerações mínimas previstas são sempre inferiores a 900,00, sendo que os níveis 6 a 1 estão previstos para categoriais profissionais com descritivos funcionais que estão completamente arredados das funções exercidas pelo Autor, tendo em conta a definição de funções dessas categorias previsto no anexo I. Nessa análise, identificou-se a previsão de “trabalhadores com funções técnicas”, aí se inserindo o arquitecto, conservador de museu, consultor jurídico, engenheiro agrónomo, engenheiro civil (construção de edifícios), engenheiro electrotécnico, engenheiro silvicultor, engenheiro técnico (construção civil), engenheiro técnico agrário, engenheiro técnico (electromecânica), técnico superior de laboratório e veterinário], com os respetivos descritivos funcionais que em nada correspondem às funções exercidas pelo Autor, sendo que tais trabalhadores são os considerados como tendo funções técnicas e correspondem ao nível 4 das remunerações mínimas.
Do anexo II desse mesmo CCT, relativo às condições específicas, resulta que a carreira dos trabalhadores auxiliares de serviços gerais se desenvolve pelas categorias de auxiliar até cinco anos, e auxiliar com mais de cinco anos, constituindo requisito de promoção a trabalhador auxiliar de serviços gerais com mais de cinco anos, a prestação de cinco anos de bom e efectivo serviço na categoria imediatamente inferior [nesta última categoria, que pressupõe desde logo mais de cinco anos de serviço, o nível retributivo de remuneração mínima era o XVII (17)]. Ao trabalhador auxiliar de serviços gerais até cinco anos, em termos de retribuição mínima, corresponde o nível retributivo XVIII (18) que, por sua vez, se reconduz à retribuição coincidente com o salário mínimo nacional (em 2019 de € 600,00, em 2020 de € 635,00 e em 2021 de € 665,00). Tendo em conta o facto provado sob a alínea X) e analisados os recibos de vencimento aí mencionados, verifica-se que esses foram os valores de retribuição base que a Ré pagou ao Autor nos anos de 2019, 2020 e 2021, respetivamente, sendo certo que o Autor tinha menos de cinco anos (foi admitido em 2019).
Seja como for, este Tribunal não deixou de analisar todas as categorias profissionais previstas no anexo I do CCT aplicável e descritivo funcional definido para cada uma delas, não identificando, salvo melhor opinião, distinta categoria profissional de trabalhador auxiliar (serviços gerais) para integrar o Autor tendo em conta o conjunto de tarefas exercidas pelo mesmo, não havendo fundamento para reclassificação profissional.
De facto, há todo um conjunto de tarefas que se inserem dentro dessa categoria que vão desde a limpeza, arrumação, transporte e outras tarefas não específicas que se podem enquadrar nessa categoria, não podendo afirmar-se, salvo melhor opinião, que as tarefas apuradas não se insiram dentro da atividade para que foi contratado. A matéria de facto é escassa e não permite fazer distinto enquadramento da categoria profissional do Autor. Atente-se que mesmo em sede da manutenção dos equipamentos da instituição, em termos concretizados aparece a lavagem de filtros de ar condicionado ou outros aparelhos que deles necessitassem, não podendo sequer afirmar-se que se tratassem de tarefas que exigissem conhecimentos especializados (v.g. a nível elétrico ou outro).
A sentença recorrida considerou que a Ré, ao não proceder ao pagamento ao Autor do mesmo salário que atribuiu a BB e CC [pagava a estes €900,00 e ao Autor €665,00 em 2021 (em 2019 pagou €600,00 e em 2020 pagou €635,00) – a menção a €650,00 quanto ao Autor na fundamentação da sentença recorrida deveu-se a mero lapso manifesto – cfr. factos provados sob as alíneas A), L) e X)] violou o princípio estabelecido no artigo 59.º, n.º 1, alinea a), da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 23.º e 25.º do Código do Trabalho, concluindo que a Ré devia ter pago ao Autor desde o início das suas funções salário igual ao pago àqueles trabalhadores no montante de €900,00 e, consequentemente, condenou a Ré a pagar as diferenças salariais daí decorrentes no montante de € 9.735,17.
Diremos, desde já adiantando a conclusão, e sempre ressalvando o devido respeito por posição divergente, que a factualidade apurada não permite concluir no sentido da afirmada violação e direito a diferenças salariais por parte do Autor.
Vejamos porquê.
O princípio da igualdade, na perspetiva aqui relevante – a salarial, a trabalho igual salário igual -, encontra suporte constitucional no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), que concretiza o princípio programático proclamado no artigo 13.º, ambos da Constituição da República Portuguesa (adiante designada por CRP).
Assim, todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei (nº 1) e ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual (nº 2) – artigo 13.º da CRP.
Decorre do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna.
Preceitua o artigo 270.º, que na determinação do valor da retribuição deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual.
Ora, como vem sendo pacificamente aceite na doutrina e jurisprudência, o princípio da igualdade pressupõe uma igualdade material, e não meramente formal.
A retribuição deve ser conforme à quantidade de trabalho (ou seja, à sua intensidade e duração), à qualidade do trabalho (dos conhecimentos, da prática e da capacidade do trabalhador) e à natureza do trabalho (ou seja, à sua dificuldade, penosidade e perigosidade).
Ou seja, a igualdade de retribuição pressupõe a prestação de trabalho de igual natureza, quantidade e qualidade, apenas sendo proibida a diferenciação arbitrária (sem qualquer motivo objetivo) ou com base em categorias tidas como fatores de discriminação (sexo, raça, idade e outras) destituídas de fundamento material atendível.
Tal proibição não abrange, pois, as situações em que trabalhadores da mesma categoria profissional, na mesma empresa, são pagos diferentemente perante a diversa natureza, qualidade ou quantidade do trabalho prestado atendendo, designadamente, ao zelo, eficiência, produtividade, antiguidade e experiência dos trabalhadores em causa.
A propósito do princípio a trabalho igual salário igual, refere João Leal Amado que: “O que este princípio proíbe “não é a diferenciação salarial, mas sim a discriminação salarial, ou seja, a diferenciação injustificada, baseada p. ex., em fatores como o sexo, a raça, a nacionalidade, a religião, as convicções políticas, etc. Já constituem fundamento bastante para a diferenciação e títulos legitimadores da mesma os fatores ligados à distinta quantidade (duração ou intensidade, p. ex.), natureza (dificuldade ou penosidade, p. ex) e qualidade (mérito ou produtividade, p.ex.) do trabalho prestado (…) o princípio da igualdade retributiva não compreende apenas um conteúdo negativo (a proibição de discriminações), mas comporta também uma vertente positiva, reclamando a igualdade substantiva de tratamento de trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho (trabalho igual ou de valor igual, cujas noções constam do art. 23º, nº 1, als. c) e d), do CT), aferido este pelos critérios da quantidade, natureza e qualidade, critérios objetivos e sufragados pela CRP” [in “Contrato de Trabalho – Noções Básicas, 2ª Edição, Almedina, 2018, pág. 266].
Por sua vez, refere Pedro Romano Martinez: “Nada obsta a que se estabeleçam diferenças salariais em função da categoria e, dentro da mesma categoria, podem distinguir-se trabalhadores a quem são conferidos determinados subsídios, prémios ou outros complementos salariais. Assim, não viola o princípio da igualdade a empresa que remunere diferentemente trabalhadores da mesma categoria, atendendo à antiguidade ou produtividade e mesmo à habilitação e experiência. Os trabalhadores da mesma categoria deverão receber idêntica retribuição, mas poderão auferir diferentes complementos salariais, entre os quais se destacam os subsídios de antiguidade e produtividade” [in Direito do Trabalho, 3ª edição, Almedina, pág. 358).
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 313/89, de 9-03-89, proferido no processo n.º 265/88, da 2.ª Secção (disponível in www.tribunalconstitucional.pt e também publicado no DR 2ª série de 16-06-1989), “o princípio «para trabalho igual salário igual» não proíbe, naturalmente, que o mesmo tipo de trabalho seja remunerado em termos quantitativamente diferentes, conforme seja feito por pessoas com mais ou menos habilitações e com mais ou menos tempo de serviço, pagando-se mais, naturalmente, aos que maiores habilitações possuem e mais tempo de serviço têm. O que o princípio proíbe é que se pague de maneira diferente a trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho, têm iguais habilitações e o mesmo tempo de serviço. O que, pois, se proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjectivas. Se as diferenças de remuneração assentaram em critérios objectivos, então elas são materialmente fundadas, e não discriminatórias.”.
Na mesma linha tem sido o entendimento jurisprudencial, de que é exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-04-2009 [Proc. 08P3040, Relator Vasques Dinis], que refere o seguinte: “(…) é consensual que o direito de igualdade se reporta a uma igualdade material que exige se tome sempre em consideração a realidade social em que as pessoas vivem e se movimentam, e não a uma igualdade meramente formal, massificadora e uniformizadora, devendo, pois, tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.
É também pacífico que o princípio da igualdade se analisa numa proibição do arbítrio e da discriminação e numa obrigação de diferenciação. A proibição de discriminação «não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento», o que se exige «é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio» — Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, pp. 127-128. “.
Como tal, o princípio do “trabalho igual, salário igual” corolário do princípio da igualdade, pressupõe a mesma retribuição para trabalho prestado em condições de igual natureza, qualidade e quantidade, com proibição da diferenciação arbitrária, materialmente infundada, só existindo violação do princípio quando a diferenciação salarial assente em critérios apenas subjetivos [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-10-2011, processo nº 343/04.4TTBCL, Relator Fernandes da Silva].
Tem sido este o entendimento sedimentado da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de que são exemplo também os Acórdãos de 14-12-2016 (processo n.º 4251/13.7TTLSB.L1.S1, Relator António Leones Dantas) e de 1-06-2017 (processo nº 816/14.0T8LSB.L1.S1, Relator Chambel Mourisco).
O Código do Trabalho, acolhendo as imposições constitucionais e internacionais em matéria de igualdade e não discriminação, preceitua no artigo 23.º, sob a epígrafe “Conceitos em matéria de igualdade e não discriminação”, o seguinte:
1 - Para efeitos do presente Código, considera-se:
a) Discriminação direta, sempre que, em razão de um fator de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;
b) Discriminação indireta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja suscetível de colocar uma pessoa, por motivo de um fator de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;
c) Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade;
d) Trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado.
2 - Constitui discriminação a mera ordem ou instrução que tenha por finalidade prejudicar alguém em razão de um fator de discriminação.”.
Por sua vez, o artigo 24.º, n.º 1, estatui que: “O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.”.
O n.º 2 do artigo 24.º prevê que o “direito referido no número anterior respeita, designadamente: (…) c) A retribuição e outras prestações patrimoniais, promoção a todos os níveis hierárquicos e critérios para selecção de trabalhadores a despedir(…)”.
O artigo 25.º, sob a epígrafe Proibição de Discriminação, determina no seu n.º 1 o seguinte:
O empregador não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão nomeadamente dos fatores referidos no nº 1 do artigo anterior.”.
Já no n.º 5 desse mesmo normativo estabelece que: “Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.”.
O artigo 25.º, n.º 5, consagra uma inversão do ónus da prova para o caso em que é alegada discriminação.
Atente-se que o artigo 344.º do Código Civil, sob a epígrafe inversão do ónus de prova, estabelece no seu nº 1 que: “As regras dos artigos anteriores invertem-se, quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e de um modo geral sempre que a lei o determine”.
Assim, e por força da inversão do ónus de prova contida no artigo 25.º, n.º 5, no caso em que é alegada discriminação, cabe ao empregador o ónus da prova de que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.
Acontece que, conforme entendimento pacífico, para que referida inversão opere, é necessário que quem alega discriminação prove o(s) concreto(s) fator(es) de discriminação no(s) qual(is) se baseia a discriminação (ou melhor dizendo, prove os factos integrantes do(s) concreto(s) fator(es) de discriminação no(s) qual(is) se baseia a discriminação). Donde, quem alega discriminação sem provar o(s) concreto(s) fator(es) de discriminação no(s) qual(is) se baseia a discriminação não beneficia da aludida inversão e, em consequência, em conformidade com o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, compete-lhe provar a discriminação que alega.
Esta é, aliás, a linha de orientação seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça [vide, entre outros, os já citados Acórdãos de 22-04-2009, 12-10-2011, 14-12-2916 e 1-06-2017 e ainda os Acórdãos de 27-05-2010 (Proc. nº 2242/06.6 TTLSB.L1.S1, Relator Sousa Peixoto), de 25-06-2008 (Proc. 08S0528, Relator Sousa Grandão), de 18-12-2013 (Proc. 248/10.0TTBRG.P1.S1., Relator Mário Belo Morgado)].
De facto, o Supremo Tribunal de Justiça, quando chamado a dirimir litígios em que não se mostra invocado qualquer dos factores característicos de discriminação (v.g. sexo, idade, raça, etc), tem entendido, em termos uniformes, que para se concluir pela existência de discriminação retributiva entre trabalhadores, ofensiva dos princípios constitucionais da igualdade/do trabalho igual, salário igual, é necessário provar que os vários trabalhadores diferentemente remunerados produzem trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade), competindo o ónus da prova ao trabalhador que se diz discriminado.
Veja-se, a título meramente exemplificativo, o consignado nos citados Acórdãos do STJ de 14-12-2016 e de 1-06-2017.
Assim, na fundamentação do Acórdão de 14-12-2016 escreve-se o seguinte: “De acordo com aquela norma do n.º 5 do artigo 25.º do Código do Trabalho, quem invoca uma situação de discriminação, nomeadamente, em termos salariais tem apenas de provar a discriminação concreta de que é vítima e os factos integrativos do fator de discriminação referidos no n.º 1 do artigo 24.º, incumbindo depois ao empregador provar que a diferença de tratamento assenta em critérios objetivos e não decorre do fator de discriminação invocado (…) numa ação em que não se invocam quaisquer factos que, de algum modo, possam inserir-se na categoria de fatores característicos de discriminação, no sentido que se deixou delineado, não funciona a aludida presunção, por isso que compete ao autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar factos que, referindo-se à natureza, qualidade e quantidade de trabalho prestado por trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria, permitam concluir que o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio para trabalho igual salário igual, pois que tais factos, indispensáveis à revelação da existência de trabalho igual, se apresentam como constitutivos do direito a salário igual, que se pretende fazer valer.»”.
Por sua vez, no sumário do Acórdão de 1-06-2017 está escrito o seguinte: “1. O Código do Trabalho ao estabelecer critérios de determinação da retribuição refere que na determinação do valor da mesma deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual. 2. O art. 24.º, do mesmo diploma legal, consagra o direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho, elencando, de forma exemplificativa, fatores suscetíveis de causar discriminação, tais como a ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindica. 3. Quando as situações referidas são invocadas como fatores de discriminação, nomeadamente, no plano retributivo, o legislador, no n.º 5, do art.º 25, do diploma legal referido, estabelece um regime especial de repartição do ónus da prova, em que afastando-se da regra geral, prevista no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, estipula uma inversão do ónus da prova, impondo que seja o empregador a provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação. 4. Já quando for alegada violação do princípio do trabalho igual salário igual, sem que tenha sido invocado quaisquer factos suscetíveis de serem inseridos nas categorias do que se pode considerar fatores de discriminação, cabe a quem invocar o direito fazer a prova, nos termos do mencionado art.º 342.º, n.º 1, dos factos constitutivos do direito alegado, não beneficiando da referida presunção. 5. Para que se pudesse concluir que ocorreu violação do princípio para trabalho igual salário igual, seria necessário que o trabalhador tivesse alegado e demonstrado factos reveladores de uma prestação de trabalho ao serviço do empregador, como chefe de equipa do tratamento, nível 4, que fosse não só de igual natureza, mas também de igual qualidade e quantidade que a dos seus colegas de trabalho com a mesma categoria profissional, o que não aconteceu.” Na fundamentação desse mesmo Acórdão está ainda referido o seguinte: “Nas situações em que é alegado violação do princípio do trabalho igual salário igual, sem que sejam invocados quaisquer factos suscetíveis de serem inseridos na categoria do que se pode considerar fatores de discriminação, não opera a referida presunção, devendo funcionar a regra geral estabelecida no art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil, que refere “ àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. Sendo esta a situação em que se enquadra o caso concreto dos autos, competia ao A. alegar e provar os factos referentes à natureza, qualidade e quantidade do trabalho que desempenhava, bem como indicar outro ou outros trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria, que executassem trabalho da mesma natureza e em qualidade e quantidade igual, de forma que se pudesse concluir que o pagamento de diferentes retribuições não apresentava justificação razoável.”.
Em suma, nos casos em que o trabalhador não beneficie da mencionada inversão do ónus da prova, como se sumaria no Acórdão desta Secção Social da Relação do Porto de 13-02-2017 [processo n.º 10879/15.6T8VNG.P1, Relator Jerónimo Freitas]:
«(…)
II – Pretentendo o trabalhador que seja reconhecida a violação do princíoio “para trabalho igual, salário igual”, cabe-lhe alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada em virtude de o trabalho por si prestado ser igual aos dos demais trabalhadores quanto à natureza, abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade; quanto à quantidade, aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração; e, quanto à qualidade, compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador.
II – Esses factos são constitutivos do direito subjectivo do trabalhador “discriminado” (à igualdade de tratamento), pelo que ao trabalhador cumprirá prová-los quando pretender fazer valer esse direito (art.º 342.º 1, do CC).
III – A presunção da discriminação não resulta da mera prova dos factos que revelam a diferenla de remuneração entre trabalhadores da mesma categoria profissional, ou seja, da mera diferença de tratamento.
Descendo ao caso dos autos, não foi alegada matéria fáctica suscetível de afrontar, direta ou indiretamente, o princípio da igual dignidade sócio-laboral, subjacente a qualquer dos fatores característicos de discriminação, designadamente um dos factores de discriminação referidos no n.º 1 do artigo 24.º.
Destarte, não funciona in casu, o particular regime de repartição do ónus de prova previsto no artigo 25.º, n.º 5, não podendo, pois, o Autor beneficiar da inversão do ónus de prova consagrada nesse preceito.
Assim, competia ao Autor, em consonância com o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar os factos concretos consubstanciadores da violação, e por referência aos trabalhadores da Ré BB e CC, do princípio de que para trabalho igual salário igual.
O Autor não logrou fazer tal prova (nem sequer, aliás, a sua alegação).
Sublinhe-se que não resultando a presunção de discriminação da mera prova dos factos que revelam uma diferença de remuneração entre trabalhadores da mesma categoria profissional (no caso os trabalhadores até nem têm a mesma categoria, nem se apuraram factos que permitam concluir que os trabalhadores em causa e o autor deviam ter a mesma categoria profissional), pretendendo o autor ver reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, cabia-lhe alegar e provar (por serem factos constitutivos do direito, nos termos do artigo 342º, nº 1, do Código Civil), o que não cumpriu, desde logo que a diferenciação existente é injustificada em virtude de o trabalho prestado por si e pelos trabalhadores com que se compara ser igual quanto à natureza (abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade), quantidade (aqui se incluindo o volume, a intensidade e a duração) e qualidade (compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador).
Ora, a factualidade apurada nem sequer permite afirmar que os trabalhadores com os quais o Autor se compara (BB e CC), exerciam as mesmas funções que o Autor, para além de que tais trabalhadores detêm distinta categoria profissional (e, como se disse, nem se apuraram factos que permitam concluir que os trabalhadores em causa e o Autor deviam ter a mesma categoria profissional). Da matéria de facto provada não pode sequer extrair-se que o trabalho prestado pelos identificados trabalhadores era igual ao do Autor quanto ao conteúdo funcional e que as tarefas desempenhadas pelo Autor e os referidos trabalhadores fossem as mesmas, pressupondo os mesmos níveis de complexidade, exigências de conhecimentos e experiência.
O Autor não demonstrou, tanto mais, que nem sequer os alegou, como lhe competia, os factos necessários para se concluir que está a ser discriminado relativamente aos trabalhadores (BB e CC) que auferem retribuição superior à que aquele auferiu enquanto ao serviço da Ré. Atente-se que a factualidade apurada sob as alíneas O) e R) dos factos provados não permite retirar tal conclusão.
Competindo ao Autor o referido ónus de prova (o de provar que o seu trabalho era igual ao dos trabalhadores com os quais se comparou na tríplice vertente da natureza, quantidade e qualidade), prova essa que não fez, não pode concluir-se que a ré tenha violado o princípio da igualdade retributiva refletido na proposição “para trabalho igual, salário igual”.
Por decorrência de todo o exposto, considera-se que não assiste ao Autor direito às diferenças retributivas elencadas na sentença recorrida, com respeito aos anos de 2019, 2020 e 2021, no valor global de € 9.735,17 e respetivos juros moratórios, procedendo assim o recurso nesta parte e devendo a sentença recorrida ser revogada no que se refere à condenação da Ré no pagamento ao Autor dessa quantia e respetivos juros que se fez constar na sua alínea b) do dispositivo.
*

Resta agora apreciar a questão da verificação da existência ou não de justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador e, consequentemente, se assiste ao Autor o direito à indemnização de € 2.700,00 que lhe foi reconhecida pela sentença recorrida a título de resolução do contrato de trabalho com justa causa.
Nesta sede consta da sentença recorrida o seguinte:
«Vejamos, então, se se verifica a invocada justa causa da revogação do contrato de trabalho celebrado entre as partes.
Ocorrendo justa causa pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato – artigo 394.º, n.º 1 do C. Trabalho.
Não carecendo de ser exercida mediante acção judicial, a resolução opera-se por meio de uma declaração unilateral, receptícia, que, neste caso, se funda na lei e que para se tornar eficaz tem de chegar ao conhecimento do destinatário - artigo 395.º do C. Trabalho e 224.º do Código Civil.
Esta comunicação escrita deve conter a indicação sucinta dos factos que a justificam – artigo 395.º, n.º 1 do C. Trabalho.
Na acção em que for apreciada a ilicitude da resolução, apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no n.º 1 do artigo 395.º - cfr. artigo 398.º, n.º 3 do C. Trabalho.
Como se refere no Acórdão do STJ de 24/02/10 (disponível em www.dgsi.pt) “… o ónus da indicação sucinta dos factos integradores da justa causa, imposto ao trabalhador pelo n.º 1 do artigo 442.º do Código do Trabalho, tem uma dupla função: por um lado, visa dar a conhecer esses factos à entidade patronal, permitindo-lhe ajuizar se os mesmos são ou não suficientes para configurarem justa causa de resolução; por outro lado, delimita os factos atendíveis pelo tribunal na acção judicial em que for apreciada a ilicitude ou ilicitude da resolução do contrato». O que «significa que se o trabalhador, na comunicação da resolução do contrato, não indicar os factos que a justificam, não pode suprir, na petição inicial, esse vício de procedimento através da indicação de factos que não constem da declaração escrita de resolução do contrato”. E continua “a indicação dos factos concretos e da temporalidade dos mesmos, na carta de resolução, se mostra indispensável para, além do mais, se aferir se o direito foi exercido dentro do prazo de 30 dias, estabelecido no artigo 442.º, n.º 1, condição formal, de que, também, depende a licitude da resolução”.
É certo que esta exigência quanto à comunicação de rescisão não é tão acentuada como a feita relativamente à nota de culpa, não se exigindo uma “descrição circunstanciada dos factos”, mas apenas uma “indicação sucinta” dos mesmos, diferença que, como explica Ricardo Nascimento se compreende “no primeiro caso, trata-se somente de anunciar à contraparte o fundamento de uma rescisão imediata, em termos tais que permitam, se necessário, apreciação judicial da justa causa alegada, enquanto no segundo, a descrição factual insere-se num processo de despedimento, sendo a mesma essencial para a defesa do trabalhador, já que as suas possibilidades de defesa dependem do conhecimento dos factos de que é acusado". Não obstante, continua, “embora a indicação dos motivos que fundamentam a resolução contratual por parte do trabalhador possa ser efetuada de forma sucinta, os mesmos têm, cum grano salis, que delimitar espacio-temporalmente os factos integradores desses motivos. Só esses factos, e não outros, podem ser invocados judicialmente, em sede de acção indemnizatória” – ver “Da Cessação do Contrato de Trabalho - em especial por iniciativa do Trabalhador”, Coimbra, 2008, pág. 246.
Assim, tal como resulta claro do agora exposto, incumbe ao trabalhador invocar na carta de resolução os factos concretos que a fundamentam, circunscrevendo-os no tempo, não satisfazendo tal ónus a invocação vaga e genérica do comportamento ilícito do empregador ou a transcrição de alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 394.º do C. Trabalho.
“Na falta de cumprimento do ónus de indicação dos factos concretos e do seu contexto temporal, a resolução operada tem de ser considerada ilícita, por incumprimento da condição formal da sua licitude a que se refere o mencionado art. 396º do C.T., tudo se passando como se o trabalhador tivesse feito cessar o contrato invocando uma justa causa inexistente ou não provada, com a consequência prevista pelo art. 399º do C.T., ou seja a obrigação de indemnizar o empregador pelos prejuízos causados, não inferior ao montante calculado nos termos do art. 401º do C.T., ou seja para as situações de denúncia sem aviso prévio” – cfr. Acórdão da RP de 18/06/12.
Analisemos então a comunicação enviada pelo autor.
Como resulta da carta constante em H) são os seguintes os fundamentos invocados pelo autor:
1) exercer as mesmas funções que os trabalhadores BB e CC e não lhe ser atribuída a mesma categoria profissional;
2) não receber o mesmo valor que aqueles recebem de salário base, horas nocturnas e subsídio de refeição;
3) não receber horas nocturnas e subsídio de refeição, apesar de fazer turnos e realizar trabalho em horas nocturnas;
4) constantes alterações de horário em que chega a fazer 16 horas (como no mês de Julho de 2021), o que prejudica a saúde do autor e bem estar da família; e
5) provocação constante, não dirigir a palavra, não responder aos pedidos de contacto do autor, fazer de conta que o autor não existe.
Ora, o que vem referido em 5) é claramente conclusivo, não referindo o autor qualquer factualidade que o preencha, sendo que na petição inicial também nada refere a este respeito, pelo que no seguimento do que se disse, não poderá ser considerado para efeitos de apreciação da justa causa.
O mesmo se diga quanto ao ponto 3), já que o autor também não individualiza os meses ou períodos em que deveria receber horas nocturnas, nem em rigor, o invoca nesta acção, nem peticiona nos autos a falta de pagamento do subsídio de alimentação.
Assim, conclui-se que os únicos fundamentos da resolução do contrato ora em causa com justa causa a apreciar são os constantes em 1, 2 e 4.».
A sentença depois debruça-se sobre os fundamentos da resolução que enunciou em 1 e 2 nos termos já acima transcritos quanto à questão conhecida em primeiro lugar – diferenças salariais.
Após, a sentença conhece do outro fundamento invocado para a resolução que enunciou sob o ponto 4, nos seguintes termos:
«O outro fundamento invocado para a resolução do contrato são as constantes alterações de horário, chegando o autor a fazer 16 horas (como no mês de Julho de 2021), o que prejudica a saúde do autor e bem estar da família.
A este respeito, pese embora, bastar atentar na matéria constante em Q) para concluir que, de facto, foram constantes as alterações do horário do autor, importa não esquecer que o autor prestou o seu trabalho em turnos rotativos, o que, naturalmente, pressupõe constantes alterações de horário.
Quanto ao facto de o autor ter feito 16 horas de trabalho no mês de julho, como resulta provado, nos dias 3, 17 e 24, o autor prestou trabalho, em cada um desses dias, num total de 14h30, correspondendo ao turno de 16 horas, deduzido das pausas de 1hora e de 30m para as refeições – cfr. ponto Q).
Mas nos restantes dias dessas semanas, o autor prestou trabalho 5h30 em cada um dos outros 5 dias e no outro dia não prestou trabalho, donde se conclui que em cada uma dessa semanas prestou 42 horas de trabalho.
Considerando a possibilidade legal do empregador determinar a prestação de trabalho suplementar, e o facto de nos outros dias da semana, o autor prestar apenas 5h30 de trabalho por dia, não se me afigura que se verifique uma violação das garantias do trabalhador.
(…)
Aqui chegados, importa averiguar se existia ou não justa causa para o autor resolver o contrato celebrado com a ré.
Prevê o artigo 394.º, n.º 2 do C. Trabalho duas situações de desvinculação, por iniciativa do trabalhador, ocorrendo justa causa, respeitando ambas a situações cuja gravidade permite concluir deixar de ser exigível que aquele permaneça ligado à empresa por mais tempo: a primeira reporta-se a fundamentos subjectivos, por terem na sua base um comportamento culposo do empregador, dando lugar a indemnização (artigos 394.º, n.º 2 e 396.º) e a segunda assenta em fundamentos objectivos, não tendo por base um comportamento culposo do empregador (artigo 394.º, n.º 3).
Entre os primeiros, conta-se a falta culposa de pagamento pontual da retribuição (al. a) do n.º 2); entre os segundos, a falta não culposa de pagamento pontual da retribuição (al. c) do n.º 3).
Em ambas as situações está subjacente ao conceito de justa causa, conceito que a doutrina e a jurisprudência vem entendendo como a impossibilidade definitiva da subsistência do contrato de trabalho, tal como é empregue no âmbito do despedimento promovido pelo empregador (cfr. Albino Mendes Baptista, Estudos sobre o Código do Trabalho, 2.ª edição, pág. 25 e seg.).
A justa causa é apreciada pelo tribunal em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 351.º - cfr. n.º 4 do artigo 394.º.
Assim, deverá o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
O n.º 2 do artigo sob análise indica, de forma exemplificativa, os comportamentos do empregador que podem constituir justa causa de resolução do contrato por parte do trabalhador, com direito a indemnização, entre os quais, para o que agora interessa, “a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição”.
Como se refere no Acórdão do STJ, de 4/11/11 (in www.dgsi.pt), “[n]o que diz respeito ao ónus da prova da culpa, quando ocorra violação de qualquer dever contratual por parte do empregador, vale a regra do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, o que significa que, demonstrados os comportamentos que configuram, na sua materialidade, violação de deveres contratuais imputados ao empregador – cuja prova compete ao trabalhador, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil –, a culpa do empregador se presume, havendo de ter-se por verificada, caso a presunção não seja ilidida”.
Por outro lado, de acordo com o Acórdão do STJ de 11/05/11, “é entendimento reiterado deste Supremo Tribunal, a dimensão normativa da cláusula geral de rescisão exige mais do que a simples verificação material de um qualquer dos elencados comportamentos do empregador: é necessário que da imputada/factualizada actuação culposa do empregador resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que seja inexigível ao trabalhador – no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, o carácter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – a continuação da prestação da sua actividade”.
Volvendo ao caso que nos ocupa, temos que no que respeita aos fundamentos da resolução do contrato celebrado entre autor e ré, logrou aquele provar que, apesar de o autor e BB e CC exercerem todos as funções que vêm descritas em J) dos factos provados, nas mesmas condições, nos mesmos termos, com os mesmos horários e nos mesmos moldes, aqueles trabalhadores auferiam um salário de 900€ e o autor o salário de apenas 650€ (250€ menos do que os seus colegas).
Ora, afigura-se-me que aquele tratamento que, como se viu, é discriminatório da pessoa do autor, acarreta para o autor também uma perda remuneratória de 250€ mensais, o que equivale a quase 40% do seu salário, justificando o accionamento da faculdade de rescisão do contrato independentemente de aviso prévio. Esta violação dos direitos do autor ocorreu de forma sistemática durante 2 anos e meio e representou para o trabalhador a falta de pagamento de 9.735,17€.
De resto, como bem salienta Maria do Rosário Palma Ramalho in Direito do Trabalho Parte I- Dogmática Geral, Almedina, pág. 407, “o pagamento da retribuição constitui o dever principal do empregador no contrato de trabalho. Tal como a actividade laboral, a retribuição integra o eixo objectivo do contrato, como contrapartida da actividade laboral e, evidencia a dimensão patrimonial e obrigacional deste contrato”.
Assim, considerando o tratamento discriminatório de que o autor foi vítima e o valor da retribuição que este mensalmente deixou de auferir e não esquecendo que o trabalhador não tem à sua disposição um leque de mecanismos tendentes a fazer o empregador cumprir as obrigações que lhe advém do contrato de trabalho, afigura-se-me que não era exigível ao autor a manutenção do contrato celebrado, concluindo-se verificar-se justa causa para o autor resolver o seu contrato.
Como estabelece o artigo 396.º, n.ºs 1 e 2 do C. Trabalho, em caso de resolução do contrato com justa causa, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades. No caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.
Considerando o tempo de duração do contrato (11/02/19 a 3/09/21) e por inexistir qualquer razão para nos afastarmos do ponto médio da indemnização (30 dias), desde logo porque não se vislumbra um grau de ilicitude excessivamente elevado, nem reduzido por parte da ré, a indemnização ascende ao mínimo legal, ou seja, 2.700€ (900€ X 3).».

As considerações teóricas e jurisprudências tecidas na sentença recorrida em matéria de resolução do contrato com invocação de justa causa, no essencial, merecem a nossa concordância, plasmando entendimentos sedimentados na doutrina e jurisprudência nessa matéria.
Os pressupostos de validade formal da resolução assentam desde logo na exigência de redução a escrito, com indicação sucinta dos respetivos fundamentos (cfr. artigos 395.º, nº 1 e 398.º, nº 3).
Nesta conformidade, para que o trabalhador possa rescindir validamente o contrato de trabalho com justa causa não lhe bastará deter fundamento legal bastante, sendo ainda necessário que cumpra com as formalidades legais, isto é, que opere aquela rescisão por escrito, e que nessa comunicação escrita indique concretizadamente quais os factos em que funda a sua decisão. Tal exigência visa que os factos sejam apreensíveis e controláveis, quer pela entidade patronal quer pelo tribunal caso venha a ser chamado a apreciar da sua legalidade. Deverá, pois, o trabalhador descrever, ainda que de forma concisa e sucinta, o quadro factual revelador da impossibilidade de continuar a manter a relação contratual com o empregador.
A rescisão oral do contrato ou os factos não mencionados concretizadamente na comunicação escrita do trabalhador não podem ser atendidos pelo tribunal para efeitos de materialização da justa causa de rescisão invocada.
Nesta consonância, perante o teor da comunicação escrita efetuada pelo Autor à Ré para efeitos de resolução do contrato, não merece censura a enunciação efetuada na sentença recorrida quanto à matéria que não podia ser considerada em sede de apreciação de justa causa por conclusiva e genérica (fundamentos enunciados na sentença sob pontos 5) e 3) – “provocação constante, não dirigir a palavra, não responder aos pedidos de contacto do autor, fazer de conta que o autor não existe”; “não receber horas noturnas e subsídio de refeição, apesar de fazer turnos e realizar trabalho em horas noturnas”, respetivamente.
Do mesmo passo, não merecem reparo os demais fundamentos elencados na sentença recorrida como tendo sido invocados na comunicação e passíveis de apreciação pelo tribunal na matéria em referência, sob os pontos 1), 2) e 4) – “exercer as mesmas funções que os trabalhadores BB e CC e não lhe ser atribuída a mesma categoria profissional”; “não receber o mesmo valor que aqueles recebem de salário base, horas noturnas e subsídio de refeição”; “constantes alterações de horário em que chego a fazer 16 horas (como no mês de julho de 2021), o que prejudica a saúde do autor e bem estar da família”, respetivamente. Apenas cumpre acrescentar que o Autor menciona na comunicação a regra do trabalho igual salário igual e o facto de a mesma não ser respeitada.
A sentença recorrida considerou verificada a justa causa da resolução no pressuposto de que o Autor tinha sido alvo por parte da Ré, sua entidade empregadora, de um tratamento discriminatório em sede remuneratória, por violação do princípio do trabalho igual salário igual, durante dois anos e meio, e que tinha representado para o trabalhador a falta de pagamento de € 9.735,17 de diferenças remuneratórias.
Como decorre do decidido quanto à primeira questão enunciada, tal pressuposta violação não pode ser afirmada, pelo que falece totalmente o fundamento que esteve na base do decidido pela sentença recorrida quanto à justa causa de resolução.
Na comunicação de resolução do contrato de trabalho foi invocado um outro fundamento para a resolução – constantes alterações de horário, chegando o Autor a fazer 16 horas (como no mês de julho de 2021), o que prejudica a saúde do autor e bem estar da família.
Neste conspecto, da alínea Q) dos factos provados resulta que o horário do Autor não era sempre o mesmo, tendo sofrido alterações, não podendo esquecer-se que o Autor prestou trabalho em turnos rotativos o que, como é evidente, pressupõe que o horário não seja sempre o mesmo e, portanto, sofra alterações. Não se vislumbra, pois, sob esta perspetiva, uma violação das garantias ou direitos do trabalhador.
Quanto ao facto de o Autor ter feito 16 horas de trabalho no mês de julho de 2021 (única situação que foi minimamente concretizada na carta de resolução), como se observa na sentença recorrida e decorre dos factos provados, nos dias 3, 17 e 24, o Autor prestou trabalho, em cada um desses dias, num total de 14:30, correspondendo ao turno de 16 horas, deduzido das pausas de 1 hora e de 30 minutos para as refeições. Mas, nos restantes dias dessas semanas, o Autor prestou trabalho 5h30 em cada uma dos outros 5 dias e no outro dia não prestou trabalho, donde se conclui que em cada uma dessas semanas prestou 42 horas de trabalho.
A verdade é que o Autor manda a carta de resolução logo no início do mês de julho de 2021 (a carta foi expedida logo no dia 5 de julho de 2021 e foi recebida pela Ré em 6 de julho de 2021) para produzir efeitos, conforme expressa indicação do Autor nessa mesma carta, em 3 de setembro de 2021 (“A presente denúncia do contrato terá efeitos a partir do dia 3 de Setembro de 2021”), não justificando o Autor o motivo de tal dilação, num contexto em que na mesma carta refere que as situações invocadas “tornam, imediata e praticamente impossível, a subsistência da relação de trabalho”. Para além disso, o Autor na mesma carta refere ainda que o seu “pedido de férias deve ser gozado no próximo mês de agosto, devendo ser contabilizado para efeitos de aviso prévio”.
Provou-se que: o Autor não conseguia conciliar o sono considerando as sucessivas alterações ao seu horário de descanso; não conseguia acompanhar os seus filhos menores atendendo aos seus horários, nem os acompanhando à escola, nas atividades extracurriculares e nos tempos livres ou na execução dos trabalhos de casa e que os horários praticados o esgotavam física e psicologicamente (alíneas U) a W) dos factos provados). Porém, não ficou provado que: tais situações provocaram ansiedade ao Autor, que não conseguia dormir; que a ansiedade e o cansaço lhe tivessem causado problemas a nível gástrico, insónias, estados depressivos; que os horários fixados não permitiam ao Autor ter a sua vida familiar organizada, pois nunca sabia, de uma semana para a outra, ou sequer de um mês para o outro que horários ia ter e se podia estar disponível para cumprir as suas obrigações familiares. Ficou ainda provado que: o Centro de Dia da Ré esteve encerrado desde março de 2020 e durante cerca de dois anos, por força do surto pandémico Sars Cov-2; entre março de 2019 e março de 2020 e junho e julho de 2021, o autor prestou atividade laboral em regime de três turnos; durante o período de emergência, quando foi aplicado o Plano de Contingência, que decorreu entre 13/03/2020 e 31/05/2021 foram implementados horários de trabalho contínuos na ERPI (Estrutura Residencial Para Idosos), período em que o autor praticou o chamado turno completo (TC) compreendido entre as 07:00 e as 22:00 horas, com 1 hora para pausa de almoço e 30 mn de pausa para jantar; o autor, por cada dia trabalhado de turno completo, beneficiou de dois dias de descanso (folga), excepto nos seguintes dias e meses elencados na alínea S) dos factos provados.
Sublinhe-se que, no que respeita aos turnos completos, tal aconteceu durante o período de emergência relacionado com a situação pandémica, quando foi aplicado o plano de contingência, com a implementação de horários de trabalho contínuos na ERPI (Estrutura Residencial Para Idosos). A situação pandémica vivenciada exigiu muitos sacrifícios, especialmente aos trabalhadores ligados aos cuidados de saúde e àquele tipo de estruturas de apoio a idosos.
Como se escreve no sumário do Acórdão desta Secção Social da Relação do Porto de 22-06-2022 [processo n.º 845/20.5T8AVR.P1, Relator Nelson Fernandes, com intervenção das aqui Adjuntas nessa mesma qualidade]: «I - A resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, sem necessidade de aviso prévio com invocação de justa causa, a que alude o art.º 394.º do CT/2009, pode ser fundada num comportamento ilícito do empregador ou resultante de circunstâncias objetivas, relacionadas com o trabalhador ou com a prática de atos lícitos pelo empregador – dizendo-se no primeiro caso que estamos perante resolução fundada em justa causa subjetiva e, no segundo, por sua vez, fundada em justa causa objetiva. II – A dimensão normativa da cláusula geral de rescisão exige mais do que a mera verificação material de um qualquer dos comportamentos do empregador elencados, sendo ainda necessário que desse comportamento culposo resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que seja inexigível ao trabalhador – no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – a continuação da prestação da sua atividade.»
Da análise dos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 394.º decorre que o direito potestativo do trabalhador de resolver o contrato com justa causa subjetiva depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
1 – Um comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador, isto é que o mesmo atue ilicitamente – elemento objetivo;
2 - Que tal comportamento seja culposo, isto é imputável ao empregador a título de culpa – elemento subjetivo;
3 - e que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – elemento causal.
O terceiro pressuposto, por seu turno, limita o exercício do direito de resolução do contrato pelo trabalhador aos casos em que a violação verificada, pela sua gravidade e/ou consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Sublinhe-se que não se sufraga o entendimento de que o diferimento, para momento posterior, da produção dos efeitos da resolução seja necessariamente incompatível com a impossibilidade/inexigibilidade de manutenção da relação laboral e, por consequência, com a existência de justa causa para essa resolução [Sobre esta matéria veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-06-2007, processo n.º 07S919 , Relator Sousa Peixoto e, bem assim, o Acórdão desta Secção Social da Relação do Porto de 16-12-2015, processo n.º 1091/12.7TTVFR.P1, Relatora Paula Leal de Carvalho].
Como se escreve neste último Acórdão, “a circunstância de o trabalhador diferir os efeitos da resolução do contrato de trabalho para momento posterior ao da sua comunicação não determina a “invalidade” da resolução como invocado pela Recorrente, apenas podendo relevar, e não necessária ou automaticamente, para o juízo a fazer quanto à impossibilidade/inexigibilidade, ou não, da manutenção da relação laboral e, por consequência, quanto ao juízo relativo à existência, ou não, de justa causa para a resolução do contrato de trabalho.”
O referido juízo de “inexigibilidade” terá de ser feito em concreto, isto é, tomando em consideração todas circunstâncias relevantes do caso, e tem de assentar em critérios valorativos objetivos, sendo de excluir quaisquer juízos puramente subjetivos ou arbitrários.
Como assim, é de concluir pela impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho (pela existência de “justa causa” de resolução) quando, nas circunstâncias concretas, a subsistência da relação laboral e das relações pessoais e patrimoniais que ela implica sejam de molde a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição concreta daquele trabalhador, quando a continuidade do vínculo represente para ele uma injusta imposição. Torna-se necessário, pois, que a conduta da empregadora seja de tal modo grave, em si mesma e nas suas consequências, que, à luz do entendimento de um bonnus pater famílias, torne inexigível a manutenção da relação laboral por parte do trabalhador.
Ora, no caso, sem necessidade de nos debruçarmos sobre a questão da legalidade ou não dos horários de trabalho que foram praticados pelo trabalhador, máxime no âmbito dos turnos contínuos, no parco circunstancialismo invocado na carta de resolução e apurado na ação, não pode concluir-se pela verificação de qualquer comportamento/atuação/situação imputável à Ré que, pela sua gravidade, em si e nas suas consequências, tornassem inexigível ao trabalhador - no contexto da empregadora e considerados o grau de lesão dos seus interesses, bem como o caráter das relações entre as partes - a manutenção do vínculo laboral.
Quanto ao fundamento em referência [enunciado na sentença recorrida como fundamento invocado 4)], entende-se que o mesmo não consubstancia justa causa de resolução do contrato de trabalho (o mesmo foi, aliás, o entendimento da sentença recorrida).
Por todo o exposto, considera-se que não está demonstrada a justa causa para a resolução do contrato, procedendo assim o recurso nesta parte, pelo que a sentença recorrida deve ser revogada nessa parte, ou seja, quanto à alínea a) do seu dispositivo.
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Não tendo a Recorrente dirigido o recurso ao demais decidido na sentença no que se refere à sua condenação - assim os créditos laborais nessa contabilizados a título de subsídio de turno (€ 1.989,75), de trabalho suplementar (€ 3.065,48) e de formação profissional não prestada (€ 375,00), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, a contar da data de vencimento de cada uma das prestações até efetivo e integral pagamento – transitou aquela em julgado nessa parte, razão pela qual está excluída do presente recurso.
*

As custas da ação em 1ª instância são por ambas as partes, na proporção de vencimento/decaimento (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário que foi concedido ao Autor, conforme
A responsabilidade pelas custas do recurso impende sobre o Autor/Apelado artigos 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil e artigo 6.º, n.º 2, do Regulamento de Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Valor do recurso: €12.435,17 (artigo 12.º, n.º 2, do Regulamento de Custas Processuais).
*

IV – DECISÃO:

Em face do exposto, acorda-se:

1) Em proceder oficiosamente à alteração da matéria de facto nos termos plasmados no ponto III, 2.1 a 2.3 [considera-se não escrita a alínea K) dos factos provados, ficando eliminada; considera-se não escrito o ponto 5 dos factos não provados, ficando eliminado; e procede-se à alteração da redacção das alíneas D), H) e O) dos factos provados], julgando ainda improcedente a impugnação da matéria de facto apresentada pela Recorrente que versou sobre o ponto 6) dos factos não provados;

2) Em julgar procedente o recurso no âmbito da aplicação do direito e alterar a sentença recorrida, a qual, mantendo-se no mais, é substituída por este acórdão, no qual se exclui/revoga a alínea a) do dispositivo da sentença e, bem assim, quanto à alínea b) desse mesmo dispositivo, dessa se exclui a quantia de € 9.735,17, aí fixada a título de diferenças de retribuição.

Custas da ação por ambas as partes, na proporção de vencimento/decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao Autor.

Custas do recurso pelo Apelado, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Valor do recurso: € 12.435,17 (artigo 12.º, n.º 2, do Regulamento de Custas Processuais).

Notifique e registe.
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(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)


Porto, 18 de abril de 2024
Germana Ferreira Lopes [Relatora]
Rita Romeira [1ª Adjunta]
Teresa Sá Lopes [2ª Adjunta]